Se
andar nudo fosse di moda,
nessuna fanciulla porterebbe camicia. (Se ficar nu estivesse na moda, nenhuma garota usaria camisa). (Provérbio italiano). |
Moda é vestir os nus? Depende. Madonna e outros dos grandes artistas populares de nossa época demonstram que provocar, e não vestir, pode ser sempre o melhor negócio. Já Simone de Beauvoir, que escreveu e publicou algumas das linhas definitivas sobre o assunto, costumava dizer com propriedade – “visto para quem me dispo”.
Pois é o aforismo da musa existencialista, aplicado aos processos midiáticos que sustentam (e por vezes subvertem) atitudes psicossociais e sexuais dominantes, que fornece a moldura para as reflexões reunidas por Shari Benstock e Suzanne Ferriss em “Por Dentro da Moda” (Editora Rocco), coletânea especialíssima de 16 ensaios sobre esse fluido, instável e implacável fenômeno tão difícil de definir, situado nas fronteiras movediças entre erotismo, arte, economia e política.
“On Fashion”, título do original em inglês, é considerado referência obrigatória em estudos sobre o ato de vestir desde a primeira edição na Europa e nos Estados Unidos, em 1994. Coube a Benstock & Ferriss, professoras de Literatura e História da Arte na Universidade de Miami, mapear os contornos da edição e juntar a equipe de especialistas em abordagens abrangentes e ambiciosas sobre as interfaces do mundo da moda.
Consumo, visual e política são os três blocos que dividem o estudo de Benstock & Ferriss em capítulos, todos eles fartamente ilustrados em preto-e-branco e referenciados na filosofia de Freud, Roland Barthes e Michel Foucault, entre outros. Moda é o que faz o que é fantástico se transformar, por um momento, no que é universal – como professa a citação de Oscar Wilde reproduzida na contracapa.
O gênio e a vocação para a polêmica de Oscar Wilde são as deixas para situar a diversidade e o caráter interdisciplinar para os ensaios que vão da exploração teórica à identidade sexual, e daí à expressão política e às atitudes tanto intempestivas quanto ideológicas de diversas personalidades das vanguardas desde o começo do século 20.
Quando a televisão ainda não era um item obrigatório em todas as casas, os desfiles de moda também não eram tão populares, e o famoso tapete vermelho do Oscar nem existia, as referências para as roupas saíam do cinema, dos figurinos que astros e estrelas vestiam nos filmes e dos trajes que mostravam quando eram fotografados em eventos para publicidade dos estúdios. E o cinema, desde as primeiras décadas do século 20 e cada vez mais, exibe as estrelas em modelos desenhados e confeccionados pelos mais festejados nomes da alta costura.
Estudo comparado
A lista do leque investigativo organizado por Benstock e Ferriss é extenso e abrangente, incluindo alguns dos grandes estilistas do último século, de Gabrielle Coco Chanel e Christian Dior a Elsa Schiaparelli e Giorgio Armani, Yves Saint Laurent, Pierre Cardin, Edoardo e Adele Fendi, Hubert de Givenchy, Paco Rabanne, Jean Paul Gaultier, Calvin Klein, Gianni Versace, Cristóbal Balenciaga e Yohji Yamamoto, entre vários outros – todos com presença em destaque na galeria de medalhões celebrados, ou criticados, comparados entre si e com seus pares de rivalidade, nos ensaios selecionados de pesquisadores da história da moda e especialistas convidados.
Fiéis
à abrangência dos signos da moda, Benstock & Ferriss abordam os
clássicos da vanguarda modernista, estampas da Pop Art e da
contracultura que ganharam força nos anos 1960, do tribalismo urbano
e da tecnocultura globalizada que tomou de assalto o novo milênio.
Tudo isso e mais Gloria Swanson, Theda Bara, Louise Brooks, Crawford,
Dietrich, Carmen Miranda, Marilyn Monroe, Audrey Hepburn, Anais Nïn,
Gloria Vanderbilt, Vivienne Westwood, Twiggy, Veruschka, Barbie, Naomi
Campbell, Kate Moss, Gisele Bündchen e outras divas de estilo e
grandeza variados, algumas delas com lugar cativo nos catálogos de
imagens memoráveis do último século...
No
repertório dos estudos, o leitor atento vai perceber extremos apenas
aparentes, como as referências a Jackie Kennedy, as estratégias da
Maison Chanel, a arte do fotógrafo Man Ray ou as mutações da
estrela Madonna – reverenciada com exemplos e conceitos da alta
cultura por Douglas Kellner, num dos ensaios sobre moda e identidade.
