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A
necessidade cada vez mais aguda de ruído só se
explica
pela necessidade de sufocar alguma coisa.
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Konrad
Lorenz (1903-1989).
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Cenas
de silêncio, solidão e cores fortes são as características mais
marcantes das imagens belas e melancólicas do pintor e desenhista
norte-americano Edward Hopper (1882–1967). Leitor dos estudos
psicológicos de Sigmund Freud e observador realista da vida
cotidiana, em uma época em que as influências do Cubismo e da Arte
Abstrata avançavam no cenário das artes, e ficavam onipresentes as novidades do som estridente dos
discos de 78 rotações tocados em gramofones, do rádio e do cinema falado, Hopper retratou com
frequência os mesmos fragmentos de imagens enigmáticas com figuras anônimas e isoladas que
jamais se comunicam, olhando pela janela ou perdidas em um mundo à
parte, para além do quadro, em paisagens nostálgicas com tons de tristeza,
iluminadas por uma luz estranha que suas cores registram como se
fosse um elemento arquitetônico de linhas finas e formas largas.
O
vazio apresentado nos cenários de Edward Hopper tem balcões de bares e
lanchonetes, hotéis, escritórios, escadas, postos de gasolina, ferrovias ou ruas no
deserto, retratos realistas recriados com riqueza de detalhes em casas e prédios,
fachadas, calçadas, postes, telhados, estações de passageiros,
como se cada imagem, estática, contasse uma história muito
particular sobre o cotidiano de homens e mulheres. Nas imagens de Hopper, todos são solitários,
pessoas comuns mergulhadas em tristeza, como a mulher nua diante da janela em “Eleven A.M.”
(1926), a leitora de “Hotel Room” (1931), as mulheres no café de
“Chop Suey” (1929), o casal de “Room in NY” (1932), os
pescadores de “Ground Swell” (1939), a jovem com semblante carregado de
“Morning Sun (1952), os poucos fregueses tarde da noite na lanchonete da esquina em “Nighthawks” (1942).
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Silêncio de Hopper: no
alto, Nighthawks, de
1942, uma das obras-primas de Edward Hopper
que, pela
primeira vez, serão exibidas ao lado
dos rascunhos e esboços feitos pelo artista.
Acima, Le Café de nuit a Place Lamartine,
de 1888, de Vincent Van Gogh, que teria
inspirado "Nighthawks" e outras obras de
Hopper. Abaixo, Eleven A.M., de 1926;
Automat, de 1927, uma das homenagens de Hopper à esposa, Josephine Nivison, que também era pintora. O casal, retratado abaixo em fotografia de
1960 de Alfred Newman, se conheceu em 1923 e permaneceu junto até a morte de Hopper, em 1967. Josephine, que morreu
10 meses depois de Hopper, doou todo o
acervo do marido para o Whitney Museum.
Também abaixo, algumas comparações entre pinturas de Hopper e cenas do filme de 1954 "Janela Indiscreta" (Rear window), de Alfred Hitchcock, um dos vários cineastas do primeiro time que têm influência confessa das paisagens de melancolia e solidão de Hopper
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No posto de destaque da Arte Moderna,
precursor da Pop Art e reivindicado por escolas muito diferentes, Edward Hopper se mantém como influência e referência para importantes
fotógrafos, pintores, diretores de teatro, dramaturgos, escritores e
cineastas os mais diversos, de Hitchcock a Alain Resnais, Antonioni,
George Stevens, Douglas Sirk, Elia Kazan, Nicholas Ray, Samuel
Fuller, Fassbinder, Wenders, Lynch, Terrence Malick, Woody Allen e Wes Anderson, entre outros. Mas a arte incomum de Hopper ainda
reserva surpresas, mais de meio século depois de sua morte, como revela a
primeira exibição de seus desenhos apresentada em Nova York, no Whitney Museum
of Modern Art.
Grafite, giz preto, carvão
“Hopper drawing” reúne uma amostra da coleção
completa com 2.500 desenhos em técnicas diversas de todas as fases
do artista, com um panorama de sua carreira como desenhista desde os
tempos em que ele era aluno do New York School of Art até os útimos
anos de vida. A coleção, doada ao Whitney Museum pela viúva Josephine Verstille Nivison Hopper, que também era pintora e atriz quando se casou em Edward Hopper em 1924. Josephine morreu em 1968, um ano após a morte do marido, e o acervo guardado nas caixas e gavetas com os desenhos e rascunhos permaneceu inédito desde então. O próprio Hopper
vendeu poucos deles e guardou a maioria para usar como referência em trabalhos futuros ou talvez como recordações afetivas.
