“E
de que serve um livro", pensou Alice, "sem figuras nem diálogos?"
–– Lewis Carroll, “Alice
no país das maravilhas”....
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Desde
suas primeiras edições em 1865, a obra-prima de Lewis Carroll
“Alice no país das maravilhas” (“Alice in Wonderland”), e
sua continuação publicada em 1871 “Alice através do espelho”
(“Through the looking-glass and What Alice found there”),
conseguiram conquistar leitores entusiasmados de todas as idades e capturar corações e mentes. Os dois livros, com Alice caindo na toca do
coelho ou do outro lado do espelho, viajando por lugares estranhos, carregados de ironias e provocações, onde uma bebida pode fazer você
encolher, um cogumelo pode fazer você crescer, onde flores, animais
e cartas do baralho falam, e onde poucos têm coragem de resistir ao
poder autoritário e insano, são constantemente tomados como
referência e influência para adaptações, releituras e traduções
intersemióticas, com conteúdos mais ou menos imprevisíveis, que
vão das formas literárias tradicionais a versões para outras artes
e mídias (veja também “Semióticas – Alice vai ao futuro” e “Semióticas – Alice volta ao futuro”).
A
galeria dos
que têm
as
aventuras de
Alice como fonte
de inspiração
é quase infinita e permanece em alta, incluindo de Walt Disney e
Salvador Dalí a muitos
e muitos escritores
e
artistas de
estilos e gêneros diversos, além
de cineastas, estilistas
de moda, designers, fotógrafos, grafiteiros e performers em geral.
As
aventuras da Alice de Lewis
Carroll
(o nome do autor é, na
verdade, um anagrama do nome real da personagem, Alice Liddell, um pseudônimo que foi criado pelo matemático e pastor anglicano
Charles Lutwidge Dodgson para assinar suas obras de literatura) tornaram-se, desde a origem, quase
um sinônimo para “nonsense”, a expressão do estilo na
literatura e nas artes que
denota algo sem sentido, sem nexo, sem lógica ou sem coerência,
como a verbalização de
um
“absurdo”, ainda que a lógica muito sofisticada
de
“Alice no país das maravilhas” e de “Alice através do
espelho” contenha uma
variedade de enigmas
cognitivos e jogos de linguagem que estão
bem longe de qualquer
ausência de sentido.
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Alice surrealista: no alto da página, Alice na mesa do chá com o Chapeleiro Louco e a Lebre Maluca, uma ilustração original de John Tenniel de 1865 para o livro de Lewis Carroll. Tenniel, um conhecido ilustrador e caricaturista da época, foi contratado por Carroll para refazer seus desenhos criados junto com o manuscrito. Acima, a pequena Alice Pleasance Liddell aos seis anos, em 1858, fotografada por Lewis Carroll. Alice era uma das filhas de Henry Liddell, reitor da Christ Church, em Oxford, e Carroll ficou encantado quando a conheceu, tanto que assinou o livro não com seu nome original, Charles Lutwidge Dodgson, mas com o pseudônimo que passou a adotar, Lewis Carroll, um anagrama para Alice Liddell.
Abaixo, duas pinturas surrealistas de Max Ernst inspiradas em "Alice no país das maravilhas" e em "Alice através do espelho": "Alice" e "The stolen mirror" (O espelho roubado), ambas de 1941. Max Ernst criou diversas obras baseadas na literatura de Lewis Carroll que fazem alusão direta a Alice no período entre as décadas de 1930 e 1970 |
Limites
da lógica
Tal
expressão nos limites da lógica, tão
transgressora
e tão próxima das fronteiras do fantástico e do onírico, representada com maestria
pela
literatura de
Lewis Carrol, foi apropriada também com
muita atenção pela
geração de escritores e artistas do surrealismo. Seja
atravessando o espelho ou quebrando as regras de Wonderland, Alice, e
as
galerias de
personagens extraordinários que ela encontra, conseguiram atrair,
de
forma definitiva,
o olhar
fascinado
dos surrealistas mais radicais. Todos,
ou a maioria deles, perseguiram com curiosidade seus
passos, revivendo as perplexidades e os questionamentos inconformados da menina
diante do outro mundo sobrenatural que atrai e encanta.
O
que Alice encontrou, depois que sua atenção é despertada pela
visão incomum e
muito estranha de
um coelho branco com um relógio de bolso, foi um mundo subterrâneo
mágico, uma realidade de fábula com criaturas aristocratas e enlouquecidas, frustradas com tudo e
todos, a
questionar
a lógica e os hábitos mais tradicionais. Ao
final do turbilhão de aventuras da primeira viagem, Alice desperta
do que pode ter sido um sonho, mas embarca novamente para o mundo
mágico ao atravessar o espelho e entrar em outro jogo absurdo apresentado em um
imenso tabuleiro.
