Fotografia
é uma coisa tangível.
Você
captura, você olha para ela.
É
algo semelhante à memória.
Sebastião
Salgado. |
Tive a sorte de entrevistar Sebastião Salgado para um jornal de Belo Horizonte quando uma exposição, com as primeiras imagens que ele havia produzido para o projeto Gênesis, iria ser aberta no Museu de Artes e Ofícios. Era outubro de 2006 e, ao receber a encomenda da pauta para iniciar a reportagem, comemorei a oportunidade de falar com o fotógrafo que sempre admirei. Os primeiros contatos com as assessorias, entretanto, não foram nada animadores: informaram que ele estava apenas de passagem pelo Brasil, que não havia previsão para entrevistas, que a agenda estava completa e que Sebastião Salgado não viria a BH para a abertura da exposição.
Depois de
várias tentativas sem resultado, decidi recorrer a um caminho dos mais
prosaicos. Naquela época eu também trabalhava como professor em uma
faculdade na cidade de Congonhas e uma aluna me disse que era afilhada de batismo de Lélia Wanick Salgado, esposa do fotógrafo. Comentei com a aluna sobre a dificuldade para conseguir a entrevista
e, dias depois, quando eu finalmente estava para desistir da pauta, ela me passou um telefone de contato com Lélia e Sebastião Salgado em São Paulo.
Liguei e falei com uma secretária sobre o pedido de entrevista, expliquei que ele poderia responder por e-mail.
Para minha surpresa, a secretária pediu que eu aguardasse na linha e, depois de poucos minutos, o próprio Sebastião Salgado estava ao telefone. Ele atendeu e foi muito gentil, mas antes de tudo fez uma ressalva: a entrevista teria que ser muito breve, brevíssima, porque ele estava esperando o carro que o levaria ao aeroporto. Conversamos durante mais ou menos 15 ou 20 minutos, com o entrevistado sem demonstrar pressa ou qualquer desatenção. Confira um trecho da entrevista:
Para minha surpresa, a secretária pediu que eu aguardasse na linha e, depois de poucos minutos, o próprio Sebastião Salgado estava ao telefone. Ele atendeu e foi muito gentil, mas antes de tudo fez uma ressalva: a entrevista teria que ser muito breve, brevíssima, porque ele estava esperando o carro que o levaria ao aeroporto. Conversamos durante mais ou menos 15 ou 20 minutos, com o entrevistado sem demonstrar pressa ou qualquer desatenção. Confira um trecho da entrevista:
Pergunta
– Como foi que Sebastião Salgado descobriu a fotografia?
Sebastião Salgado – Foi completamente por acaso. Na época, no final da década de 1960, eu e minha esposa, que é arquiteta, vivíamos em Paris e estávamos impedidos de retornar ao Brasil por muitos anos por razões políticas, porque participávamos dos movimentos de esquerda contra a ditadura militar. Minha esposa comprou uma câmera Leica para tirar fotos de edifícios e, como eu sempre acompanhava o trabalho dela, comecei a olhar através da lente. Foi aí que a fotografia começou a invadir minha vida. Quando terminei meu doutorado em Economia, abandonei tudo para dedicar mais tempo a meus filhos, Juliano, que nasceu em 1974, e Rodrigo, que nasceu em 1979 e tem Síndrome de Down. Desde então comecei uma nova vida como fotógrafo, primeiro na Organização Internacional do Café, em Londres, entre 1971 e 1973, e depois nas agências internacionais Sygma, Gamma e Magnum. Mais tarde, em 1994, criei minha própria estrutura como agência, a Amazon Images. Isso ainda é minha vida até hoje.
Sebastião Salgado – Foi completamente por acaso. Na época, no final da década de 1960, eu e minha esposa, que é arquiteta, vivíamos em Paris e estávamos impedidos de retornar ao Brasil por muitos anos por razões políticas, porque participávamos dos movimentos de esquerda contra a ditadura militar. Minha esposa comprou uma câmera Leica para tirar fotos de edifícios e, como eu sempre acompanhava o trabalho dela, comecei a olhar através da lente. Foi aí que a fotografia começou a invadir minha vida. Quando terminei meu doutorado em Economia, abandonei tudo para dedicar mais tempo a meus filhos, Juliano, que nasceu em 1974, e Rodrigo, que nasceu em 1979 e tem Síndrome de Down. Desde então comecei uma nova vida como fotógrafo, primeiro na Organização Internacional do Café, em Londres, entre 1971 e 1973, e depois nas agências internacionais Sygma, Gamma e Magnum. Mais tarde, em 1994, criei minha própria estrutura como agência, a Amazon Images. Isso ainda é minha vida até hoje.
