Mostrando postagens com marcador roma. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador roma. Mostrar todas as postagens

20 de janeiro de 2020

Memórias de Fellini







O artista autêntico e verdadeiro é aquele 
que
consegue revelar o grão de verdade 
escondido no fundo de cada mentira. 
–– Italo Calvino (1923-1985).    



Quem ama o cinema sempre confessa amor incondicional por Federico Fellini e seus filmes – por todos ou por alguns, sejam eles “Amarcord” (1973), “La Dolce Vita” (1960), “Noites de Cabiria” (1957), Estrada da Vida” (1954), “Fellini Oito e Meio” (1963) ou qualquer outro das duas dúzias de obras-primas que ele realizou, muitos deles inseparáveis da música de Nino Rota ou das melhores performances de Marcello Mastroianni, de Giulietta Masina, de Anita Ekberg e de outros artistas que se tornariam interfaces do adjetivo “felliniano”. Exatamente hoje, dia 20 de janeiro de 2020, Fellini completa seu centenário de nascimento – ou, dito por palavras, mais fiéis ao espírito de sonhos, poesia, memórias e realismo que pontuaram sua filmografia especialíssima: eu me recordo que em 20 de janeiro de 1920, na pequena cidade italiana de Rimini, situada entre dois rios, às margens do Mar Adriático, nasceu Federico, filho da dona de casa Ida Barbiani e do caixeiro-viajante Urbano Fellini.

Eu não poderia ser diferente do que sou. Se há alguma coisa que sei, é isso”, declara o cineasta na abertura de “Eu, Fellini”, livro da norte-americana Charlotte Chandler que reúne depoimentos do próprio Fellini e de dezenas de amigos, gente de cinema e outros cineastas, da Itália e de outros países. Chandler, também biógrafa de Groucho Marx, Billy Wilder, Alfred Hitchcock, Bette Davis, Marlene Dietrich e Ingrid Bergman, entre outros, começou as entrevistas com Fellini em 1980 e prosseguiu pelos anos seguintes, mas o livro com o relato autobiográfico terminou como publicação póstuma, em 1994, com prefácio de Billy Wilder, lançado no Brasil em 1995 pela Editora Record. Alimentando-se dos frutos das lembranças e da imaginação barroca de sua terra natal, Fellini falou ao mundo com seus filmes e segue influenciando artistas do cinema e de outras áreas. Sua biografia, ou autobiografia, também está descrita em muitas passagens que filmou, nos roteiros que escreveu, nos livros que publicou e nas suas saborosas entrevistas, iguarias do conhecimento de todo cinéfilo.

Federico também cultivou a fama de mentiroso, mas talvez sua verve esteja mais próxima da fantasia do que propriamente da mentira. Cada um vive em seu mundo de fantasias, mas isso não está claro para a maioria dos homens, ele diz, no primeiro depoimento a Charlotte Chandler. Na apresentação ao livro, ela concorda e destaca que a figura mais importante de todos os filmes de Fellini poucas vezes aparecia pessoalmente, mas estava sempre presente  era o próprio Fellini. “Ele foi o verdadeiro protagonista de todos os seus filmes, destaca a biógrafa. Quem assistiu a seus filmes percebe este detalhe, da maior importância, registrado nas passagens sobre as descobertas de infância e adolescência na província, as temporadas no colégio religioso de padres salesianos, os dramas condimentados com o trágico e o cômico da família e dos amigos, o horror pelo avanço sempre ameaçador do fascismo, a aventura de fugir de casa com um circo, a compaixão pelas figuras mais pobres e desamparadas, o talento para desenhar e pintar cenários e caricaturas, a fascinação por mulheres de seios enormes, de quadris enormes, de olhos e bocas enormes – a imagem materna metamorfoseada na figura feminina que também é mãe mártir, mãe Roma, mãe loba, mãe pátria, mãe igreja, mãe que acolhe e seduz.












Memórias de Fellini: no alto da página, caricatura
do cineasta em autorretrato. Acima, o diretor em
ação em ilustração com a dupla de La Dolce Vita,
Anita Ekberg e Marcello Mastroianni, e sua esposa
da vida inteira, Giulietta Masina, na caracterização
de Gelsomina, personagem de Estrada da Vida;

em outro autorretrato, pintado na década de 1980;
e a capa original do relato autobiográfico Eu, Fellini.

