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5 de dezembro de 2014

Lina da Casa de Vidro





Arquitetura é, sempre, a vontade

de uma época traduzida em espaço.


Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969).  





Italiana de nascimento e brasileira por escolha a partir de 1946, Achillina Bo, mais conhecida como Lina Bo Bardi (Roma, 1914 – São Paulo, 1992), que exatamente hoje completaria 100 anos, recebeu recentemente uma homenagem de peso na mídia internacional especializada nos circuitos de arte e arquitetura: o suíço Hans Ulrich Obrist surpreendeu a todos quando, em entrevista à revista britânica “Art Review”, destacou a importância e a superioridade da arquitetura do Brasil no cenário internacional. Como se não bastasse, Obrist deixou de lado a obra monumental de Oscar Niemeyer e elegeu a Casa de Vidro de Lina Bo Bardi – onde a arquiteta viveu como o marido, Pietro Maria Bardi, por mais de 40 anos, em São Paulo – como seu projeto preferido da arquitetura brasileira.

A surpresa com a avaliação do especialista suíço sobre Lina Bo Bardi e sobre a arquitetura do Brasil ganhou maiores proporções porque Obrist é o que se pode chamar de autoridade: diretor de projetos internacionais da cultuada galeria Serpentine, em Londres, ele foi apontado, em pesquisa feita com dezenas de especialistas pela mesma revista "Art Review", a mais conceituada “bíblia” da arte e da arquitetura contemporâneas, como a personalidade mais influente das artes plásticas em nossa época. Obrist também ostenta um currículo invejável, com nada menos que 200 exposições realizadas, além de 30 livros publicados, entre eles "Uma breve história da curadoria" (lançamento no Brasil pela Editora BEI Comunicação, 2010), e “Entrevistas Brasileiras”, uma série de livros em cinco volumes, com expoentes da arte brasileira, lançada em 2009 pela Editora Cobogó.










 




O casal Lina Bo Bardi e Pietro Maria
Bardi na Casa de Vidromarco da
arquitetura brasileira, criação de
Lina Bo Bardi e residência do casal
durante mais de 40 anos.

Abaixo, o casal Pietro e Lina em 1950;
Lina fotografada em São Paulo, no mesmo
ano; Lina em 1960, em Salvador, com
pintor cearense Antônio Bandeira,
convidado por ela para expor na
inauguração do Museu de Arte
Moderna da Bahia; e com Glauber
Rocha (abaixado) e equipe técnica de
Deus e o Diabo na Terra do Sol,
durante as filmagens em Canudos, no
sertão da Bahia, fotografados em 1963













Se Oscar Niemeyer costuma monopolizar as atenções quando se fala de arquitetura brasileira, por que um especialista como Obrist escolheu Lina Bo Bardi? "Converso com artistas de vários países todos os dias e muitos me falam de Lina. Existe uma real obsessão em torno dela, o que não é nada surpreendente. Ela tem tudo a ver com o que há de mais interessante na cultura brasileira da segunda metade do século 20 e também com a maior parte dos projetos que venho desenvolvendo", explicou Obrist, na entrevista polêmica concedida à “Art Review” (para acessar a entrevista, clique aqui).



Achillina Bo



Lina Bo Bardi tornou-se uma presença incontornável da arte e da arquitetura do Brasil na segunda metade do século 20. Foi uma liderança capital nos rumos isolados e coletivos de diversos segmentos da cultura brasileira, a partir da década de 1950, exercendo influência central na segunda geração do Modernismo no Brasil e em artistas fundamentais de várias áreas, muito além da arquitetura e do design, como Glauber Rocha, Caetano Veloso, Zé Celso Martinez Corrêa e Hélio Oiticica, entre muitos outros nomes de referência do Concretismo, do teatro, do Cinema Novo e do Tropicalismo – apesar de, para a maioria dos leigos, sempre ter sido ofuscada pelo trabalho e pela presença de Niemeyer, outro gigante incontestável da arquitetura. 


 














Depois de deixar para trás a Itália arrasada pela Segunda Guerra, Lina passou a construir sua bagagem de referência sobre um entendimento muito particular do Brasil e da cultura brasileira em geral, a partir da arquitetura, entre interfaces do erudito e o popular – em estruturas planejadas sobre figuras geométricas básicas (como quadrados e triângulos), em lajes planas e em materiais de simplicidade rústica para complementos e revestimentos, tais como madeira, cerâmica, sapé.

O destaque de Obrist e outros especialistas, do Brasil e do cenário internacional, sobre o papel capital de Lina Bo Bardi, na verdade não surpreende, porque vem da importância incomparável das obras que ela produziu não só na arquitetura, mas também em atividades múltiplas. Além de profissional da arquitetura, Lina assumiu um papel de destaque na política e na cultura brasileira desde que aqui chegou com o marido, em 1946, e teve presença marcante como professora, como museóloga, como pesquisadora da cultura popular, como artista plástica e em criações e parcerias para o teatro, o cinema, as artes gráficas e o design, especialmente nos projetos para mobiliário.







