A arte não tem passado nem futuro.
Tudo
o que eu já fiz foi para o presente. |
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Pablo Picasso é homenageado em um dos mais importantes eventos mundiais de fotografia, o PhotoEspanha, festival anual com sede em Madri. A exposição de abertura do festival, instalada nas galerias do Fernán Gómez Centro Cultural de La Villa, reuniu um grande acervo de retratos de Picasso – talvez o nome mais importante e mais prestigiado da arte no último século, o artista que atravessou todos os estilos e todos os movimentos da Arte Moderna e se mantém como referência e influência marcante da Arte Contemporânea.
A homenagem, nomeada “Picasso na foto”, marca os 50 anos da morte do artista e traz uma seleção de imagens de suas últimas décadas de vida. Os retratos em exposição, que vêm dos arquivos do Museu Picasso de Barcelona e de coleções particulares, abordam os processos criativos e o tempo de lazer do artista – com os dois aspectos constantemente sobrepostos. São imagens que, em sua maioria, foram registradas por nomes que têm um peso incomparável na história da fotografia e do fotojornalismo, compartilhando as galerias da exposição com retratos do artista feitos por amigos e em família.
Entre os fotojornalistas que fizeram retratos de Picasso estão os maiorais do primeiro time como David Douglas Duncan, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau, Brassai, Man Ray, David Seymour, Lucien Clergue, Willy Rizzo e Cecil Beaton, entre muitos outros. A exposição, que também inclui uma seleção de fotografias que Brigitte Baer reuniu no Catálogo Raisonné de gravuras e litografias de Picasso, depois da temporada no PhotoEspanha segue uma agenda itinerante por outros museus e galerias de diversos países, com curadoria de Emmanuel Guigon, que desde 2016 assumiu o cargo de diretor do Museu Picasso de Barcelona.
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Exposição Picasso na Fotografia: no alto, Picasso em foto de sua esposa Jacqueline. Acima, intervenção de Picasso em foto do álbum de família em que ele está à mesa com Édouard Pignon, Anna Maria Torra e
Madeleine Lacourière em outubro de 1958. Picasso de Barcelona e curador da exposição aberta no Festival PhotoEspanha, diante de um dos célebres retratos de Picasso, feito por Robert Doisneau em 1952. Abaixo, com o amigo Gustau Gili Esteve no ateliê de Jacqueline
Picasso no ateliê em Mougins, em 1967 |
Um diário fotográfico
O acervo de retratos de Picasso no PhotoEspanha destaca especialmente os períodos de convívio do artista com três grandes fotógrafos que fizeram inúmeras visitas à intimidade de Picasso com a família e trabalhando no ateliê em Mougins, na Côte d’Azur, Sul da França, às margens do Mar Mediterrâneo. São eles o francês Lucien Clergue (1934-2014), que fez um diário fotográfico dos dias compartilhados com Picasso ao longo dos anos; o norte-americano David Douglas Duncan (1916-2018), que travou amizade com Picasso desde que se conheceram em 1956, no convívio muito próximo que se estendeu até 1962, quando Duncan publicou um célebre fotolivro sobre a intimidade do artista e seus processos criativos; e Robert Capa (1913-1954), que representa um capítulo à parte na trajetória de Picasso.
Não
há como negar que os grandes fotógrafos têm papel importante na
criação do mito de Picasso, mas o papel de Robert Capa foi
decisivo. Os primeiros contatos entre o artista mais lendário da
Arte Moderna e o mais importante fotógrafo de guerras aconteceram na
década de 1930, quando Capa e sua companheira, a alemã Gerda Taro,
registravam os combates da Guerra Civil Espanhola e os movimentos de
resistência contra a repressão imposta pelo general Francisco
Franco. Capa, que fundaria a célebre Agência Magnum em 1947, junto com Henri
Cartier-Bresson, David Seymour e George Rodger, fez os contatos para
a promoção de uma das obras mais importantes de Picasso, “Guernica”:
foi por interferência de Capa que David Seymour fotografou Picasso
em 1937 diante de sua obra monumental, assim que ela foi pintada, logo após o
bombardeio genocida das tropas e aviões franquistas contra a vila
espanhola.
Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso entre amigos, em foto de 1959 de Lucien Clergue, ensaiando músicas com Paco Muñoz e o antiquário Affrentranger
em sua loja em Arles, na França; viviam em Cannes, no verão de 1957, em
fotografia de David Douglas Duncan |
Contador de histórias
Robert Capa e Cartier-Bresson também fotografaram por diversas vezes Picasso em seu quarto, no apartamento em que morava em Paris, na Rue des Grands-Augustins, e a todo vapor no ambiente de trabalho, durante a Segunda Guerra, e todos os biógrafos são unânimes em reconhecer que Capa, Cartier-Bresson e outros grandes fotógrafos ajudaram a disseminar imagens que popularizaram Pablo Picasso como um artista contador de histórias épicas, politizado e irreverente, viril, sedutor e bem-humorado, brincalhão, fumante de charuto, de bem com a vida e dândi, rudemente bonito, que se casou diversas vezes, teve quatro filhos com três mulheres e conquistou incontáveis e belas amantes – tudo contribuindo para a construção da narrativa histórica que levaria Picasso à prosperidade que outros artistas da época nunca alcançaram.
Durante e depois da Segunda Guerra, Capa compartilhava a intimidade de Picasso, e em 1948 passou uma temporada de férias no Mediterrâneo com Picasso e sua esposa da época, Françoise Gilot. Na temporada na praia com Picasso em família, Capa fazia testes com fotografias em filmes coloridos, uma novidade que ainda não estava disponível no mercado, e registrou retratos que estão entre os mais memoráveis na trajetória de Picasso, como o passeio de sombrinha na praia, com o artista descalço acompanhando sua musa (veja mais em Semióticas –Robert Capa em cores).
Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso
no ateliê da casa em Cannes, em julho de 1957,
em
fotografia de David Douglas Duncan;
e o criador diante da criatura, Guernica,
em fotografia de 1937 de David Seymour.
Abaixo,
Picasso na intimidade de seu
apartamento na Rue des Grands-Augustins,
em Paris, em fotografia de 1944 de
Henri Cartier-Bresson; e Picasso no
Hotel Vaste Horizon em
Mougins, Côte
d’Azur,
em
fotografia de 1937 de sua musa Dora Maar
As musas do artista
As relações de Picasso com as mulheres sempre transparecem em sua obra: todas as musas, sejam amantes, namoradas ou esposas, foram registradas em pinturas, desenhos, esculturas (veja também Semióticas – Picasso em preto e branco). É como se cada uma delas houvesse inspirado uma certa obra-prima, algumas celebrizadas em obras radicais, outras com diversas variantes para o mesmo perfil. Entre todas, talvez nenhuma tenha a importância de sua mais famosa amante, Henriette Theodora Markovitch (1907–1997), mais conhecida pelo pseudônimo de Dora Maar. Intelectual, fotógrafa, poeta e pintora, Dora Maar era francesa descendente de croatas e viveu a infância e a juventude na Argentina. Sua influência foi tão importante para Picasso que foi ela quem ajudou o artista a planejar e pintar “Guernica”, entre outras obras-primas.
Dora e Picasso ficaram juntos por 10 anos, no período em que ele oficialmente esteve casado com Olga Khoklova e depois com Marie-Thérèse Walter, que tinha 17 anos quando se conheceram. Depois do término com Picasso, Dora Maar continuou a pintar, fotografar, escrever, afastada dos amigos e trabalhando em uma rotina de reclusão, mas permaneceu sem reconhecimento até sua morte, em 1997, aos 89 anos. Em 1999, finalmente foi organizada a primeira grande retrospectiva de seu trabalho, em Paris, e sua obra, inédita e surpreendente, aos poucos começou a ser valorizada.
Do
primeiro casamento de Picasso, em 1918, com Olga Khoklova, bailarina
nascida na Ucrânia, nasceu, em 1921, Paulo Picasso, seu primeiro filho. Em 1927, Picasso conhece Marie-Thérèse Walter, com quem
teve em 1935 outra filha, Maya Picasso. A lista de musas, namoradas e
amantes continuou a ganhar acréscimos, mas teve uma pausa em
1943, quando começa seu relacionamento com Françoise Gilot, que
seria mãe de seus filhos Claude, nascido em 1947, e Paloma, nascida
em 1949. O último casamento viria em 1961, com Jacqueline Roque,
com quem Picasso viveu durante duas décadas, no período em que experimentou novas técnicas, novos materiais e novos suportes
para sua arte, de 1953 até sua morte, em 8 de abril de 1973, aos 91
anos.
As formas apaixonadas
A lista extensa de musas e amantes de Picasso também inclui, entre as mais conhecidas, Fernande Olivier (com quem ele viveu de 1904 a 1912), Marcele Humbert (de 1912 a 1917), Lee Miller (de 1943 a 1945), Geneviéve Laporte (de 1944 a 1953) e Sylvette David (de 1954 a 1955), entre outras. O artista despertava a paixão de suas musas, e cada rompimento foi doloroso, porque ao que se sabe nenhuma delas nunca aceitou o fim do relacionamento. Os amores de Picasso e sua relação intensa com tantas musas e amantes não provocou grandes escândalos na época, mas têm gerado alguma polêmica nos últimos anos. A mais recente aconteceu em 2021, no embalo da publicidade internacional do movimento “Me Too”, contra o assédio sexual, quando professoras de história da arte e seus alunos fizeram um protesto no Museu Pablo Picasso de Barcelona, com a intenção de denunciar os relacionamentos abusivos do artista, mas sem grande repercussão.