Hoje o que se percebe é que, na
verdade, o
enredo, as criaturas e a protagonista da história fizeram de Lewis
Carroll um importante
precursor
do que viria a ser o surrealismo, atravessando as fronteiras do
dadaísmo e dos demais movimentos de vanguarda dos primeiros tempos da arte moderna. O surrealismo, a seu modo, adotou Alice, apresentando ou promovendo sua atualidade para um público mais sofisticado e mais avançado no repertório do mundo das artes e da literatura. Com a aproximação, a curiosidade de
Alice tornou-se um sinônimo para as investigações estéticas e
existenciais em
torno de
surrealistas e dadaístas, assim
como
para os que vieram depois deles.
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Alice surrealista: acima, uma página do manuscrito original de Lewis Carroll com um de seus desenhos no rascunho, depois refeitos por John Tenniel ("a lagarta") para a primeira edição do livro em 1865.
Abaixo, duas pinturas surrealistas de Dorothea Tanning inspiradas na Alice de Lewis Carroll: "Eine Kleine Nachtmusik" (Um pouco de música noturna), de 1943, em alusão aos diálogos de Alice com as flores (o título da obra é uma referência à célebre serenata de Mozart); e "Birthday" (Aniversário), de 1942, com uma Alice adulta vagando pelo corredor de portas no que supõe ser um "desaniversário"
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O
melhor
da infância
A
aproximação
entre a Alice de Carroll e os surrealistas não é apenas uma
possibilidade anacrônica,
que
se percebe somente na atualidade, ou evidenciada
por
analogias entre o País das Maravilhas e as criações históricas
daqueles
artistas: tal
aproximação está
presente desde o marco fundador do movimento, com
as citações feitas por
André Breton no primeiro
“Manifesto do Surrealismo”, de 1924,
no qual a principal liderança dos surrealistas valoriza, de forma
nostálgica, um sentimento de admiração pelo lúdico do
universo infantil
que remete ao
real maravilhoso que a
criança Alice vai
descobrindo em sua aventura no novo mundo.
Nas
palavras do
manifesto de
Breton: “A maior parte dos exemplos que a literatura poderia me
fornecer estão contaminados com
coisas fúteis e vazias pela simples razão de serem dirigidas às
crianças, que desde
muito
cedo são cortadas do maravilhoso (…). Por
isso o
espírito livre que ousa mergulhar no surrealismo revive, com exaltação, a
melhor parte de sua infância”. Breton também destaca que das
recordações da infância, repletas de encantos, vêm os sentimentos
mais fecundos para
a arte e para a literatura, e
que talvez seja a infância o
que
mais se aproxima de
uma
vida verdadeira.
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Alice surrealista: acima, Alice Liddell fotografada em 1860 por Lewis Carroll. Abaixo, três versões para a mesma passagem das aventuras de Alice, quando ela enfrenta uma chuva de cartas do baralho: a versão de John Tenniel, publicada em 1971 em "Alice através do espelho"; uma colagem de 1930 de Max Ernst; e uma pintura de 1955 de Piero Fornasetti
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Experiências
lúdicas e oníricas
André
Breton retornaria outras vezes à literatura de Lewis Carrol e ao
mundo de Alice, uma delas encontrando no País das Maravilhas (Wonderland) o argumento para
caracterizar a qualidade das imagens pictóricas em geral, conforme ele reconhece em
“Surrealismo e Pintura”, de 1928. No ensaio, ao
se referir à obra cubista de Pablo Picasso, Breton ressalta que as
imagens do mestre espanhol abordam um continente que nos levam diretamente a um “país das
maravilhas”. São estas referências fundadoras, na origem do movimento, que incentivaram e levaram outros surrealistas a também buscarem experiências lúdicas e
oníricas, não conformistas e
libertárias,
repletas de citações e referências à Alice criada por Lewis Carroll.
Alguns deles não ficaram apenas nas citações e partiram para paráfrases ou mesmo para recriações explícitas, tanto
nos domínios da pintura e do desenho como na escultura, no
teatro, no cinema, na
fotografia, na prosa e na poesia. Entre os expoentes do surrealismo que têm criações na década de 1930 baseadas de forma explícita na Alice de Carroll estão Picasso,
Salvador
Dalí, Luis Buñuel, Louis Aragon, Antonin
Artaud, Max
Ernst, Marcel Duchamp, Maria Martins, Dorothea Tanning, Man Ray, Georges Bataille e outros. No período da Segunda Guerra, e mais ainda no pós-guerra, novas recriações e citações sobre Alice iriam se multiplicar para além dos círculos do surrealismo e do dadaísmo (veja também “Semióticas – Arte entre guerras” e “Semióticas – Arte segundo Duchamp”).