Para a exposição, que pode ser visitada on-line (veja link no final
deste texto), os curadores, sob coordenação de Carter E. Foster,
trazem finalmente a público os lendários e desconhecidos rascunhos e estudos de Hopper para
espaços de ruas, bares, fachadas, quartos e estradas.
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Acima, catálogo da mostra no Whitney Museum e
três esboços com nudez: Female Nude on Model’s Platform (c.
1900–03); Standing Female Nude by Window, Sketch for Etching (c. 1915–18); e Paris Courtyard at 48 rue de Lille with Nude (c. 1907), desenhos
do jovem Hopper em carvão, giz e grafite sobre papel.
Abaixo, Morning in a City, pintura
em óleo sobre tela de 1944, seguida pelo
rascunho do mesmo ano em giz sobre papel e pelo esboço de um nu masculino de 1903.
Também abaixo, Reclining Female
Nude, Rear View (c. 1900-1906) e Evening Wind, gravura de 1921, seguidas por uma paisagem rural na aquarela House
by the sea (1923) e pela paisagem urbana em Early
Sunday Morning, pintura em
óleo sobre tela de 1930
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O estilo do Hopper desenhista é
econômico. Na maioria dos desenhos em exposição, pode-se mesmo
contar os traços através dos quais ele delineia suas figuras. Na
sequência dos papeis originais, Foster e equipe intercalaram lado a
lado os estudos traçados a grafite, giz preto ou carvão, que Hopper
iria transformar em muitos de seus mais conhecidos quadros a óleo,
entre eles “Early Sunday Morning” (1930), “New York Movie”
(1939), “Office at Night” (1940). Confrontados com seus desenhos
preparatórios, cada quadro ganha em complexidade e lança luzes
sobre o processo criativo do artista.
A
obra mais conhecida e também a mais valiosa da mostra, “Nighthawks”
– emprestada pelo Art Institute of Chicago –
é mostrada pela primeira vez ao lado dos 19 estudos feitos por
Hopper, no intervalo de alguns meses. Há esboços de figuras
deslocadas, como o homem que está sentado no balcão de frente, o
que está de costas, bules e açucareiros com indicações de cor
“âmbar” e “prata” escritas pelo artista. Entre estudos e
obras finalizadas, veem-se retratos, testes de diferentes partes do
corpo e até uma versão de Hopper para “O tocador de pífano”, de Manet.
Segredos
de composição
Outra
das obras-primas de Hopper, “Soir bleu” (1914) ganha um espaço
em separado, acompanhada por dezenas de esboços feitos nas três
temporadas passadas em Paris, entre 1906 e 1910. Os desenhos em
papeis de diferentes formatos registram tipos urbanos e detalhes
captados nas ruas, que mais tarde seriam usados para compor a tela.
Comparar desenhos e esboços com a obra finalizada pode revelar
segredos de composição e perspectiva, caso de “New York movie”
e seus 52 estudos para detalhes reais dos cinemas que o artista
frequentava em Manhattan, incluindo o lanterninha de olhos fechados,
em pé, no fundo da sala, que tornou-se o foco do quadro.
Idealizada
pelo crítico de arte e curador Carter
E. Foster, a mostra “Hopper drawing”
reconstitui a formação do artista desde o início do século 20,
até sua morte, como pintor consagrado, em 1967. Para explicar esse
percurso, a primeira parte da exposição reúne imagens dos anos de
sua formação (1900- 1924), assim como suas referências e
influências. É a época em que Hopper aprendia no ateliê de Robert
Henri na New York School of Art. Aluno dedicado, Hopper estava entre
os discípulos de Henri na fundação da chamada Ashcan School
("Escola da Lixeira", literalmente).
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Desde
o rascunho: Study for Stairway,
o
estudo em carvão e papel e o trabalho
finalizado
em 1919. Abaixo, o esboço
para Summertime, pintura de 1943;
o esboço em desenho a lápis e giz para
a pintura Sunlights on Brownstones, de 1956; e os esboços para a pintura em óleo sobre tela, New York Movie, de 1939
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No
texto de apresentação ao catálogo da exposição sobre os rascunhos e esboços de Hopper, Carter E. Foster explica
que este primeiro período deixa claro o encanto de Hopper pelas
técnicas impressionistas, tanto que ele conseguiu estabelecer
temporadas para estudos em Paris, em 1906, 1909 e 1910. “Seus
desenhos desta fase são estudos para tentar reproduzir os ângulos e
a teatralização do mundo de Degas, as luzes de Félix Vallotton, a
mise-en-scène de Walter Scikert”, explica Foster.