Outras denúncias sobre comportamento abusivo na trajetória do artista e sua dominação “animalesca” sobre as mulheres com quem se relacionava são descritos por sua neta, Marina Picasso (filha de Paulo e neta de Olga Khoklova), no livro “Meu Avô, Pablo Picasso”, que desde o lançamento em 2001 foi um best-seller internacional. Marina, uma das privilegiadas herdeiras de Picasso, nasceu em 1950, em Cannes, e teve um irmão, Pablo, que cometeu suicídio aos 24 anos – segundo ela, por culpa e negligência do avô, que nunca quis dividir sua herança bilionária em vida e nunca se preocupou em dedicar sua atenção para os filhos e os netos.
Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso com os filhos Claude e Paloma, no verão de 1951, em
foto de Edward Quinn.; e Picasso com Claude |
Contradições bilionárias
No livro, Marina Picasso relata: “Minha avó Olga, humilhada, manchada, degradada por tantas traições, acabou sua vida paralisada, sem que meu avô fosse uma única vez vê-la no seu leito de angústia e de desolação. No entanto, ela tinha abandonado tudo por ele: o seu país, a carreira, os sonhos, o seu orgulho”. Olga nunca aceitou o divórcio de Picasso e, oficialmente, permaneceu casada com ele até morrer, em 1955. Criador de uma obra extensa e das mais valiosas entre todos os acervos do mundo da arte, Picasso morreu sem deixar testamento. Seus bens e obras foram divididos entre os quatro filhos em 1974, por um acordo judicial.
Em todos os sentidos, a nova exposição confirma que Picasso é um caso único. Ele trabalhou intensamente na arte, da infância à velhice, e deixou uma quantidade impressionante de obras surpreendentes, mas a amostragem das fotos que registra sua trajetória revela algo mais do que o artista em ação, em seu ateliê ou nas pausas em momentos de lazer: são imagens que traduzem a vida e as contradições de Picasso em pequenos fragmentos. Sua importância para a arte e a cultura do século 20 é inquestionável, assim como sua interminável paixão pela criação. Apesar disso, Picasso é um artista que divide opiniões e sua reputação muitas vezes precede a sua arte. Talvez por estes detalhes a exposição de sua presença marcante em décadas da história da fotografia traz mais perguntas do que respostas, mas não há como negar que sua relação com a câmera foi, antes de tudo, um veículo – uma estratégia para perpetuar sua própria autoimagem cuidadosamente construída, tão grandiosa quanto mítica.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
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Impressionada com o alto nível de tudo aqui.
ResponderExcluirPerfeita simetria de texto impecável com imagens maravilhosas e identificação completa das fotos, coisa rara de encontrar.
Postagem sensacional. Parabéns de novo e muito obrigada por compartilhar este estudo maravilhoso.
Eneida de Ávila
Amei a postagem e amei tudo neste Blog Semióticas.
ResponderExcluirCheguei até aqui porque um amigo compartilhou um link no Twitter e foi uma descoberta fantástica. Aprendi muito nesta postagem sobre o Mestre Picasso, um artista genial em tudo. Muito obrigada por compartilhar conteúdo tão especial. Imagens sensacionais, texto idem. Vou ter de voltar muitas vezes para conhecer outras postagens sobre tanta coisa bacana.
Paula Bretas
Gosto das boas histórias e das imagens maravilhosas que encontro neste Blog Semióticas. Aprendo muito a cada visita.
ResponderExcluirParabéns pelo alto nível.
Débora Souza Lima
Muito obrigado por esta aula magna sobre o Mestre Pablo Picasso. Eu nunca tinha visto a maioria dessas fotos e foi um prazer conhecer cada uma delas com data e fotógrafos identificados. Parabéns por tudo neste blog Semióticas que é um espetáculo.
ResponderExcluirMarcos Antonio Gonçalves
Foi uma surpresa e um prazer encontrar este blog Semióticas. Artigo maravilhoso sobre Picasso, imagens lindas e outras postagens maravilhosas em tudo. Parabéns pelo alto nível e muito obrigado por compartilhar. Virei fã a partir desta primeira visita.
ResponderExcluirRuy Oliveira