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28 de junho de 2013

Arte entre guerras







Na paz, prepara-te para a guerra.

Na guerra, prepara-te para a paz.    

–– Sun Tzu, “A arte da guerra” (século 4 a.C.).      

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Tarsila do Amaral, Maria Martins e outros grandes nomes do Modernismo brasileiro, que atuaram nos movimentos de vanguarda e produziram trabalhos importantes no Brasil e em outros países, no período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, são algumas das ausências notáveis da exposição “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939” (Nova harmonia: abstração entre as guerras, 1919-1939), uma das mais amplas mostras já realizadas sobre a história da arte no período de intervalo entre a primeira e a segunda guerra mundial, em cartaz em Nova York no Guggenheim, museu reconhecido no mundo inteiro por ostentar em seu acervo uma das mais valiosas e invejáveis de todas as coleções internacionais da Arte Moderna.

Ignorados pela mostra internacional no Guggenheim Museum, Tarsila, Maria Martins e artistas como Victor Brecheret, Emiliano Di Cavalcanti, Cícero Dias, Djanira, Cândido Portinari, Iberê Camargo, Alberto da Veiga Guignard e Lasar Segall, entre outros, também marcaram presença na tradição da ruptura dos movimentos de vanguarda e da Arte Moderna no período entre guerras, e todos eles têm obras presentes no acervo do Guggenheim e de outros grandes museus de Nova York, dos Estados Unidos e de outros países, o que torna ainda mais incompreensível a ausência dos brasileiros na exposição “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939”. Em sintonia com as experiências que transcorriam na Europa, os modernistas brasileiros descobriram maneiras surpreendentes de criar uma "brasilidade" através da arte. Tarsila e Maria Martins, entre todos eles, talvez sejam os casos mais emblemáticos pela presença no centro da vanguarda europeia desde a década de 1920.

Na época da Semana de Arte Moderna, em 1922, Tarsila do Amaral (1886-1973), assim como Maria Martins (1894-1973), estavam em Paris. Maria acompanhava o segundo marido, o diplomata Carlos Martins, e na temporada em Paris estudava pintura e escultura com mestres que se tornariam, assim como ela, grandes expoentes do Surrealismo; Tarsila também estava em temporada de estudos com amigos e mentores como Constantin Brancusi, Fernand Léger, Albert Gleizes, Blaise Cendrars, Pablo Picasso, André Lhote. Assim como seus mestres, Tarsila produziria uma imaginária marcante, com influência de várias escolas das vanguardas, celebrada como referência do Modernismo, em uma trajetória em que obras como "Abaporu", óleo sobre tela de 1928, entre outras, representam autênticos manifestos e paradigmas, com conotações cubistas, dadaístas, surrealistas, em ícones do nacionalismo traduzidos nas cores e temas da vida rural e urbana brasileira (sobre Tarsila e a Geração Modernista de 1922, veja "Semióticas: Ao sol, carta é farol").












Algumas obras-primas de mestres da Arte na
América Latina: no alto, América Invertida (1943),
do uruguaio Joaquín Torres-García (1874–1949),
único latino-americano na exposição New Harmony:
Abstraction between the Wars, 1919–1939.

Acima, a brasileira Maria Martins (1894- 1973)
fotografada com suas esculturas biomórficas em
Paris, em 1939, por Man Ray, e O impossível,
a obra mais conhecida da artista. Abaixo,
Guerra e Paz (1952-1956), painel monumental
de Cândido Portinari (1903-1962) instalado
na sede da ONU, em Nova York; e a musa do
Modernismo no Brasil, Tarsila do Amaral,
em seu ateliê em São Paulo, em 1930, seguida
de sua obra Operários, de 1933; por uma
fotografia da escrava que conviveu com
a artista na infância e inspirou sua obra
A Negra (1923); e no célebre autorretrato
com casaco vermelho de 1923



             


À frente de seu tempo


Tarsila do Amaral está à frente de seu tempo: somente muitos anos depois, a partir das décadas de 1930 e 1940, os manifestos do Dadaísmo e do Surrealismo fariam escola com expoentes de peso na América Latina, entre eles a pintora mexicana Frida Kahlo e o escritor argentino Jorge Luis Borges. Também à frente de sua época está Maria Martins, escultora, desenhista, gravurista, pintora, escritora e musicista, mineira da pequena cidade de Campanha, sempre lembrada pelos manuais de História da Arte entre as personalidades em destaque nas vanguardas da arte na Europa nas décadas de 1920 e 1930 e como única mulher nos círculos fechados do Dadaísmo e do Surrealismo francês.