Nossa época testemunha a passagem do equipamento analógico para as mídias digitais. As novas tecnologias da imagem, na sua avaliação, trouxeram mais qualidade para a fotografia?
Eu fotografei com rolos de filme por muitos anos, mas agora que estou começando a trabalhar com equipamento digital, percebo que a diferença é enorme. A qualidade é inacreditável: eu não uso flash e com o equipamento digital posso até mesmo trabalhar em condições de luz muito ruins. Além disso, é um alívio não perder mais as fotografias para máquinas de Raio-X nos aeroportos.
Qual
dos mestres da fotografia mais influencia seu trabalho?
Todos eles (risos). Mas quando eu estava começando, tive a incrível sorte de conhecer Henri Cartier-Bresson em Paris. Lembro até hoje das palavras dele, quando o encontrei, já muito velhinho, dizendo que era preciso confiar nos meus instintos mais sutis para fazer um trabalho que tivesse algum valor além do registro banal. Acho que foi a principal lição que já ouvi em toda a minha vida. Comentei isso em outra entrevista, porque aquela lição mudou minha compreensão sobre a fotografia, mudou minha compreensão sobre o mundo, me fez entender coisas muito complexas e muito profundas. Fotografia é uma coisa tangível. Você captura, você olha para ela. É algo semelhante à memória, com toda a complexidade e toda a profundidade de nossa memória.
Todos eles (risos). Mas quando eu estava começando, tive a incrível sorte de conhecer Henri Cartier-Bresson em Paris. Lembro até hoje das palavras dele, quando o encontrei, já muito velhinho, dizendo que era preciso confiar nos meus instintos mais sutis para fazer um trabalho que tivesse algum valor além do registro banal. Acho que foi a principal lição que já ouvi em toda a minha vida. Comentei isso em outra entrevista, porque aquela lição mudou minha compreensão sobre a fotografia, mudou minha compreensão sobre o mundo, me fez entender coisas muito complexas e muito profundas. Fotografia é uma coisa tangível. Você captura, você olha para ela. É algo semelhante à memória, com toda a complexidade e toda a profundidade de nossa memória.
Tem algum projeto agendado para depois da série Gênesis?
Nos próximos anos, pretendo me dedicar a este projeto para que ele esteja completo e tenha um certo alcance. O que está agora em exposição é apenas uma pequena parte dele, uma prévia, com as fotografias que eu tinha feito em Galápagos, no Virunga, que é um parque nacional entre o Congo, Uganda e Ruanda, e a Península Valdes, na Argentina. O Gênesis surgiu há uns dois anos e tem como objetivo, principalmente, despertar a atenção das pessoas para conceitos de biodiversidade, de sociodiversidade e do papel que todos nós devemos ter na conservação ambiental. Metade do planeta Terra ainda está intacta e pretendo me dedicar através da fotografia para mostrar a parte que a ação do homem ainda não destruiu. Acredito que podemos compreender o que ainda é possível preservar.
O
que Sebastião Salgado ainda não fez, mas pretende fazer?
Pretendo
continuar o trabalho que venho desenvolvendo. Devemos estar todos cientes
de que o planeta está passando por uma situação limite, uma
situação muito grave que ninguém pode ignorar. O homem já
destruiu mais da metade do nosso planeta e não pode seguir nesta depredação
brutal. Se eu puder contribuir com uma pequena parte para a preservação, se eu puder
tocar o coração das pessoas, meu objetivo terá sido alcançado.
Talvez
este seja meu último longo projeto, mas não tenho do que reclamar. Muito pelo contrário. Tenho
vivido uma vida extremamente privilegiada. Visitei mais de 120
países, vi muitas pessoas diferentes, vi coisas maravilhosas e
coisas terríveis.
O sal da terra
Passados alguns anos desde daquela entrevista por telefone, encontro uma notícia
publicada em destaque no jornal inglês “The Guardian” sobre a próxima
exposição de Sebastião Salgado e nomeando o brasileiro como um dos nomes mais importantes da fotografia contemporânea. A exposição terá uma seleção de imagens
inéditas registradas desde o início do projeto Gênesis, em 2004,
no qual o fotógrafo desvia seu olhar da temática que o consagrou –
a condição humana em meio às desigualdades sociais – para
apresentar lugares e comunidades que ainda não foram tocadas pela
mão do homem ocidental. A exposição está agendada para ter sua primeira apresentação no Museu de História Natural de Londres.
