"O objetivo foi investigar a presença marcante do Rio na música brasileira”, completa Moutinho, que nasceu em 1972 em Madureira, subúrbio do Rio, e tem outros livros publicados, como as prosas de ficção “A Palavra Ausente” (Rocco, 2011) e “Somos Todos Iguais nesta Noite” (Rocco, 2006). Colaborador das revistas “Bravo!” e “Cinemais” e do jornal “O Globo”, também organizou uma série de antologias que inclui "Prosas Cariocas – Uma Nova Cartografia do Rio" (Casa da Palavra, 2004), "Dicionário Amoroso da Língua Portuguesa" (Casa da Palavra, 2009) e “Manual de Sobrevivência nos Butiquins mais Vagabundos” (Senac Rio, 2005).
Autor do livro "Heranças do Samba" (2004) e das biografias de Moacir Santos (2006) e Djavan (2008), Sukman destaca como a música muitas vezes ressoou o processo permanente de brutalização da cidade. A palavra "arrastão" e seus dois sentidos direcionam a análise de Sukman – da rede que há séculos colhe no mar os peixes, tema da canção de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, ao recente e violento significado registrado pela população em pânico diante da ação das gangues nas avenidas e areias das praias da Zona Sul.
Princesinha do mar
Certas Canções: no alto, vista da praia de Copacabana em 1890, em fotografia de Marc Ferrez. Acima, um retrato de Clementina de Jesus criado por Elifas Andreato para a capa da álbum de 1970 "Clementina, Cadê Você?"; os veteranos da Velha Guarda do samba João da Bahiana, Clementina de Jesus, Pixinguinha e Donga participando da Passeata dos Cem Mil contra a censura e contra a ditadura militar, em fotografias de 1968 publicadas pela revista Realidade. Também acima, Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Bahiana fotografados por Pedro de Moraes, filho de Vinicius de Moraes, para a capa do LP lançado em 1968 pela gravadora Odeon, "Gente da Antiga".
Abaixo, Elza Soares em 1973, em retrato feito por Madalena Schwartz,; um encontro de três baluartes da Velha Guarda da Mangueira em 1973, Nelson Cavaquinho, Cartola e Carlos Cachaça; um encontro de Cartola, Nara Leão, Zé Kéti e Nelson Cavaquinho; Carlos Lyra ao violão, em 1965, com Aloisio de Oliveira, Nara Leão e Vinicius de Moraes; Nara Leão no doce balanço da praia de Ipanema, em 1967; um grupo de samba na casa de Aracy de Almeida (com a mão no rosto): a partir da esquerda, Jards Macalé, Wally Salomão, Paulinho da Viola, Carlos Cachaça (sentado), Albino Pinheiro, Cartola e Clementina de Jesus; e Jovelina Pérola Negra, cantora e compositora que trabalhava como empregada doméstica e levou o samba e o pagode para o sucesso na década de 1980 nas rádios e na venda de LPs (fotografada na quadra da escola de samba Império Serrano em setembro de 1987 por Ignácio Ferreira). Também abaixo, 1) João Bosco e Aldir Blanc em um bar do Estácio na década de 1970; 2) fotografia de Eurico Dantas: a ditadura militar proíbe festa no Carnaval da Mangueira em 1976 e Cartola, indignado, fica no chão; 3) os parceiros Cartola e Nelson Cavaquinho no desfile da Mangueira no Carnaval de 1978, fotografia de Marcel Gautherot; e 4) Cartola na comissão de frente do desfile da Mangueira em 1973 |
"Pois é a favela carioca, pobre, malvestida, não raro faminta, que seria citada em canções de homens que provavelmente nunca puseram os pés lá, caso do compositor semierudito Hekel Tavares e do teatrólogo Joraci Camargo”. Dos sambistas do século 20, Noel, Orestes Barbosa, Herivelto Martins e Wilson Batista são alguns dos mestres que têm suas canções analisadas no capítulo esquadrinhado por João Máximo.
Em outro ensaio de “As Canções do Rio”, batizado como “O samba”, o pesquisador e compositor Nei Lopes faz um passeio pela história dos compositores do morro e do asfalto, enumerando os preconceitos e os momentos que fizeram a glória de sambistas de todas as faixas de status e poder aquisitivo. Pesquisador da cultura do negro e do samba, autor de “Zé Kéti: O Samba sem Senhor” (Relume Dumará, 2000) e “Partido-Alto, Samba de Bamba” (editora Pallas, 2005), sambista e parceiro do compositor Wilson Moreira, Nei Lopes destaca que a relação do samba com o Rio é, antes de tudo, "uterina" – o útero, na metáfora, sendo representado pela baía de Guanabara.
Certas
canções: dois flagrantes de João Gilberto em
1962, na praia,
em cenas do filme franco-italiano Copacabana Palace, com Luiz
Bonfá (à esquerda), Tom Jobim e três estrelas
do cinema
europeu: Gloria Paul, Sylvia Koscina e Mylène Demongeot. Também acima, duas fotografias de Mario Testino registram a praia de Ipanema em 2005, tendo ao fundo o Morro Dois Irmãos e a favela do Vidigal. Abaixo, João Gilberto e Ira Etz, na época conhecida como a musa do Arpoador, fotografados por
Nicolau Drei para a capa da revista Manchete em 1959; Chico Buarque e Francis Hime com amigos em um bar da zona sul carioca em 1972; Chico com Marieta Severo e Nara Leão em 1984, depois de um concerto do cubano Pablo Milanés no Rio de Janeiro. Também abaixo, em foto de 1980, Raimundo Fagner, Moraes Moreira, Zé Ramalho e o veterano Jackson do Pandeiro, quatro nordestinos, entre muitos outros, que viveram longas temporadas no Rio de Janeiro e têm canções dedicadas à Cidade Maravilhosa; dois registros do calçadão da praia de Copacabana depois da reforma, na década de 1970, na época em que o design e toda a urbanização da orla foram
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Com ironia e sua habitual habilidade narrativa, Ruy Castro refaz o cenário das boates que consagravam a tal dor de cotovelo: "Que fossa! Com todas as portas e janelas fechadas, não se sabia se ainda era de noite ou se já era de manhã lá fora. E também ninguém queria saber. Até que, certo dia, por volta de 1958, alguém se arrastou até a porta e a abriu. O sol entrou pela boate e quase transformou aqueles vampiros em pó".
Certas canções: no alto, encontro de gerações
da música carioca, com Tom Jobim, Pixinguinha,
João da Bahiana e Chico Buarque em 1968; e
Baden Powell (à direita), Vinicius de Moraes e
Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil
no Beco das Garrafas, em Copacabana, primeiro
reduto da Bossa Nova, no início dos anos 1960,
em fotografia de Antonio Nery:
Vinicius de Moraes, Jorge Amado, João Gilberto,
Dorival Caymmi, Aloysio de Oliveira, Tom Jobim
e Milton Banana; 2) um encontro de Pixinguinha,
na capa de Chega de Saudade, marco inaugural da
Bossa Nova; e 5) a praia de Copacabana
em cartão postal de 2010
Na conclusão inspirada, Ruy Castro celebra a importância para as canções do Rio e do Brasil do cantor tido como excêntrico, com sua voz miúda e sua nunca superada batida original de violão. Nas palavras de Ruy Castro, ao inventar a Bossa Nova, com suas primeiras gravações de "Chega de Saudade" e "Bim Bom" pela Odeon, em 1958, João Gilberto provocou uma grande revolução que alcançou o mundo inteiro e abriu os portos da música brasileira para todas as nações.
por José Antônio Orlando.