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13 de março de 2014

Flagrantes de Cartier-Bresson






Fotografar é encontrar o momento
decisivo, é colocar na mesma linha
de mira a cabeça, o olho e o coração.
–– Henri Cartier-Bresson (1908-2004).  


Morto em 2004, aos 95 anos, aclamado como um dos maiores nomes da história da fotografia, Henri Cartier-Bresson é o grande homenageado do Centro Pompidou de Paris, que apresenta a mais completa retrospectiva já feita sobre sua obra. Uma unanimidade quando se fala em arte da fotografia, Cartier-Bresson inventou o conceito de “momento decisivo” (definido na citação acima, em epígrafe) e alterou completamente os critérios de qualidade e composição fotográfica. Como fotógrafo, ele viajou e registrou cenas de países dos cinco continentes, retratou famosos, anônimos e miseráveis, fez a cobertura jornalística de grandes festas populares, de guerras, de revoluções, e fundou, com Robert Capa, a Agência Magnum, cooperativa internacional de profissionais da fotografia que marcou época e mudou os rumos do fotojornalismo. Além de tudo, Cartier-Bresson também foi pintor, desenhista, cineasta, ator, poeta e antropólogo, entre outras habilidades às quais se dedicava ocasionalmente.

A exposição no Centro Pompidou, homenagem ao fotógrafo e ao pensador Cartier-Bresson, militante das esquerdas, do comunismo e do surrealismo, vai permanecer em cartaz até 9 de junho e depois segue para Madri e outras capitais de países da Europa (veja link para uma visita virtual no final deste artigo), reunindo uma seleção de 500 fotografias em preto e branco e um vasto acervo de documentos diversos de Cartier-Bresson e sobre Cartier-Bresson, incluindo filmes, desenhos, pinturas, cartas, rascunhos, livros, catálogos, jornais e revistas. Uma das surpresas é uma ampla sala dedicada ao trabalho ainda pouco conhecido do cineasta Cartier-Bresson, incluindo a exibição dos documentários que ele realizou e as obras em parceria com nomes como o mestre do cinema francês Jean Renoir, de quem foi assistente de direção e ator em vários filmes.

Um fotógrafo deve respeitar a atmosfera de uma cena para integrar o cenário de fundo, acima de tudo, para evitar qualquer artifício que suprime a verdade humana. Também deve esquecer a câmera e quem a manipula” – repetia Cartier-Bresson em entrevistas. A vasta e sempre atual produção do fotógrafo, que inclui retratos, paisagens, estudos sobre construções de arquitetura, flagrantes impressionantes de fotojornalismo e registros de viagens por vários países, já mereceu estudos célebres dos mais importantes pensadores da fotografia – de Roland Barthes a Susan Sontag, de Paul Valery a Jean Baudrillard e Fredric Jameson – mas nunca havia sido reunida em uma amostra abrangente como a que apresenta o Pompidou.













Henri Cartier-Bresson em ação:
 no alto e acima, o fotógrafo em 1989,
em ação nas ruas de Paris, fotografado
por Charles Platiau. Acima, duas de
suas fotografias mais conhecidas,
ambas de 1932: Allée du Prado, 
Marseille, France; e o homem que
salta sobre a água em Derrière
la Gare Saint-Lazare.

Abaixo, Henri Cartier-Bresson
fotografado em 1932, quando retornou
a Paris, depois da temporada de um
ano na África; L'escalier en spirale
et les enfants, fotografia feita em um
orfanato em Paris, em 1955, trabalho
em parceria de Cartier-Bresson e sua
segunda esposa, Martine Franck,
também fotógrafa; a festa da
Peregrinação de Santo Inocêncio na
província de Grassano, Itália, em 1973;
e os anjos e freiras nas ruas de Paris,
na foto de 1955. Todas as fotografias
reproduzidas nesta página estão no
catálogo da exposição organizada pelo
Centro Pompidou de Paris

















Organizada cronologicamente, em três grandes núcleos, a exposição é uma parceria do Centro Pompidou com a fundação que mantém o acervo do fotógrafo – a Fondation Henri Cartier-Bresson, que foi criada por ele próprio em 2003, com sua esposa e a única filha. A exposição também inclui imagens inéditas do fotógrafo, considerado por muitos como “pai do fotojornalismo”, além das obras que ele realizou em conjunto com vários outros artistas – entre elas os registros de seu trabalho no cinema, como assistente de Jean Renoir e como diretor de documentários.



