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25 de abril de 2013

O novo Jards






Arte não é só talento, mas sobretudo coragem.
A arte é tão difícil como o amor.
......................
  Glauber Rocha.   



“Só Morto”, o primeiro disco de um dos grandes nomes da MPB, está finalmente disponível em CD. O original foi lançado em formato de LP de vinil em 1970 e desde então se tornou uma relíquia conhecida apenas pelos colecionadores. Por coincidência, chega agora pela primeira vez ao formato CD como uma homenagem ao artista, que completou 70 anos no dia 3 de março. O nome que consta na certidão de nascimento, por sinal, é tão incomum quanto o nome artístico que ele adotou: Jards Anet da Silva. Desde o final dos explosivos anos de 1960, ele assina somente Jards Macalé.

Não sei de onde tiraram essa história de que Macalé era o nome do pior jogador do Botafogo. Sempre que vejo uma matéria sobre mim encontro essa mesma história, de que ele era o pior. É tudo mentira”, explica o próprio Jards na entrevista que fiz com ele por telefone para um jornal de Belo Horizonte. “Macalé não era o pior e também não era o melhor. Era um jogador que naquela época estava em evidência porque jogava no Botafogo e eu ganhei este apelido porque eu também jogava futebol, só que na praia, e achavam que ele era parecido comigo. Apelido é assim. Ou pega no ato ou não pega”.

Senso de humor apurado, cheio de ironia e afiado nas tiradas inteligentes, Jards Macalé concedeu esta entrevista no dia seguinte a seu retorno ao Rio de Janeiro, vindo de Nova York. A viagem foi um convite que ele nem pensou em recusar, porque era para acompanhar Eryk Rocha na estreia internacional do filme “Jards”, destaque do festival New Directors/New Films, promovido pelo MoMA, Museu de Arte Moderna. 








Jards Macalé aos 70: no alto, um
fotograma de Jards, filme de Erik Rocha.
Acima, Jards no palco do Nublu, em
Nova York. Abaixo, em 1967, na praia
de Copacabana com Maria Bethânia,
na época em que começou a carreira
profissional como violonista e diretor
musical dos primeiros espetáculos de
Bethânia; com Erik Rocha, no festival
de cinema promovido pelo MoMA, e a
capa do disco Só Morto, que agora
chega finalmente ao formato CD,
em lançamento do selo Discobertas








Em Nova York, Jards e Eryk Rocha, filho de Glauber, assistiram às exibições concorridas e participaram de debates no MoMA, no Lincoln Center e em programas de TV. O músico e o cineasta têm mesmo o que comemorar, já que o filme foi aplaudido de pé e muito bem recebido pela crítica, com elogios e reportagens de destaque nos principais veículos de imprensa.

Começamos a entrevista falando sobre o lançamento de “Só Morto” na versão CD, que vem recheada de faixas-bônus que permaneceram inéditas por décadas, mas no minuto seguinte o assunto vai para outras direções e chega à estreia do filme nos Estados Unidos. “Foi uma experiência tão fantástica que depois da estreia fomos celebrar no Nublu, um dos redutos do jazz em Nova York, e a comemoração acabou virando uma canja e o show seguiu com meu improviso no palco, pela madrugada adentro”, conta Jards, feliz com o filme e com a parceria com Eryk Rocha.








Parceiro de Glauber



Novato em cinema Jards não é – muito pelo contrário. Desde a década de 1960, participou como ator e compositor da trilha sonora em filmes marcantes, incluindo um dos lendários longas de Glauber, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, além dos não menos importantes “Amuleto de Ogum” e “Tenda dos Milagres”, de Nelson Pereira dos Santos, “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade, “A Rainha Diaba”, de Antônio Carlos Fontoura, “Se segura, malandro!", de Hugo Carvana, e “Getúlio Vargas”, de Ana Carolina, entre vários outros.

Jards comemora: “Já dizia meu grande amigo Hélio Oiticica que quanto melhor, melhor”. No Brasil, “Jards”, o filme, estreou em janeiro no Festival de Cinema de Tiradentes e segue na agenda de outros festivais, mas só deve chegar ao circuito comercial no segundo semestre de 2013. "Fazer este filme com o Eryk foi muito especial. Foram três semanas no estúdio com a equipe de filmagem, com três câmeras, e saiu um filme muito melhor do que a encomenda. É um filme diferente, mais experimental, que foi surgindo de tentativas, de repetições, de improvisos, e no final ficou mesmo muito parecido com a música que venho tentando fazer desde o primeiro disco”.







