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1 de outubro de 2011

Um romance







A literatura engrena o saber no rolamento de
uma reflexividade infinita: através da escritura,
o saber reflete incessantemente sobre o saber.
A escritura faz do saber uma festa.

–– Roland Barthes em “Aula”.    


Uma bela capa, em detalhe fauvista extraído de “Diurno” (1983), de Jorge Guinle, emoldura o novo livro de Pedro Maciel, “Previsões de um cego” (Editora Leya). Novela, romance, ensaio na fronteira entre literatura e filosofia, diálogo confessional? Há um pouco de tudo isso e algo mais, daí a opção do autor pela categoria “ficção brasileira”. Mineiro de Sete Lagoas, jornalista experiente, inquieto, de coragem, Pedro Maciel decidiu trocar as páginas de imprensa pela literatura e disse a que veio.

Em comum com seus livros anteriores – “A hora dos náufragos” (2006), “Como deixei de ser Deus” (2009) e “Retornar com os pássaros” (2010) – “Previsões de um cego” tem a ênfase no fraseado poético, burilado, extenso no alcance de referências e intenso, mergulho em profundidade, não apenas na experiência que o narrador traz à tona, mas também naquele “fluxo de consciência” a lembrar as altas literaturas que desde os escritos de James Joyce e Franz Kafka, entre outros mestres do 1900, tem desfiado em metalinguagem o modelo tradicional da ficção em prosa.






A balada do violinista (1921),
uma das obras-primas do fotógrafo
húngaro André Kertész (1894-1985)
e uma das imagens reverenciadas em
destaque pela análise semiótica
de Roland Barthes no livro
A Câmara Clara (1980)






A “morte do autor”, como professava outro mestre, Roland Barthes, encontra no discurso ficcional de Pedro Maciel, poeta de longa data, algo diferente. Aprisionado – prisão, hospital psiquiátrico, o quarto do solitário? – um narrador escreve um livro: “O livro dos esquecimentos”. Personagem que não sabe quem é, que não sabe do passado (“tudo o que sou o tempo levou”), condenado à atualidade.

Ao leitor, dedica frases breves, lúcidas e intercaladas em negrito e itálico, feito versos em métrica que ao invés do espaçamento tradicional foram encadeados em parágrafos – mas apenas nas páginas de numeração ímpar. Há ainda reproduções coloridas (do mesmo Jorge Guinle que assina a imagem da capa), “Yasmim” e “Cavalo de Troia”, senhas que abrem e encerram a leitura, entre ousadias formais, brevidade e uma só aparente simplicidade. Para longe do linear e do lugar comum da trama convencional, o livro dentro do livro seduz o leitor no jogo fabulatório que retorna ao começo. 

 




Yasmin (1987), óleo sobre tela
de Jorge Guinle (1947-1987), pintor,
desenhista, gravador e um dos artistas
mais importantes do movimento
chamado de Geração 80. Abaixo,
outras três pinturas de Jorge Guinle:
Diurno (1983), O Ídolo (1987)
Macunaíma (1987)













Há dias em que me desperto, mas continuo sonhando. Sofro sonhos. Finjo dormir para não acordar”, desafia o narrador, na primeira frase do livro, antecedida por epígrafes que fornecem ao leitor atento um “mapa para nortear a leitura”, à moda da desconcertante “Rayuela” de Julio Cortázar. A primeira é de Homero – A musa amou-o muito, deu-lhe o bem e o mal; por amor, tomou-lhe, enfim, os olhos. A segunda, de Shakespeare – Desgraçado do tempo em que os loucos guiam os cegos.

Sigo pelas ruas da minha cidade e reparo que todos andam apressados, como se não tivessem mais tempo a perder”, aponta o narrador sem memória, crente que vive para esquecer e para enxergar o que os outros não podem ver. Na fronteira entre a lembrança e o esquecimento, Pedro Maciel surpreende. “O leitor está diante de atitude e de altitude poético-visionária inédita em termos tupiniquins”, como registra com propriedade Silviano Santiago na orelha do livro. O elogio procede.






Nesta entrevista, que publiquei no jornal “Hoje em Dia”, de Belo Horizonte, na época do lançamento do livro, o autor de “Previsões de um cego” fala da gênese do livro com sua mistura de gêneros, das leituras que precederam o processo da escrita e da relação entre a literatura tradicional e outras mídias. “Gostaria que os meus romances fossem adaptados pelos cineastas ou pelos dramaturgos”, declara Pedro Maciel, entre outras confissões. Confira alguns trechos da entrevista.