Abaixo, 
Fellini em cena do documentário filmado
em Roma, em 1991 e 1992, pelo canadense
Damian Pettigrew, lançado nos cinemas em 2003
com o título Eu Sou um Grande Mentiroso
(Sono un Gran Bugiardo). Também abaixo,

Fellini com o maestro Nino Rota em 1979,
durante as filmagens de Ensaio de Orquestra;
e a cena do cinema no autobiográfico Amarcord












Forma poética e emotiva



Prosseguindo no roteiro biográfico que ele iria reconstruir de forma poética e emotiva no cinema, Federico, após fugir de casa, aos 19 anos, terminou fazendo uma parada estratégica na cidade de Florença, onde conseguiu emprego como revisor de gráfica e como desenhista. Também trabalhou vendendo bijuterias e ganhou algum dinheiro escrevendo textos de humor para jornais e revistas antes de, finalmente, decidir pela mudança para Roma, em 1939, em plena efervescência da Segunda Guerra Mundial, com a cidade agitada e no auge da violência do fascismo comandado pela ditadura totalitária que teve à frente Benito Mussolini e que, naquele ano, havia firmado com Japão e Alemanha a Aliança Militar do Eixo.

Em Roma, em meio à censura fascista, em meio ao caos e às dificuldades de toda ordem decorrentes da guerra, Federico vai trabalhar no rádio, estreando como redator e roteirista de radionovelas, e também publica seus primeiros artigos em revistas na época muito populares, a Marc'Aurelio”, de humor e sátiras, e a CineMagazzino”, que trazia reportagens e entrevistas sobre filmes e estrelas de cinema. Os artigos e entrevistas o levam a conhecer roteiristas como Cesare Zavattini e artistas como Aldo Fabrizi, que seriam seus contatos profissionais para as primeiras experiências como colaborador nos estúdios de cinema da Cinecittà, a Hollywood da Itália, inaugurada por Mussolini em 1937. Em 1942, há um encontro da maior importância: Federico conhece a candidata a atriz Giulietta Masina, a partir dali sua musa na arte e na vida, sua primeira e única esposa até os últimos dias, em 1993, quando ele morreu de ataque cardíaco, aos 73 anos, um dia após completar 50 anos de casamento. Giulietta sofreu muito com a perda e viveu pouco tempo sem ele. Morreria seis meses depois, em 1994, também aos 73 anos.










Memórias de Fellini: acima, o maestro e sua
musa e esposa, Giulietta Masina, em temporada
de férias em Veneza, em 1955; e em 1974
em Rimini, terra natal de Fellini, durante as
filmagens de Amarcord. Abaixo, Fellini e Giulietta
durante as filmagens de Estrada da Vida. Também
abaixo, cena de Satyricon, versão de Fellini para
um clássico da literatura da Roma Antiga, escrito
no século 1° depois de Cristo por Petrônio











Na mesma época em que encontrou sua Giulietta, Federico também conheceu um cineasta ainda sem prestígio e sem sucesso cuja amizade e influência mudariam para sempre sua trajetória. O cineasta, a quem sempre chamaria de “mestre” e que o conduziu no ofício de fazer filmes, era Roberto Rossellini. Ainda durante a ocupação alemã, Rosselini ficaria interessado em filmar um roteiro original de Fellini em locações reais pelas ruas, com câmera em movimento e com atores amadores. O filme seria “Roma, Cidade Aberta”, precursor do neorrealismo italiano e dos novos cinemas de vanguarda no mundo inteiro (incluindo o Cinema Novo no Brasil e a Nouvelle Vague na França), sucesso internacional desde seu lançamento ao final da guerra, em 1945 – uma obra-prima que consagrou Rossellini e também Anna Magnani, veterana que havia estreado no tempo do cinema mudo e que sob o roteiro de Fellini e sob a batuta do mestre Rossellini alcançou pleno reconhecimento como grande atriz.