Os estudos na Europa e no Japão, a partir da década de 1920, levaram Maria Martins às suas célebres esculturas biomórficas, estruturas orgânicas que travam um estranho diálogo com outras imagens também célebres da Arte Moderna, especialmente certas obras-primas de mestres da vanguarda como Jean Arp, Joan Miró, Salvador Dalí, Picasso e Piet Mondrian, entre outros, além de Marcel Duchamp, de quem ela foi a grande musa inspiradora e com quem ela viveu e trabalhou durante anos. Duchamp dedicou várias obras a Maria Martins. Contorcidas, sensuais, evocando culturas arcaicas e, assim como as telas de Tarsila, inspiradas em lendas do folclore e na natureza da Amazônia, as esculturas biomórficas de Maria Martins, que hoje estão no acervo dos grandes museus, entre eles o MoMA e o Louvre, também atraíram a atenção de André Breton, autor do Manifesto Surrealista, que a convidou para participar do grupo dos mestres, formado por Max Ernst, Yves Tanguy, Marc Chagall e Duchamp. 












Mesmo excluindo a participação brasileira, a exposição “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939” tem o mérito de reunir célebres obras-primas de artistas de vários países que atuaram na Europa entre as duas guerras mundiais. No mesmo Guggenheim Museum, a partir de hoje está aberta ao público outra exposição que tem a arte das vanguardas do Modernismo como tema: “Kandinsky in Paris, 1934–1944”, com 150 obras da última década de vida do pintor que é apontado como um dos criadores da arte da Abstração, para muitos a mais radical das inovações da Arte Moderna.



Kandinsky em Paris



A mostra “Kandinsky in Paris, 1934–1944” também é o retrato do drama pessoal do artista, nascido na Rússia e naturalizado francês. Depois que o governo nazista fechou a Escola Bauhaus, em Berlim, onde Kandinsky foi professor e um dos mentores do projeto educacional revolucionário e libertário, ele retornaria melancólico, em 1933, aos subúrbios parisienses de Neuilly-sur-Seine, onde havia morado e trabalhado em ateliês na primeira década do século (veja mais sobre a Escola Bauhaus em "Semióticas: Criança e design em 1900").










Fases distintas de Vasily Kandinsky (1866-1944)
em destaque nas exposições do Guggenheim
Museum: no alto, Striped (Rayé), de 1934,
da exposição New Harmony: Abstraction
between the Wars, 1919–1939. Acima,
 Contraste accompagné (1935), uma das
150 telas da fase final do artista reunidas na
mostra Kandinsky em Paris, 1934–1944,
apresentada pelo Guggenheim em 1945.
Abaixo, a capa do catálogo da exposição
de 1945, criada pelo artista em 1944









Na França, o vocabulário formal de Kandinsky mudaria de novo, radicalmente, e seus diagramas de amebas, embriões e outros ícones primitivos criaram um imaginário de cores e traços agrupados que seriam predominantes em suas pinturas tardias. No lugar antes ocupado por suas cores primárias características, a fase final de Kandinsky iria agrupar tons mais suaves de pigmentos diluídos, com sugestões figurativas e formais que lembram ícones do folclore da Rússia de sua infância. Simultaneamente, no mesmo Guggenheim Museum, a outra exposição, “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939”, também traz uma série surpreendente das obras-primas que Kandinsky produziu em uma década na Escola Bauhaus.

Ao selecionar obras-primas de mestres da História da Arte no período entre as duas guerras, a exposição “New Harmony" explora um recorte fundamental localizado na época em que a novidade da Abstração e das formas radicais da distorção das vanguardas amadurece, finca raízes nas artes plásticas e estabelece novos domínios que vão da teoria da cor à composição musical. Nomeada em homenagem a uma tela de Paul Klee (“New Harmony”, de 1936), a mostra no Guggenheim segue a cronologia dos mestres pioneiros e seus discípulos até que a Segunda Guerra é deflagrada, em 1939.