Máscaras cotidianas
Filosofia, desfiles nas passarelas e a vida nas ruas: a tese que conduz a maioria dos ensaios destaca a sexualidade e os hábitos comportamentais como motor dos grandes movimentos sociais. Segundo destacam as organizadoras no ensaio de apresentação a “On Fashion”, o ato de vestir é dos mais privilegiados, porque é ele que determina e relaciona, às máscaras da vida cotidiana, o imaginário coletivo e os projetos autobiográficos de todos nós e de cada um em particular.
O corpo humano, apontam Benstock & Ferriss, está sujeito a forças econômicas e sexuais, por isso reivindica direitos e prazeres: como forma de sublimar essas pressões. Entre os ensaios incluídos na coletâneas, muitas e muitas proposições de Foucault, Barthes, Baudrillard, entre outros pensadores franceses que fizeram o "corpus" da moda entrar para a academia. Cada um deles é devidamente reverenciado em diferentes contextos, através de citações e análises por vezes polêmicas, explosivas, por vezes apenas irônicas.
Longe do senso comum, que segue tendências à deriva, mas também ela feita de tendências e de releituras permanentes, a moda é um simulacro – destacam as organizadoras na apresentação. Hiperconectividade e imprevisibilidade. Os signos da moda flutuam livremente e não estão assentados em apenas um referencial. Mas a moda é sempre política: seja quando não nos preocupamos com a moda, seja quando nos preocupamos de fato com ela – alertam Benstock e Ferriss, em elogio ao elegante intelectualismo francês – estamos nos domínios das relações de poder e sua articulação com o corpo.
Ensaio sobre a Modernidade
A ligação da moda com a mercantilização – que outro francês, Charles Baudelaire, revelou em meados do século 19, em seus “Ensaios sobre a Modernidade” (lançado no Brasil pela Paz e Terra) – vai coincidir com o surgimento do capitalismo industrial e da economia de mercado. Nas últimas décadas, impulsionado especialmente pelas imagens da fotografia, do cinema e do internet, como destacam os teóricos citados, o poder repressivo dos modismos exerce cada vez mais sua tirania sobre os consumidores de todas as idades.
Movido pela obrigação do consumo efêmero, o corpo sujeito à moda mantém-se cativo do desejo mutante de adorno, além de dependente das forças econômicas do mercado. “A moda contemporânea pode estar em frangalhos”, destacam as organizadoras. “Não mais enquadrada num único padrão dominante, numa mesma altura de bainha, mas seu olhar sequioso perscruta o mundo em busca de 'looks' originais para deles se apropriar”.
No
alto, Jane Birkin aos 19, em 1965,
fazendo
teste em um estúdio fotográfico em Londres, às vésperas de estrear no cinema
em Blow
Up, de Michelangelo Antonioni (com David Hemmings em cena do filme), e de firmar um novo padrão de beleza, a partir do final da década de 1960, como referência do mundo da moda e também como cantora e atriz em mais de 70 filmes.
Abaixo,
a estrela Veruschka, primeira top model
e também
atriz de "Blow Up", em fotografia de
Richard
Avedon, em 1970. Também abaixo, Avedon em autorretrato
no estúdio com Veruschka, em uma
sessão de fotos que seria transformada em
editorial da American Vogue em 1967, ano
de estreia de “Blow Up”.
Na sequência, abaixo, Veruschka por Avedon,
no
mesmo editorial de 1967 para a American
Vogue; em 1966, no lendário e
extraordinário editorial da Vogue que reuniu
Avedon e Veruschka durante o inverno
nas montanhas do Japão; e em 1971, na época de sua parceria com Salvador Dalí e com o fotógrafo Peter Beard, quando viajou para o Quênia, na África, e teve o corpo pintado com betume para imitar os nativos e a plantas. Anos depois, Veruschka confessou que demorou semanas até conseguir remover toda a maquiagem
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Nada que Barthes já não tenha descoberto e anunciado nos anos 1960, no clássico “O Sistema da Moda” (publicado no Brasil pela Edusp), ao enumerar os subtextos que a linguagem da moda estabelece e transforma. Contudo, as questões que Barthes propõe, datadas na imprensa francesa dos anos rebeldes, são atualizadas em novos contextos multiculturais e tecnológicos, onipresentes em nossa época.
Por exemplo, o que quer dizer estar na moda? Questionam Benstock e Ferriss no primeiro ensaio, considerando que todo modismo configura, antes de qualquer vaidade, um apelo. Devemos considerar a moda um negócio, ligado ao desperdício e ao consumo efêmero, ou uma forma de arte? Os elegantes são aqueles que adquirem os modelos vanguardistas da alta costura ou os que fazem seus próprios modelos e combinações a partir do que observam e encontram em lojas de roupas baratas?