Estranho e familiar



O que vem a seguir é a criação de um conjunto de filmes que firmaram posição entre as obras-primas do cinema e as grandes obras de arte do último século, cambiantes entre um imaginário muito pessoal, tanto sublime como bizarro, e o amor declarado pelas formas da cultura mais popular do circo, do teatro de variedades, das histórias em quadrinhos, das fotonovelas. O fato de Fellini ter começado desenhando caricaturas talvez seja uma pista importante para entender seu gosto por personagens em gestos orgulhosos e situações irônicas, quase sempre risíveis e delicadas, exuberantes e também grotescas. Muitos já escreveram sobre seus filmes, seu imaginário, seu exagero em figuras delirantes, seu gosto pela sátira, pela paródia, sua religiosidade iconoclasta, mas a poética de Fellini prossegue como enigma e deleite – a natureza secreta de algo estranho que parece familiar, como descreve Sigmund Freud naquele célebre estudo publicado no início do século 20.
















Memórias de Fellini: no alto, em Veneza, 1955,
com Valentina Cortese e Giulietta Masina. Acima,

com Anna Magnani em 1970, durante as filmagens de
Roma; com o amigo e colaborador Pier Paolo Pasolini
nas ruas de Roma, em 1961; e com Marcello Mastroianni,
Anouk Aimée e Pasolini durante as filmagens de
La Dolce Vita. Abaixo, em 1962
com Mastroianni;
com seu alter-ego Bruno Zanin
em 1973, durante
as filmagens de Amarcord; em cena como ator 
e
roteirista de Il Miracolo, um dos episódios de L'Amore,

filme de 1948 de Roberto Rossellini, contracenando de
cabelo e barba pintados de louro ao lado de Anna Magnani;
e no abraço com Lina Wertmüller, sua assistente de direção
e co-roteirista em La Dolce Vita e em Oito e Meio




  












Diante de um filme de Fellini, a maioria dos críticos concorda, o mais difícil é descrever uma sinopse, porque na imensa maioria dos casos o enredo é menos importante do que a forma e os detalhes de compaixão com os quais se conta aquela história. Um exercício comparativo interessante seria, talvez, tentar entender o que há do estilo “felliniano” nos comerciais de publicidade que ele fez para a TV ou nos roteiros e argumentos para filmes que ele escreveu e não filmou – alguns transformados em programas de rádio ou de TV, ou em filmes realizados por outros diretores: por Rossellini, por Osvaldo Valenti, por Mario Mattoli, por Riccardo Freda, por Pietro Germi, por Eduardo De Fellipo, por Mario Monicelli.

Alguns de seus roteiros não filmados também tiveram destino incomum e ganharam adaptações para o formato de histórias em quadrinhos  como é o caso das versões eróticas feitas por seu amigo Milo Manara nos álbuns “Viaggio a Tulum” (1986) e “Il viaggio di G. Mastorna, detto Fernet” (1992), este último um projeto para cinema acalentado e adiado durante anos, que chegou a ter o título provisório de “La Dolce Morte”. Contam os biógrafos que em 1966, durante o trabalho intensivo para a pré-produção do filme que jamais seria realizado, Fellini experimentou uma sequência insólita de pesadelos e acabou sofrendo um ataque cardíaco. Supersticioso, interpretou que de fato morreria se prosseguisse com o projeto.








Memórias de Fellini: acima e abaixo, as versões
em álbuns de histórias em quadrinhos criadas por
Milo Manara (foto abaixo, com Fellini) para roteiros
que foram escritos pelo cineasta e que chegaram
à fase de pré-produção, mas não foram filmados.
Também abaixo, a capa da primeira edição de
2013, em inglês, do roteiro completo para o filme
não realizado mais famoso do cinema italiano,
A jornada de G. Mastorna, escrito por Fellini
em colaboração com Dino Buzzatti,
Brunello Rondi e Bernardino Zapponi