New Harmony (1936), tela do pintor e
poeta suíço naturalizado alemão Paul Klee.
Acima, Paul Klee fotografado em Berna,
Suíça, em 1939, por Walter Henggeler.

Abaixo, Paul Klee em seu estúdio na
Escola Bauhaus, em 1926, fotografado
por seu filho Felix Klee; e um registro
de uma das salas da exposição
com obras de Kandinsky e Paul Klee







                     

Um século de Abstração



No caminho aberto na primeira década do século 20 pelas experimentações da vanguarda de Pablo Picasso, Georges Braque, Kandinsky, Duchamp e Mondrian, “Nova harmonia: abstração entre as guerras, 1919-1939” apresenta 40 obras em pintura, escultura e trabalhos sobre papel de 20 artistas de nacionalidades diversas, entre eles pintores e escultores como os franceses Fernand Léger e Francis Picabia, o alemão Kurt Schwitters, o norte-americano Alexander Calder, o suíço Alberto Giacometti e o uruguaio Joaquín Torres-García, único latino-americano selecionado.

A arte da Abstração, que completa seu primeiro centenário, também recebeu uma homenagem sem precedentes com outra megaexposição, intitulada “Inventing Abstraction, 1910–1925”, que esteve em cartaz no MoMA, também em Nova York, entre 23 de dezembro e 15 de abril de 2013 (veja também “Semióticas: Inventando a Abstração”). Mas enquanto a exposição no MoMA reuniu, pela primeira vez em um século, obras mais antigas do abstracionismo e da não-figuração, incluindo pinturas, desenhos, livros, esculturas, filmes, fotos, música atonal e apresentações ao vivo de dança e orquestra, a mostra do Guggenheim vai à segunda fase do Abstracionismo.






Anna Riwkin registrou em Paris, em 1933,
o primeiro time dos surrealistas:
Tristan Tzara, Paul Eluard,
Andre Breton, Hans Arp,
Salvador Dali, Yves Tanguy,
Max Ernst, Rene Crevel e Man Ray.
Abaixo, a pintura em guache de 1938
Composición, de Joaquín Torres-García,
e Romulus et Remus, móbile de 1928
em arame e madeira do escultor e pintor
norte-americano Alexander Calder (1898–
1976), destaques na mostra New Harmony












Tracey Bashkoff, que assina a curadoria da mostra “New Harmony: Abstraction between the Wars, 1919–1939”, destaca na apresentação ao catálogo o caráter inédito da proposta, já que algumas das mais célebres obras-primas do período, que foram selecionadas da coleção permanente do museu ou tomadas de empréstimo em instituições internacionais, nunca estiveram reunidas em um só evento. Bashkoff também chama atenção para o marco que o acervo em exposição representa para os avanços na ordem pictórica, em relação aos trabalhos dos pioneiros da Abstração.



Amadurecimento da vanguarda



A mostra pretende mapear o amadurecimento da vanguarda na Abstração, em seus nexos mais abrangentes, até a explosão da Segunda Guerra na Europa”, explica Bashkoff, considerando que o ambiente propício às experimentações de vanguarda se estabelece quando as fronteiras são redesenhadas ou reabertas, depois da Guerra de 1917, com centros de formação tradicional da Europa, especialmente em Paris, sendo revigorados pelo intercâmbio criativo com artistas do mundo inteiro. Nas décadas de 1920 e 1930, arte e cultura alcançam progressos notáveis, até que em 1939 surge de novo o tumulto da guerra.








Duas figuras de 1932 do escultor e pintor
suíço Alberto Giacometti (1901–1966) na
exposição New Harmony: no alto, Femme qui
marche, escultura em ferro e gesso. Acima,
Femme égorgée, escultura moldada em
bronze. Abaixo, uma ala da exposição
com obras de Giacometti







Entre os destaques, a mostra traz algumas das obras-primas de artistas que permanecem quase desconhecidos para a grande maioria do público, caso do pintor, desenhista, escultor, escritor e professor Joaquín Torres-García (1874–1949), considerado o primeiro dos construtivistas da América Latina. Nascido em Montevideo, filho de mãe uruguaia e pai catalão, Torres-García viveu durante mais de 40 anos nos Estados Unidos e na Europa, com atuação destacada na França e na Espanha, onde foi colaborador de Antoni Gaudí. Na mostra "New Harmony", Torres-García aparece entre os destaques da Arte Moderna no entre guerras com obras-primas ainda hoje supreendentes, entre elas "Composión", de 1938, e “América Invertida”, de 1943.

