Uma
bela capa, em detalhe fauvista extraído de “Diurno” (1983), de
Jorge Guinle, emoldura o novo livro de Pedro Maciel, “Previsões de
um cego” (Editora Leya). Novela, romance, ensaio na fronteira entre
literatura e filosofia, diálogo confessional? Há um pouco de tudo
isso e algo mais, daí a opção do autor pela categoria “ficção
brasileira”. Mineiro de Sete Lagoas, jornalista experiente,
inquieto, de coragem, Pedro Maciel decidiu trocar as páginas de
imprensa pela literatura e disse a que veio.
Em
comum com seus livros anteriores – “A hora dos náufragos”
(2006), “Como deixei de ser Deus” (2009) e “Retornar com os
pássaros” (2010) – “Previsões de um cego” tem a ênfase no
fraseado poético, burilado, extenso no alcance de referências e
intenso, mergulho em profundidade, não apenas na experiência que o
narrador traz à tona, mas também naquele “fluxo de consciência”
a lembrar as altas literaturas que desde os escritos de James Joyce e
Franz Kafka, entre outros mestres do 1900, tem desfiado em
metalinguagem o modelo tradicional da ficção em prosa.
A
“morte do autor”, como professava outro mestre, Roland Barthes,
encontra no discurso ficcional de Pedro Maciel, poeta de longa data,
algo diferente. Aprisionado – prisão, hospital psiquiátrico, o
quarto do solitário? – um narrador escreve um livro: “O livro
dos esquecimentos”. Personagem que não sabe quem é, que não sabe
do passado (“tudo o que sou o tempo levou”), condenado à
atualidade.
Ao
leitor, dedica frases breves, lúcidas e intercaladas em negrito e
itálico, feito versos em métrica que ao invés do espaçamento
tradicional foram encadeados em parágrafos – mas apenas nas
páginas de numeração ímpar. Há ainda reproduções coloridas (do
mesmo Jorge Guinle que assina a imagem da capa), “Yasmim” e
“Cavalo de Troia”, senhas que abrem e encerram a leitura, entre
ousadias formais, brevidade e uma só aparente simplicidade. Para
longe do linear e do lugar comum da trama convencional, o livro
dentro do livro seduz o leitor no jogo fabulatório que retorna ao
começo.
“Há
dias em que me desperto, mas continuo sonhando. Sofro sonhos. Finjo
dormir para não acordar”, desafia o narrador, na primeira frase do
livro, antecedida por epígrafes que fornecem ao leitor atento um
“mapa para nortear a leitura”, à moda da desconcertante
“Rayuela” de Julio Cortázar. A primeira é de Homero – A musa
amou-o muito, deu-lhe o bem e o mal; por amor, tomou-lhe, enfim, os
olhos. A segunda, de Shakespeare – Desgraçado do tempo em que os
loucos guiam os cegos.
Nesta
entrevista, que publiquei no jornal “Hoje em Dia”, de Belo
Horizonte, na época do lançamento do livro, o autor de “Previsões
de um cego” fala da gênese do livro com sua mistura de gêneros,
das leituras que precederam o processo da escrita e da relação entre a literatura
tradicional e outras mídias. “Gostaria que os meus romances fossem
adaptados pelos cineastas ou pelos dramaturgos”, declara Pedro
Maciel, entre outras confissões. Confira alguns trechos da
entrevista.
Há
uma bela vinheta sobre o livro em exibição na Rede Minas que
acrescenta ao texto sequências de imagens. Você tem planos para
levar seus livros para outras mídias que não a literatura
tradicional no livro impresso?
Pedro
Maciel – A vinheta que está sendo veiculada na Rede Minas
é de autoria de Klaus Bernhoeft, diretor de arte da Revista Bravo.
Gostaria muito que os meus romances fossem adaptados pelos cineastas
ou pelos dramaturgos. “A Hora dos Náufragos”, meu primeiro
romance, lançado pela Bertrand Brasil, está sendo adaptado para o
teatro. Há também dois músicos que estão usando fragmentos dos
meus livros para compor suas músicas.
