A
coisa mais bela que podemos experimentar é o
mistério, porque o mistério é a fonte
de toda arte e de toda ciência.
––
Albert
Einstein (1879-1955). |
Fotografias em close-up
de células, bactérias e outros organismos microscópicos formam
paisagens e retratos na nova série de imagens criadas por Vicente
José de Oliveira Muniz – o brasileiro que virou celebridade
internacional com o nome artístico Vik Muniz. A série, resultado de
uma parceria iniciada em 2014 entre o artista brasileiro e Tal
Danino, especialista em bioengenharia do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (em inglês, MIT), foi apresentada em Nova
York na abertura da campanha internacional de vacinação “The Art of Saving a Life” (A arte de salvar vidas), promovida pela Fundação
Bill e Melinda Gates.
Batizada
de “Colonies” (Colônias), a série de imagens de Vik Muniz e Tal
Danino é, no mínimo, estranha à primeira vista, mas a força de
cada uma das figuras aumenta quando o observador tem informações
para identificar os micro-organismos que deram origem às
composições. A definição mais adequada para as figuras geradas na parceria entre o brasileiro radicado nos EUA e o especialista do
MIT talvez seja a expressão francesa “trompe-l'oeil” – enganar
o olho – usada há séculos em pintura e em arquitetura para as
técnicas que, com truques de perspectiva, criam ilusões de ótica
para mostrar formas que não existem realmente.
Para
além da parceria recente em tecnologias avançadas com o
bioengenheiro do MIT, a expressão “trompe-l'oeil” também serve
como uma luva para identificar a arte que Vik Muniz vem produzindo
desde a década de 1980, quando decidiu embarcar para tentar a sorte
nos EUA. Sua originalidade nas composições com o uso de materiais
insólitos (que vão de geleia de frutas, molho de tomate e chocolate
a resíduos de plástico, metal, vidro e os mais variados objetos de
lixo reciclável), organizados em novos formatos e depois
fotografados, ganhou destaque a partir da segunda metade dos anos
1990, graças ao influente crítico de arte do jornal “The New York
Times”, Charles Hagen.
Em
um artigo publicado em 1996, Hagen apresentou com altos elogios o
trabalho incomum do artista brasileiro. Tudo aconteceu por força do
acaso: Hagen havia descoberto, em uma galeria de arte contemporânea
até então pouco conhecida, em Nova York, o trabalho “Sugar
Children” (Crianças de Açúcar) e ficou encantado com o que viu.
Foi a sorte grande para Vik Muniz. Com a repercussão dos elogios,
várias de suas obras foram adquiridas por museus importantes dos EUA
– entre eles o Guggenheim e o Metropolitan Museum of Art. Depois do
impulso inicial, Vik Muniz seguiu avançando nas últimas décadas
por outras mídias, incluindo o cinema, e em diversas parcerias
multidisciplinares.
.
Outras
possibilidades e sentidos
A
notícia recente sobre a parceria do artista brasileiro com o
especialista em biotecnologia do MIT me trouxe à memória o encontro
e a longa conversa que tive com Vik Muniz em Belo Horizonte, em
agosto de 2009. Ele estava na cidade para a abertura de uma
retrospectiva de sua obra no Museu Inimá de Paula e fui
entrevistá-lo para um jornal de BH. Visitar a exposição ao lado do
artista foi uma descoberta e uma aula fascinante – com a sorte de
ouvir dele explicações e avaliações sobre as 131 fotografias
reunidas na exposição.
Naquela
entrevista, perguntei a Vik Muniz se “trompe-l'oeil” seria a
melhor definição para as imagens que ele produzia. Ele concordou
totalmente e lembrou que as técnicas de “enganar o olhar” também
vinham sendo muito usadas por grafiteiros de vários países para
criar ilusões de ótica através de pinturas em ruas, muros e
paredes. Caminhando a seu lado, acompanhei os comentários sobre seu
processo criativo e sobre o que houve de mudanças do rabisco inicial
à forma final das obras em exposição. Segundo Vik Muniz, as
técnicas de composição em “trompe-l'oeil” foram surgindo aos
poucos em sua trajetória.