No cinema, a próxima parceria já está agendada: Jards Macalé volta a trabalhar com Nelson Pereira dos Santos, que depois do mergulho na obra de Tom Jobim com os recentes “A Música Segundo Tom Jobim” e “A Luz do Tom”, agora prepara um filme sobre o imperador Dom Pedro 2°. “Nelson sabe o que faz e faz um cinema de verdade, incomum. Tudo o que fiz na vida foi em busca desta verdade. E olhando para trás acho que acertei algumas vezes”, ele diz, recordando histórias engraçadas dos amigos e dos “erros e acertos” das muitas parcerias em quase 50 anos de carreira. Mais acertos do que erros, é bom destacar.

Arte é assim. Tem que sair do lugar de conforto, tem que procurar o novo, tem que criar. Foi assim que a arte e a cultura no Brasil produziram o que temos de melhor. Foi desse jeito com nossos grandes artistas, foi assim com as revoluções que o Tropicalismo inventou”, destaca, lembrando de novo o gênio de Hélio Oiticica. “Foi o Oiticica que deu o pontapé inicial para o que chamamos de Tropicalismo quando registrou em cartório a palavra Tropicália, lá em 1958. Hoje ninguém mais fala disso, mas temos que falar porque é importante”.













Memórias da MPB: no alto, Jards Macalé no
final da década de 1960. Acima, bastidores
do terceiro Festival da Record, em 21 de
outubro de 1967, noite da final do festival, com
uma reunião de tropicalistas com Edu Lobo 
(vencedor do festival, com “Ponteio”, parceria
com José Carlos Capinam). Na primeira foto,
em preto e branco, estão, entre outros,
Nara Leão, Sidney Miller, Rita Lee e os
irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista
(da formação original de Os Mutantes),
Zé Rodrix (de óculos, embaixo da escada),
Maurício Maestro (de óculos), Os Incríveis
(no alto da escada), Marilia Medalha, Gilberto Gil,
Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano Veloso,
Nana Caymmi (sentada), Geraldo Vandré,
Roberto Carlos, Sergio Ricardo (sentado),
David Tygel, os integrantes do MPB4, Capinam,
Marcelo Frias (dos Beat Boys) e Torquato Neto.

Abaixo, Jards Macalé com Wally Salomão;
e o produtor musical Guilherme Araújo (sentado),
um dos
mentores da Tropicália, em fotografia de
1968 com Arnaldo Baptista, Rita Lee, Caetano Veloso,
Nana Caymmi, Sérgio
Dias Baptista, Jorge Ben,
Gal Costa e Gilberto Gil












É proibido proibir!



Jards Macalé começou a carreira profissional em 1965, como violonista e diretor musical dos primeiros espetáculos de Maria Bethânia no Rio de Janeiro, e estava no “olho do furacão”, como ele diz, no mesmo grupo que também tinha, entre outros, futuros medalhões das artes plásticas, da literatura, do cinema e da música, além do poeta e jornalista do Piauí Torquato Neto e dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Bethânia, Gal Costa, José Carlos Capinam.

Lá estávamos todos nós no apartamento em que eu morava em Ipanema, até que um dia aconteceu o fogo que atravessou o Atlântico, vindo da revolta dos estudantes nas ruas do maio de 1968 francês. Lembro que foi o Guilherme Araújo que chegou de Paris muito impressionado, contando que nunca viu nada igual, que os estudantes tomaram as ruas da cidade, ficaram acampados, e por todo lado se via os grafites dizendo 'é proibido proibir'. Para nós, que buscávamos o novo, naquela ditadura militar que foi terrível, esta mensagem foi uma luz no fim do túnel: é proibido proibir”.