Outro convite à descoberta, segundo Bashkoff, é a visão radical da revista “De Stijl” (“O estilo”, em holandês), publicação iniciada em 1917 por Theo van Doesburg, tendo colaboradores como Mondrian e o designer Gerrit Rietveld. Não por acaso, Theo van Doesburg, Mondrian e Rietveld viriam a compor um importante movimento de vanguarda, o Neoplasticismo, que exerceu profunda influência no mundo inteiro, no último século, não só sobre as artes plásticas, mas também sobre os rumos do que hoje se conhece de forma mais geral e abrangente por "design".










Obras do holandês Theo van Doesburg, artista
plástico, designer gráfico, poeta e arquiteto, além
de professor da Bauhaus e um dos fundadores
e líderes da lendária revista De Stijl, reunidas na
mostra New Harmony:  no alto, Composition
décentralisée, aquarela de 1924, e duas páginas
da De Stijl. Abaixo, Composition, obra realizada
entre 1925-1926. Também abaixo, a célebre
cadeira vermelha e azul, obra do arquiteto e designer
holandês Gerrit Thomas Rietveld (1888-1965)
e a capa do disco da banda White Stripes, tributo
ao design pioneiro, intitulado De Stijl







De Stijl: trajetórias



Através da trajetória das formulações radicais da revista “De Stijl”, que circulou durante uma década, entre 1917 e 1928, e que com frequência adotava a forma de manifesto, foi desenvolvida toda uma linguagem estética universal formada a partir de princípios da geometria, sugerindo formas de equilíbrio e harmonia na arte e na vida em sociedade. Na arquitetura e no design gráfico, de interiores, de moda e industrial, tudo indica que a influência da 'De Stijl' talvez tenha ido ainda mais longe.

Com o intercâmbio entre o grupo da “De Stijl' e a Escola Bauhaus, o ideal neoplástico tornou-se imensamente popular, com produção e consumo em escala industrial de infindáveis peças diretamente inspiradas pelas propostas do grupo holandês. Este ideal neoplástico, desde então, adquiriu um caráter ‘moderno’, voltado para o futuro. Até hoje, obras como a Poltrona de Rietveld e outros projetos do período da Bauhaus são imediatamente associadas a uma atitude voltada para o futuro, sendo comum ver até mesmo em filmes de ficção científica cenários recheados de elementos neoplásticos como forma de realçar o aspecto ‘futurista’ do ambiente”, completa Bashkoff.


 






O legado do grupo “De Stijl” também está presente na liberdade dos cartuns, nas histórias em quadrinhos e no que se convencionou chamar de “graphic novel”, além de embalagens em geral e até em áreas insuspeitas e improváveis como a música pop: em 2000, o duo norte-americano de blues-rock White Stripe lançou um álbum denominado “De Stijl”, cuja capa é composta por uma foto do casal de integrantes da banda em um ambiente inspirado pelo movimento holandês – pontuado por blocos lisos vermelhos e brancos e hastes pretas.



Revoluções: Dadaísmo e Surrealismo



Ao observar algumas das imagens presentes na mostra do Guggenheim, é possível reconhecer de memória, sem muito esforço, certas padronagens industriais do último século. Segundo Bashkoff, de todas as experiências estéticas e formais da arte naquele período entre guerras, incluindo as revoluções do Dadaísmo e do Surrealismo, as composições da “De Stijl”, tanto quanto sua influência para os mestres da Bauhaus e de outras escolas, fincaram mais forte suas raízes no imaginário popular e nas linhas de montagem industrial pelo mundo afora.









 


A partir do alto, Peinture murale (1924–25),
Femme tenant un vase (1927) e Trois
soeurs (1933), obras-primas na mostra
New Harmony do pintor e desenhista francês
Fernand Léger (1881-1975), que foi
professor de Tarsila do Amaral.