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Alice surrealista: acima, Alice Liddell fotografada aos 19 anos, em 1872, por Julia Margaret Cameron; "Alicia, retrato de una niña", pintura de 1919 de Joan Miró; e "Alice au pays des marveilles", pintura de 1945 de Rene Magritte.
Abaixo, o cartaz original do lançamento em 1951 do filme de Walt Disney, que teve uma importante participação não creditada de Salvador Dalí; e "Lluvia de lágrimas", uma das 12 ilustrações que Salvador Dalí fez em 1969 baseado em "Alice no país das maravilhas", sendo uma ilustração para cada capítulo. Alice é mostrada no detalhe da menina pulando corda, um motivo que aparece com muita frequência na obra de Dalí desde a década de 1930, como em Paisagem com garota ignorando corda, pintura em óleo sobre tela de 1936
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A sedução de Alice sobre a primeira geração dos surrealistas também passou pelas telas do cinema. Desde os primeiros tempos do cinema mudo, foram várias versões para o livro de Lewis Carroll. Os filmes, seus personagens e as situações oníricas que eles experimentam ficaram marcados no imaginário coletivo e tiveram impacto sobre artistas e escritores. A primeira versão para o cinema, em 1903, teve direção de Cecil M. Hepwoeth, com 12 minutos de duração e figurinos fieis às ilustrações que John Tenniel fez para a primeira edição do livro. A segunda versão, que estreou em 1910, foi uma produção dos estúdios de Thomas Edison. Com roteiro e direção de Edwin S. Porter, teve 15 minutos de duração e truques de magia no estilo do francês Georges Méliès.
A terceira versão, de 1915, com roteiro e direção de W. W. Young, tem uma hora de duração, em uma época em que os filmes raramente ultrapassavam 15 minutos., também com truques cênicos ao estilo de Méliès e com todo o elenco de atores usando máscaras, à exceção de Alice (Viola Savoy). Uma nova versão de Alice, a quarta desde o filme de 1903, foi realizada por Walt Disney e marca sua primeira investida no mundo do cinema, depois do sucesso com as tirinhas de jornais e as revistas em quadrinhos. "Alice", série de três curtas-metragens, foi lançada em 1923, com a pequena Alice (Virginia Davis) visitando os estúdios Disney em Hollywood (e não no País das Maravilhas) e contracenando com cenários e personagens de desenhos animados.
Truques e uso de máscaras
A quinta versão, lançada em 1928, foi um média-metragem, "Alice através do espelho", com direção de Walter Lang e 40 minutos de duração, sem legendas e sem os tradicionais quadros de textos do cinema mudo. Depois vieram as primeiras versões do cinema sonoro: a primeira, de 1931, com 55 minutos, teve direção de Bud Pollard, com Ruth Gilbert no papel de Alice; a segunda, de 1933, foi mais ambiciosa e macabra, em superprodução da Paramount Pictures, com roteiro de Joseph L. Mankiewicz, direção de Norman Z. McLeod e grande elenco de astros e estrelas, entre eles Gary Cooper, Cary Grant, Edna May Oliver, Charlotte Henry (no papel de Alice) e Edward Everett Horton. McLeod reproduz os melhores truques das versões anteriores e inclui sequências de stop-motion e de desenhos animados produzidas pelos estúdios de Max Fleischer, que na época estava transpondo de forma pioneira para o cinema personagens muito populares das histórias em quadrinhos como Betty Boop e Popeye.
O sucesso do filme de McLeod levou Walt Disney a adiar por duas décadas sua versão em longa-metragem, que somente seria lançada em 1951, no formato de animação em Technicolor, com uma luxuosa colaboração não creditada de Salvador Dalí. O longa produzido por Disney ainda enfrentaria problemas com a censura e um forte concorrente para exibição no mercado europeu: "Alice au pays des merveilles", superprodução em cores de França e Reino Unido, lançada em 1949 com direção de Dallas Bower e surpreendentes efeitos visuais, com Alice (Carol Marsh) e os atores contracenando com bonecos em animação stop-motion e com desenhos animados, em versão muito fiel ao "nonsense", ao humor e às sátiras sobre personalidades históricas da época em que o livro foi publicado.