Jards no palco com Luiz Gonzaga,
registrado pela revista “Pop”, na edição
de outubro de 1976, e com o “malandro”
Moreira da Silva, seu parceiro no
samba de breque Tira os óculos
e recolhe o homem. Abaixo,
Jards com Vinicius de Moraes
no começo da década de 1970






 


A frase do grafite das revoltas estudantis do maio de 1968 francês foi transformada em canções que marcaram época e se fez a História, contada ao telefone por um dos principais protagonistas. “Para nós, que mergulhamos na Tropicália, naquele contexto de repressão, é muito triste, tristíssimo, descobrir que hoje os espaços da mídia no Brasil foram tomados por tanta estupidez, tanta bobagem repetida, tanto lixo importado. Não sou contra o produto importado. Nunca fui. Mas ao menos deveriam ter o cuidado de importar o luxo de outros países, e não somente o lixo”.

E a experiência de completar 70 anos? Muda alguma coisa ou não muda nada? – pergunto. “Muda tudo”, ele responde, disparando uma gargalhada. “Muda porque agora sou outra pessoa. Aquele Jards Macalé que veio até aqui tem seu valor, vou guardar com carinho as boas lembranças. Mas agora virei outro: nasceu o novo Jards”.



Obra em várias mídias



Planos e projetos encaminhados não faltam. O “novo Jards” segue na temporada de lançamento do filme com Eryk Rocha no Brasil e no exterior, está finalizando um CD com canções inéditas (que têm como parceiros Adriana Calcanhotto, Elton Medeiros, Luiz Melodia), organiza os registros de sua obra em várias mídias e está em negociações para a instalação do acervo em um instituto cultural, trabalha com Nelson Pereira dos Santos no novo filme e, para completar, também faz parte do elenco que vai acompanhar o Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, programada para julho, no Rio de Janeiro. Ele comemora, bem-humorado: “Jards com o Papa Francisco, já pensou? Por essa ninguém esperava. Nem eu”.









O “novo Jards” também diz que está surpreso e satisfeito com as novas parcerias, mas quero ouvir sobre as histórias do passado e pergunto sobre os antigos parceiros do velho Jards, incluindo Glauber Rocha, Vinicius de Moraes, Egberto Gismonti, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Augusto Boal, Moreira da Silva, Paulinho da Viola, Jorge Mautner, Naná Vasconcelos, Torquato, Capinam, Rogério Duprat, Chico Buarque, Gal Costa, Bethânia, Clara Nunes, Nara Leão.

Todos parceiros da maior importância”, ele diz, lembrando de cada um deles com histórias saborosas que trazem à conversa outros nomes, outras artes, outras épocas. A conversa chega aos tempos sombrios da ditadura militar, tempos difíceis, e Jards recorda as tristezas e a repressão do período, mas também as alegrias e agitos da Swinging London, durante a temporada que passou com Gilberto Gil e Caetano Veloso, que estavam exilados na Inglaterra. Gil e Caetano foram presos pela ditadura militar em dezembro de 1968, acusados de subversão, e permaneceram presos durante meses, sem qualquer julgamento. Enquanto o mundo assistia ao pouso da espaçonave Apollo 11 na lua, em 21 de julho de 1969, Gil e Caetano eram obrigados a deixar o Brasil e seriam proibidos de retornar por mais três anos.






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Jards Macalé e Os Brasões em 1969,
durante o quarto Festival Internacional
da Canção, quando  Gothan City, canção
de Jards e Capinam, foi vaiada pela plateia
do Maracanãzinho. Acima, Caetano e Gil,
 amigos no exílio em Londres, por imposição
da ditadura militar; e Gal Costa em visita aos
amigos no exílio, em fotos de 1971 publicadas
pela revista Fatos & Fotos. Gil e Gal fizeram
um show histórico em 26 de novembro de 1971,
na London University, que só foi lançado em
CD no Brasil em 2014. Abaixo, Jards entre
amigos em visita a Caetano e Gil em Londres,
em 1971, na época da produção do álbum de
Caetano Transa; a partir da esquerda, em foto
de Antonio Guerreiroo engenheiro de som
Maurice Hughes, os músicos Aureo de Souza,
Jards Macalé, Caetano e Moacir Albuquerque.

