Há
pessoas que transformam o sol numa
simples
mancha amarela, mas também há aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol...
– Pablo
Picasso (1881-1973).
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Sobre Pablo Diego José Francisco de Paula Juan
Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad
Ruiz y Picasso, o homem que provocou algumas das grandes revoluções
na História da Arte no século 20, muito já foi dito e quase tudo já foi
mostrado. Quase tudo. Uma das nuances mais expressivas do artista espanhol
permanecia pouco conhecida do público e nunca havia sido reunida:
coube ao Museu Guggenheim de Nova York, com curadoria a cargo de
Carmen Giménez, a honra de pela primeira vez reunir uma centena de
obras de Picasso em que a ausência de cor – ou antes a presença
de variações monocromáticas do preto ao branco, incluindo matizes
do cinza – é investigada em todas as suas possibilidades.
“Picasso black and white”, uma das mais ambiciosas
mostras de trabalhos do mestre na última década, reúne 118 obras
que só pela característica monocromática já formam uma série
especialíssima entre os milhares de trabalhos que Picasso produziu.
Na maioria são pinturas, mas há também esculturas, gravuras,
litografias, aquarelas e desenhos. Uma dúzia das peças faz parte do acervo do próprio Guggenheim de Nova York. As demais pertencem a 30 museus e coleções
particulares em diversos países, incluindo os três grandes museus
dedicados exclusivamente a Picasso, em Barcelona, em Málaga e em Paris, motivo
pelo qual as negociações demoraram algumas décadas.
A exposição, que na abertura foi apontada pelo jornal
“The Guardian” como o principal acontecimento das artes plásticas
em 2012, fica aberta ao público em Nova York até o final de
janeiro, mas também recebe visitantes on-line através do site do
Museu Guggenheim (veja o link no final deste artigo). No catálogo de
“Picasso black and white”, a curadora Carmen Giménez reconhece
que teve dúvidas sobre o ineditismo da proposta: desde a ideia
inicial, pensou que reunir trabalhos monocromáticos de um dos
artistas mais geniais de todos os tempos era um projeto fascinante
demais para ninguém ter tentado antes.
As dificuldades que a curadora
confessa ter encontrado para reunir as obras específicas a fizeram
entender que muitos antes dela, muito provavelmente, tentaram, mas
não conseguiram reunir tantas obras de Picasso. "O uso do preto
e branco em Picasso merece consideração à parte. Seus trabalhos em
preto e branco aparecem em todas as décadas desde 1904, mas nunca
teve um período só de negro ou só branco, à exceção dos
desenhos e gravuras de seus três últimos anos de vida”, explica Carmen Giménez.
Obras-primas
na exposição Picasso black and white: no alto, La
planchadora, pintura em óleo sobre tela
de 1904. Acima, Hombre, mujer
y niño,
de 1906. Abaixo,
Picasso em frente à sua pintura de 1948,
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O mais essencial
“Podemos perceber que suas numerosas obras em preto e branco surgem em estudos diferentes, intercalados em séries diferentes, o que torna impossível classificá-los todos sob a mesma intenção técnica ou direcionados a um mesmo simbolismo ", completa a curadora, enumerando algumas das séries ou fases em que o preto e branco prevalecem nos questionamentos e invenções da arte de Picasso, todas com alguma peça ou estudo incluído na exposição.
“Podemos perceber que suas numerosas obras em preto e branco surgem em estudos diferentes, intercalados em séries diferentes, o que torna impossível classificá-los todos sob a mesma intenção técnica ou direcionados a um mesmo simbolismo ", completa a curadora, enumerando algumas das séries ou fases em que o preto e branco prevalecem nos questionamentos e invenções da arte de Picasso, todas com alguma peça ou estudo incluído na exposição.
Estão em “Picasso black and white”
obras do período Azul, dos primeiros anos do século 20, as colagens
e naturezas-mortas com letras e números por volta de 1912, o
surrealismo e os elementos geométricos da década de 1920, as formas
redondas a partir da década de 1930, a angústia da guerra traduzida
no grande painel “Guernica” (1937), o erotismo extremado das
gravuras e dos retratos de mulher, as litografias sobre as
metamorfoses de um touro, as minotauromaquias, as séries de denúncia
sobre o massacre militar na Guerra da Coreia em 1951, os estudos
sobre interiores de inspiração espanhola, os últimos desenhos no
ateliê em Mougins e outras dezenas de peças selecionadas em um
acervo de milhares de obras-primas.
Obras-primas
de Picasso: a partir
pintura
em óleo sobre tela de 1926
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Carmen Giménez também cita a definição célebre de Frank Lloyd Wright, autor do impressionante projeto arquitetônico do museu, que se referiu às formas circulares do prédio e do trajeto que aguarda o visitante como um “convite para entrar no mais essencial do espírito de seu próprio interior”. Separadas da sedução das cores, tão marcantes nas fases e estilos sucessivos de Picasso, as obras monocromáticas reunidas no Guggenheim se aproximam do “espírito interior” de que falava Lloyd Wright – defende a curadora.
“Despojado das cores que conduzem o olhar, Picasso
explora a percepção de outras formas e estruturas. A força que
emana destas obras, que não estão entre as mais conhecidas do
pintor, atravessa o filtro de gradações monocromáticas e revela
novos sentidos que são um convite ao mais essencial de que falava
Lloyd Wright”, explica Giménez. O efeito, completa a curadora, é
como se o visitante tivesse colocado óculos de cinema 3D para
observar as chaves do enigma. O enigma em questão é a evolução
revolucionária da arte de Picasso através da passagem do tempo.