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Alice surrealista: no alto, a versão para o cinema lançada em 1903, com Alice perseguida pelo exército de cartas do baralho. Acima, duas cenas do filme de 1915, com a atriz Viola Savoy.
Abaixo, Alice na versão de 1933, que foi a segunda do cinema sonoro; e o cartaz original da Alice de 1949
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As
aproximações entre a Alice de Carroll e os surrealistas vão muito além
das fronteiras do movimento originário da França, como comprova um marco historiográfico: no primeiro
estudo publicado sobre o surrealismo na Inglaterra, em 1935, o
historiador da arte David Gascoyne destacou que a arte surrealista
nasceu de uma matriz inglesa pela literatura de Lewis Carroll. Dois
anos depois, em 1937, uma exposição de vanguarda no Museu de Arte
Moderna de Nova York celebrava obras-primas da arte no universo do
fantástico, do dada e do surreal, incluindo dois desenhos originais
de Lewis Carroll, o Gryphon e a Mock Turtle (a tartaruga falsa). Trata-se de uma homenagem ao criador de "Alice" e também é uma grande ironia descobrir que, na
primeira exposição sobre os precursores do surrealismo, a arte de Lewis Carroll, que se considerava um desenhista apenas amador e limitado, tenha surgido ao lado de mestres aclamados
pela tradição como
Pieter
Bruegel, Johann Fuseli e William Blake.
Palavras com imagens
A
literatura e Lewis Carroll e sua arte como ilustrador e fotógrafo
também aparecem reverenciadas em
publicações que são consideradas como bíblias pela primeira
geração surrealista, como
destaca Georges Didi-Huberman em “A semelhança informe” (Editora
Contraponto, 2015), tais
como a
revista “Documents” (que teve 15 números, com edição de
Georges Bataille, entre 1929 e 1930) e
a revista “L’Usage de la Parole” – que na edição de
dezembro de 1939 apresentou
em destaque três
poemas de Carroll, publicados lado a lado com outros fragmentos de
prosa e poesia escritos por expoentes
das vanguardas como Gaston
Bachelard, Paul Éluard
e Marcel Duchamp, entre outros, como se o autor de “Alice no país
das maravilhas” fosse, de fato, um dos militantes do surrealismo, e
como se sua obra fosse uma sátira produzida em meados do século 20
sobre uma sociedade controlada por convenções inúteis e impostas
pelas classes dominantes.
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Alice surrealista: acima, The old maids, pintura de 1947 de Leonora Carrington, com Alice representada na figura alta vestindo azul, à esquerda; e retratos de Alice em duas serigrafias de 1970 de Peter Blake.
Abaixo, Lewis Carroll em autorretrato de 1857 e o Coelho Branco na versão desenhada por Ralph Steadman para uma série de serigrafias sobre Alice criada em 1967. Desde a década de 1960, a expressão "perseguindo o Coelho Branco" passou a ser uma espécie de código usado para descrever o uso de drogas alucinógenas, fazendo de Alice uma garota propaganda involuntária para os hábitos da geração hippie e da cultura psicodélica |
Lewis
Carroll também surge em destaque ao lado de mestres como Sigmund
Freud, Marquês de Sade, Lautreamont, Rimbaud e Mallarmé em uma
edição especial de “VVV”, a revista que foi uma obra de referência do
surrealismo e teve circulação em Nova York com
quatro números publicados entre
1942 e 1944.
O
entusiasmo com as recriações e referências à Alice de Carroll na
arte e na literatura surrealista
permaneceram
nas décadas seguintes, com novos tributos e releituras pelas obras de Max Ernst, Dorothea Tanning, Leonora Carrington, Joan
Miró, Marc Chagall, René Magritte, Duchamp e Dalí, entre muitos outros, prosseguindo
com uma diversidade de artistas de outros estilos e áreas diversas até a
atualidade, passando da
estética, das
artes plásticas
e
da
forma literária tradicional para as questões comportamentais e
semióticas, multimídia, antropológicas,
sociológicas,
diversionais
e políticas.
Tradição
e ruptura
Em
1951, há um importante destaque para o tema "Alice" com o lançamento da animação de Walt Disney em
cinemas do mundo inteiro, o que trouxe novo impulso para a
popularização da literatura de Lewis Carroll e para as aventuras da personagem. Resultado de uma
polêmica parceria não-creditada entre Disney e Salvador Dalí (veja
mais em “Semióticas – Alice volta ao futuro”), o filme de
Disney recebeu elogios e críticas, ganhando novos sentidos a partir
da década seguinte, quando entram em cena os
movimentos da
contracultura e o uso diversional de alucinógenos, acrescentando
novas camadas de sentido às experiências que Carroll apresentava
nas descobertas de Alice em seu mundo
imaginário.