Acima, Lina Bo Bardi em 1984,
fotografada por Niels Andreas.
Abaixo, Lina na década de 1960,
nas obras de construção do prédio
do MASP, em São Paulo, um dos seus
célebres projetos em arquitetura, e
uma vista aérea atual do edifício















 

Também merece destaque, na trajetória ímpar de Lina Bo Bardi, sua atuação como mentora de projetos culturais, sua dedicação à orientação de trabalhos e à curadoria de diversas exposições. Não menos importante foi sua contribuição como editora de “Habitat”, uma revista que circulou durante uma década, a partir de 1950, abordando desde as artes populares até a arquitetura, com ênfase em questões de inovação no ambiente sociocultural brasileiro.



Criações, intervenções, restaurações



Na arquitetura, Lina Bo Bardi é sempre lembrada pela criação do Museu de Arte de São Paulo, em 1958, considerada por muitos sua obra-prima. Mas não só: no acervo das obras da arquiteta também se destacam mais de 20 projetos grandiosos e visionários de criação ou intervenção em edificações como a Casa de Cultura de Pernambuco (1963), em Recife; a Igreja do Espírito Santo do Cerrado (1976), em Uberlândia, Minas Gerais; o Solar do Unhão, transformado por ela no começo da década de 1960 em Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador; o Teatro Oficina e o SESC Pompeia, ambos em São Paulo, em 1990, além de outros projetos inconclusos, entre eles o Palácio das Indústrias de São Paulo e o Teatro Politeama, em Jundiaí (SP). 











Algumas obras da arquiteta Lina Bo Bardi:
acima, o Segundo Subsolo e o Vão Livre
do MASP, na Avenida Paulista, em
São Paulo, e o Solar do Unhão, em
Salvador, restaurado e transformado
no Museu de Arte Moderna da Bahia
(MAM-BA), em projeto coordenado em
1963 por Lina Bo Bardi, que foi a primeira
diretora do museu na Bahia. Abaixo,
Lina fotografada na obra para instalação
do MAM-BA; Lina a bordo da Bowl Chair,
cadeira que ela criou em 1951; e fotografada
na década de 1950 por Chico Albuquerque.

Também abaixo: 1) Lina em reunião com
Zé Celso Martinez Corrêa, na época da
reformulação do prédio do Teatro Oficina, na
década de 1980; 2) o croqui para o teatro
e o prédio do Sesc Pompeia, em São Paulo,
criado por Lina em 1986 e destacado com
frequência pelos compêndios de arquitetura
entre os melhores edifícios de concreto do
mundo; 3) o interior revolucionário do
Teatro Oficina, também em São Paulo;
4) um croqui criado para um dos
projetos da arquiteta














Além da obra-prima consolidada na criação do MASP, um dos projetos centrais na trajetória de Lina Bo Bardi é o Instituto Pietro Maria Bardi, também conhecido como Casa de Vidro – um conjunto com uma base horizontal de concreto suspensa por tubos e revestido de vidro. Projetada em 1950 por Lina para ser a residência do casal, a Casa de Vidro abriga hoje parte da coleção de arte particular adquirida ao longo dos anos por Lina Bo e o marido, Pietro Maria Bardi (1900-1999). Lina e Pietro casaram-se em 1946 e, em seguida, trocaram a Itália pelo Brasil. Em 1951, adotaram a nacionalidade brasileira.

Logo que chegaram ao Brasil, em recepções, no Rio de Janeiro, Lina e Pietro conheceram personalidades como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx e Assis Chateaubriand, de quem Pietro receberia o convite para fundar e dirigir um museu de arte. Do convite surgiu o projeto arquitetônico de Lina que abrigaria o MASP, o museu mais importante da América Latina. A primeira sede foi instalada em 1947, na rua Sete de Abril. Uma nova edificação começou a ser planejada por Lina em 1958 – mas a construção demoraria 10 anos para ser concluída e foi inaugurada oficialmente pela Rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, em 1968.





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Entre tantos projetos e áreas de atuação, Lina Bo Bardi também sonhava em desenhar casas populares – mas os planos foram definitivamente adiados por questões de conjuntura política, para além da vontade da arquiteta. Entre outros projetos e utopias que nunca saíram do papel também estão a sede para um museu do Instituto Butantan e uma “floresta tropical” que seria criada sob os viadutos no Vale do Anhangabaú, no Centro de São Paulo.

"Eu tenho projetado algumas casas, mas só para pessoas que eu conheço. Tenho horror em projetar casas para madames”, ela confessa, em um dos textos reunidos em “Lina por escrito”, livro organizado por Silvana Rubino e Marina Grinover e publicado pela editora Cosac Naigy em 2008. "Entre madames, sempre entra aquela conversa insípida em torno da discussão de como vão ser as cortinas...", confidenciava, entre a ironia e as lembranças autobiográficas mais realistas. O mundo sonhado e construído por Lina Bo Bardi tinha outra dimensão e outras prioridades para uma realidade concreta.



por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Lina da Casa de Vidro. In: Blog Semióticas, 5 de dezembro de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/12/lina-da-casa-de-vidro.html (acessado em .../.../...).















Obras da arquiteta Lina Bo Bardi:
acima, dois croquis: o primeiro foi feito
para o bar do SESC Pompeia; o segundo,
para o projeto de reforma do Teatro Oficina
(obra que se arrastou por 14 anos até ser
finalizada em 1994). Abaixo, projeto para o
Vão Livre do MASP e Lina na
Casa de Vidro, fotografada em 1952













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