Também abaixo, Gil e Caetano diante da
torre do Big Ben e passeando na Trafalgar
Square, em 1969, durante o exílio em Londres;
Caetano, Jards e Moacir Albuquerque durante
os ensaios para as gravações do álbum Transa,
em fotografias de Pedro Paulo Koellreutter;
Jards com João Ubaldo, Alberto Cavalcanti
e Glauber Rocha em 1979 (fotografados por
Paula Maria Gaitán); Jards em 2003 com
Jorge Mautnere Jards em 2013, em
autorretrato com Jorge Ben Jor



































Da temporada em Londres saíram duas obras-primas com participação intensa de Jards Macalé: a primeira foi o filme “O Demiurgo”, de Jorge Mautner, que além de Jards também teve no elenco Mautner, Caetano, Gil, Norma Bengell, Péricles Cavalcanti, Roberto Aguilar, Leilah Assunção, Gal Costa e Dedé Gadelha, esposa de Caetano – um filme experimental como poucos, mistura de drama, comédia, poesia, música e filosofia. Glauber dizia que “O Demiurgo” é o melhor filme do exílio e sobre o exílio, enquanto Jorge Mautner define o filme como uma fábula musical e uma chanchada filosófica que retrata a saudade do Brasil.

A segunda obra-prima desta temporada com os amigos no exílio em Londres permanece em destaque entre os melhores discos brasileiros de todos os tempos, “Transa”, de Caetano Veloso, álbum lançado em 1971, resultado de mais de oito meses de ensaios com produção e arranjos por conta de Jards, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Souza. “Ensaiávamos num parque de Londres, todos os dias. Parecíamos aqueles malucos do 'Blow Up' (filme de Michelangelo Antonioni). Quem nos visse ali, sempre daquele jeito, pensaria que estávamos num eterno piquenique”, recorda.



Vapor barato



As histórias de Londres trazem à tona as principais referências de Jards, seus ídolos da Velha Guarda e os cantores e cantoras da Era do Rádio, Carmen Miranda, Orlando Silva, Marlene e Emilinha Borba, o primeiro encontro com Nélson Cavaquinho e Ciro Monteiro numa mesa de botequim, a descoberta dos gigantes do jazz e o impacto que foi ouvir pela primeira vez Erik Satie, compositor e pianista, precursor das vanguardas minimalistas. Na trajetória da formação de Jards também houve as aulas de música e os mestres que teve a sorte de encontrar pelo caminho, Guerra Peixe, Turibio Santos, Dauelsberg, Jodacil Damasceno, Ester Scliar.












Entre tantas histórias e personagens célebres que vão surgindo na entrevista, comento sobre a relação afetiva de muitos da minha geração com as belas canções de Jards Macalé, muitas delas com lugar cativo entre os grandes clássicos da MPB, “Mal Secreto”, “Gothan City”, “Movimento dos Barcos”, “Rua Real Grandeza”, “Poema da Rosa”, “ Anjo Exterminado”, “Alteza”, "The Archaic Lonely Star Blues", "Love, Try and Die" e, especialmente, “Vapor Barato”, sua parceria com o poeta Wally Salomão que teve aquela mítica e longa versão ao vivo de Gal Costa em “Fa-Tal / Gal a Todo Vapor”, em 1971, tido com um dos shows mais importantes da música brasileira.

Sim, você tem razão, porque Vapor Barato é um hino. É uma história que entrou na vida de muita gente lá nos anos 1970 com a interpretação 'Fa-Tal' da Gal e é uma canção que volta sempre. Vapor Barato está sempre voltando. Voltou nos anos 1990, no filme do Walter Salles ('Terra Estrangeira'), depois voltou na gravação do Rappa, depois com o Zeca Baleiro. Engraçado que toda hora tem alguém fazendo contato comigo por causa de Vapor Barato, querendo Vapor Barato na trilha sonora disso e daquilo. O que é muito bom. Só posso comemorar, porque também sempre gostei muito de Vapor Barato”.







Para encerrar a entrevista, voltamos ao primeiro disco, “Só Morto”, lançamento recente do Selo Discobertas. “Este CD foi outra grande surpresa. Mas olha o que falei no começo da nossa conversa: aí já é o novo Jards (risos). Foi um presente da melhor qualidade para o novo Jards, uma homenagem bacana que recebi de presente de aniversário de 70 anos do Marcelo Fróes, que é um cara muito especial, um pesquisador e produtor como poucos, pouquíssimos”.