Retrato das paixões
O visitante recebe as boas-vindas quando encontra no saguão de entrada duas impressionantes esculturas em bronze em tamanho natural que pertencem ao Museu Reina Sofia, da Espanha: “Mujer com vaso” (1933) e “Mujer com los brazos abiertos” (1961). É a senha para uma centena de obras-primas, produzidas no período cronológico que se estende de 1904 até 1971, data dos estudos eróticos das séries “Tres figuras” e “Buste de femme”, que inclui os últimos desenhos e rascunhos inacabados do mestre.
Além
da última série, produzida com o artista enfrentando problemas de
saúde e visão cada vez mais debilitada, no ateliê às margens do
Mediterrâneo, no sul da França, há várias outras telas conhecidas
de Picasso com o título “Buste de femme”, dedicadas a retratar
algumas de suas paixões. Uma das mais célebres está presente na
mostra do Guggenheim: "Buste de femme (Dora Maar) 3", óleo
sobre tela datado de 1938.
Na
cronologia da obra de Pablo Picasso, o recorte proposto pela exposição do Guggenheim alcança
desde os últimos trabalhos até um dos períodos iniciais, conhecido
como fase azul, quando o jovem artista pintou imagens em tons melancólicos de azul e cinza que traduziam alguma solidão, morte e abandono. Foi quando Picasso deixou seu país de origem para tentar outros voos, passando dos primeiros estudos de
arte em Madri à mudança definitiva para Paris. Tempos difíceis, em que ele aceitou todo tipo de trabalho para sobreviver, mas também uma época em que conheceu um seleto
grupo de amigos, também artistas e escritores, que o acompanhariam pelos anos seguintes nos bares e nos ateliês dos bairros parisienses de
Montmartre e Montparnasse.
Não é por coincidência que o início da Abstração e da própria Arte Moderna têm como endereço
os ateliês e bares de Montmartre e Montparnasse, em Paris, nas
primeiras décadas do século 20. Ali surgiram as amizades intensas, que
atravessariam décadas e que sinalizaram coordenadas importantes para
a arte e a cultura no último século. É onde se encontram Braque,
Pablo Picasso, André Breton, Isadora Duncan, Guillaume Apollinaire, Gertrude Stein,
Ezra Pound, Paul Valéry, Erik Satie, James Joyce, Antonin Artaud, Anais Nïn, Coco
Chanel, Luis Buñuel, Salvador Dalí, Federico Garcia Lorca, Max
Ernst, Marcel Duchamp, Man Ray e alguns outros nomes de referência
quando o assunto é Cubismo, Fauvismo, Expressionismo, Futurismo,
Dadaísmo, Surrealismo e suas variantes abstratas e figurativas.
Entre
tantas obras-primas de Pablo Picasso, um dos trunfos da exposição é “Las damas de
honor” (1957), a maior das 44 variações produzidas pelo artista para homenagear a célebre pintura “Las Meninas” (1656), de Diego Velázquez. A tela, que Picasso
pintou durante uma temporada na Califórnia, evidencia o
respeito profundo do artista pelo grande nome da tradição da
pintura espanhola: a austeridade cinzenta de sua “Las damas de honor”
é quase uma demonstração didática das concepções da arte
moderna em comparação com a maestria figurativa de Velázquez,
definido por Picasso com grande reverência como “o pintor dos pintores”.
Depois
da temporada de estreia no Guggenheim, a exposição “Picasso black
and white” tem uma extensa agenda itinerante que vai percorrer cidades dos Estados
Unidos e capitais da Europa. O primeiro ponto depois de Nova York
será o Museu de Belas Artes de Houston, em fevereiro, que recentemente apresentou um aquecimento para a mostra "Black and white" ao reunir uma exposição com reproduções de retratos de Picasso
feitos por alguns dos grandes fotógrafos do último século.
Contraponto
fabuloso
Fotografia
e cinema, aliás, fornecem um contraponto fabuloso para analisar a
obra do autor de “Guernica”: as formas modernas da fotografia e
do cinema, que ganharam o estatuto de arte no decorrer do Novecentos,
passaram a primeira metade do século 20 restritos ao preto e branco
– ou antes às matizes do preto, do branco e cinza, que os grandes
mestres identificam como o maior dos desafios da representação
pictórica.
Mesmo
que seja impossível separar a fulgurância da cor da arte de
Picasso, patente em sua alegria sensual de momentos que mudaram os rumos da História (como a
“bomba” estética lançada em 1907 com “Demoiselles D'Avignon”,
que definiria os rumos das vanguardas do modernismo, ou ainda o grito de protesto com "Guernica" e tantos outros trabalhos personalíssimos), a mostra “Picasso black and white” lança luzes sobre a
trajetória e os avanços da arte no último século, através de um olhar generoso e sem precedentes sobre um de seus principais artífices.
Depois de encontrar tantas obras-primas impressionantes em seus traços monocromáticos, resta concluir que o gênio de Picasso muitas vezes relegou o colorido a um segundo plano. Contudo, observando melhor a grande arte que ele produziu e revolucionou, durante quase um século, tanto a cor como a ausência de cor parecem ser o que há de menos importante.
Depois de encontrar tantas obras-primas impressionantes em seus traços monocromáticos, resta concluir que o gênio de Picasso muitas vezes relegou o colorido a um segundo plano. Contudo, observando melhor a grande arte que ele produziu e revolucionou, durante quase um século, tanto a cor como a ausência de cor parecem ser o que há de menos importante.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
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Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. Picasso em preto e branco. In: Blog
Semióticas,
30 de novembro de 2012. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2012/11/picasso-em-preto-e-branco.html
(acessado em .../.../...).
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