Estreia com Giulietta



A estreia como cineasta, em 1950, foi com Giulietta Masina no elenco do melodrama sobre uma trupe de saltimbancos que apresenta seu pequeno show de variedades de cidade em cidade, “Mulheres e Luzes” (Luci del Varietá), em co-direção com Alberto Lattuada, com quem também divide a autoria do roteiro original. Depois Fellini iria dirigir “Abismo de um Sonho” (Lo Sceicco Bianco), baseado em uma fotonovela de Michelangelo Antonioni, contando a história de um casal ingênuo que se perde em Roma durante a lua de mel. A primeira palavra que ouvimos no filme é “Roma”, pronunciada na janela de um trem, próxima a seu destino. A palavra e a cidade seriam uma constante na maioria dos filmes de sua trajetória, incluindo a mescla de ficção e documentário batizada como “Roma” e lançada nos cinemas em 1972, retrato nostálgico e anárquico, tão original como peculiar, sobre a cidade e suas principais características, reunindo um mosaico de dimensões imprevisíveis sobre rituais e representações sociais.

Entre as exceções que não têm Roma como cenário estão a paródia poética de documentários “Os Palhaços” (I Clows), com o curioso título que reúne as palavras em italiano (“I”) e em inglês (Clows), filmada na França e no interior da Itália, lançada nos cinemas em 1970, e o enredo ilusionista de falso documentário “E La Nave Va” (1983), com seus personagens emblemáticos a bordo do luxuoso navio rumo ao funeral de uma lendária cantora de ópera. Outro filme conduzido fora de Roma, durante as viagens do protagonista, é “Il Casanova di Fellini” (1976), ambientado nos vários países da Europa por onde o escritor libertino Giacomo Casanova viveu suas aventuras na segunda metade do século 18. Há ainda, como exceção, “Os Boas Vidas” (I Vitelloni), de 1953, em que Roma não é o cenário, mas surge como o destino almejado entre os jovens amigos que vivem seus grandes sonhos e pequenos dramas em um lugarejo do interior.





Memórias de Fellini: acima e abaixo, durante
as filmagens de Otto e Mezzo (Fellini Oito e meio),
em fotografias de Tazio Secchiaroli. Também abaixo,
na pré-estreia de La Dolce Vita em Roma,
com Anita Ekberg e Marcello Mastroianni;
com Michelangelo Antonioni em 1960, passeando
em Cannes, antes da premiação em que Fellini
recebeu a Palma de Ouro por La Dolce Vita
e Antonioni o Prêmio do Júri por L'Avventura;
e com Roberto Rossellini na noite de
premiação em Cannes para La Dolce Vita














A Cidade Eterna, como dizem com orgulho os italianos, que Fellini adotou como sua a partir de 1940, também é cenário para os episódios que ele escreveu e dirigiu para os três filmes de realização coletiva em sua trajetória, três episódios de curta duração que em nada saem do tom poético autobiográfico e autoral de sua filmografia. São eles “Agência Matrimonial” (em “Amores na Cidade”, de 1953, com episódios de Fellini, Carlo Lizanni, Dino Risi, Michelangelo Antonioni, Alberto Lattuada, Francesco Maselli e Cesare Zavattini), “As tentações do Doutor Antônio” (em “Boccaccio ‘70”, de 1962, com episódios de Fellini, Mario Monicelli, Luchino Visconti e Vittorio De Sica) e “Toby Dammit” (em “Histórias Extraordinárias”, de 1968, adaptação de contos de Edgar Allan Poe, com o título em italiano “Tre Passi nel Delirio” e episódios de Fellini, Roger Vadim e Louis Malle).



Evocação comovente e irônica



Outras exceções em que Roma está ausente são “Estrada da Vida” (La Strada), de 1954, primeiro grande sucesso de Fellini, com sua trama que acompanha as andanças mambembes de Gelsomina (Giulietta Masina), vendida pela mãe para o brutamontes Zampanó (Anthony Quinn), um artista de circo grosseiro e violento que vive em uma carroça viajando e se apresentando de vilarejo em vilarejo; e “Amarcord” – título em referência à expressão fonética usada no dialeto da sua terra-natal, a m' arcord (eu me recordo), uma evocação memorialista, tão comovente como irônica, da infância e da adolescência de alegrias e tristezas passadas com a família na pequena Rimini, filme em que reminiscências nostálgicas da história social, da educação escolar e da política da década de 1930, época da terrível ascensão do fascismo na Itália, se misturam à potência da imaginação onírica e encantam narrador e plateia.