Ao sabor dos ventos
Revendo a história da vestimenta, “Por Dentro da Moda” toca em contradições de gênero que vão muito além das mensagens estéticas, muito além do consumismo das obsessões com compras, apontando que nas imagens da mídia contemporânea a roupa masculina se tornou fixa e estável, congelada numa “rigidez fálica”, enquanto a roupa feminina muda ao sabor dos ventos, deslocando a ênfase de uma para outra zona erógena.
“A mulher abandonou os pesados e incômodos pregueados e os torturantes trajes de armações em favor de estilos mais simples e reveladores de formas”, analisa Leslie W. Rabine no ensaio sobre consumismo e feminismo nas revistas de moda. De acordo com Rabine, catedrática da Universidade da Califórnia, a “evolução” da mulher no século 20 acarretou um efeito da maior complexidade.
“É quase um gene mutante que foi se tornando dominante”, adverte Rabine, “tanto melhorando o status da mulher objeto do olhar e do desejo masculino, como expressando sua nova independência de autoridade de pais e maridos, sua maior mobilidade física e econômica, sua situação de sujeito que reflete sobre si mesmo e um desligamento das restrições vitorianas da feminilidade”.
A “evolução” da mulher e do comportamento sexual nos novos tempos também são as coordenadas do ensaio de Douglas Kellner, professor da Universidade do Texas, que divide com Fredric Jameson e outros poucos o status de primeiro escalão entre os filósofos norte-americanos da atualidade. Em um dos momentos inspirados do livro organizado por Benstock e Ferriss, Kellner traduz o que um dos maiores ícones pop do passado recente representa não só para o mundo da moda, como também para a mudança de atitude de toda uma geração.
Carona no sucesso
O argumento do professor Kelner é muito atual e quase irresistível: com suas provocações permanentes, suas legiões de fãs e legiões de imitadores e seguidores de seu visual camaleônico, Madonna e as replicantes que ela própria gerou personificam, para a cultura de nossos dias, as possibilidades de manipular a auto-apresentação. Kellner passa em revista a trajetória da estrela. Lembra de suas origens humildes e das dificuldades na vida de toda garota disposta a quase tudo para chegar no topo.
O argumento ganha força quando se sabe da estreia, de quando Louise Veronica Ciccone, aos 20 anos, vai com a cara e a coragem do interior para Nova York e aparece pela primeira vez na mídia, pegando carona no sucesso do então namorado, o 'outsider' e artista genial Jean-Michel Basquiat – não por acaso revelado como sucesso por obra e graça de Andy Warhol, Midas da auto-promoção e mestre que fornece o norte à futura estrela. Warhol é a presença divisora de águas nos primeiros tempos de Madonna.
A
configuração do sentido-sujeito Madonna, enquanto entidade
discursiva e cuja identidade afeta a nossa cultura – aponta Kellner
– é perpassada pela multiplicidade. Além de ter sido precursora
do estilo de uma infinidade de outras artistas que vêm repetindo
ad-infinitum sua imagem, sua música e suas estratégias de
marketing, Madonna não só abriu caminhos para todas elas, mas
também tem se mostrado superior na característica da sobrevivência
enquanto ícone popular, já que soube reinventar sua imagem no
decorrer dos anos (na verdade, há décadas) e, assim, permanecer em
destaque num meio que é tão perene, o da cultura pop.
Sadomasoquismo
e lascívias que atualizam os pioneiros astros de rock das décadas
de 1960 e 1970, de cabelos desgrenhados e vestidos fora do
convencional – a identidade transgressora de Madonna, desde o
início, na análise de Kellner, parte da mistura radical e
premeditada de moda e sexualidade que passaria de modelo destoante a imagem dominante para a maioria nas sociedades ocidentais.
Paradigma pós-moderno
Ao
tornar-se a artista de variedades mais conhecida de sua era (talvez
de todos os tempos), Madonna também construiu a melhor tradução do
paradigma pós-moderno: produziu toda uma safra de lucrativas
imitações e uma obra controversa, de apelos múltiplos e massivos,
que muito contribuíram para subverter nosso passado recente e toda
uma leva de ideologias conservadoras não mais dominantes.
Madonna
permite muitas e até contraditórias leituras, conclui Kellner.
Permite leituras que podem se basear nas suas próprias
representações, nas referências de outras épocas e de outras
áreas que adota ou até, talvez principalmente, na sua música,
porque na verdade o conjunto forma textos polissêmicos e
pós-modernistas, considerando também seus controversos e às vezes
imprevisíveis efeitos.