Surrealismo & fotojornalismo



O primeiro núcleo da exposição, que cobre o período de 1926 a 1935, destaca a ligação do fotógrafo com André Breton e outros artistas do Surrealismo, suas viagens pela Europa, África, México e Estados Unidos e sua descoberta da fotografia: segundo os biógrafos, a fixação de Cartier-Bresson com a atividade de fotógrafo surgiu em 1932, quando ele viu pela primeira vez na revista “Photographies” uma foto do húngaro Martin Munkacsi que o impressionou muito. A foto de Munkacsi registrava três rapazes negros no Congo, África, correndo nus contra a luz, em direção ao mar. Desde então, uma câmera Leica 35mm passou a ser sua companhia permanente.












Flagrantes de Cartier-Bresson: acima,
Livourne, Toscane, Italie, fotografia
em composição surrealista de 1933;
Couples par la Seine, de 1936; e
Femmes musulmanes en prière,
Srinagar, Cachemire, de 1948.

Abaixo, Mahatma Gandhi, líder pacifista
da resistência não violenta que levou
à independência da Índia do Reino Unido
e inspirou movimentos pela liberdade
no mundo inteiro, fotografado por
Cartier-Bresson em 1948; a multidão
na fila para atendimento em um banco
em Xangai, China, em 1948; e uma
procissão de Corpus Christi em 1952
em County Kerry Tralee, na Irlanda.

Também abaixo, imagens do pós-guerra
de Cartier-Bresson na Américaem
1947: 1) um homem negro enforcado
no Mississippi; 2) negros no Harlem,
em Nova York; 3) três mulheres
em Los Angeles, Califórnia. E a
mobilização em Washington, em 1957,
contra o racismo e pelos Direitos Civis
















O segundo núcleo, que vai de 1936 a 1946, destaca a atuação política de Cartier-Bressn: seu engajamento na luta contra o fascismo, sua participação como colaborador em jornais e revistas de militância comunista e socialista, sua atuação na Resistência Francesa contra os nazistas e sua extensa cobertura sobre a Segunda Guerra Mundial. Quando explodiu a guerra, ele alistou-se no exército francês e acabou prisioneiro das tropas nazistas, mas conseguiu fugir e juntar-se à Resistência.

O terceiro núcleo da exposição vai do fim da Segunda Guerra Mundial à década de 1970, quando ele decidiu abandonar as atividades de repórter fotográfico. Em 1947, há um capítulo especial em sua biografia e na história da fotografia – é quando Cartier-Bresson fundou a agência de fotógrafos Magnum, junto com Robert Capa, Bill Vandivert, George Rodger e David Seymour e começou o período mais sofisticado de seu trabalho, cumprindo pautas de fotojornalismo em vários países sob encomenda de publicações internacionais como as revistas “Life”, “Vogue” e “Harper's Bazaar”.
















Na apresentação à exposição no Centro Pompidou, o curador Clement Cheroux destaca que o objetivo principal da retrospectiva, além de demonstrar que a trajetória de Cartier-Bresson se confunde com os avanços da fotografia no século 20, é lançar luzes sobre alguns aspectos da obra do fotógrafo que permaneciam como referências cifradas apenas para especialistas e pesquisadores de sua obra – especialmente as questões políticas e o surrealismo. 



Fotografia como Grande Arte



Segundo o curador Clement Cheroux, as questões políticas ficam evidentes quando se observa cada uma de suas imagens a partir do contexto da época, na Segunda Guerra e em outros conflitos armadas ao longo do século 20, mas também nas cenas impressionantes de linchamentos de negros nos EUA, nos movimentos populares nas ruas da China ou da Índia, nos processos de independência das ex-colônias francesas na África, na Ásia, na América e nas barricadas dos estudantes nas ruas de Paris, em maio de 1968.



 


Acima, a célebre fotografia de 1931
de Martin Munkacsi no Congo,
África, que, segundo os biógrafos,
provocou fixação em Cartier-Bresson
e o levou ao ofício de fótografo.