Segundo a
reportagem do “The Guardian”, além da abertura da exposição em
Londres, também estão anunciados um roteiro internacional da mostra por vários, incluindo o Brasil, o lançamento do catálogo em versões brochura e de luxo pela editora Taschen sobre o trabalho de Sebastião Salgado no projeto Gênesis, com os registros fotográficos que também estarão na exposição, e ainda a produção do documentário “O Sal da Terra" (The Salt of Earth), filme dirigido pelo alemão Wim Wenders, que contará com a
colaboração de Juliano Salgado, filho do fotógrafo. O documentário de Wenders sobre Salgado tem previsão para estrear nos cinemas em 2014.
Dividido em
quatro blocos, intitulados “Criação”, “Arca de Noé”,
“Homem Antigo” e “Sociedade Antiga", o projeto Gênesis, que tem
financiamento da Unesco, apresenta para o mundo as paisagens naturais
mais preservadas e distantes da interferência humana. O objetivo,
anunciado por Sebastião Salgado já naquela entrevista em 2006, é
registrar os últimos cenários intocados do planeta Terra e o modo
de vida de tribos e comunidades que preservam suas tradições
ancestrais.
Desde 2004,
Sebastião Salgado já percorreu lugares ermos em territórios dos
cinco continentes, com especial interesse em regiões como Sudão,
Namíbia, Patagônia, Antártica, Indonésia, Cazaquistão e Brasil,
onde o fotógrafo passou uma temporada no Pará acompanhando a vida
cotidiana da tribo Zo'e. No site do “The Guardian” estão disponíveis imagens do projeto Gênesis e um vídeo que
mostra o trabalho do fotógrafo durante a temporada com os índios no Pará. Além do “The Guardian”, imagens do projeto Gênesis
também foram publicadas desde 2004 na França (“Paris Match”),
Estados Unidos (“Rolling Stone”), Espanha (“La Vanguardia”),
Portugal (“Visão”), Itália (“La Repubblica”) e por várias agências internacionais de notícias.
Apontado
como um dos mais premiados e respeitados fotojornalistas da
atualidade, Sebastião Ribeiro
Salgado Júnior é mineiro da cidade de Aimorés, nascido no dia 8 de
fevereiro de 1944. Formado em Economia, trabalhava na Organização
Internacional do Café até 1973, quando decidiu se dedicar
integralmente à fotografia. Depois da publicação de seus primeiros
trabalhos, foi contratado pelas agências de fotografia Sygma e
Gamma. Em 1979, entrou para a Agência Magnum e dois anos depois foi
pautado para uma série de fotos nos EUA sobre os primeiros 100 dias
do governo de Ronald Reagan.
Até
que aconteceu o imponderável da sorte: acompanhando a comitiva do
presidente em Washington, na tarde do dia 30 de março de 1981,
Salgado foi o único fotógrafo a registrar o atentado a tiros
sofrido por Reagan. A venda daquelas fotos para jornais e revistas do
mundo inteiro permitiu ao fotógrafo financiar seus primeiros
projetos pessoais de viagens pelos locais mais remotos do planeta. Em
1994, abriu sua própria agência, a Amazonas Images.
Desde
então, Sebastião Salgado tornou-se embaixador do UNICEF, criou em sua terra natal (a fazenda Bulcão, em Aimorés) uma reserva ambiental como sede do Instituto Terra, gerenciado por ele e por sua esposa, e publicou vários livros com
seleções de suas fotografias, sempre com imagens em preto e branco
que denunciam a violação dos direitos humanos em meio a situações
de guerra, de pobreza e de outras injustiças. Entre seus livros de
fotografias, sempre lançados em parcerias com instituições humanitárias e com exposições
internacionais itinerantes, estão “Trabalhadores” (1996),
“Terra” (1997), “Serra Pelada” (1999), “Êxodos” (2000), "O Fim da Pólio" (2003) e
“África” (2007). Na introdução de “Êxodos”, Sebastião
Salgado escreveu:
"Há
diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os
sentimentos e reações das pessoas são semelhantes no mundo
inteiro. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte, migram para
melhorar sua sorte, constroem novas vidas em terras estrangeiras,
adaptam-se a situações extremas. Mais do que nunca, sinto que a
raça humana é somente uma.”
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Gênesis por Sebastião Salgado. In: Blog
Semióticas,
11 de julho de 2012. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2012/07/genesis-por-sebastiao-salgado.html
(acessado em .../.../...).
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