Todos nós estamos na sarjeta, mas alguns olham para as estrelas. –– Oscar Wilde (1854-1900). ............... |
Há uma frase célebre e
melancólica sempre
citada e
lembrada em situações variadas como
uma
espécie de definição
para o que seja a homossexualidade tomada
como tabu e como
paixão
proibida:
um
amor que não ousa dizer o seu nome. Escrita
por Oscar
Fingal O’Flahertie Wills Wilde, ou simplesmente, como
ele preferia,
Oscar Wilde, a frase está em
“De Profundis”, livro
publicado
no Brasil pela editora
L&PM
– um
ensaio
poético
apresentado
na
forma de uma
carta extensa e
comovente,
ao
mesmo tempo um
documento
de acusação e uma
confissão
apaixonada,
que Wilde
endereçou a
seu
amante e
algoz, o filho do Marquês de Queensberry, Lorde Alfred Douglas, que ele antes chamava carinhosamente de Bosie. A carta foi escrita
em
1897, enquanto Wilde estava
na prisão, condenado a trabalhos forçados por “comportamento indecente”. A frase, na verdade, já havia
aparecido dois anos antes, no também
célebre
e trágico julgamento do poeta e escritor em 1895.
Assim
que Wilde pronunciou a frase em seu depoimento diante
do
tribunal, o
promotor de justiça perguntou: “Mas
o
que é esse amor que não ousa dizer o seu nome?”
A
resposta de Wilde ao promotor de justiça está em transcrição, na íntegra, em
um
livro publicado
no Brasil pela Companhia das Letras: a
biografia definitiva “Oscar Wilde”,
escrita
por
Richard Ellmann em 1988 e pela qual o
biógrafo venceu
o Prêmio Pulitzer. As palavras do argumento de defesa que Wilde declarou em seu depoimento no tribunal têm
as marcas de sinceridade e sutileza: “O amor que não ousa dizer o
seu nome, neste século, caro senhor,
é uma grande afeição de um homem mais velho por um outro mais
novo, tal como havia no texto bíblico entre Davi e Jônatas, tal
como havia na Grécia Antiga e que Platão transformou na base de sua
filosofia, tal como alguém pode facilmente
encontrar
nos sonetos de Michelangelo e de Shakespeare. E é por causa deste
amor que não ousa dizer o seu nome que fui colocado onde estou
agora. Nele, não há nada que não seja natural, porque ele é a
mais nobre forma de afeição. É assim que deve ser, mas o mundo não
entende. O mundo o ridiculariza e às vezes coloca alguém sob
tortura por causa dele”. Neste ponto, os
aplausos
do público interrompem o
depoimento e
o juiz suspende a sessão. Quando o julgamento é finalmente
retomado,
Wilde termina
condenado e preso.
Histórias de anônimos
São estas questões que abrem o livro em breves textos escritos pelos autores Hugh Nini e Neal Treadwell e por Paolo Maria Noseda, pesquisador de história da arte e da fotografia, destacando que são retratos do amor romântico de homens que estavam à frente de seu tempo, registrados por fotógrafos que também permaneceram anônimos, nos mais variados contextos, incluindo cenas em ambientes públicos, praças, clubes e praias, ambientes privados e domésticos e até casais em uniformes e em instalações militares, o que amplificava o risco potencial de repressão e de alguma punição severa para os envolvidos. O interesse atual pelos retratos de anônimos em relações amorosas do passado vem tão somente da simples curiosidade pela intimidade alheia? Vem da situação evidente de erotismo e exibicionismo de homens apaixonados e felizes posando diante das câmeras? Vem da percepção sobre o perigo iminente a que cada um se expôs ao desobedecer as regras rígidas e autoritárias da moralidade vigente?
