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20 de outubro de 2011

Dom Pedro ficou







A riqueza de uma nação deve ser medida pela
riqueza do povo e não pela riqueza dos príncipes.
................
–– Adam Smith, “Investigação sobre a Natureza  
e a Causa da Riqueza das Nações” (1776).  


O sucesso do livro de Laurentino Gomes eram favas contadas, mas o saldo dos números e os prêmios surpreenderam autor e editora. Menos de um mês depois do lançamento, "1822" (Editora Nova Fronteira), que investiga pormenores e documentos pouco conhecidos sobre a Independência, já havia vendido mais de 200 mil exemplares. A conquista do Prêmio Jabuti, na categoria reportagem, ampliou a repercussão do livro e ainda vai garantir uma longa permanência das reedições nas listas de mais vendidos pelos próximos anos. Não é o primeiro livro a contar os bastidores da separação de Brasil e Portugal, nem é o primeiro a revelar a falsa imagem construída pelo quadro pintado por Pedro Américo, "Independência ou Morte", mas o sucesso de vendas e a popularidade surpreendem.

O livro anterior de Laurentino Gomes, "1808" – que foi lançado em 2006 trazendo na capa o subtítulo "Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil" – vendeu mais de 600 mil cópias e ainda hoje permanece como best-seller nas livrarias, também lançado com sucesso em outras línguas. O segredo do sucesso? Laurentino Gomes diz que apenas segue sua intuição, pesquisa muito e tenta explicar em todos os detalhes aquilo que, muitas vezes, a maioria dos historiadores acha que não é necessário explicar.









Dom Pedro ficou: no alto, a pintura em

óleo sobre tela Independência ou Morte,

datada de 1888, mais conhecida como

O Grito do Ipiranga, de autoria de

Pedro Américo (1843-1905). Acima,

detalhes destacados da tela e indicações

para identificação de alguns personagens

principais retratados na cena: 1. Sargento-mor

Antonio Ramos Cordeiro; 2. Paulo Bregaro;

3. Francisco Gomes da Silva, o Chalaça;

4. Antônio Leite Pereira da Gama Lobo;

5. Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão;

6. Luís Saldanha da Gama; 7. Dom Pedro I;

8. Capitão-mor Manoel Marcondes Mello;

9. Pedro Américo (em autorretrato);

10. Casa do Grito; 11. Córrego do Ipiranga;

12. Trabalhador anônimo (destaque abaixo).

 

Também abaixo, duas pinturas históricas de

Antônio Parreiras que reconstituem movimentos

populares pela Independência do Brasil que

antecedem o 7 de setembro de 1822: a prisão

de José Peregrino, líder da Paraíba que apoiou

a Revolução Pernambucana de 1817, em pintura

de 1918; e o julgamento de Felipe dos Santos,

líder da Revolta de Vila Rica de 1720, em

Minas Gerais, em pintura de 1923



               




                 



"Creio que são livros bem-sucedidos comercialmente e que ficaram populares porque, em primeiro lugar, tenho em mente um leitor modelo que é um estudante adolescente", responde Laurentino Gomes, na entrevista que fiz com ele por telefone para o jornal Hoje em Dia. Laurentino esteve em Belo Horizonte três vezes consecutivas, por conta de convites do Sempre Um Papo e de outros projetos de cultura para autografar “1822” e debater com os leitores. Ele conta, feliz, que também tem viajado muito pelas capitais para as sessões de autógrafos e lançamentos, e confessa que ultimamente ter a agenda sempre cheia de compromissos em várias cidades pelo Brasil afora não é uma problema. "Muito pelo contrário", ele diz, com alegria e satisfação.

Jornalista profissional e pai de quatro filhos, que atualmente têm 30, 28, 24 e 17 anos, Laurentino hoje vive e trabalha em uma casa ampla e confortável de um condomínio fechado em Itu, no interior de São Paulo. Ele é filho de uma família de pequenos agricultores de Maringá, no Paraná, e viveu uma infância isolada, sem vizinhos, sem jornal e sem TV. A família sabia das notícias por um rádio, que somente era ligado, de vez em quando, à noite. Aos 10 anos, em 1969, ele foi estudar no seminário interno dos padres Paulinos, em São Paulo, que mantêm as Edições Paulinas. Ficou três anos. De volta a Maringá, ele foi um adolescente que trabalhou muito: de jardineiro a ajudante de serviços gerais em um supermercado, office-boy, entregador, funcionário de oficina mecânica. Em 1976, foi para a capital, Curitiba, para estudar Jornalismo, depois de ser aprovado no vestibular da Universidade Federal do Paraná.










