O WikiLeaks até parece mentira,
mas é tudo verdade.
(Alan
Rusbridger, editor-chefe
do
jornal inglês The Guardian)
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A
primeira vez que ouvi falar do jornalista e hacker australiano Julian
Assange, principal editor e porta-voz do site WikiLeaks, foi em 2010,
quando ele se tornou um personagem em destaque na mídia
internacional. À primeira vista, fiquei interessado na trama sobre
aquele jornalista que parecia saído de um filme de ficção
científica, mas também tive dúvidas sobre a caracterização
principal do personagem: tratava-se de um herói, um salvador dos fracos e dos oprimidos da era da Internet, ou de mais um vilão, um chantagista fantasiado de ciberterrorista?
As
dúvidas sobre aquele personagem, e as notícias vagas e sempre
distorcidas reproduzidas na imprensa do Brasil, me levaram a outras
leituras e a procurar nas fontes mais variadas da Internet alguns vídeos e entrevistas com ele e sobre
ele. De todas as versões sobre a história de Julian Assange, uma
das melhores e mais completas que encontrei está na série de
reportagens produzida pela equipe do jornal britânico “The
Guardian” e agora reunida no livro lançado no Brasil pela Verus, uma das editoras do grupo Record: “WikiLeaks: A Guerra de Julian
Assange Contra os Segredos de Estado".
Na
trajetória descrita pelos repórteres e editores do "The
Guardian", o WikiLeaks ganha importância desde as primeiras
publicações e, a cada ano, vai marcando sua trajetória com
revelações sobre assuntos polêmicos sobre as grandes questões
da política internacional. O ápice da repercussão sobre os
"vazamentos" acontece depois da divulgação de um extenso
dossiê com documentos secretos e relatórios internos do Exército
dos Estados Unidos, denunciando a tortura de prisioneiros e a morte
de milhares de civis nas guerras do Afeganistão e do Iraque. É a
publicação mais bombástica do site, mas o livro-reportagem também
enumera outros escândalos decorrentes da infinidade de informes
diplomáticos confidenciais que envolvem autoridades de vários
países, inclusive do Brasil.
Uma série de telegramas oficiais da diplomacia dos EUA, revelados pelo WikiLeaks a partir de fevereiro de 2009 e nos meses seguintes, revelaram o passo a passo das ações do governo norte-americano para impedir, dificultar e sabotar o desenvolvimento tecnológico brasileiro em áreas estratégicas como petróleo, energia nuclear e tecnologia espacial. Em todos os telegramas publicados pelo WikiLeaks as autoridades dos EUA anunciam que têm apoio irrestrito da grande imprensa brasileira, citando nomes de colunistas conhecidos e de jornais, revistas e emissoras de TV. Os telegramas também escancaram as funções de aliado e colaborador dos EUA para vários políticos, entre eles, em destaque, dois notórios nomes do PSDB: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seu então ministro José Serra (veja aqui os telegramas oficiais divulgados pelo WikiLeaks).
Uma das revelações explosivas do WikiLeaks sobre o Brasil atingiu em cheio, na época, o pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. Um telegrama do Consulado Norte-Americano no Brasil, enviado a Washington e datado de 2 de dezembro de 2009, publicado pelo WikiLeaks em 2010, revelava que as autoridades dos EUA e as petroleiras estrangeiras estavam muito preocupadas com a lei da partilha do Pré-Sal, que determinava a Petrobras na condição de operadora única das reservas.
Porém,
segundo o mesmo telegrama, as autoridades dos EUA contavam com o
compromisso firmado por José Serra e por outros políticos,
além de empresários ligados à Fiesp (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo) para reverter a situação e
quebrar o monopólio da Petrobras no processo, permitindo que a
Chevron e outras multinacionais da indústria do petróleo pudessem
tomar posse das reservas brasileiras. As informações reveladas pelo
WikiLeaks ganharam destaque na imprensa do mundo inteiro, mas a
mídia do Brasil fez um silêncio absoluto sobre o assunto (veja aqui os links com denúncias do WikiLeaks sobre a Petrobras e contra José Serra).
Lançado
no Brasil pelo selo Verus/Record no auge do Caso WikiLeaks, com a
prisão de Julian Assange e o início do processo de julgamento, o
livro da equipe sob o comando de Leigh e Harding foi sucesso
imediato, disparando nas listas de mais vendidos. O lançamento
de “WikiLeaks: A Guerra de Julian Assange Contra os Segredos
de Estado" mereceu um tratamento incomum no mercado
editorial nacional: o livro chegou às livrarias simultaneamente nos
Estados Unidos, em diversos países da Europa e também no Brasil.
