Janis
Lyn Joplin sempre foi uma garota precoce. Estava no auge, mas morreu aos 27 anos. Décadas depois, permanece em destaque e como exceção, no primeiro
escalão do universo quase sempre masculino do rock'n'roll. Janis permanece nos noticiários
por conta de relançamentos em CD, DVD, Blu-Ray e novos projetos que
incluem vários filmes em produção por estúdios de Hollywood, entre eles o documentário “Janis: Little Girl Blue” e as cinebiografias com os títulos provisórios de “Janis
Joplin: Get It While You Can” e “The
Gospel According to Janis”.
Há
também um musical, “One Night with Janis Joplin”,
escrito e dirigido por Randy Johnson, que desde a estreia nos palcos
norte-americanos tem sido celebrado pelos fãs e tornou-se
unanimidade entre público e crítica, com lotações esgotadas com
meses de antecedência. Em uma breve entrevista que fiz por e-mail com o diretor e roteirista, ele destaca que Janis
é daqueles personagens centrais que traduzem toda uma época com sua
presença e sua música feita de lirismo poético, rebeldia,
amadurecimento político, muito além das fronteiras do rock ou de
qualquer outro estilo musical.
Foi assim desde o princípio, na primeira metade da
década de 1960: enquanto o rock'n'roll completava uma década de
existência e passava por uma transformação radical, Janis chegava
à adolescência em uma família tradicional católica e começava a
cantar no coral da igreja em sua cidade natal, Port Arthur, no Texas.
Naquela época, Elvis ainda era o Rei para as novas gerações, até
onde a indústria cultural norte-americana alcançava, mas o rock e a
música como força dos movimentos de contestação estavam por
ganhar capítulos importantes.
Rock & Jazz & Blues
Na adolescência de Janis, entrava em cena a
convergência entre música e política, estreavam as canções em
estilo Folk de Bob Dylan e chegava pelo rádio e pela TV a novidade
do rock inglês de Beatles e Rolling Stones. Os primeiros passos da
canção como força importante de crítica social começaram antes,
contando com um marco poderoso quando Billie Holiday provocou
revoluções com a singular “Strange Fruit”. Manifesto poderoso
contra o racismo e contra o preconceito, “Strange Fruit” com Billie Holiday
também foi o primeiro caso de uma canção de protesto a se tornar
sucesso na indústria fonográfica (veja mais em "Semióticas: Biografia de uma canção").
A década de 1960 veria o florescer de grandes nomes e bandas importantes na galeria da contestação e da contracultura, mas no mundo do rock ainda estava por surgir uma voz feminina com o impacto que Billie Holiday imprimiu à mitologia do Jazz e do Blues. Como nas antigas lendas traçadas para a trajetória dos heróis, havia uma trama de artimanhas do destino: Janis, adolescente tímida em Port Arthur, tornou-se uma fã precoce e apaixonada por Billie Holiday e outras grandes do jazz e do blues, Bessie Smith, Etta James, Nina Simone.
Quando
completou o curso secundário na Jefferson High School, aos 17 anos,
Janis começou sua dedicação para cantar blues e vai de mudança
para Los Angeles, Califórnia, onde estreia cantando em bares e casas
noturnas. Também descobriria a atitude rebelde dos hippies e a
literatura de Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Lawrence Felinghetti,
William Burroughs e outros
poetas da geração Beatnik, além dos livros de Hermann Hesse e
Friedrich
Nietzsche.
Monterey Pop Festival
A
estreia de
Janis para o grande público acontece no Monterey Pop Festival, em
junho de 1967, como vocalista do grupo Big Brother & the Holding
Company. Explodindo seu canto apaixonado, desesperado, com todos os
decibéis, agitando os cabelos longos e acariciando o microfone,
amparada por longos solos de guitarra, Janis rapidamente se tornaria
o centro das atenções. Bastou meia dúzia de canções, incluindo
"Ball and Chain", “Down on Me” e “Piece of My Heart”,
para Janis sair do palco em Monterey consagrada como uma das vozes
mais marcantes da era do rock, além de conquistar a amizade de Jimi
Hendrix, Ravi Shankar, Grateful Dead, The Mamas and The Papas, The
Who, Jefferson Airplane, Johnny Rivers e Otis Redding, entre outras
estrelas e bandas no elenco do festival.