Alice
ganhou cores psicodélicas, passou
a ser sinônimo de viagens alucinantes
e embalou sucessos de estrelas do rock e da música pop, incluindo
“White Rabbit”, do Jefferson Airplane, e “I’am the Walrus”,
dos Beatles, entre muitos outros. Um
observador atento até poderia supor que Alice se
tornou uma
avó para a geração hippie.
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Alice surrealista: acima, reprodução do manuscrito original de Lewis Carroll e Cheshire Cat, pôster de 1967 de Joseph McHugh; o selo da gravadora britânica Charisma, que estampava nos discos de vinil o Chapeleiro Louco e outros personagens de Alice e que lançou, entre 1969 e 1983, grandes sucessos do rock e do pop, entre eles Genesis, Malcom MacLaren, The Alan Parsons Project e outros; e uma imagem da série "Alícia", versão de 2010 de Xavier Collette.
Abaixo: 1) uma das versões de Alice criadas em 2019 por Alex Prancher em fotografias e filmagens nas ruas de Los Angeles; 2) "Alice" na versão de Yayoi Kusama, a artista plástica mais célebre do Japão, que ilustrou uma edição recente do livro pela Penguin Classics; 3) "Alice" na versão fotografada debaixo d'água em 2014 pela russa Elena Kalis e lançada como fotolivro, com sua filha Alexandra como modelo; 4) a versão "hype" criada por Tim Walker para o Calendário Pìrelli 2018; 5) a soprano Zenaida Yanowsky como Rainha de Copas na montagem de 2011 para Aventuras de Alice no país das maravilhas pelo The Royal Ballet de Londres com direção de Johan Persson e figurinos de Bob Crowley; e 6) modelo de abertura da coleção primavera verão de 2015 criada por Vivienne Westwood em homenagem às aventuras de Alice
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As
citações e referências aos paradoxos, aos
trocadilhos
e aos
jogos
de linguagem de Alice também conquistaram um campo fértil em uma diversidade de estudos teóricos em áreas variadas, com destaque para referências
importantes em obras
como “As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas” (1966), de Michel Foucault; “A lógica do sentido”
(1969), de Gilles Deleuze; e “Nonsense: aspectos da
intertextualidade no folclore e na literatura” (1979), de Susan
Stewart. Tudo isso e mais uma infinidade de teses acadêmicas e de abordagens científicas que tentam interpretar a obra literária de Lewis
Carroll em suas confluências com a infância, com a pedagogia, com a
psicologia, com as questões sociológicas e ideológicas mais
plurais e polissêmicas.
Os
investimentos em recriações e citações sobre as aventuras de
Alice, que
tiveram um capítulo central
com a primeira geração dos surrealistas,
prosseguem
a
pleno vapor na
atualidade, com novos filmes, novas versões em diversas mídias,
novas edições e novas adaptações da obra original que vão da versão estilizada criada por Yayoi Kusama, a artista plástica mais célebre do Japão, à inspiração declarada e várias citações na saga de cinema "Matrix", da dupla Lana e Lilly Wachowski, a coleções de alta costura das grifes mais célebre dos mundo da moda e até uma versão brasileira, "Alice dos Anjos", com Alice enfrentando um coronel tirano no sertão nordestino. Tudo
indica que Alice e a literatura de Carroll seguirão sua viagem de
descobertas em direção ao futuro próximo e distante – um percurso por certo
imaginado pelo autor, que não por acaso registrou
em imagens fotográficas, ainda nos primórdios da fotografia, os capítulos de uma
incrível viagem existencial: a evolução biográfica, da primeira
infância ao começo da idade adulta, dos quatro aos 18 anos, de Alice Pleasance Liddell, sua
principal musa
inspiradora.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. Alice surrealista. In: Blog
Semióticas,
19 de outubro de 2022. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2022/10/alice-surrealista.html
(acessado em .../.../…).
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Alice surrealista: acima, "Down the rabbit hole" (Caindo no buraco do coelho), gravura em técnica mista de Kristjana Williams. Abaixo, cenas de "Alice", filme de 1988 de Jan Švankmajer; uma versão de Alice que se passa no sertão do Nordeste brasileiro, "Alice dos Anjos", com roteiro e direção de Daniel Leite Almeida, com Alice enfrentando um coronel tirano; e a montagem de "Wonder.land", espetáculo musical para público adulto do Royal National Theater de Londres, em 2015, escrito por Moira Buffini, com direção de Rufus Norris, música de Daman Albarn e cenografia de Rae Smith |