O disco de 1970 tinha quatro músicas: “Soluços”, dele próprio, e “O Crime”, parceria com Capinam, no Lado A. No Lado B, “Só Morto / Burning Night” e “Sem Essa”, duas parcerias de Jards e Duda (Carlos Eduardo Machado). “O Marcelo Fróes me procurou e disse que tinha encontrado as outras gravações, todas elas inéditas em CD. Fiquei animado com o projeto e, depois, quando recebi o CD pronto, tão bem cuidado, tão profissional, foi só felicidade”.







Só Morto” saiu com as quatro faixas como compacto duplo em 1970. Agora, tem como acréscimo 10 canções que foram gravadas ao vivo em shows realizados entre 1970 e 1973, com Jards Macalé acompanhado do Grupo Soma, um dos mais conceituados do “rock brasilis” na década de 1970. As quatro canções do primeiro Jards não ganharam sucesso popular, mas a importância daquele compacto duplo é sempre destacada pelos fãs e pelos pesquisadores da música brasileira, ainda que o disco permanecesse uma raridade, conhecido apenas por uns poucos colecionadores.

Jards, no comando dos arranjos, no violão e nos vocais, é sempre uma surpresa: tom personalíssimo, grave, experimental e crítico, por vezes gritado, por vezes irônico, festivo, ritmado. Na primeira metade da década de 1970, Jards contava com o auxílio luxuoso do Soma, formado por Ricardo Peixoto (guitarra), Jaime Shields (guitarra), Bruno Henry (baixo) e Alírio Lima (bateria), além da presença muito especial de Zé Rodrix no piano e no órgão.



Música com atitude



Completam a trilha de “Só Morto”, além das quatro canções originais, uma lista de pérolas da MPB que inclui versões para “Gothan City” (de Jards e Capinam), “Só Morto / Burning Night” (Jards e Duda), “Let's Play That” (Jards e Torquato Neto), “Poema da Rosa” (Jards e Augusto Boal), “Orora Analfabeta” (Belizário Gomes e Waldeck Macedo) e mais três parcerias da dupla de “Vapor Barato”, Jards e Wally Salomão, em “Revendo Amigos”, “Anjo Exterminado” e “Rua Real Grandeza”.

 



O novo Jards, tanto quanto o antigo, é falante, provocador, imprevisível. Faz reverência aos amigos e às parcerias, em especial a Wally Salomão, morto aos 60 anos, em 2003. “Wally é uma pessoa importantíssima para mim e para o Brasil. Grande poeta, grande pensador, grande na música e na atitude. Faz muita falta sua inspiração, sua conversa franca”. Antes de concluir a entrevista, arrisco um desafio: muitos se referem a você como “maldito da MPB”, ou “marginal”, ou “pós-tropicalista”, mas qual é a melhor definição para a música de Jards Macalé?

Ele faz uma pausa e diz que para responder terá que recorrer a duas figuras geniais, segundo ele duas das personalidades mais brilhantes com as quais teve a sorte do convívio: Hélio Oiticica e João Gilberto. “Veja bem... (risos). Vou responder sua pergunta, José, com frases famosas dos mestres Oiticica e João Gilberto. Oiticica dizia: minha arte é música, a arte que faço é música. E o João Gilberto, quando faziam perguntas difíceis sobre a Bossa Nova, respondia: Bossa Nova não existe, o que existe é samba. Então, agora eu digo a você: minha vida é música, mas o que eu faço é samba”. Só quando concluímos a entrevista é que percebo que falamos durante quase duas horas. Agora, enquanto termino a redação da matéria, penso na sábia definição do artista por ele mesmo e acrescento: sim, é samba. Da melhor qualidade.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O novo Jards. In: Blog Semióticas, 25 de abril de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/04/o-novo-jards_8633.html (acessado em .../.../...).



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25 de junho de 2012

Michael Jackson em BH









Passou batido pela imprensa mineira da época, mas alguns ainda guardam na memória o encanto do show naquela noite em setembro de 1974, anunciado como “o mais sensacional show de rock do mundo”. O extinto “Jornal de Minas” foi o único veículo impresso de Belo Horizonte a registrar o show de Michael Jackson e seus irmãos Jackie, Tito, Marlon e Jermaine, que formavam The Jackson Five, e que naquela turnê brasileira contavam com o reforço de um sexto integrante, o estreante Steve Randall Jackson.