Alienação
e isolamento
A
mostra inclui também séries de Hopper vendidas na época como material de
ilustração para jornais e revistas, que lhe garantiram o sustento
financeiro. Mas o centro das atenções no percurso é mesmo a segunda parte da
trajetória de Hopper, com a chegada de sua maturidade como artista,
quando os mais respeitados críticos de arte reconhecem que poucos
pintores conseguiram expressar tão bem a alienação e o isolamento
das pessoas nos centros urbanos como Hopper.
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Cenas
da vida cotidiana segundo
Hopper: acima, Office at Night, de 1940, com dois dos respectivos rascunhos; e um estudo em giz e carvão para Gas, pintura de 1940. Abaixo, Cape
Cod Morning, seus esboços e a
pintura finalizada em 1950; seguida de Night
Windows, pintura de 1928; e Study
for Morning Sun, no rascunho em giz
sobre papel de 1952
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Prosaico,
corriqueiro, cotidiano, para o observador comum os cenários
retratados por Hopper poderiam estar em uma página de revista, ou
num álbum de retratos de família. Com uma diferença: as cenas de
Hopper parecem dominadas por um silêncio perturbador e remetem à
introspecção, nunca à euforia do consumismo irrefreável do sonho norte-americano que a mídia propaga ou às poses publicitárias que acompanham sua ideologia de felicidade fugaz.
Hopper destaca o mistério e o silêncio, nunca a alegria, mesmo quando sua paleta de cores tem uma grande variedade de tons em contraste.
Também há as controvérsias. Entre elas, a gênese curiosa que é descrita por Gail
Levin, biógrafa de Hopper. Em "Edward Hopper: An Intimate Biography" (New York: Alfred A. Knopf, 1995), ela especula que “Nighthawks” (Gaviões da
noite), divisor de águas na trajetória do artista, teve sua inspiração no quadro “Le Café de nuit a Place Lamartine” (1888),
de Vincent Van Gogh, que Hopper visitou várias vezes levando sua caderneta de anotações, em 1942, durante
uma temporada em que obras de Van Gogh estiveram em exposição em Nova York.
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Silêncio
de Hopper: acima,
estudos para Nighthawks
produzidos
entre 1941 e 1942 em giz sobre papel.
Abaixo, estudos para Morning
Sun de 1952
com
anotações em grafite e caneta preta sobre papel.
Também
abaixo, as pinturas em óleo sobre tela
Morning
Sun (1952) e Excursion into Philosophy,
de
1959); uma obra-prima do início de carreira
do
artista, Couple Drinking (1906-07); e duas das salas da exposição no Whitney Museum
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A similaridade nas luzes, na perspectiva e nos
temas tanto na obra-prima de Van Gogh quanto na "releitura" de Hopper confirma esta possibilidade. Segundo Gail Levin, Hopper começou a
pintar “Nighthawks” em janeiro de 1942, ainda sob o impacto do ataque
militar dos japoneses a Pearl Harbor, no mês anterior, quando a Segunda Guerra Mundial estava no começo. Mas há algo em "Nighthawks" que vai muito além da possível influência fauvista, impressionista ou expressionista de Van Gogh.
Há as cores marcantes, o contorno das figuras realistas, mas também há uma atmosfera comovida de solidão e um sentimento de tristeza que são estranhamente retratados por Hopper. A rua
está vazia fora do restaurante. No interior, no balcão de madeira, três clientes, mas nenhum dos três está conversando uns com os outros. Todos estão
distraídos, perdidos nos seus próprios pensamentos. Dois são um casal, enquanto
o terceiro é um homem sentado sozinho, de costas para o espectador.
De boné e uniforme branco, o funcionário olha para fora da janela, como se ignorasse a presença dos clientes. Pairando sobre tudo, a iluminação noturna, a acentuar a sensação de melancolia e confinamento, somada ao vazio provocado pelas paredes do restaurante, que formam um triângulo na esquina, de vidro transparente em dois
lados. Em destaque no sonho norte-americano, segundo Hopper, parece haver tão somente mistério, alguma melancolia e silêncio.
Para uma visita virtual à exposição no Whitney Museum, clique aqui.
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