Não há absolutamente nada no trompete que não venha de Louis Armstrong. Na verdade, você pode dizer que não há nada no jazz que não venha de Louis Armstrong. – Miles Davis (1926-1991). |
Há um conto de Cortázar, publicado em “Valise de Cronópio”, editado em 1993 pela Perspectiva, em que o narrador está em um concerto de Pops em Paris, em 1952. Tudo é normalidade e expectativas, mas quando o artista surge no palco, o fabuloso se instala, multiplicado em risos, pausas, canções, gestos mirabolantes.
A história de Pops é a história do blues e do jazz desde o começo do século 20. Nascido no primeiro ano do século, em Nova Orleans, ele é um daqueles artistas que superaram a infância miserável e uma condenação penal como menor infrator para ganhar o mundo como incontestável e incontestado porta-bandeira do gênero que ajudou a criar e do qual permanece como maior protagonista.
Pops, o apelido, veio dos amigos. Para os fãs, ele era Satchmo (em inglês, forma reduzida de “satchelmouth”, boca de saco), por conta de sua expressão facial nos solos prolongados de voz e trompete. Quatro décadas depois de sua morte, o trompetista, cantor, compositor, ator e chefe de orquestra Louis Armstrong (1901-1971) encontrou no jornalista Terry Teachout um biógrafo que não se opõe à mitologia criada em torno do artista. Tampouco a repete.
Em “Pops: A Vida de Louis Armstrong”, lançamento Larousse do Brasil, o biógrafo vai além do lugar-comum. Repórter de cultura do “Wall Street Journal” antes de seu livro virar best-seller internacional, Teachout é conhecido do público de jazz como produtor e autor dos textos de encartes de CDs de nomes de prestígio como Karrin Allyson, Diana Krall e a brasileira Luciana Souza, entre outros.
Em 2009, Teachout recebeu prêmios e seu livro "Pops" entrou nas listas de melhores do ano do “Washington Post”, “The New York Times” e “The Economist”. “Louis Armstrong era um homem muito consciente da importância que tinha na história da arte americana”, registra Teachout, que não poupa o leitor de revelações surpreendentes, além de enumerar dos primeiros tempos do artista tocando corneta e trompete à trajetória do sucesso, destacando o poder de Louis como protagonista maior do jazz clássico.
Em 2009, Teachout recebeu prêmios e seu livro "Pops" entrou nas listas de melhores do ano do “Washington Post”, “The New York Times” e “The Economist”. “Louis Armstrong era um homem muito consciente da importância que tinha na história da arte americana”, registra Teachout, que não poupa o leitor de revelações surpreendentes, além de enumerar dos primeiros tempos do artista tocando corneta e trompete à trajetória do sucesso, destacando o poder de Louis como protagonista maior do jazz clássico.
Munido de um arsenal de entrevistas, publicações de época, fotos inéditas e registros audiovisuais, o biógrafo reconstitui o entorno no qual a presença calorosa do mito, seu “swing”, sua voz grave e rouca, suas improvisações geniais confrontavam a tradicional submissão do negro na cena cultural e política dos Estados Unidos – e do mundo inteiro, por extensão.
Em “Pops”, Louis surge introspectivo, contraditório, quase sempre muito amável. Durante mais de meio século inventou canções que se tornariam standards, tocou inúmeros solos com inúmeras bandas, fez parcerias antológicas com outros gigantes do jazz como Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Duke Ellington, participou de filmes, programas de rádio e TV e enfrentou críticas de ativistas negros por não militar no movimento dos direitos civis. “Ele trabalhou muito e morreu feliz, dormindo em casa, em Nova York”, destaca Teachout.
Fruto da miséria social, mas também de um fervilhante caldeirão musical, a saga do genial Louis Armstrong se espraia em detalhes minuciosos em “Pops”, biografia assinada por Terry Teachout. Infância miserável, adolescência difícil como cantor de rua, depois trompetista de cabaré. Com o fechamento do “bairro de tolerância” Storyville, em 1917, Louis fica sem emprego e segue à deriva para Chicago com outros negros adeptos da novidade do jazz. Acaba fazendo história.
Lançado por King Oliver em 1922, Louis foi contratado por Fletcher Henderson em 1924. Em 1925 funda seu próprio conjunto, o Hot Five, passa a gravar discos e, a partir daí, sua fama não parou de crescer. Na biografia, Teachout destaca que Louis Armstrong cresceu e chegou à juventude ao mesmo tempo em que o jazz começava a ganhar forma.
“Armstrong não inventou o jazz, não foi sua primeira figura importante, e não é correto afirmar que foi o primeiro grande solista do gênero”, decreta no prólogo o autor, sem ignorar que Louis foi o mais popular e influente dos primeiros solistas de jazz. As inovações rítmicas e melódicas, a voz granulada e repleta de modulações, assim como o expressivo sorriso e o impagável senso de humor também têm destaque no livro.
Teachout lembra que, no auge da forma, em 1950, as performances de Louis tomam a forma do virtuosismo dos músicos eruditos, mas transformadas por largos vibratos de complexas passagens de conjunto, mudanças súbitas de tempo, alterações harmônicas inesperadas, um senso de ritmo irresistível.