A manchete do “Jornal de Minas” do dia 19 de setembro 1974 estampava: “A mais nova explosão dos jovens irmãos”. Na foto em preto e branco, publicada pelo jornal sem identificação do fotógrafo, Michael, que morreu há exatos três anos, em 2009, aos 50 anos, vítima de uma overdose de medicamentos, aparece em primeiro plano, muito jovem, sorrindo, de boné e com uma das mãos na cintura, acompanhado por quatro dos irmãos, todos ostentando trajes da última moda e suas cabeleiras “black power”.











Michael Jackson em BH: no alto e
acima, Michael em 1974, época da turnê
internacional que passou por Belo Horizonte,
com os irmãos na formação original do
The Jackson Five, Jackie, Tito, Marlon e
Jermaine. Abaixo, a família reunida em casa,
na Califórnia, em 1971, em reportagem
publicada pela revista Life








 




A reportagem começa anunciando que “ouvir um disco do The Jackson Five é uma coisa, mas presenciar o grupo atuando em shows é algo inteiramente diferente”. De acordo com o “Jornal de Minas”, o que motivava tanta expectativa pela apresentação de Michael Jackson e seus irmãos no Estádio Independência, no bairro Horto, era o “sucesso estrondoso e quase inacreditável” do jovem e talentoso Michael, que tinha alcançado a soma de mais de um milhão de cópias vendidas dos singles “Ben” e “Music and Me”.

O “Jornal de Minas” também informava que The Jackson Five chegaria a BH com uma comitiva de 18 integrantes e seis toneladas de aparelhagem importada pela firma Koski-Ellis-Stein da Inglaterra. Mas todo o destaque da reportagem foi para a potência vocal do jovem Michael Jackson, então com 16 anos. “Ele está longe de ser o menino de voz fina dos primeiros discos e primeiros shows”, apontava o texto, que apresentava Michael como “um dos maiores artistas do cenário do rock”. 













Michael Jackson no álbum de família:
no alto, aos dois anos, em 1960, e 
aos 16, em foto de 1974. Abaixo, em
foto promocional para a turnê internacional
de 1974 com o Jackson Five; e nos

bastidores do show e no palco em
Los Angeles, também em 1974.
Também abaixo, o material
promocional do grupo para a turnê
internacional de 1974



















Naquela semana, rivalizando com o show de The Jackson Five, a capital mineira também assistiria a uma única apresentação do rock de Rita Lee, que recentemente havia se separado de Os Mutantes e seguia carreira solo com a banda Tutti Frutti, no Teatro Francisco Nunes, e do samba de Martinho da Vila e banda, que se apresentaram no Teatro Marília. Também houve uma apresentação de astros da Jovem Guarda no Parque da Gameleira, mas sem mobilizar a esperada multidão de fãs, já que o show não contou com a participação do trio principal Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa.



Ingressos a Cr$ 25,00



Para assistir ao show de The Jackson Five no Independência, o ingresso custava Cr$ 25,00. Quem assistiu ao show diz que foi uma apresentação impecável, mas que as arquibancadas e o gramado do estádio não ficaram lotados, talvez porque tenha sido um dia de chuvas em BH. Entre os fãs históricos que presenciaram a passagem de Michael Jackson e seus irmãos pela capital mineira estão o produtor cultural Wilson Miranda e os veteranos do jornalismo Neusa Costa e Afonso de Souza, que dizem se lembrar muito bem daquele dia e do show sensacional que assistiram à noite no Estádio Independência.









              







O grupo desceu no Aeroporto da Pampulha e ficou hospedado no Brasilton Palace Hotel, em Contagem”, recorda Miranda, enquanto Afonso de Souza diz que jovens e crianças formaram a maior parte da plateia do grupo no show do Independência. No palco, Michael Jackson e seus irmãos apresentaram os sucessos que naquela época tocavam muito no rádio e nas trilhas sonoras das novelas de TV, entre eles "I'll Be There", "I Want You Back" e "ABC", com as canções da carreira solo de Michael, como “Ben” e “Music and Me”, em destaque e repetidas no final do show. Michael, todos se lembram, foi um show à parte, apresentando os novos passos da dança que ele inventou e que imitavam os movimentos de um robô. Anos depois, seriam os passos de dança marcantes na carreira solo de Michael, incluindo o célebre "moonwalk", sua coreografia mais famosa, em que ele se movia para trás enquanto parecia caminhar para frente.