Abaixo, visitantes no Gugenheim diante de
uma pintura de Kandinsky; uma das salas
da exposição; e, no final da página, uma
seleção de obras da mostra: Four or Five
Times (Quatre ou cinq fois), óleo sobre tela
de 1929 do pintor e fotógrafo norte-americano
Emanuel Rudzitsky, mais conhecido como
Man Ray (1890–1976), seguida por
Composition N° 96 (1935), do pintor alemão
Friedrich Vordemberge-Gildewart (1899–1962)
e por Column (1923), escultura do russo
Naum Gabo em acrílico, madeira, metal e vidro









Com sua mistura de cores contrastantes e figuras geométricas de traços mínimos, imprecisas e irregulares, a influência da 'De Stijl' torna-se imediatamente reconhecível não só nas artes plásticas, com a Abstração passando de experiência marginal ao centro da concepção estética de toda uma época, sendo em sequida apropriada pela indústria cultural em tudo o que envolva composição e diagramação em artes gráficas, de livros, jornais, revistas, discos, cartazes e letreiros em geral ao cinema, à moda, ao mobiliário”, destaca Bashkoff.

Exemplos e modelos desta influência maciça de elementos dadaístas e surrealistas permaneceram e se multiplicaram durante as últimas décadas, conduzindo a profusão de padronagens de telas e cardápios de conteúdo em nossa era digital, muitas vezes atualizadas com inspiração nos célebres estudos geométricos em dimensão espacial das obras-primas de mestres da Abstração. Segundo Bashkoff, quando falamos em design gráfico, em qualquer suporte, a arte original de Mondrian e dos estetas da “De Stijl” está em primeiro plano como referência, em variações que vão de estampas para usos diversos aos objetos industriais produzidos em larga escala, não necessariamente relacionados à arte.

Na lista dos convites à descoberta de Bashkoff também estão construtivistas como o escultor russo Naum Gabo (1890–1977), expoente da Arte Cinética e ativista da Documenta 1, em Kassel, além de colaborador importante da "De Stijl". “A influência de Gabo, que defendia a abstração geométrica e migrou para a Europa em 1921, quando a política soviética começou a apoiar a expressão mais conservadora contra as artes de vanguarda, é fundamental para a escultura se afirmar no ambiente da Arte Moderna”, aponta Bashkoff. Naum Gabo é outro dos mestres que também participaram da comunidade educacional da Bauhaus, lar de artistas com ideais sociais como Josef Albers, Vasily Kandinsky, Paul Klee e László Moholy-Nagy, todos eles com obras em destaque na mostra do Guggenheim Museum.


por José Antônio Orlando. 


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Arte entre guerras. In: Blog Semióticas, 28 de julho de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/06/arte-entre-guerras.html (acessado em .../.../...).



Para uma visita virtual ao Guggenheim Museum,  clique aqui.

















15 de janeiro de 2013

Das Minas Gerais






As nuvens do céu azul que se agigantam sobre o horizonte do casario barroco. Os grãos do asfalto que segue serpenteando até sumir no infinito das matas e no horizonte de montanhas distantes. O espaço aberto da imensidão dos vales avistados na Serra do Cipó. Os enigmas das pinturas rupestres e, nas páginas seguintes, uma jararaca escondida, quase invisível, nas ranhuras que se abrem sobre o granito. Prosaicas garrafas de cachaça, enfileiradas no balcão, cachos e cachos de bananas, borboletas e flores, bandeirinhas coloridas, buritis.

Há também detalhes da arte feita pela gente simples, os monumentos seculares de Aleijadinho, os traços cromáticos de Manuel da Costa Athaíde e, na sequência, uma fileira de mandacarus, um estranhamento momentâneo na perspectiva provocado por um espelho transversal, que reflete a bancada respingada de tinta dos artesãos em Prados, as pessoas e os lugares, a mata cercada pelo pasto, o vaqueiro, o prosaico cavalo branco que lembra os seres mitológicos, perdido na vereda, o gado, o curso do rio, o maciço suspenso das cachoeiras em Conceição do Mato Dentro. A fotógrafa Rosa de Luca reuniu em livro uma surpreendente seleção de pontos de vista em cenários e sutilezas extraídas das tradições e do imaginário das Gerais.