A partir daquela apresentação, a trajetória de Janis
seria meteórica: em pouco tempo, faria shows e gravações
memoráveis, em estúdio e ao vivo, para suas composições e para
clássicos da canção de outras épocas, que já contavam com
interpretações memoráveis de Billie Holiday, Bessie Smith, Ella
Fitzgerald, Louis Armstrong e outros grandes do Jazz e do Blues.
Janis representava uma síntese que era o sonho de muitos de sua
geração: reunia com talento inédito a tradição da música dos
negros e o novo, com canções conhecidas encontrando na sua voz as
versões definitivas – caso de “Summertime”, ária da ópera
“Porgy and Bess”, de Ira e George Gershwin, que em 1969 ela
apresentaria ao vivo pela primeira vez no Festival de Woodstock (veja mais em "Semióticas: A viagem de Woodstock").
Janis vivia na intensidade de suas canções, como
contam os biógrafos. Em fevereiro de 1970, fez uma pausa na maratona
de shows e gravações para passar uma temporada no Brasil, porque
queria conhecer o Carnaval com o namorado, o roqueiro brasileiro
Serguei. Janis morreria em outubro daquele ano, apenas três anos
depois da estreia no Festival Monterey Pop. Tinha 27 anos e
oficialmente sofreu uma overdose, em circunstâncias não totalmente
esclarecidas. Estava no auge, mas havia lançado apenas quatro
álbuns: “Big Brother and the Holding Company” (1967), “Cheap
Thrills” (1968) e “I Got Dem Ol' Kozmic Blues Again Mama!”
(1969), que ganharam capa e projeto gráfico de seu amigo, o cartunista Robert Crumb, e o póstumo “Pearl” (1971), lançado seis meses após sua
morte.
Mitologia e cultura pop
Ao contrário de outros nomes do rock e da música pop,
que também morreram jovens e deixaram incontáveis gravações
inéditas, com Janis o acervo, ao que tudo indica, ficou concluído
com as canções de “Pearl”, além das performances ao vivo na TV
e em festivais, todas lançadas em vídeo e DVD. Janis também foi
assunto de vários documentários, sendo o mais conhecido deles
“Janis”, de 1974, com roteiro e direção de Howard Alk, que
reuniu uma seleção de cenas de entrevistas, ensaios e apresentações
ao vivo.
Janis também teve sua história romanceada no filme
“The Rose”, de 1979, com roteiro e direção de Mark Rydell e
tendo Bette Midler como protagonista. “The Rose” foi exibido nos
festivais de cinema, ganhou prêmios e indicações ao Bafta, César,
Globo de Ouro e Oscar, mas faltava nele o principal: Janis e sua
música. Outra tentativa de reviver o mito Janis Joplin aconteceu há
alguns anos com o musical da Broadway “Love, Janis”, baseado no
livro homônimo escrito por Laura Joplin, irmã de Janis, mas a
resposta do público não foi além das primeiras temporadas.
Agora a presença lendária de Janis está de volta com
os novos filmes previstos para estrear em breve (“Janis: Little Girl Blue”, “Janis
Joplin: Get It While You Can” e “The
Gospel According to Janis”) e nos palcos, com
“One Night with Janis Joplin”, espetáculo que vem sendo aclamado nos palcos dos EUA
como “uma experiência musical com o melhor do rock'n'roll”. O
espetáculo de teatro que se transforma em concerto de rock para trazer Janis de volta aos palcos só tem recebido
elogios, talvez porque sabiamente o diretor e roteirista não tenha
destacado o envolvimento áspero da cantora com álcool e drogas
químicas. O destaque, unânime, tem ido muito além das páginas das publicações dedicadas exclusivamente à cultura
pop.