Há uma bela vinheta sobre o livro em exibição na Rede Minas que acrescenta ao texto sequências de imagens. Você tem planos para levar seus livros para outras mídias que não a literatura tradicional no livro impresso?

Pedro Maciel – A vinheta que está sendo veiculada na Rede Minas é de autoria de Klaus Bernhoeft, diretor de arte da Revista Bravo. Gostaria muito que os meus romances fossem adaptados pelos cineastas ou pelos dramaturgos. “A Hora dos Náufragos”, meu primeiro romance, lançado pela Bertrand Brasil, está sendo adaptado para o teatro. Há também dois músicos que estão usando fragmentos dos meus livros para compor suas músicas.


Qual é seu objetivo com esse livro? O que pretende causar no leitor?

Gostaria de emocionar os leitores. O que nos resta além da emoção?







Como surgiu a ideia de escrever sobre um homem aprisionado num hospital psiquiátrico?

Eu poderia contar uma história de ficção, mas a realidade é tão absurda que tudo parece sair da minha imaginação. O romance gira em torno deste personagem aprisionado no que parece ser um hospital psiquiátrico. Este homem escreve um livro, ou ao menos acredita nisso. O título é “O livro dos esquecimentos”. Mas ele não sabe quem é. Não sabe do seu passado nem do futuro. Tudo o que sabe é que está perdendo a memória.


Em linguagem e narrativa, como situa "Previsões de um cego" em meio a suas obras anteriores?

Previsões de um cego” encerra a tetralogia que iniciei em 2006 ao lançar “A Hora dos Náufragos”. Lancei também “Como deixei de ser Deus”, em 2009, e em 2010 “Retornar com os pássaros”. Em “Previsões de um cego” tento revelar as angústias e aflições do nosso tempo. Acho que criei um clima, uma certa atmosfera. Esta atmosfera faz com que o leitor se reconheça nos personagens. Ler é muito mais do que uma maneira de se conhecer, é uma maneira de se reconhecer.





Gustave Flaubert (1821-1880) – "Leio
em voz alta, como Flaubert, para tentar
descobrir o ritmo e a melodia das frases"


A escrita é fragmentada e, por vezes, tem-se a impressão de que a leitura poderia começar a partir de qualquer ponto e seguir qualquer direção. A forma da narrativa é seu principal caminho para obter uma obra original?

O que é ser original? Antes de buscar a originalidade busco a beleza. Segundo o idiota, personagem de Dostoiévski, “a beleza vai salvar o mundo”. Para ser original é preciso voltar-se às origens. Será que é por isso que os meus leitores ouvem ecos de outras vozes em meus romances? Tenho mais perguntas a fazer do que respostas a oferecer. Uma obra original é uma obra do seu tempo? Confesso-lhe que desde menino sou contemporâneo de mim mesmo. O que mais posso afirmar sobre a minha sintaxe? Posso ressaltar que a sintaxe de “Previsões de um cego” é muito sonora. Leio em voz alta, como Flaubert, para tentar descobrir o ritmo e a melodia das frases. Meus livros são tão sonoros que podem ser lidos de olhos fechados (risos).


Quais as peculiaridades de refletir e de escrever sobre memória e sobre esquecimento hoje?

O esquecimento é fingimento do pensamento. Nossos esquecimentos são memoráveis. O protagonista de “Previsões de um cego” pergunta-se: Quem se lembrará de mim, que perdi as lembranças? Na verdade, o protagonista quer se livrar do passado. Para ele, só o esquecimento pode devolver a vontade de continuar vivo.









O que você tem lido atualmente?

Li recentemente “2666”, de Roberto Bolãno, “Dublinesca”, de Vila-Matas, “Ressurreição”, de Liev Tolstói, e “Uma viagem à Índia”, de Gonçalo M. Tavares, entre outros. Na verdade, hoje em dia releio mais do que leio, releio autores como Borges, Drummond, Guimarães Rosa, Shakespeare, Proust, Walt Whitman, Dostoiévski, Nietzsche, Michel de Montaigne e tantos outros.


Você lê todos os dias?

Sim. Não há um escritor que não seja um leitor voraz.


Qual a importância do leitor?

Para mim, o leitor é mais importante do que o autor. O leitor é uma espécie de “autor amplificado”. Aliás, não há literatura sem leitores.



por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Um romance. In: Blog Semióticas, de outubro de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/10/um-romance.html (acessado em .../.../...).











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