“Em
reuniões maçantes”, ele ironiza, “é só mencionar Madonna e
pode-se estar certo de que surgirá uma violenta discussão, com uns
atacando e outros a defendendo apaixonadamente. Quer se goste dela ou
a odeie, ela é uma constante provocação, que revela a primazia da
moda e da imagem na cultura contemporânea e na construção social
da identidade”.
Entre outros ícones de maior ou menor grandeza, Madonna também personifica e delimita o corpo como um território próprio – um território imaginário que entrelaça o tecido de nossas vidas entre existência e aparência, entre condições materiais, políticas, sexuais, entre o olhar (voyeurismo) e o ser olhado (exibicionismo). Ou, como defendem as editoras da coletânea: em nossa época de verdades relativas e certezas efêmeras, moda é, mais que nunca, uma questão de atitude.
Um poço de contradições
“O meu argumento é que a imagem e a aceitação de Madonna colocam em evidência a construção social da identidade, da moda e da sexualidade. Ao explodir as fronteiras estabelecidas pelos códigos dominantes de gênero, sexo e moda, ela encoraja a experimentação, a mudança e a produção de uma nova identidade individual e coletiva. Madonna pressiona os mais sensíveis botões de sexualidade, gênero, raça e classe, oferecendo imagens e textos desafiadores e provocativos, assim como outros que reforçam as convenções dominantes. Madonna é a sua contradição, e terei o prazer de, nas próximas páginas, mergulhar no fenômeno Madonna, a fim de explorar os seus artefatos altamente voláteis e carregados”
(Douglas Kellner)
O olhar da moda
“O olhar da moda é a mais óbvia dessas mudanças. No princípio da década de 1960, as páginas de 'Vogue', que utilizo aqui como sendo a autoridade branca, burguesa, tão influente que o seu nome é sinônimo, na moda, de 'elegância', mostravam o estilo Jackie Kennedy de conjuntos e vestidos retos, estruturados, de linha trapézio, formais e bonitos na sua elegância. Ao longo da década, esse estilo foi gradualmente cedendo lugar a outros, mais diversificados, que revelavam mais o corpo, mais apropriados a uma maior gama de atividades e mais sugestivos de costumes e fantasias audaciosas e exóticas”
(Leslie W. Rabine)
Twiggy, uma lenda
“Lendo antigas entrevistas e artigos sobre Twiggy, torna-se evidente de imediato que nunca uma modelo de moda teve tanta importância. É provável que nem antes, nem depois, o público tenha tido tando conhecimento da vida atrás do rosto de uma modelo. Mas a imprensa popular norte-americana, representativa da grande classe média, claramente percebeu Twiggy como uma ameaça. Oriana Fallaci, numa extensa entrevista para o 'Saturday Evening Post' que marcou época, divertiu-se em bombardear essa desistente dos bancos escolares com perguntas sobre história e política. Fallaci: Twiggy, você sabe o que aconteceu em Hiroshima? Twiggy: Onde é que fica isso?”
(Linda Benn DeLibero)
O gênio de Man Ray
“Um corpo nu é visível abaixo do lado esquerdo de um círculo de vidro... Parte da alegria de observar as imagens às vezes complicadas de Man Ray reside na percepção que, vagarosamente, vamos conseguindo ter a respeito delas. Elas se desenvolvem em nossa mente, e o seu artifício vai se tornando natural ao nosso modo de ver”
(Mary Ann Caws)
De exceção a regra
Talvez a melhor palavra para definir a grife mais famosa de todos os tempos seja "permanência". Quase um século depois que a jovem Gabrielle “Coco” Chanel (1883-1971) abraçou em Paris o sonho romântico de ficar rica e famosa produzindo um novo estilo de roupas, chapéus, sapatos e bolsas, o mito Chanel sobrevive e prospera – fazendo história e arrecadando fortunas num setor que costuma ser marcado justamente pelo consumo efêmero e pelo sucesso passageiro. A origem de tudo está retratada com estilo e elegância a toda prova no filme "Coco Antes de Chanel".
Com roteiro e direção de uma mulher, Anne Fontaine, mesma cineasta de "A Garota de Mônaco" (2008), "Coco Antes de Chanel" (2009) tem alguns trunfos para marcar época - em especial o argumento dramático oportuno que lança luzes sobre a juventude da personalidade misteriosa que sai do anonimato (e do orfanato) para fundar um império planetário, além da presença marcante de Audrey Tattoo, que já havia roubado a cena em "Código Da Vinci" (2008) e no memorável "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" (2001).