Abaixo, o casal anônimo na véspera
de Ano Novo em Times Square,
Nova York, em fotografia de 1959;
e quatro célebres cenas parisienses
de Cartier-Bresson: o garotinho feliz
em Rue Mouffetard, Paris, 1954;
o trabalhador braçal em Les Halles,
Le Marché Central, fotografia
de 1952; e os beijos flagrados
em Jardin des Plantes, 1959,
e no bistrô em 1968




















O ponto de vista especialíssimo de Cartier-Bresson, que demonstra à perfeição os preceitos seculares da proporção áurea aplicada à fotografia, também deve muito ao Surrealismo, segundo Cheroux, que destaca a influência de André Breton na formação do fotógrafo. Uma influência reconhecida pelo próprio Cartier-Bresson em entrevistas e em suas últimas anotações – entre elas, uma confissão datada de 2003: "O surrealismo teve um efeito profundo em mim e toda a minha vida eu fiz o meu melhor para nunca mais traí-lo”.

Neste contexto, até mesmo algumas das imagens do fotógrafo mais conhecidas do grande público – como aquela foto em que um homem salta sobre a água na Gare Saint-Lazare em Paris, em 1932 – assumem novos sentidos e possibilidades de interpretação que não afastam nem diminuem seu valor “jornalístico”, mas elevam o registro fotográfico à condição explícita de grande arte. Estudioso dos cálculos geométricos e das perspectivas desde a juventude, Cartier-Bresson é um caso raro que conseguiu reunir, ao “realismo” dos flagrantes em fotojornalismo, um sem número de nuances e sugestões sobre as cenas de absurdos e impasses da condição humana. 
 

por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Flagrantes de Cartier-Bresson. In: Blog Semióticas, 13 de março de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/03/flagrantes-de-cartier-bresson.html (acessado em .../.../...).











Flagrantes de Cartier-Bresson: acima,
Simone de Beauvoir em Paris, 1946,
e uma cena prosaica registrada em
Camagey, Cuba, 1963. Abaixo, um
anônimo visitante na exposição de
Cartier-Bresson no Centro Pompidou,
em Paris; e Cartier-Bresson em ação
em Nova York, em 1961, em
fotografia de Dennis Stock








22 de dezembro de 2013

Robert Capa em cores






Realmente me parece que Capa demonstrou,
sem sombra de dúvida, que a câmera não precisa
ser um instrumento mecânico frio. Como a pena,
ela tem as qualidades daquele que a usa. Pode
ser uma extensão da mente ou do coração.
   –  John Steinbeck (1902-1968).  


Nenhum outro fotógrafo construiu uma trajetória mais célebre viajando ao redor do mundo para acompanhar a Segunda Guerra Mundial e outras guerras. Coube ao húngaro Endre Erno Friedmann, mais conhecido pelo pseudônimo Robert Capa, conferir à profissão de fotojornalista uma aura incomparável de ideal romântico com doses generosas de aventura e sedução. Antes de Robert Capa, outros fotógrafos também registraram as tropas de soldados em momentos dramáticos antes ou depois das batalhas, mas ele foi o primeiro a registrar o que acontecia durante as batalhas. Também é mérito de Capa, junto com Henri Cartier-Bresson e David “Chim” Seymour, a iniciativa pioneira e heroica de criar a Agência Magnum, em 1947, que revolucionou o mercado internacional de direitos autorais na fotografia.

Nascido há 100 anos, em 1913, o mais famoso dos fotojornalistas do século 20 voltou à cena recentemente em uma exposição de suas fotos coloridas, que desde sua morte trágica permaneciam inéditas, e em breve terá sua história contada em documentários e em superproduções de cinema que estão em pré-produção com roteiros que abordam suas aventuras extraordinárias dentro e fora das trincheiras de guerra. Mesmo depois de décadas de sua morte e das muitas biografias que foram publicadas sobre ele, Robert Capa, que também colecionou inimigos e polêmicas, ainda guarda muitos segredos.

A queda pela aventura e pelas viagens começou ainda na adolescência, quando Endre Erno Friedmann deixou sua terra natal e sua família de judeus na Hungria e fugiu para a Alemanha. Com a chegada de Hitler e dos nazistas ao poder, em 1933, ele fugiu novamente – desta vez para Paris, onde adotou o pseudônimo americanizado para escapar do antissemitismo, mas com um detalhe prosaico: “Capa”, que era seu apelido desde a adolescência, é uma palavra que significa “tubarão” em húngaro.