Memórias de Fellini: acima e abaixo, durante
as filmagens de Satyricon, fotografado por
Mary Ellen Mark. Abaixo, Fellini
e Giulietta Masina com o produtor
Dino De Laurentiis comemorando sua
premiação no Oscar por Estrada da Vida
,
em 1957, na primeira vez que foi entregue
o Oscar de Filme Estrangeiro e que foi,
também, o primeiro Oscar do cinema
italiano. Também abaixo, nas três
imagens coloridas, flagrantes de Fellini
em ação durante as filmagens de Roma









Em várias entrevistas, Fellini contou que em 1939, quando avisou que iria para Roma, sua mãe pediu e insistiu que ele fizesse os exames para estudar direito na universidade. Ele fez a fazer a matrícula, mas nunca chegou a nenhum curso, nunca teve nenhum diploma universitário nem frequentou nenhuma escola de formação em cinema. A técnica e os procedimentos narrativos do cinema ele aprendeu na prática, assistindo filmes e espetáculos de variedades e prestando serviços nos estúdios da Cinecittà. Quando houve a deposição de Mussolini e teve fim a ocupação alemã em Roma, Fellini teve a iniciativa de abrir uma pequena loja chamada Funny Face Shop, onde caricaturas podiam ser produzidas em dez minutos. Entre os clientes estavam soldados das tropas norte-americanas e dos Aliados que chegaram com as batalhas violentas da guerra e que precisavam de algo para enviar para casa. Um dia, Roberto Rossellini decidiu visitar a Funny Face e a amizade com Fellini começou.

Seguindo orientações do “maestro” Rossellini, Fellini providenciou os ajustes nos roteiros sobre os cenários de guerra que escreveu para “Roma, Cidade Aberta” (pelo qual chegaria a ser indicado ao Oscar de melhor roteiro em 1947, junto com Sergio Amidei e outros, em co-autoria), para “Paisá” (1946) e para um dos episódios de “O Amor (L'Amore, de 1948), “Il Miracolo” (o outro episódio é A voz humana, baseado no monólogo teatral de Jean Cocteau). Em “Il Miracolo”, Fellini também foi o ator principal, com cabelos e barba pintados de louro, no papel de um vigarista confundido com São José por uma mulher ingênua e muito religiosa vivida por Anna Magnani. A quarta e última parceria com Rossellini foi o roteiro de Fellini para “Francisco, o Arauto de Deus” (Francesco, Giullare di Dio), filme de 1950 sobre São Francisco de Assis.






A prova dos nove para o cineasta viria também em 1950 com a estreia na direção, em parceria com Lattuada, para quem Fellini havia escrito os roteiros de “Il delitto di Giovanni Episcopo” (1947), “Senza Pietà” (1948) e “Il Mulino del Po” (1949). A partir dali viveria, finalmente, do cinema e para o cinema, com grandes sucessos e pequenos fracassos de público e crítica e uma lista extensa de premiações e de homenagens, incluindo os prêmios mais importantes nos grandes festivais internacionais e a posição de recordista no Oscar como diretor de quatro filmes vencedores na categoria de melhor filme estrangeiro (Estrada da VidaNoites de Cabíria“Fellini Oito e Meio”, Amarcord), além de outras 12 indicações, dos prêmios de melhor figurino (para Casanova e para “Fellini Oito e Meio”) e do Oscar honorário que receberia em 1993. A dedicação em tempo integral ao cinema nunca foi interrompida e ele continuaria na pré-produção de outros projetos depois de “A Voz da Lua”, seu último filme, lançado em 1990, com sua atmosfera de sonho e fantasia, três anos antes de sua morte. Definitivamente, não é pouco.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Memórias de Fellini. In: Blog Semióticas, 20 de janeiro de 2020. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2020/01/memorias-de-fellini.html (acessado em .../.../...).



Para comprar o catálogo ilustrado  Tutto Fellini (IMS / SESC),   clique aqui.






Para comprar o livro  A arte da visão, de Federico Fellini,  clique aqui.