Olhares irônicos e sorrisos
A maioria das fotos identificadas no livro de Hugh Nini e Neal Treadwell vem dos Estados Unidos, mas também há registros situados em outros países, entre eles Austrália, Bulgária, Canadá, Croácia, França, Alemanha, Itália, Grécia, Japão, Letônia, Reino Unido, Sérvia, Rússia – assim como há imagens de casais sem data e sem localização, posicionados, na ordem cronológica que o catálogo apresenta, a partir de informações sobre as técnicas originais de registro ou de reprodução dos retratos ou até mesmo a partir dos trajes usados e outros objetos presentes na cena. O que há em comum em todas as imagens são casais masculinos em destaque como únicos sujeitos da fotografia, às vezes com um olhar irônico ou com sorrisos para disfarçar os impedimentos e dificuldades daquele amor proibido e reconhecido pelos detalhes da linguagem corporal, seja em gestos explícitos, seja em poses de intenção erótica de maior ou menor sutileza.
Nos breves ensaios que abrem o livro, os autores comentam sobre como a coleção teve início e como foi a experiência de encontrar a fotografia que deu origem ao acervo que reuniram depois em viagens pelos Estados Unidos, pelo Canadá e por países da Europa. “Nossa coleção começou há 20 anos, quando encontramos uma antiga fotografia que nos impressionou muito. O assunto naquela foto desgastada pelo tempo eram dois jovens se abraçando e olhando um para o outro, claramente apaixonados. Olhamos para a foto e ela parecia olhar para nós. Foi um momento singular encontrar aqueles jovens porque eles se abraçavam e se olhavam de uma maneira que só duas pessoas apaixonadas fariam. Pelas anotações no verso, a foto era da década de 1920. A expressão do amor que compartilharam também revelou muita coragem, porque tirar essa foto numa época em que seriam tão menos compreendidos do que hoje, não foi isento de riscos e perigos. Ficamos intrigados com o fato de que uma foto como essa pudesse ter sobrevivido até o século 21. Quem eram eles? E como uma foto tão íntima foi parar em uma loja de antiguidades em Dallas, no Texas, junto com estoques de fotos antigas sem nenhum interesse?”
Evidências do amor
As dúvidas sobre as histórias reais dos personagens do passado registrados nas antigas fotografias reunidas no livro ainda permanecem, porque são poucos os casos em que o mistério é esclarecido com identificação completa de nomes, datas e desfechos das relações que as imagens apenas sugerem. Mas as dúvidas não esclarecidas não reduziram nem o interesse dos leitores, que em pouco tempo elevaram o livro às listas de mais vendidos, nem o impacto do lançamento que teve resenhas de destaque surpreendente em jornais como “The New York Times”, “The Washington Post”, “The Guardian” e outros veículos de imprensa respeitados pela seriedade que talvez, até a bem pouco tempo atrás, apenas destinassem algum comentário sobre o livro para notas de pé de página ou de colunas sociais sobre amenidades.
Também há polêmicas que vão além do preconceito e da homofobia, entre elas acusações de que o livro de Hugh Nini e Neal Treadwell seria, na verdade, um plágio de outros livros sobre o mesmo tema, sendo o caso mais evidente um livro lançado em 1998 pela St. Martin’s Press de Nova York, uma das maiores editoras de língua inglesa, que também reúne uma coleção de fotografias muito semelhante e com o mesmo tema da nova publicação. Até o título do livro de 1998 é semelhante ao do livro Nini e Treadwell, com uma abordagem que também destaca o mesmo período histórico: “Affectionate Men: A Photographic History of Male Couples, 1850-1950”, de autoria de Russell Bush.
Contudo, a dupla de autores e colecionadores Nini e Treadwell se defende com o argumento de que as imagens que reuniram neste novo livro são inéditas, em sua imensa maioria, e com o diferencial das evidências afetivas relacionadas para todos os casais fotografados. Eles revelam os critérios que usaram no momento da edição, quando selecionavam as imagens: os gestos e o olhar das pessoas fotografadas. “Há um olhar inconfundível que duas pessoas têm quando estão apaixonadas. Você não pode fabricá-lo. E se você está passando por isso, não pode esconder”. O olhar dos casais reunidos nas fotografias do livro de Hugh Nini e Neal Treadwell desafia os observadores mais atentos e talvez possa confirmar o argumento dos autores. Ou não.
por José Antônio Orlando.
Como citar:
ORLANDO, José Antônio. Retratos do amor proibido. In: Blog Semióticas, 25 de outubro de 2020. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2020/10/retratos-do-amor-proibido.html (acessado em .../.../...).
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