No alto, Robert Capa em Paris, em 1952,
fotografado por Ruth Orkin. Acima, Capa
em ação na Segunda Guerra e com sua
companheira Gerda Taro em 1936,
durante a Guerra Civil Espanhola.

Abaixo, Gerda Taro ferida no campo
de batalha, em Córdoba, Espanha,
fotografada por Capa. Gerda Taro
morreria em 1937, durante a
Guerra Civil Espanhola, atropelada
por um tanque de guerra conduzido 
pelas tropas do General Franco.
Também abaixo, Capa fotografado por
Gerda Taro em Córdoba, em 1936;
e uma das primeiras experiências
de Capa com fotografias coloridas,
em 1938, após um bombardeio sobre
Hanku, na China, durante a guerra
deflagrada entre China e Japão



















Segundo seus biógrafos, Capa sempre foi viciado em pôquer e apostas com jogos de cartas, além de apaixonado pelas farras da vida na boemia. Conquistador com fama de irresistível, namorou estrelas de Hollywood como Ava Gardner e Ingrid Bergman, entre outras, e teve como amigos e confidentes personalidades do mundo das artes, do cinema e da literatura como Pablo Picasso, John Huston, Ernest Hemingway, John Steinbeck. O que todos dizem é que era um homem incomum – tanto que outro de seus grandes amigos, o escritor William Faulkner, certa vez declarou que Capa era um fotógrafo “apenas nas horas vagas”.

Entre outras, Capa também foi o único fotógrafo presente no dramático desembarque das tropas aliadas no Dia D, em 6 de junho de 1944, nas praias da Normandia, momento crucial para o desfecho da Segunda Guerra. Antes, em 1937, viu sua companheira, a também fotógrafa Gerda Taro, alemã de ascendência judia e primeira mulher a atuar como fotojornalista em campos de guerra, ser morta por um tanque desgovernado durante a Guerra Civil Espanhola. Entre tantos trabalhos memoráveis e aventuras, morreu em uma explosão no campo de batalha no Vietnã, em 25 de maio de 1954, durante a Guerra da Indochina, quando se afastou da tropa francesa para procurar um ângulo melhor de enquadramento e acabou pisando em um campo minado.



Sangue e Champanhe



Em 2013, ano do seu centenário de nascimento, celebrado em vários países, Capa contou no Brasil com o lançamento de uma de suas biografias, “Sangue e Champanhe – A vida de Robert Capa” (Editora Record). Lançada há 10 anos nos EUA, pelo jornalista Alex Kershaw, a biografia amplia a lista de livros publicados no Brasil sobre vida e obra de Capa, incluindo o romance histórico sobre o amor entre o fotógrafo e Gerda Taro, "Esperando Robert Capa", de Suzana Fortes (Record), e o célebre relato autobiográfico de Capa, de 1947, “Ligeiramente Fora de Foco”, editado em 2010 pela Cosac Naify, que também já havia lançado os catálogos “Robert Capa” (Coleção Photo Poche), “Robert Capa – Fotografias” (com texto de Henri Cartier-Bresson, seu parceiro na criação da Agência Magnum) e “Um Diário Russo”, com fotos de Capa e texto de John Steinbeck.

























No alto, Robert Capa em autorretrato
no Dia D, em 6 de junho de 1944, minutos
antes de embarcar com as tropas para a
ocupação da Normandia. Também acima
e abaixo, imagens da espetacular

cobertura fotográfica de Robert Capa
no desembarque das tropas dos
Aliados em Omaha Beach, Normandia,
no Dia Dmomento crucial para o
desfecho 
da Segunda Guerra.