A mudança do trabalho como jornalista para o trabalho de escritor começou a tomar forma no final dos anos 1990. Laurentino trabalhava como editor na revista Veja quando um projeto foi cancelado pela direção. O projeto era a produção de encartes especiais sobre a história do Brasil que seriam distribuídos junto com as edições semanais da revista. Foi quando ele criou coragem e decidiu investir a sério na pesquisa sobre 1808, sobre a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil.

 
A pesquisa progrediu e o primeiro livro foi concluído. "Meu sonho era que o livro fosse bem recebido e vendesse a primeira tiragem de 2 mil exemplares", ele recorda. "Eu não tinha noção de que o primeiro livro fosse atingir essa multidão de leitores. E olha uma coisa interessante: antes do livro ser publicado, eu lembro que um amigo muito próximo um dia me deu um conselho, dizendo que era melhor eu escolher outro assunto, porque ninguém iria querer ler um livro sobre Dom Pedro 1º e sobre a história do Brasil. Felizmente, esse meu amigo estava errado".

Lembrando da passagem do ofício de jornalista para o de escritor, o autor que virou um grande campeão de vendas no Brasil também inclui entre as razões do sucesso de seus livros a experiência adquirida de mais de três décadas trabalhando em redações de jornais e revistas. "Desde o primeiro livro que publiquei eu tento usar uma linguagem acessível para tentar explicar para todos os leitores o que a maioria dos historiadores acha que não precisa explicar", aponta. "Na verdade, sou daqueles que aprenderam muito com a experiência dos erros que testemunhei nas edições de jornais e revistas e agora faço de tudo para não repetir os erros", reconhece.





No alto, Dom Pedro I homenageado
em notas de Cruzeiros da Casa da Moeda
do Brasil: na nota de 500 Cruzeiros, da
década de 1950, e na nota de 5 Cruzeiros,
na década de 1970. Acima, a charge que
o cartunista Jaguar publicou em

O Pasquim, em 1970, em plena
ditadura militar: uma versão iconoclasta
de um dos símbolos do patriotismo,
o quadro Independência ou Morte.
Abaixo, Dom Pedro I em pintura de
1816 de Jean-Baptiste Debret
















Laurentino Gomes se diz honrado com a premiação concedida pelo Jabuti e muito orgulhoso de estar presente com muita frequência, nos últimos anos, nas listas dos mais vendidos do Brasil com livros que não são apelativos nem banais, como costuma ser comum entre campeões de venda. Modesto e dedicado diariamente à pesquisa, ele também reconhece sua condição de autodidata em questões de historiografia, já que depois do curso superior de Comunicação passou mais de três décadas exclusivamente atuando na imprensa.

"Para os livros não busco apenas a pesquisa bibliográfica, acadêmica. Tento apurar os fatos, vou aos locais, entrevisto pessoas", explica, enquanto rende tributo a Otávio Tarquínio de Souza e a Oliveira Lima, dois célebres historiadores – o primeiro foi referência para o livro "1822", enquanto o segundo, especialista na vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, foi o norte e o fio condutor para Laurentino as pesquisas e a escrita de "1808".






Dom Pedro ficou: acima, a tela de
1814 de Jean-Louis Ernst Meissonier,
que retrata a vitória das tropas militares
de Napoleão Bonaparte e a clássica
imagem de 1888 na pintura de
Pedro Américo. As semelhanças
são evidente. Abaixo, pintura em
óleo sobre tela de 1844 do francês
François-René Moreau intitulada
Declaração da Independência;
no detalhe, Dom Pedro





.
                     



"Eu procuro aplicar nos livros o que aprendi como repórter durante décadas na revista Veja e no jornal Estado de São Paulo. Nas redações de jornais e revistas quase sempre impera a soberba do conhecimento, como se não fosse necessário trocar em miúdos, explicar a cada edição a mesma história, quem é cada personagem envolvido. Isso é o que o leitor quer encontrar e é isso que tento oferecer a ele em meus livros. Estendo para os livros o que dizia um editor que tive no Estadão: a função do jornalista é colocar a papinha mastigada na boca do leitor todos os dias". 

"1822", revela o autor, é resultado de mais de três anos de pesquisas. Em 372 páginas ilustradas e 22 capítulos, cobre um período de 14 anos, entre 1821, data do retorno da Corte Portuguesa de Dom João VI a Lisboa, e 1834, ano da morte do imperador Pedro I. Para Laurentino, a Independência do Brasil resultou de uma notável combinação de sorte, de improvisação e também de sabedoria de lideranças como o patrono José Bonifácio de Andrada e Silva, incumbido de conduzir os destinos do país por entre grandes sonhos e perigos. Proclamada a Independência, coube a José Bonifácio comandar a política centralizadora e organizar as ações militares contra os focos de resistência à separação de Portugal.