Simples, sem excessos e centrado na narrativa cronológica, o roteiro de Anne Fontaine respeita e valoriza o lema inventado por Coco Chanel que revolucionou o mundo da moda desde o começo do século 20: pioneira como militante feminista antes que o assunto ganhasse as multidões, a lendária estilista de alta-costura que personificou, como nenhum outro nome, o estilo e a aparência da mulher moderna, sempre defendia a elegância pelo mínimo - pela simplicidade e nunca pelos enfeites e pelo supérfluo.
De exceção destoante nos cenários e vestimentas ostensivos da "Belle Époque" (sua primeira loja, exclusivamente de chapéus, foi aberta em Paris em 1910), o estilo de Coco Chanel passa a ser a regra na segunda metade do século - quando suas criações passam a ser disputadas pelas celebridades internacionais como sinônimo atemporal de sucesso, liberdade e elegância.
"Coco Antes de Chanel" acompanha, principalmente, o olhar da protagonista - e através dele investiga a evolução de Chanel e os traços biográficos que a levaram a cristalizar seu próprio estilo. Sóbrio, repleto do silêncios e de elipses narrativas, o filme apenas sugere - o que pode ser visto como um tributo à personalidade enigmática de Mademoiselle Chanel, mas também torna a narrativa difícil para alguém pouco familiarizado com a trajetória complexa do mito, que na infância foge com a irmã de um orfanato para sobreviver como cantora de um bordel, antes de ter acesso, com a ajuda de nobres "protetores", às altas rodas parisienses e à abertura do seu primeiro ateliê de costura.
A Era Chanel
Do palco dos bordéis, ela vai manter somente o apelido - Coco ("galo", em francês), palavra que vem da música que ela sempre cantava. Além do filme "Coco Antes de Chanel", há dois títulos disponíveis nas livrarias que podem fornecer pistas importantes para entender o mito: "A Era Chanel", biografia escrita por Edmonde Charles-Roux (editora Cosac&Naify), que foi usada como fonte pelo roteiro de Fontaine, e "Chanel - Seu Estilo e Sua Vida" (editora Mandarim), escrita pela editora da revista "Vogue", Janet Wallach, e recheada de fotos extraídas de jornais e revistas e do álbum de família de Coco Chanel.
O filme de Anne Fontaine fica nos primeiros tempos - não alcança a ascensão polêmica do mito e a transformação da Casa Chanel em um grande império, nem seus romances proibidos, nem sua união amorosa e intelectual a artistas geniais e personalidades marcantes do século 20. Nunca se casou, mas a lista de amigos e namorados é imensa: de Stravinsky e Man Ray a Picasso, de Satie a Jean Cocteau e Marcel Duchamp.
Chanel também vestiu as maiores divas do cinema - de Gloria Swanson e Marlene Dietrich a Marilyn Monroe e Romy Schneider, entre tantas outras - e colaborou nas obras-primas de cineastas do primeiro time, entre eles Cecil B. DeMille, Hitchcock, George Cukor, King Vidor, Luchino Visconti, Billy Wilder, Alain Resnais...
Os números são mantidos a sete chaves, mas há quem garanta que a grife criada por Chanel responde por uma parcela considerável dos negócios do mundo da moda. Detentora de uma fortuna estimada em 10 bilhões de Euros, a Casa Chanel hoje é administrada por Alain e Gérard Wertheimer, netos de um dos sócios da estilista.
Os Wertheimer detêm um império: roupas, acessórios e artigos originais da marca são vendidos em 170 endereços exclusivos em mais de 100 países. No Brasil, atualmente, são apenas duas lojas credenciadas: a Daslu, em São Paulo, e uma perfumaria no Shopping Leblon, no Rio de Janeiro. Na França, recentemente a Maison Chanel diversificou os investimentos e os negócios com a fundação de uma nova empresa, a Paraffection, que centraliza a administração dos cinco "Ateliers d'Art": Desrues, para ornamentação e decoração de interiores; Lemarié, para artigos de penas e flores em geral; lesage, para bordados e acabamentos artesanais; Massaro, para sapataria; e Michel, exclusivamente para chapéus.
Gabrielle "Coco" Chanel morreu em janeiro de 1971, aos 87 anos de idade e em plena atividade, ainda confeccionando peças para sua empresa. O estilo da mulher inteligente e corajosa que inventou o "pretinho básico", no fim das contas, acabou virando sinônimo de corte de cabelo e símbolo internacional de bom gosto e de elegância. E o óbvio que todos podem constatar, nos quatro cantos do planeta: também virou uma grande e muito poderosa indústria.
por José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. A fala da moda. In: Blog
Semióticas,
29 de julho de 2011. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2011/07/fala-da-moda.html
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