Acima, uma das 
raras e inéditas
imagens coloridas
 feitas no campo de
guerra, no Dia D, pelo fotógrafo. Também abaixo,
Robert Capa (à esquerda) e Ernest Hemingway
(à direita) com um soldado anônimo durante a
entrada das tropas aliadas para a retomada
da França em julho de 1944; registro de
Capa durante o desembarque na Normandia;
e as cores sutis de Capa em uma fotografia
noturna em testes para filmes Kodachrome e
Ektachrome
, com um tripulante fazendo
sinais de luz para outro navio em 1944,
durante a travessia do Atlântico da
Inglaterra para os Estados Unidos













Quando lançou a biografia nos EUA, Kershaw se viu no centro de polêmicas semelhantes às que ele descreve na trajetória de aventuras de Capa. Pelos detratores do fotógrafo lendário, foi acusado de exagero e mistificação em várias passagens. Dos fãs declarados, recebeu críticas por ter simplificado momentos de maior complexidade da história, como o primeiro trabalho importante do biografado, em 1932, quando o jovem Endre Erno Friedmann viajou da Alemanha à Dinamarca e fotografou o dissidente russo Leon Trotsky, que discursava para estudantes em Copenhague – ou ainda as circunstâncias de sua foto mais conhecida, de 1936, que mostra a queda de um combatente na Guerra Civil Espanhola, com arma na mão, morto durante uma batalha em Córdoba.

As controvérsias sobre esta fotografia mais famosa de Robert Capa, publicada na revista francesa “Vu” em 1936 (e republicada na norte-americana “Life” no ano seguinte, quando ganhou repercussão internacional), permaneceram depois que Kershaw publicou a biografia. Como o próprio Capa nunca revelou em detalhes as circunstâncias em que a foto foi feita, há quem afirme que se trata de uma imagem encenada, ou mesmo que se trata do registro de um escorregão, e não do momento da morte do soldado. 


 


















Os fatos verdadeiros e as lendas



Algumas das dúvidas sobre a veracidade da foto de 1936 que registra a morte do combatente espanhol foram diluídas em 2008, anos depois da primeira edição da biografia escrita por Kershaw, quando três pastas de papelão contendo cerca de 3.500 negativos, que Capa considerava ter pedido em 1944, durante um cerco nazista, foram encontradas por acaso no México. Esse material precioso, chamado de “a maleta mexicana”, foi encaminhado ao International Center of Photography, fundado e mantido em Nova York pelo irmão de Capa, Cornell Friedmann.

O acervo da “maleta mexicana” tem gerado muitos estudos, dois deles já publicados em livros ilustrados também polêmicos, ainda inéditos no Brasil, escritos por veteranos jornalistas que conviveram com o fotógrafo: “Robert Capa: The Paris Years 1933–1954”, de Bernard Lebrun e Michel Lefebvre, e “Get the picture”, de John Morris. Mesmo depois de tantas décadas, ainda restam muitas perguntas sobre o trabalho de Capa, mas suas imagens emblemáticas permanecem como símbolos poderosos do absurdo de qualquer guerra – e também demonstram como o fotojornalismo é um terreno minado, difícil, cheio de ambiguidades.










O fotógrafo e seu amigo escritor em
autorretrato diante do espelho:
Robert Capa e John Steinbeck
 em Moscou, 1947. No alto, as capas da
primeira edição do livro Um diário Russo,
publicado em 1948, e a edição de 2013.
Abaixo, Capa registra seu amigo Pablo Picasso
com a esposa Françoise Gilot e o sobrinho
Javier Vicaro caminhando na praia,
no Sul da França, em 1948








Construindo seus argumentos narrativos baseado nas raras entrevistas do próprio Capa e nos depoimentos de amigos e contemporâneos do fotógrafo, além da pesquisa em jornais e revistas da época, arquivos da Rússia, da França e de relatórios do FBI, até então inéditos, a biografia escrita por Kershaw apresenta uma trajetória que parece roteiro de um filme de aventuras. Ao alternar os casos mais pitorescos e os perigos permanentes nos campos de batalha, o biógrafo completa as lacunas e propõe interpretações para questões que surgiram desde a publicação de “Ligeiramente Fora de Foco”, a autobiografia que Capa publicou em 1947.



O Pós-Guerra e a novidade das cores



Depois das celebrações de seu centenário que ocorreram em 2013, com mostras e retrospectivas abertas ao público em museus e centros de pesquisa na França, Estados Unidos, Hungria, Itália, Espanha, México, Inglaterra, Alemanha, Israel, Robert Capa volta à cena no começo de 2014 com a apresentação pela primeira vez seus trabalhos com fotografia em cores. A exposição “Capa in Color” será aberta em 31 de janeiro em Nova York, no International Center of Photography (ICP), onde fica até maio e depois segue em mostra itinerante por diversos países. Uma seleção do acervo de fotografias coloridas de Robert Capa também será editada em catálogo pela editora Prestel, com ensaios e organização de Cynthia Young, curadora do ICP, incluindo textos inéditos dos diários de Capa e artigos de escritores e jornalistas que conviveram com o fotógrafo, entre eles John Steinbeck e Irwin Shaw. O livro, com lançamento anunciado para maio de 2014, está em pré-venda no site da Amazon.

