No
início, ele explicou, seu trabalho consistia basicamente na criação
de esculturas em diversos suportes. Até que um dia ele decidiu
começar a fotografar suas próprias obras e passou a identificar
outras possibilidades e outros sentidos nas imagens. “Através das
fotos fui percebendo que o sentido mudava muito a partir de cada
mudança de perspectivas. Minha autocrítica me levou então a outras
possibilidades e variações e continuei seguindo nesta trajetória”,
explicou, recordando uma ou outra etapa da composição e da escolha
de materiais e revelando traços e evoluções das obras mais antigas
às mais recentes.
Castelos
em grãos de areia
A
parceria recente com o especialista em bioengenharia Tal Danino não
é a primeira experiência de Vik Muniz nos domínios microscópicos.
Desde 2010 ele vem investindo em pesquisas com outro especialista em
tecnologia do MIT, Marcelo Coelho, também brasileiro radicado nos
EUA, para desenvolver imagens em miniaturas que não podem ser
percebidas pelo olho humano sem equipamentos especiais. O resultado,
depois de quatro anos de experimentações, foi a criação minuciosa
de silhuetas de castelos gravados em minúsculos grãos de
areia.
Criadas e reproduzidas em imagens ampliadas milhares de vezes, a partir de superfícies irregulares com menos de meio milímetro de comprimento, os castelos e seus elementos de composição provocaram comoção quando foram apresentadas ao publico pela primeira vez, no começo de 2014, pelo Museu de Arte de Tel Aviv, em Israel. Com as séries microscópicas, Vik Muniz fez um caminho inverso ao das instalações gigantescas que ele realizou na última década, sob encomenda para importantes museus dos EUA – com experiências em perspectiva sobre montagens de até 500 metros de comprimento que só poderiam ser vistas a partir do alto, em fotografias e filmagens registradas a bordo de aviões e helicópteros.
Mas
o limite está nas miniaturas microscópicas ou nas instalações
monumentais? “O céu é o limite”, responde Vik Muniz na página
dedicada a seu trabalho no portal do MIT. "Gosto
muito de trabalhar com cientistas porque sinto que talvez possamos
nos encontrar no meio do caminho e criar uma obra de arte perfeita:
uma combinação exata entre matéria e significado. Foi assim que
nasceu o projeto 'Colonies', resultado da colaboração entre um
artista e um cientista que queriam criar imagens a partir de seres
vivos, minúsculos seres vivos".
Do
monumental ao microscópico
Entre
o monumental e o microscópico, Vik Muniz também anuncia novos
projetos em parcerias no MIT e no cinema, depois de suas duas
primeiras experiências bem-sucedidas com longas-metragens que tiveram destaque em premiações internacionais – “Lixo
Extraordinário” (“Waste Land”), de 2010, com direção de João
Jardim, Lucy Walker e Karen Harley, documentário sobre sua
experiência com catadores de lixo no aterro do Jardim Gramacho, em
Duque de Caxias, Rio de Janeiro, que chegou a ser indicado ao Oscar e
foi premiado como melhor filme no Festival de Sundance e no Festival de Berlim; e “Atrás
da Bola” (“This is not a Ball”), de 2014, sua estreia na
direção, registro de uma viagem por nove países para mostrar a
presença e o significado do futebol em diferentes culturas.
Entre
seus novos projetos, há ainda a proposta de um programa social que
pode surpreender: a instalação de uma escola de arte e tecnologia
voltada para crianças carentes da comunidade do Vidigal, no Rio de
Janeiro. “Será uma escola de arte e tecnologia para crianças de 5
a 8 anos, totalmente gratuita”, ele explica. “Já compramos o
terreno e fechamos parcerias com o MIT e com a Green School, uma
escola holística de Bali. Será um consórcio para uma rede de
educação criativa”. A escola no Vidigal deve começar a funcionar
ainda em 2015.
Paulista
de 1961, filho de uma telefonista e de um garçom profissional, Vik Muniz
conquistou nas últimas décadas a condição de celebridade
internacional e em 2010 foi classificado como um dos maiores
expoentes da arte mundial no catálogo do MoMA, Museu de Arte Moderna
de Nova York, "501 Great Artists: A Comprehensive Guide to the
Giants of the Art World". Não é pouco. Além de Vik Muniz,
somente outros dois brasileiros figuram na prestigiada lista: Hélio Oiticica
(1937-1980) e Lygia Clark (1920-1988).
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Vik Muniz no microscópio. In: Blog
Semióticas, 17 de janeiro de 2015. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2015/01/vik-muniz-no-microscopio.html
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