Como eram os tempos da ditadura militar, além do aparato policial ser ostensivamente reforçado, a apresentação em Belo Horizonte teve encerramento rigorosamente antes das dez da noite. A turnê brasileira do The Jackson Five também incluiu, além de Belo Horizonte, shows em São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Brasília. Houve um único registro gravado na passagem de Michael Jackson e seus irmãos pelo Brasil. A gravação foi feita pela extinta TV Tupi, mas as imagens foram perdidas num dos incêndios que destruíram os arquivos da emissora. Restaram menos de dois minutos, preservados no acervo da Cinemateca Brasileira.





















No final da década de 1970, com o lançamento do álbum “Off The Wall”, Michael Jackson inicia a fase adulta da carreira e arranca elogios unânimes da crítica ao combinar as tradições do Rhythm and Blues de décadas passadas com o estilo de sucessos da gravadora Motown e a novidade da Disco Music. Compositor e arranjador desde os primeiros tempos do The Jackson Five, Michael passou a investir na experimentação musical.

E também começou a ganhar uma exposição cada vez maior na mídia, que culminaria em 1982, com “Thriller”, até hoje o disco mais vendido do mundo, com cerca de 100 milhões de cópias. Com “Thriller”, curta-metragem de 15 minutos escrito e dirigido por Michael em parceria com o cineasta John Landis, também começou a era de videoclipes na MTV, emissora que acabara de despontar no cenário internacional.

Duas décadas depois da primeira turnê brasileira, já aclamado com os títulos de “rei do pop”, “recordista das premiações do Grammy”, “dono do disco mais vendido da história”, “inventor do videoclipe”, “maior entertainer vivo” e líder de campanhas humanitárias importantes como USA For África (quando se juntou a 44 celebridades para gravar a canção “We Are The World”, que arrecadou US$ 200 milhões), Michael Jackson passou a ser protagonista de polêmicas que envolviam cirurgias plásticas a que teria se submetido para buscar um “branqueamento” e uma série de escândalos fomentadas pela imprensa mais sensacionalista com denúncias nunca comprovadas de abusos e pedofilia.











Trajetória de Michael Jackson:
acima, cartaz promocional e fotografia no
lançamento do álbum de 1979 Off the Wall.
Abaixo, Michael em cena de Thriller (1983),
o lendário videoclipe escrito e dirigido
em parceria com o cineasta John Landis
e apontado como o primeiro e o mais
importante filme da era dos videoclipes; e
Michael Jackson no Brasil, durante as
gravações com o cineasta Spike Lee na
favela carioca e no Pelourinho, em Salvador 

 






Michael Jackson retornaria duas vezes ao Brasil, em outubro de 1993 e em fevereiro de 1996. Em 1993, realizou dois shows no Estádio do Morumbi, em São Paulo, como parte da turnê do álbum “Dangerous”. Na confusão entre fãs e imprensa em frente ao hotel em que o artista estava hospedado, a comitiva de Michael atropelou dois adolescentes. Um deles, de 15 anos, teve sua perna quebrada e recebeu no hospital a visita de seu ídolo.

Em 1996, Michael e o diretor Spike Lee vieram ao Brasil para gravar cenas para o videoclipe da música "They Don't Care About Us". No Rio de Janeiro, as equipes do cantor e do diretor tiveram que negociar com os traficantes para gravar cenas na favela. Também foram gravadas cenas no Pelourinho, em Salvador, Bahia, onde Michael e Spike Lee contaram com a participação do Olodum. As imagens de Michael Jackson usando a camisa do grupo, não por acaso, fizeram com que o Olodum ficasse conhecido nos quatro cantos do mundo.


por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Michael Jackson em BH. In: _____. Blog Semióticas, 25 de junho de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/06/michael-jackson-em-bh.html (acessado em .../.../...).













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