Robert Capa em cores: no alto, Pablo Picasso
em uma praia do sul da França em 1948 com o
filho Claude; e Ernerst Hemingway na Flórida
com o filho Gregory em 1941. Acima, três
experiências de Capa com variações de tempo
de exposição do Kodachrome para registrar a
musa de Hollywood Ava Gardneruma de suas
paixões, fotografada em Tivoli, na Itália, em
1954, nas filmagens de A Condessa Descalça
(The Barefoot Contesse), filme escrito e
dirigido por Joseph L. Mankiewicz.

Abaixo, a modelo e atriz Capucine na capa do
catálogo que reúne uma seleção das fotos em
cores de Capa, organizado por Cynthia Young,
outras raras fotografias em cores de
Capa: no Piccadilly Circus, Londres, no dia
2 de junho de 1953, durante a procissão de
coroação da rainha Elizabeth II; no Marrocos,
em 1949, com espectadores que assistem, no alto
da árvore, a visita do sultão Sidi Mohammed;
o desembarque de imigrantes em Israel, em 1949;
um treinamento militar e o encontro da tropa com
uma família de gansos na Indochina, em 1954;
e uma das últimas fotos de Capa, com data de
25 de maio de 1954, data em que
ele morreu numa explosão, ao pisar em uma
mina, enquanto acompanhava tropas no Vietnã,
durante os combates na Guerra da Indochina
























 


As 125 fotos anunciadas para a mostra no ICP de Nova York e para o catálogo organizado por Cynthia Young foram selecionadas do acervo de mais de 4 mil imagens em cores que Capa produziu e que, na quase totalidade, ainda permanecem inéditas. Na maioria, são imagens feitas sob encomenda para as revistas norte-americanas durante a Segunda Guerra, no Pós-Guerra e no início da década de 1950, e revela, que Capa – reconhecido como um dos grandes mestres da fotografia em preto-e- branco – também foi um dos primeiros fotógrafos do primeiro time a investir na novidade das cores, testando novos filmes e o manuseio de novos equipamentos.

A técnica das fotos coloridas, que havia sido introduzida em escala industrial pela Kodak (Kodachrome) em 1936, foi esnobada até a década de 1950 pela maioria dos profissionais da fotografia contemporâneos de Capa. Ele, entretanto, investiu na novidade, contra tudo e contra todos, e começou a explorar a técnica dos filmes coloridos a partir de 1938, durante a guerra entre China e Japão. Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, Capa experimentaria alguns registros a cores, mas teve dificuldades em vender as fotografias coloridas, motivo pelo qual continuou a fotografar em preto e branco e só regressou à cor depois de 1945, durante suas viagens pela Europa, pela África e por países do Oriente Médio. O resultado, pelo que se vê nas amostras do material distribuído à imprensa pelo ICP, impressiona.






Robert Capa em cores: acima, soldados
norte-americanos na Tunísia, durante a
Segunda Guerra Mundial. Abaixo,
a vida cotidiana de uma família
tradicional da Noruega na Península
Escandinava, em fotografia de Capa
durante expedições pelos países do
norte da Europa. Também abaixo,
visitante observa a exposição das
fotos coloridas de Capa em Nova York













Imagens inéditas e cinebiografias



Entre as experiências inéditas de Robert Capa com a cor que serão apresentadas pela primeira vez em Nova York estão cenas urbanas e a crônica social sobre famosos e anônimos no Pós-Guerra, nas capitais da Europa. Também fazem parte das 125 fotos anunciadas para a exposição no ICP belas imagens de seu amigo Picasso em 1948, passeando com a família na praia, no sul da França, e brincando dentro d'água com o filho recém-nascido. Ava Gardner, uma de suas musas, também foi registrada em cores por Capa, durante as filmagens de “A Condessa Descalça” na Itália, em 1954, assim como a chegada dos primeiros judeus no Pós-Guerra ao recém-fundado Estado de Israel, além de novos enquadramentos revelados em cores sobre cenas de guerra que na versão em preto e branco fizeram dele uma celebridade internacional, aclamado como mestre da fotografia. 