Para comprar o livro de Federico Fellini  Fazer um filme,   clique aqui.





Para comprar o livro  Conflito e interpretação em Fellini,   clique aqui.










Veja também: Semióticas – Cahiers du Cinéma


Veja tambéSemióticas – Pandora


Veja tamSemióticas – Kubrick no metrô


Veja taSemióticas – Revoluções de Orson Welles


Veja Semióticas – Woody Allen leitor de Machado






31 de julho de 2016

A retrospectiva de Banksy












Sinal dos tempos: as obras do misterioso grafiteiro Banksy, do qual ninguém conhece a verdadeira identidade, saíram das ruas e agora ganham destaque em leilões internacionais e retrospectivas nos grandes museus da Europa. Duas das maiores mostras já realizadas reunindo centenas de obras originais de Banksy estão abertas ao público em museus do Reino Unido e da Itália e, a partir de setembro, seguirão para outros países. O prestígio de Banksy no mercado internacional de arte ficou mais do que comprovado quando a tradicional casa de leilões Sotheby's, de Londres, reuniu pela primeira vez 70 peças originais do artista em junho de 2014, entre obras famosas e outras menos conhecidas, e todas foram vendidas por preços de até 840 mil dólares, ou mais de 3 milhões de reais. Uma das peças mais disputadas de Banksy foi o quadro "Vandalised Oil (Choppers)", comprado pelo cantor inglês Robbie Williams.

Os valores que as obras de Banksy têm alcançado são cada vez mais altos, mas como as vendas são realizadas sempre à revelia do artista, estes valores nem sempre são divulgados. Um dos recordes para uma única peça original de Banksy foi alcançado em um leilão em Nova York, em 2008, quando uma obra de Damien Hirst que sofreu uma intervenção de Banksy foi vendida por 970 mil libras, ou aproximadamente 5 milhões de reais. Além das principais casas de leilões de Nova York e da Sotheby's de Londres, museus mais tradicionais e importantes galerias de arte já haviam exibido antes uma ou outra obra do grafiteiro, mas agora centenas de obras originais do artista estão reunidas itinerantes em grandes exposições (veja os links para visitas virtuais no final deste artigo). 

No Reino Unido, a mostra foi aberta no museu municipal de Bristol, cidade que se supõe ser a terra natal de Banksy – já que lá suas primeiras obras surgiram grafitadas no final da década de 1980. Todas as instalações do prédio do museu, que abriga em seu acervo peças valiosas que vão de múmias egípcias a obras-primas de mestres da História da Arte de vários países, ficaram fechadas durante semanas para que Banksy, em pessoa e em total anonimato, pudesse preparar a exposição em parceria com Kate Brindley, diretora do Bristol City Museum. Na mostra estão obras inéditas, produzidas por Banksy especialmente para o evento, incluindo novos grafites, esculturas e instalações completas, e uma seleção dos trabalhos mais conhecidos do artista.










Banksy no Museu: a partir do alto e abaixo,
grafites originais de Banksy reunidos na exposição
Guerra, Capitalismo e Liberdade em cartaz
no Palácio Cipolla, no centro de Roma. Também
abaixo, o quadro "Vandalised Oil (Choppers",
comprado pelo cantor Robbie Williams em um
leilão da Casa Sotheby's de Londres. Todas as
obras da mostra vêm de coleções particulares


 














Em Roma, a exposição retrospectiva da arte de rua de Banksy está aberta no luxuoso Palácio Cipolla, principal espaço do Museo Fondazione Roma, destacado no roteiro de galerias de arte e museus porque possui no acervo de exposição permanente obras-primas de mestres da arte na Europa como Rembrandt, Van Gogh e Velázquez, entre outros. Com três módulos temáticos intitulados “Guerra”, “Capitalismo” e “Liberdade”, estão reunidas no Palácio Cipolla um total de 177 obras originais, todas muito conhecidas do público que acompanha o trabalho do misterioso artista, entre elas os grafites que mostram a menina com um balão em forma de coração e aquele com um manifestante encapuzado lançando em protesto um ramo de flores.