Os dotes literários do músico também são destacados: na sala de casa ou nos camarins, ele batucou em sua máquina de escrever dois livros de memórias, vários manuscritos biográficos, artigos para revistas e jornais e extensas cartas, além de 650 fitas com seus próprios depoimentos — gravações a que Teachout teve acesso e usadas pela primeira vez por um biógrafo.
“Pops” também revela casos hilariantes e outros dramáticos – quiproquós decorrentes do apreço de Louis por marijuana, os impedimentos do preconceito racial, empresários metidos com a máfia negociando seus contratos, represálias de gângsteres, embates públicos com jazzistas como Dizzie Gillespie e Miles Davis e com autoridades como o então presidente dos EUA Dwight Eisenhower, num caso que marcou época e mostrou um Louis Armstrong corajoso, libertário e consciente de seus direitos.
Teachout investiga os motivos de cada atitude arriscada de Louis – que fez da música sua tábua de salvação, capaz de tirá-lo da sarjeta onde nasceu, em Nova Orleans, e fazer dele uma celebridade mundial que na última década de vida bateu todos os recordes de vendagem de discos e viajou pelos cinco continentes em shows que arrastavam multidões e eram celebrados pelos críticos mais renitentes.
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Armstrong preferiu a arte à política
Diversas biografias de Louis Armstrong já foram escritas, motivo pelo qual o esforço de Teachout correria o risco de cair em redundância. Correria, não fosse o pulo do gato: jornalista dos bons e músico treinado, ele dedicou anos às pesquisas sobre o mestre do jazz e cita passagens sobre Louis em uma centena de livros e de entrevistas. Diz que ouviu e ouviu de novo todas as 650 fitas gravadas pelo próprio músico, nas quais Louis se revela por inteiro.
“Louis gravou todas estas fitas justamente para salvar para a posteridade tudo o que podia de si”, destaca Teachout, que fez uma decupagem inspirada da enorme quantidade de material que dispunha para escrever o que seria recebido como um dos melhores livros de 2009 na lista do jornal “The New York Times”. O biógrafo também aponta o orgulho que o músico sentia por ter visitado todos os continentes e chega a listar algumas das performances memoráveis ou inusitadas que ele realizou em palcos célebres e quadras de esportes pelos quatro cantos do planeta. Mas não menciona o Brasil entre os roteiros de shows de Louis.
Louis
Armstrong em terras brasileiras em 1957:
acima,
ao lado do mestre do
choro Pixinguinha.
Abaixo,
com Dorival
Caymmi; no
encontro com
o
presidente Juscelino Kubitschek (fotografado para a revista O Cruzeiro) e,
entre outros
convidados
e músicos, com Dorival
Caymmi, Herivelto Martins,
Fernando Lobo, Lamartine
Babo,
Pixinguinha,
Benedito Lacerda
e Ataulfo Alves.
Também
abaixo, nos encontros com Elizeth Cardoso
e
com Ângela
Maria, coroada "rainha do
rádio" no
ano
de 1957; com Grande Otelo, Juscelino,
Pixinguinha
e outros convidados; cantando acompanhado por Sivuca, durante o almoço oferecido pelo presidente JK no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro; e durante uma apresentação para convidados na Embaixada dos Estados Unidos, também no Rio de Janeiro
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Em
sua viagem em 1957 às terras brasileiras, ele fez questão de
encontrar alguns dos nossos mais importantes cantores, compositores e artistas tradicionais, e posou
para fotos ao lado de nomes como Pixinguinha, Grande Otelo, Dorival Caymmi, Ataulfo Alves, Elizeth Cardoso, Ângela
Maria (que tinha acabado de ser eleita “rainha do rádio”) e até
do presidente Juscelino Kubitschek. No Brasil, Louis se apresentou em
uma série de shows com sua banda All Stars. Sua apresentação em
São Paulo, que reuniu uma multidão no ginásio do Ibirapuera, fez
história: foi um dos primeiros shows transmitidos ao vivo pela TV
Record.
Seguindo
a trajetória de sucessos do artista, o livro de Terry Teachout consegue
colocar o leitor no cotidiano de Louis – percebendo e comentando,
de forma sutil, por que o músico negro, embora tenha em certo momento levantado a voz
para o presidente Eisenhower pelo descaso em implementar medidas
antirracistas, preferiu sempre, em sua longa trajetória, a expressão artística à expressão
na política.
“Sua
maneira de cantar era uma extensão da maneira de tocar: o fraseado é
o mesmo e semelhantes são o balanço e o sentido de tempo”,
conclui Teachout. O final de “Pops” é poético, feliz, com o
autor recordando sua própria emoção com a notícia da morte do
artista. Faz lembrar o final de “Louis, Enormíssimo Cronópio”,
o conto de Cortázar, quando o narrador na plateia em Paris percebe
que o concerto acabou mas a sala continua cheia – com todos
perdidos no seu sonho.
O
fantástico show de Satchmo, descrito e comentado de forma poética nas palavras iluminadas de Cortázar:
“Montões de cronópios que procuram lentamente e sem vontade a
saída, cada um com seu sonho que continua, e no centro do sonho de
cada um Louis pequenininho soprando e cantando”. Louis morreu no
dia 6 de julho de 1971, em Nova York.
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Louis
entre os cronópios.
In: Blog
Semióticas,
11
de julho
de 2011.
Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2011/07/ha-um-conto-de-cortazar-publicado-em.html
(acessado em .../.../…).
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