São belíssimos enquadramentos coloridos que traduzem o poético e as diferenças de um certo traçado no mapa do Brasil, que desde o Setecentos vem demarcado pelo Coroa Portuguesa como Terra das Minas Geraes de Ouro, Diamantes e Pedras Preciosas. “Arte Vida Minas Gerais” (editora Alles Trade) reúne cerca de 200 imagens produzidas no intervalo de oito meses, entre muitas viagens pelos cenários e lugarejos que Rosa de Luca registra. “Meu trajeto sempre começava por Belo Horizonte”, recorda a fotógrafa, em entrevista por telefone.

















Sertões d
e Minas Gerais: no alto e acima,
João Guimarães Rosa fotografado por
Eugênio Silva para a revista O Cruzeiro,
em reportagem de Álvares da Silva que
junto com o fotógrafo acompanhou a viagem
de dez dias do escritor pelo sertão, em maio
de 1952, seguindo de Três Marias a Araçaí, na
região central de Minas Gerais, com um grupo
de boiadeiros que levava 300 bois e vacas
em um percurso de 10 fazendas e cerca de
240 quilômetros. A travessia de Rosa seguindo o
grupo, que incluía o vaqueiro Manuelzão (na quinta
foto acima), um dos integrantes da comitiva, daria
origem a diversas anotações em cadernetas que,
anos depois, seriam fundamentais para algumas
obras-primas do escritor, entre elas Corpo de Baile,
livro publicado em 1956, Tutameia, de 1967, um
grande clássico da literatura em língua portuguesa:
o romance Grande Sertão: Veredas, de 1956.

Abaixo, outra imagem de valor histórico: um grupo
anônimo de tropeiros em Itabira do Mato Dentro,
terra natal de Carlos Drummond de Andrade, em
retrato feito no começo do século 20 por
Brás Martins da Costa, um dos pioneiros
da fotografia em Minas Gerais. Também
abaixo, fotografias do Santuário do Caraça,
no município de Catas Altasoutros cenários
típicos do interior de Minas extraídos do livro
de Rosa de Luca "Arte Vida Minas Gerais"




  





Começo a entrevista comentando sobre a beleza dos cenários de Minas nas fotos e pergunto se ela conhece a história lendária e as imagens da viagem que o escritor Guimarães Rosa fez pelo sertão mineiro, acompanhando uma tropa de vaqueiros, em 1952. Ela diz que conhece as fotos, do também mineiro Eugenio Silva, que foram publicadas na revista "O Cruzeiro" e que sempre estão presentes nas edições dos livros de Guimarães Rosa e nas reportagens sobre a obra do escritor, mas explica que seu roteiro não teve nenhuma intenção de seguir o trajeto de Rosa pelo sertão.

"Meu roteiro era sempre assim: eu chegava de avião, entrava no carro em Belo Horizonte e buscava o destino da Estrada Real, com algumas variações no trajeto", recorda Rosa de Luca. "As belas paisagens e as cenas mais espontâneas que pediam enquadramento pela câmera são só uma parte do encanto”, destaca, descrevendo com lembranças de sons, cheiros e sabores as iguarias da culinária, as cores da natureza, as pessoas e o artesanato que encontrou pelo caminho.



Moda, Milão, Bahia, Minas



“Arte Vida Minas Gerais” é o terceiro livro de Rosa de Luca, que nasceu na Itália e está radicada há décadas no Brasil, com dedicação ao registro das paisagens mais deslumbrantes e da diversidade do brasileiro nas cidades e nos confins dos sertões, das montanhas e dos litorais. Ela conta que teve formação em Artes pelo Liceu Artístico de Salerno, na Itália, fazendo questão de destacar que o início de carreira na fotografia teve como marco importante uma exposição que ela conseguiu realizar no Brasil em 1984: “São Paulo Cromática”, realizada no Centro Cultural São Paulo.









No alto, cena rural no Sul de Minas.
Acima, vista do adro da Igreja Matriz
de Santo Antônio em Tiradentes.
Abaixo, uma seleção de portas e janelas
do casario nos cenários do barroco







 .
Depois desta primeira experiência em terras brasileiras, Rosa de Luca retornaria à Itália para trabalhar em Milão e só voltaria ao Brasil em 1990, desta vez para se dedicar à fotografia de moda. Foram diversos trabalhos, alguns deles premiados e selecionados em exposições individuais e coletivas, no Brasil, na Itália e em outros países. Até que surgiu como projeto a determinação de publicar o primeiro livro.