Corajoso, didático, provocador



As duas maiores retrospectivas já reunidas sobre a arte de Banksy foram saudadas como grande acontecimento pela imprensa internacional – com o contraponto de que a exposição na Inglaterra foi organizada por Banksy ele mesmo, enquanto a retrospectiva do museu na Itália não teve nem participação do artista nem sua autorização oficial. Todas as obras da exposição em Roma pertencem a coleções particulares e todas vêm das ruas de Londres, incluindo grafites, estêncils com tinta aerosol, pinturas em óleo sobre tela, placas de metal e madeira, serigrafias em materiais diversos, objetos e esculturas – tudo com certificado de autenticidade em documentos expedidos pelo Pest Control, autoridade de limpeza urbana e controle sanitário da capital britânica que desde a década de 1990 remove das ruas e também autentica obras de Banksy.










Banksy no Museu: acima, grafites
de Banksy reunidos em Roma no 
Palácio Cipolla e o cartaz original
ilustrado pela célebre imagem do
grafiteiro encapuzado. Abaixo, o
beijo do casal anônimo diante do
grafite Tank, na exposição em Roma,
e dois grafites originais de Banksy que
foram removidos das ruas e depois
reproduzidos em serigrafias leiloadas
pela Sotheby's de Londres



















Em Roma, os curadores do Palácio Cipolla, Stefano Antonelli, Francesca Mezzano e Acoris Andipa, anunciam na apresentação da mostra e em entrevistas que Banksy representa hoje o que há de mais corajoso, mais político e mais provocador na arte do novo século – elogios que seriam impensáveis ou que poderiam soar como sacrilégio na década de 1990, quando a Street Art em geral e a arte de Banksy em particular soavam como contravenção e não como destaque ou expressão legítima, celebrada e muito valorizada, da Arte Contemporânea.

Em entrevista ao jornal “Corriere della Sera”, o curador Stefano Antonelli também elogia as qualidades “didáticas” das obras de Banksy e a simplicidade apenas aparente de suas mensagens que conseguem provocar a consciência e o senso crítico de todos os públicos. Segundo Antonelli, Banksy traz sempre, em cada obra, um alerta que nos faz pensar e lembrar que a guerra é algo muito errado, que o capitalismo sem regras tem provocado grandes desastres e que a liberdade nem sempre é respeitada como queríamos ou havíamos imaginado.










Banksy no Museu: acima e abaixo,
as obras originais reunidas no Bristol
City Museum, Inglaterra, em exposição
que foi coordenada pelo próprio Banksy.
Também abaixo, a pedra que Banksy fixou
na parede do British Museum durante uma
exposição de Arte Rupestre. Somente dias
depois a peça foi descoberta pelos funcionários.
Agora, o museu decidiu apresentar a peça de
Banksy em exposição permanente.

Na última imagem abaixo, um dos primeiros
grafites de Banksy nas ruas de Bristol, que surgiu
no final da década de 1980. Na placa que
o macaco segura está a mensagem:

"Pode rir agora, mas um dia estaremos no comando"






















Grafite & ação política



Elevado à condição de celebridade internacional e contraditoriamente conseguindo manter sua verdadeira identidade em segredo guardado a sete chaves, na melhor tradição dos super-heróis, Banksy permanece em ação com sua ousadia imprevisível. Na abertura da exposição do Bristol City Museum, foi entrevistado por telefone pela BBC pela primeira vez e fez ironias sobre sua nova condição de artista muito valorizado no mercado e disputado por grandes museus e imponentes galerias de arte.

Sobre a exposição que ele mesmo organizou em Bristol, Banksy declarou na entrevista à BBC: “Estou feliz porque esta é a primeira vez em Bristol que não estou sendo procurado e processado por vandalismo. Também é a primeira vez que o dinheiro dos impostos que os contribuintes pagam está sendo usado para patrocinar a exibição de minhas imagens e não para raspá-las das paredes.”



