Efeito de euforia
Depois da estreia, até o sisudo “The Washington Post”
destacou na primeira página o sucesso surpreendente do musical sobre
Janis: "É um espetáculo que vai seduzir grandes plateias
porque tem muitos trunfos em seu favor. Este concerto de rock escrito
e dirigido por Randy Johnson alcança seu efeito de euforia porque
retrata, mais do que qualquer outra coisa, um romance: uma cantora
apaixonada pelo abraço de sua multidão de fãs". Pelo
repertório anunciado no espetáculo, parece mesmo difícil para um
fã resistir ou ficar indiferente.
Randy Johnson concebeu para “One
Night with Janis Joplin” um roteiro que tem breves passagens de encenações
teatrais, para situar as plateias em detalhes biográficos da “peróla
branca do Texas”, mas pelo que se pode ver nas prévias e trailers
disponíveis on-line, é um espetáculo que centra o foco no que era
mais importante para sua estrela: a música. E convence, porque todas
as críticas se rendem às performances de todo o elenco e ao cuidado
da produção, incluindo uma banda de veteranos no palco, liderada
pelo diretor musical Len Rhodes.
O espetáculo criado e conduzido por Randy Johnson lança
mão de um aparato multimídia que Janis não conheceu, incluindo
projeções em telões, holografias e efeitos psicodélicos de
neblina e luzes estroboscópicas. Ao final, uma apresentação de
fogos de artifícios ainda surpreende o público do lado de fora do
teatro. A estratégia: provocar uma experiência sensorial para
reconstituir em pequenos e grandes detalhes as lendárias
performances de Janis, que surge no palco incorporada pela atriz e
cantora Mary Bridget Davies. A semelhança e o tom de voz
impressionam as plateias, que cantam e dançam como se Janis
estivesse em cena.
Janis e a história coletiva
Quando
eu soube da estreia e do sucesso do espetáculo (atualmente em cartaz
no Milwaukee Repertory Theater, em Wisconsin, nos EUA), tentei
contato com a produção e com o diretor, solicitando uma entrevista para um jornal de Belo Horizonte, explicando meu interesse de
pesquisa por Janis e outros heróis de referência da Contracultura.
A resposta de Randy Johnson foi de cortesia, mas sem muitos detalhes.
Na breve resposta ao primeiro e-mail, Johnson disse que o projeto só havia se tornado realidade porque ele teve a sorte de poder contar com o
“auxílio luxuoso” de dois irmãos de Janis, Laura e Michel
Joplin, e que sua dedicação e veneração à lenda que Janis criou também vem de longa data.
"Nestes
dias em que a fama é instantânea e a verdadeira musicalidade é
rara, a palavra 'artista' é uma afirmação muitas vezes mal
utilizada”, respondeu o diretor Randy Johnson. “Como estamos reféns
de uma cultura pop da superficialidade e do produto descartável que fabrica estes 'artistas' diariamente, eu sinto
que nós devemos constantemente revisitar a nossa história cultural
e explorar as forças autênticas que moldaram a paisagem de nossas
vidas. Uma dessas forças autênticas para mim é Janis Joplin, sem nenhuma dúvida”.
Na definição muito breve, mas também muito precisa de Randy Johnson nesta entrevista por e-mail, Janis Joplin faz parte daquela
categoria rara de artistas que não dependem dos artifícios criados pela publicidade
nem do marketing intensivo para alcançar o grande público. “As
pessoas gostam de dizer que Janis estava à frente de seu tempo. Não
concordo. Eu acredito que ela estava certa na hora certa”, destaca
Johnson.
A ambição maior de "One Night With Janis Joplin", segundo o diretor e roteirista, é resgatar uma personalidade que vai muito além do rock'n'roll. "Não estamos
contando apenas a história pessoal de Janis, porque ela é parte da
história coletiva e suas canções fazem parte da vida afetiva de
muitos de nós, no mundo inteiro. Também acredito que o mundo é um lugar
melhor porque Janis esteve aqui por um momento. Por isso confio que o
espetáculo traz consigo um pouco de Janis, um pedaço de seu
coração, um breve aceno de seu espírito e sua sabedoria".
por José Antônio Orlando.
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Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Uma noite com Janis. In: Blog
Semióticas,
23 de maio de 2013. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2013/05/uma-noite-com-janis.html
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