Foi em 2007. Elaborei um longo trabalho de pesquisa que concluí com uma sequência de 60 retratos de nomes das artes plásticas de importância na atualidade”, recorda. Adriana Varejão, Cildo Meireles, Arthur Omar e outros foram flagrados em circunstâncias de trabalho e, no livro – intitulado “Contemporâneas Artes Artistas” (Alles Trade) – todos aparecem com um pequeno perfil biográfico produzido pela historiadora do Museu de Arte Moderna (MAM), Margarida Sant'Anna.

“A ideia inicial era produzir uma série de catálogos, abordando arquitetos, designers etc”, conta. Uma viagem à Bahia, contudo, mudou os rumos do projeto e deu origem ao segundo livro, também publicado pela Alles Trade, em 2008. Rosa de Luca explica que o livro “Arte Vida Sul da Bahia” nasceu quase por acaso. “Tudo começou com uma viagem a trabalho e um passeio que fiz depois. Foi quando decidi reunir uma série de retratos sobre a região Sul da Bahia, tendo como foco principal os artistas e suas produções artesanais. É quase um roteiro de viagem pelas regiões de Belmonte, Santo André, Porto Seguro, Trancoso, Caraíva e tantos outros lugares perto do mar e da mata”, descreve, lembrando enquadramentos e situações mais incomuns que deram origem a belas imagens.



            

  
   



Os tecidos dependurados no varal sob o

sol do sertão, uma das imagens preferidas

da fotógrafa, e a Igreja de Nossa Senhora 

do Carmo em São João del Rei. Abaixo, o

adro da Igreja de Nossa Senhora das Mercês

em Ouro Preto, e um detalhe das tintas do

artesanato no lugarejo conhecido como Bichinho





       
 

O livro sobre as paisagens de Minas Gerais também nasceu de uma viagem a trabalho. “Minas é um mundo, são várias, como aquela passagem do Guimarães Rosa que todo mundo gosta de repetir. Foi difícil, tive que investir, viajar, voltar outras vezes, mas espero que o resultado possa traduzir uma pequena parte das impressões que mexeram comigo”, conta Rosa de Luca. Ela diz que prefere trabalhar sozinha, sem uma equipe de produção. Usa duas câmeras digitais – uma Nikon e uma Canon.



O inusitado e a tradição



Ela conta que, até o projeto do primeiro livro, trabalhou com filme analógico. Depois passou para a tecnologia digital pela facilidade maior para pré-editar o material: além de produzir as fotos originais, ela também assina direção de arte e o projeto gráfico de seus livros. Nas belas imagens emolduradas nas páginas de “Arte Vida Minas Gerais”, a fotógrafa registra cenas que remetem à tradição, ao barroco, à religiosidade, mas também à pedra preciosa, ao detalhe inusitado, como convém ao trabalho de qualidade na arte como no fotojornalismo mais cotidiano.









Da Serra do Cipó ao Vale do Jequitinhonha, e daí a Milho Verde, Carrancas, Catas Altas, Barão de Cocais, Bichinho, Ouro Preto, Mariana – cenários muito diferentes entre si que remetem a diversos extratos de história, coletânea extensa e preciosa de paradoxos entre metrópoles e pequenas cidades, punjança industrial e delicadeza artesanais. É como aponta o prefácio do livro: “nas cidades históricas, com as suas ruas de pedra, estão intactas, bem-guardadas, as histórias de heroísmo e brasilidade, iluminadas pelo nosso primeiro compromisso, que é, e sempre será, com a liberdade. Elas nos trazem, todo o tempo, para o início de tudo, e seus sinos nos embalam, apontando o caminho e o rumo, não importa a encruzilhada”.

O livro também traz breves textos assinados pela atriz, cineasta e escritora Bruna Lombardi, pela própria Rosa de Luca e por Margarida Sant'Anna. Bruna e Margarida participaram dos projetos anteriores da fotógrafa. A apresentação de Bruna é um poema em prosa: “Assim como as pedras preciosas escondem seu brilho dentro, Minas Gerais esconde infinitos tesouros, que vão se mostrando aos poucos a todos aqueles que a descobrem", registra, em uma das passagens.








