Fotografar é encontrar o momento
decisivo, é colocar na mesma linha
de mira a cabeça, o olho e o coração.
–– Henri Cartier-Bresson (1908-2004). |
Morto em 2004, aos 95 anos, aclamado como um dos maiores nomes da história da fotografia, Henri Cartier-Bresson é o grande homenageado do Centro Pompidou de Paris, que apresenta a mais completa retrospectiva já feita sobre sua obra. Uma unanimidade quando se fala em arte da fotografia, Cartier-Bresson inventou o conceito de “momento decisivo” (definido na citação acima, em epígrafe) e alterou completamente os critérios de qualidade e composição fotográfica. Como fotógrafo, ele viajou e registrou cenas de países dos cinco continentes, retratou famosos, anônimos e miseráveis, fez a cobertura jornalística de grandes festas populares, de guerras, de revoluções, e fundou, com Robert Capa, a Agência Magnum, cooperativa internacional de profissionais da fotografia que marcou época e mudou os rumos do fotojornalismo. Além de tudo, Cartier-Bresson também foi pintor, desenhista, cineasta, ator, poeta e antropólogo, entre outras habilidades às quais se dedicava ocasionalmente.
A
exposição no Centro Pompidou, homenagem ao fotógrafo e ao pensador Cartier-Bresson, militante das esquerdas, do comunismo e do surrealismo, vai permanecer em cartaz até 9 de junho e depois
segue para Madri e outras capitais de países da Europa (veja link
para uma visita virtual no final deste artigo), reunindo uma seleção
de 500 fotografias em preto e branco e um vasto acervo de documentos
diversos de Cartier-Bresson e sobre Cartier-Bresson, incluindo
filmes, desenhos, pinturas, cartas, rascunhos,
livros, catálogos, jornais e revistas. Uma das surpresas é uma ampla sala dedicada ao trabalho ainda pouco conhecido do cineasta Cartier-Bresson, incluindo a exibição dos documentários que ele realizou e as obras em parceria com nomes como o mestre do cinema francês Jean Renoir, de quem foi assistente de direção e ator em vários filmes.
“Um fotógrafo deve respeitar a atmosfera de uma cena para
integrar o cenário de fundo, acima de tudo, para evitar qualquer
artifício que suprime a verdade humana. Também deve esquecer a câmera
e quem a manipula” – repetia Cartier-Bresson em entrevistas. A vasta e sempre atual produção do fotógrafo, que
inclui retratos, paisagens, estudos sobre construções de arquitetura, flagrantes impressionantes de
fotojornalismo e registros de viagens por vários países, já
mereceu estudos célebres dos mais importantes pensadores da
fotografia – de Roland Barthes a Susan Sontag, de Paul Valery a
Jean Baudrillard e Fredric Jameson – mas nunca havia sido reunida em uma
amostra abrangente como a que apresenta o Pompidou.
Organizada
cronologicamente, em três grandes núcleos, a exposição é uma
parceria do Centro Pompidou com a fundação que mantém o acervo do
fotógrafo – a Fondation Henri Cartier-Bresson,
que foi criada por ele próprio em 2003,
com sua esposa e a única filha. A exposição também inclui
imagens inéditas do fotógrafo, considerado por muitos como “pai
do fotojornalismo”, além das obras que ele realizou em conjunto
com vários outros artistas – entre elas os registros de seu
trabalho no cinema, como assistente de Jean Renoir e como diretor de documentários.
Surrealismo & fotojornalismo
O
primeiro núcleo da exposição, que cobre o período de 1926 a 1935,
destaca a ligação do fotógrafo com André Breton e outros artistas
do Surrealismo, suas viagens pela Europa, África, México e Estados
Unidos e sua descoberta da fotografia: segundo os biógrafos, a
fixação de Cartier-Bresson com a atividade de fotógrafo surgiu em
1932, quando ele viu pela primeira vez na revista “Photographies”
uma foto do húngaro Martin Munkacsi que o impressionou muito. A foto
de Munkacsi registrava três rapazes negros no Congo, África, correndo nus
contra a luz, em direção ao mar. Desde então, uma câmera Leica 35mm passou a ser sua companhia permanente.
O
segundo núcleo, que vai de 1936 a 1946, destaca a atuação política
de Cartier-Bressn: seu engajamento na luta contra o fascismo, sua
participação como colaborador em jornais e revistas de militância
comunista e socialista, sua atuação na Resistência Francesa contra
os nazistas e sua extensa cobertura sobre a Segunda Guerra Mundial.
Quando explodiu a guerra, ele alistou-se no exército francês e
acabou prisioneiro das tropas nazistas, mas conseguiu fugir e
juntar-se à Resistência.
O
terceiro núcleo da exposição vai do fim da Segunda Guerra Mundial
à década de 1970, quando ele decidiu abandonar as atividades de
repórter fotográfico. Em 1947, há um capítulo especial em sua
biografia e na história da fotografia – é quando Cartier-Bresson
fundou a agência de fotógrafos Magnum, junto com Robert Capa, Bill
Vandivert, George Rodger e David Seymour e começou o período mais
sofisticado de seu trabalho, cumprindo pautas de fotojornalismo em
vários países sob encomenda de publicações internacionais como as
revistas “Life”, “Vogue” e “Harper's Bazaar”.
Na apresentação à exposição no Centro Pompidou, o curador Clement Cheroux destaca que o objetivo principal da retrospectiva, além de demonstrar que a trajetória de Cartier-Bresson se confunde com os avanços da fotografia no século 20, é lançar luzes sobre alguns aspectos da obra do fotógrafo que permaneciam como referências cifradas apenas para especialistas e pesquisadores de sua obra – especialmente as questões políticas e o surrealismo.
Fotografia como Grande Arte
Segundo o curador Clement Cheroux, as questões
políticas ficam evidentes quando se observa cada uma de suas imagens
a partir do contexto da época, na Segunda Guerra e em outros
conflitos armadas ao longo do século 20, mas também nas cenas
impressionantes de linchamentos de negros nos EUA, nos movimentos populares nas ruas da China ou da Índia, nos processos de independência das ex-colônias francesas na África, na Ásia, na América e nas barricadas
dos estudantes nas ruas de Paris, em maio de 1968.
O ponto de vista especialíssimo de Cartier-Bresson, que demonstra à perfeição os preceitos seculares da proporção áurea aplicada à fotografia,
também deve muito ao Surrealismo, segundo Cheroux, que destaca a
influência de André Breton na formação do fotógrafo. Uma
influência reconhecida pelo próprio Cartier-Bresson em entrevistas
e em suas últimas anotações – entre elas, uma confissão datada
de 2003: "O surrealismo teve um efeito
profundo em mim e toda a minha vida eu fiz o meu melhor para nunca
mais traí-lo”.
Neste contexto, até mesmo algumas das imagens do
fotógrafo mais conhecidas do grande público – como aquela foto em
que um homem salta sobre a água na Gare Saint-Lazare em Paris, em
1932 – assumem novos sentidos e possibilidades de interpretação
que não afastam nem diminuem seu valor “jornalístico”, mas
elevam o registro fotográfico à condição explícita de grande
arte. Estudioso dos cálculos geométricos e das perspectivas desde a
juventude, Cartier-Bresson é um caso raro que conseguiu reunir, ao
“realismo” dos flagrantes em fotojornalismo, um sem número de
nuances e sugestões sobre as cenas de absurdos e impasses da condição
humana.
por José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Flagrantes de Cartier-Bresson. In: Blog
Semióticas,
13 de março de 2014. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2014/03/flagrantes-de-cartier-bresson.html
(acessado
em .../.../...).
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