Qual
é seu objetivo com esse livro? O que pretende causar no leitor?
Gostaria
de emocionar os leitores. O que nos resta além da emoção?
Como
surgiu a ideia de escrever sobre um homem aprisionado num hospital
psiquiátrico?
Eu
poderia contar uma história de ficção, mas a realidade é tão
absurda que tudo parece sair da minha imaginação. O romance gira em
torno deste personagem aprisionado no que parece ser um hospital
psiquiátrico. Este homem escreve um livro, ou ao menos acredita
nisso. O título é “O livro dos esquecimentos”. Mas ele não
sabe quem é. Não sabe do seu passado nem do futuro. Tudo o que sabe
é que está perdendo a memória.
Em
linguagem e narrativa, como situa "Previsões de um cego"
em meio a suas obras anteriores?
“Previsões
de um cego” encerra a tetralogia que iniciei em 2006 ao lançar “A
Hora dos Náufragos”. Lancei também “Como deixei de ser Deus”,
em 2009, e em 2010 “Retornar com os pássaros”. Em “Previsões
de um cego” tento revelar as angústias e aflições do nosso
tempo. Acho que criei um clima, uma certa atmosfera. Esta atmosfera
faz com que o leitor se reconheça nos personagens. Ler é muito mais
do que uma maneira de se conhecer, é uma maneira de se reconhecer.
Gustave
Flaubert (1821-1880) – "Leio
em
voz alta, como Flaubert, para tentar
descobrir
o ritmo e a melodia das frases" |
A
escrita é fragmentada e, por vezes, tem-se a impressão de que a
leitura poderia começar a partir de qualquer ponto e seguir qualquer
direção. A forma da narrativa é seu principal caminho para obter
uma obra original?
O
que é ser original? Antes de buscar a originalidade busco a beleza.
Segundo o idiota, personagem de Dostoiévski, “a beleza vai salvar
o mundo”. Para ser original é preciso voltar-se às origens. Será
que é por isso que os meus leitores ouvem ecos de outras vozes em
meus romances? Tenho mais perguntas a fazer do que respostas a
oferecer. Uma obra original é uma obra do seu tempo? Confesso-lhe
que desde menino sou contemporâneo de mim mesmo. O que mais posso
afirmar sobre a minha sintaxe? Posso ressaltar que a sintaxe de
“Previsões de um cego” é muito sonora. Leio em voz alta,
como Flaubert, para tentar descobrir o ritmo e a melodia das frases.
Meus livros são tão sonoros que podem ser lidos de olhos fechados
(risos).
Quais as peculiaridades de refletir e de escrever sobre memória e sobre esquecimento
hoje?
O
esquecimento é fingimento do pensamento. Nossos esquecimentos são
memoráveis. O protagonista de “Previsões de um cego”
pergunta-se: Quem se lembrará de mim, que perdi as lembranças? Na
verdade, o protagonista quer se livrar do passado. Para ele, só o
esquecimento pode devolver a vontade de continuar vivo.
O
que você tem lido atualmente?
Li
recentemente “2666”, de Roberto Bolãno, “Dublinesca”, de
Vila-Matas, “Ressurreição”, de Liev Tolstói, e “Uma viagem à
Índia”, de Gonçalo M. Tavares, entre outros. Na verdade, hoje em
dia releio mais do que leio, releio autores como Borges, Drummond,
Guimarães Rosa, Shakespeare, Proust, Walt Whitman, Dostoiévski,
Nietzsche, Michel de Montaigne e tantos outros.
Você
lê todos os dias?
Sim.
Não há um escritor que não seja um leitor voraz.
Qual
a importância do leitor?
Para
mim, o leitor é mais importante do que o autor. O leitor é uma
espécie de “autor amplificado”. Aliás, não há literatura sem
leitores.
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Um
romance.
In: Blog
Semióticas,
1°
de
outubro
de 2011.
Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2011/10/um-romance.html
(acessado
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