Margarida Sant'Anna, em texto tão breve quanto didático, recorda a relação entre os cenários de Minas e os modernistas da Semana de Arte Moderna de 1922. Em seu projeto de “descoberta do Brasil”, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e vários outros fizeram em 1924 a lendária viagem às cidades históricas de Minas, onde encontraram os encantos esquecidos da arquitetura, da pintura e da talha barroca, mas também das manifestações populares. Margarida destaca que Tarsila, anos mais tarde, registraria suas impressões de viagem:

As decorações murais de um modesto corredor de hotel, o forro das salas, feito de taquarinhas coloridas e trançadas, as pinturas das igrejas, simples e comoventes, executadas com amor e devoção por artistas anônimos; o Aleijadinho, nas suas estátuas e nas linhas geniais de sua arquitetura religiosa, tudo era motivo para as nossas exclamações admiradas”... Para os modernistas da década de 1920 e ainda hoje – aponta Margarida, com propriedade – a originalidade da cultura mineira tem seus polos de interesse no legado barroco e no patrimônio da expressão popular.








Cenários barrocos de Minas: no alto,
menina trabalha em artesanato na Associação
Cultural Sempre Viva em São Gonçalo do
Rio das Pedras. Acima, a capa do livro
Arte Vida Minas Gerais. Abaixo, duas páginas
do livro; detalhes da extração de pedraria em
garimpo de topázio na região central do Estado;
e uma visão noturna sobre o cenário
barroco de Ouro Preto






Lembranças e enquadramentos


 
Mas entre tantas belas imagens que remetem à literatura e aos sentimentos de Minas, qual ou quais as preferidas de Rosa de Luca? “Todas, com certeza”, brinca a fotógrafa, ao telefone, rindo e fazendo piada com a curiosidade sem tamanho do repórter. Depois ela reconhece que, realmente, uma ou outra imagem publicada no livro trazem com mais força à lembrança circunstâncias que ultrapassam os cenários do enquadramento.

Duas delas me comovem de modo especial, talvez por isso estão nas últimas páginas. Uma é o longo varal de roupas secando, dependuradas, no meio do sertão. Outra são os dois vaqueiros na curva da estrada de asfalto. Mas cada foto pode ter seu encanto. É como o trabalho dos artesãos em lugares como Bichinho ou Pitangueiras, com a beleza tão diferente em cada uma daquelas peças, que comove e encanta”, explica, para completar, depois de uma breve pausa em pensamento. “Basta olhar com atenção para descobrir a qualidade única do que, na verdade, sempre esteve ali”.
 


  
           












Depois desta entrevista, que publiquei em um jornal de Belo Horizonte em 2010, Rosa de Luca lançou um novo livro no Bienal de São Paulo, em 2012, retomando a trajetória iniciada com os belos registros fotográficos sobre o Sul da Bahia e sobre Minas Gerais. “Brasil Arte Vida” (Alles Trade) também retrata com maestria a ocupação humana e paisagens deslumbrantes, captadas no Parque Nacional da Serra do Bodoquena (MS), Lagoa Bonita (MA), Rio Tapajós (PA), Alta Floresta (MT), Pantanal (MT) e Rio Amazonas.

Tanto nos projetos anteriores, como no atual “Brasil Arte Vida”, as imagens mantêm um forte apelo cromático, com a habilidade incomum de Rosa de Luca para fundir o mais poético e o trivial, cotidiano. Pós-produção, manipulação em sistema, photoshop? Sim, há páginas reservadas a sobreposições, justaposições, profundidade em macro. Mas talvez sejam os detalhes que menos interessam, porque a maior parte das fotografias é resultado de captação e transposição direta. Em outras palavras, uma lição para aprender e um deleite para os sentidos, definitivamente saborosos.


por José Antônio Orlando. 



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Das Minas Gerais. In: Blog Semióticas, 15 de janeiro de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/01/das-minas-gerais.html (acessado em .../.../…).


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Acima, arte gráfica de Rosa de Luca,
a partir de fotografias de detalhes do casario
barroco de Minas Gerais, e o pequeno
índio no telhado, uma das imagens do novo
livro da fotógrafa, Brasil Arte Vida




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