Dom Pedro de Alcântara em pintura
em óleo sobre tela de Simplício Rodrigues
de Sá (1785-1839). Abaixo, Dom Pedro
retratado por Manuel de Araújo Porto-
Alegre (1806-1879), por Antônio Joaquim
Franco Velasco (1780-1833) e nas gravuras
estampadas em selos do correio postal













    

 
E quais serão os próximos projetos? "O primeiro será um livro sobre 1889, sobre o processo da Proclamação da República, e depois algum projeto de fôlego sobre a escravidão no Brasil. Antes, 1889, porque depois de um livro sobre 1808 e um livro sobre 1822, um livro sobre 1889 é, definitivamente, inevitável", reconhece Laurentino, de pronto, anunciando que já iniciou as pesquisas para o novo livro, o terceiro da trilogia, ainda sem data prevista para o lançamento. Em 1889, ele diz, pretende detalhar a situação do Brasil no Império e as variáveis que culminaram com a data da Proclamação da República. Curiosamente, a obra vai se iniciar exatamente no ponto em que termina "1822".

Com "1889", Laurentino vai encerrar uma trilogia que cobre toda a história do Brasil do século 19, iniciada com seu "best-seller" que recebeu o título preciso de "1808" pela editora Planeta e que já vendeu 600 mil exemplares desde o lançamento, em 2007. "Assim como '1822' é consequência natural ao '1808', posso dizer o mesmo deste '1889' que virá. Quase fui obrigado a escrevê-lo", completa, feliz da vida com o sucesso que chegou de surpresa quando "1808" surgiu em destaque e permaneceu durante muito tempo em todas as listas dos mais vendidos.



por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Dom Pedro ficou. In: Blog Semióticas, 20 de outubro de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/10/dom-pedro-ficou.html (acessado em … /… /...).
















Dom Pedro ficou: no alto, o príncipe
Pedro de Alcântara quando chegou
ao Brasil, aos 10 anos de idade, em 1808,
em pintura a óleo de Jean François
Badoureau. Acima, Dom Pedro em seu
último retrato no Brasil, pintado em
1830 por Simplício Rodrigues de Sá;
retratado no ano de sua morte, 1834, por
John Simpson (1782-1847); e em gravura
na técnica de litografia, de autor não
identificado, atribuída ao francês
Pierre Louis Grevedon (1783-1862).

Abaixo, Laurentino Gomes fotografado
em São Paulo no lançamento de 1822









Trecho da apresentação do livro:



"Quem observasse o Brasil em 1822 teria razões de sobra para duvidar de sua viabilidade como país. Na véspera de sua independência, o Brasil tinha tudo para dar errado. De cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. O medo de uma rebelião dos cativos assombrava a minoria branca como um pesadelo. Os analfabetos somavam 99% da população. Os ricos eram poucos e, com raras exceções, ignorantes. O isolamento e as rivalidades entre as diversas províncias prenunciavam uma guerra civil, que poderia resultar na fragmentação territorial, a exemplo do que já ocorria nas colônias espanholas vizinhas. 

Para piorar a situação, ao voltar a Portugal, no ano anterior, o rei D João VI, havia raspado os cofres nacionais. O novo país nascia falido. Faltavam dinheiro, soldados, navios, armas ou munições para sustentar uma guerra contra os portugueses, que se prenunciava longa e sangrenta. Nesta nova obra, o escritor Laurentino Gomes, autor do best-seller 1808, sobre a fuga da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, relata como o Brasil de 1822 acabou dando certo por uma notável combinação de sorte, improvisação, acasos e também de sabedoria dos homens responsáveis pelas condução dos destinos do novo país naquele momento de grandes sonhos e muitos perigos.

O Brasil de hoje deve sua existência à capacidade de vencer obstáculos que pareciam insuperáveis em 1822. E isso, por si só, é uma enorme vitória, mas de modo algum significa que os problemas foram resolvidos. Ao contrário. A Independência foi apenas o primeiro passo de um caminho que se revelaria difícil, longo e turbulento nos dois séculos seguintes. As dúvidas a respeito da viabilidade do Brasil como nação coesa e soberana, capaz de somar os esforços e o talento de todos os seus habitantes, aproveitar suas riquezas naturais e pavimentar seu futuro persistiram ainda muito tempo depois da Independência. Convicções e projetos grandiosos, que ainda hoje fariam sentido na construção do país, deixaram de se realizar em 1822 por força das circunstâncias."


 




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