Na mesma semana da abertura da exposição no museu municipal de Bristol, no começo de junho, crianças, funcionários e pais de alunos de uma escola primária da cidade ganharam um presente de Banksy. O novo grafite – intrigante e, como sempre, “incendiário” – surgiu no muro da escola pública Bridge Farm em agradecimento depois que os alunos decidiram dar o nome do misterioso artista a um dos pavilhões. Banksy não para. As causas, e o tema dos grafites de Banksy, sempre envolvem arte e política, mesmo se às vezes a mensagem política não é de fácil percepção pela maioria, à primeira vista. É o caso da série de murais que ele criou em Londres e em Los Angeles, em 2014, sobre o tema da "guerra às drogas", uma batalha de governos de vários países que provoca muita violência e poucos resultados. 



A causa dos refugiados



Há, também, os empreendimentos de fôlego que vão além dos grafites, como ocorreu em Londres, em agosto de 2015, quando Banksy inaugurou um parque temático grandioso e chocante chamado “Dismaland”, uma sátira à Disneylândia e, segundo ele mesmo avisou, “inadequado para crianças”. Foi um sucesso completo de público, com lotação esgotada em todos os horários, mas em dezembro Banksy surpreendeu de novo: retirou todas as suas obras do parque e transformou o espaço em abrigo para refugiados.

Ao mesmo tempo em que transformava “Dismaland” em abrigo para refugiados e moradores de rua, Banksy criou mais dois grafites políticos para denunciar a situação caótica do maior campo de segregação de refugiados na Europa, situado na cidade de Calais, no noroeste da França – que reúne mais de 4 mil pessoas vindas de países como Síria, Iraque, Afeganistão e Marrocos, todos à espera da oportunidade de cruzar o Canal da Mancha para entrar no Reino Unido. Em um grafite em Calais, Banksy mostra uma imagem do fundador da Apple, Steve Jobs, morto em 2011, carregando nas costas uma sacola de plástico preto e, nas mãos, um computador original da Apple. A referência é direta: Jobs é filho de um imigrante sírio que fugiu para os EUA depois da Segunda Guerra Mundial. 














Atualidades de Banksy: acima, grafite
do artista no muro da escola em Bristol,
em agradecimento à homenagem que
recebeu dos alunos; e uma das instalações
do parque Dismaland, uma sátira de
Banksy ao "mundo cor-de-rosa" e falso
da Disneylândia. Abaixo, a causa dos
refugiados na referência a Steve Jobs,
que era filho de imigrantes da Síria;
a menina de Os Miseráveis, com a
bandeira da França ao fundo, a chorar
com o gás lacrimogêneo; e um grafite
em Londres, de 2014, com o tema de
enfrentamento à repressão policial
que se convencionou chamar
de "guerra às drogas".

Também abaixo, um grafite em tom
marxista de convocação pela
união dos trabalhadores do mundo
inteiro, na exposição em Bristol; e a
fachada principal do museu na Inglaterra














 
Um outro grafite recente de Banksy, criado no começo de 2016, também faz referência aos milhares de refugiados em Calais: numa parede de esquina, a poucos metros da Embaixada da França em Londres, a imagem grafitada evoca o romance de Victor Hugo, “Os Miseráveis”, um clássico da Literatura Universal que denuncia a miséria na conturbada França depois da revolução de 1789. Banksy inspirou-se na menina do cartaz de um musical de sucesso, baseado em “Os Miseráveis”, e desenhou a criança a chorar, sob uma nuvem de gás lacrimogêneo, com a bandeira francesa no fundo.

Ao lado do grafite, um código que podia ser lido por smartphones conduzia a um vídeo do YouTube, intitulado “Os assaltos policiais na selva de Calais, 5 e 6 de janeiro”. O vídeo, que permanece no YouTube (ver aqui), mostra a violência de ações policiais das autoridade francesas contra o campo de refugiados no início de 2016 – quando os milhares de refugiados, abrigados em condições sofríveis, são atacados durante a noite com bombas de gás, canhões de água e balas de borracha. O grafite de Banksy foi imediatamente coberto com tapumes de madeira pelas autoridades de Londres.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. A retrospectiva de Banksy. In: Blog Semióticas, 31 de julho de 2016. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2016/07/a-retrospectiva-de-banksy.html (acessado em .../.../...).



Para visitar o site oficial de Banksy,  clique aqui.
















Outras páginas de Semióticas