A foto mais polêmica de Robert Capa
em 1936, durante a Guerra Civil
Espanhola. Abaixo, amostras do
lirismo do fotógrafo ao registrar a
plateia que assistia à final da corrida
no Hipódromo de Longchamp, em
Paris, 1952; um flagrante de sua
musa Ingrid Bergmandurante as
filmagens de Viaggio in Italia,
de Roberto Rossellini, em abril de 1953
(com Rossellini e George Sanders);
uma imagem rara de Ingrid Bergman
e Robert Capa juntos, em Berlim, 1945,
fotografados por Carl Goodwin;
e um soldado francês no deserto da
Tunísia, em 1943, durante os combates
da Segunda Guerra.

Também abaixo, duas fotografias
produzidas sob encomenda da
Maison Dior, em Paris, 1948;
o registro do beijo do casal anônimo
às margens do rio Sena, em Paris,
em 1952; e Capa em ação, durante
a Segunda Guerra, durante e depois
do célebre desembarque na
Normandia, em junho de 1944,
fotografado por David Scherman



















Também são aguardados com expectativa pelos fãs da fotografia, e pelos admiradores da trajetória do maior de todos os fotógrafos de guerra, novos documentários com cenas inéditas e três filmes de ficção que foram anunciados em pré-produção para contar histórias sobre a vida e as aventuras de Robert Capa pelos cinco continentes, incluindo sua aura de sedutor e suas relações amorosas mais conhecidas, entre elas a também fotógrafa Gerda Taro e as estrelas de cinema Ingrid Bergman e Ava Gardner. Um dos filmes é “Close enough”, de Paul Andrew Williams, com roteiro de Menno Meyjes, centrado na Guerra Civil Espanhola, que ainda não anunciou seu ator protagonista para o papel do fotógrafo. O título previsto para o filme, "Close enough", que pode ser traduzido como “perto o suficiente”, é baseado em uma frase famosa atribuída ao fotógrafo, que costumava dizer: "If your pictures aren’t good enough, you aren’t close enough" (Se as fotografias não são suficientemente boas, é porque você não está suficientemente perto”).

Outro dos filmes anunciados é "Seducing Ingrid Bergman”, com roteiro de Arash Amel, baseado no livro homônimo que Chris Greenhalgh publicou em 2012, que aborda o caso de amor entre o fotojornalista e a atriz e seus encontros secretos a partir de 1945 em Paris, em Berlim e em Hollywood, após a Segunda Guerra. A história do caso de amor sigiloso entre a estrela e o fotógrafo teria também inspirado Alfred Hitchcock, antigo confidente de Ingrid Bergman, em várias cenas do casal de namorados interpretado por Grace Kelly e James Stewart no filme de 1954 "Janela Indiscreta" (Rear Window). Pelas especulações na imprensa internacional, a versão para cinema de "Seducing Ingrid Bergman" possivelmente terá Jessica Chastain no papel de Ingrid Bergman e direção de James Mangold.

Também está anunciado como pré-produção um filme que vai abordar a descoberta da fotografia pelo jovem Endre Erno Friedmann. Com o título “Capa”, terá provavelmente a direção de Michael Mann, que já anunciou Andrew Garfield para o papel principal. O roteiro, escrito por Michael Mann em parceria com Jez Butterworth, é uma adaptação de Waiting for Robert Capa”, livro que Susana Fortes publicou em 2009 abordando a juventude do fotógrafo e sua relação com Gerda Taro. Como os filmes anunciados se propõem a recriar passagens da biografia do fotógrafo com as licenças poéticas que são frequentes nas obras de ficção, e não como documentários que relatam e investigam em detalhes os fatos reais, tanto os ferrenhos detratores como os fãs dedicados de Robert Capa podem ir se preparando para encontrar novas e antigas questões polêmicas.

 

por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Robert Capa em cores. In: Blog Semióticas, 22 de dezembro de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/12/robert-capa-em-cores.html (acessado em .../.../...).








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