Catapultado,
em muito pouco tempo, da obscura vida em Nairobi, centro cultural e
econômico do Quênia, na África – onde
divulgava informações com as quais ninguém se importava muito – ao
posto de inimigo público número 1 de algumas das principais
autoridades internacionais, Julian Assange surge no livro produzido
pela equipe do "The Guardian" como o protagonista do
escândalo – um James Bond às avessas que atinge o
coração das operações militares e da política estrangeira de
Estados Unidos e Europa.
Percalços do site explosivo
A
conclusão de David Leigh (atual editor investigativo do
"The Guardian") e Luke Harding (correspondente do
jornal em Moscou) alcança as origens do projeto e os percalços de
Julian Assange e seu site explosivo até fevereiro de 2011, quando o
livro-reportagem é concluído e enquanto Assange ainda aguarda
julgamento pelos tribunais de justiça da Suécia, acusado de ter
feito sexo sem preservativo com duas mulheres.
"O
WikiLeaks parece mentira, mas é tudo verdade", destaca Alan
Rusbridger, editor do "The Guardian", na apresentação ao
livro, questionando o absurdo do processo na Suécia e a perseguição
implacável ao hacker de cabelo platinado que, em determinado
momento, para sobreviver à perseguição implacável, precisou se
esconder da C.I.A. e da Interpol na casa de David Leigh.
Sobre
a personalidade e as reais intenções de Julian Assange não há
consenso, nem no livro, nem fora dele. Considerado por alguns como um
paladino da justiça, uma espécie de super-herói ou Messias das
novas mídias – e para outros um ciberterrorista perigoso –
Julian Assange recebe um tratamento isento e equilibrado no relato
jornalístico assinado por Leigh e Harding, mesmo quando as
investigações da equipe de repórteres questiona algumas
informações ou ações do WikiLeaks.
A
cada capítulo, Leigh e Harding vão montando a trama e revelando
segredos sobre o surgimento do site, as fontes de Assange e as
circunstâncias do vazamento dos documentos ultra-sigilosos, além de
analisar as questões geopolíticas em decorrência do impacto das
revelações que agradaram a alguns e levaram pânico a muitos outros
chefes de Estado. Mais do que contar em detalhes a trajetória do
WikiLeaks, a reportagem tenta desvendar a enigmática figura de
Assange e sua decisão de publicar os documentos ultra-secretos –
decisão de consequências explosivas que o tornaram um Inimigo
Público frente aos governos dos Estados Unidos e vários outros
países.
É tudo verdade
"A despeito das ironias e ambiguidades de sua causa e da natureza problemática de sua personalidade, o próprio Julian Assange parece ter conquistado uma ampla base mundial de fãs", conclui o relato assinado por David Leigh e Luke Harding sobre o WikiLeaks. O capítulo final, "Balada da Prisão de Wandsworth", abre com uma epígrafe emblemática de Oscar Wilde ("Eu caminhava, com outras almas em sofrimento").
"Se alienígenas aterrissassem sua nave espacial do lado de fora do edifício, poderiam muito bem supor que um dos santos de Deus estava prestes a ascender", ironizam os autores de “WikiLeaks: A Guerra de Julian Assange Contra os Segredos de Estado", referindo-se à mobilização popular iniciada em dezembro de 2010, em frente à corte em que o hacker estava sendo julgado por "crimes sexuais".
Messias da Internet ou Ciberterrorista?
"Na
Austrália, sua terra natal, e em toda parte, ele é considerado por
muitos um herói, alguém cuja guerra contra os segredos de Estado
criou algo genuinamente novo e excitante", completam os autores.
Messias da Internet ou um Ciberterrorista? Inocente ou culpado na lista mirabolante de acusações divulgadas pelos governos dos EUA e outros países alinhados? Defensor da liberdade de
informação ou criminoso sexual?
O
livro lança questões importantes, mas não enfatiza nenhuma
resposta – até porque, alertam os autores, é certo que muitos novos capítulos virão sobre o
caso Julian Assange e suas relações internacionais, sujeito a
reviravoltas imprevisíveis envolvendo as maiores autoridades de
vários países, as que estão no poder e as que estiveram no poder,
de Barack Obama e Hillary Clinton a Sarkozy, passando pela Família
Real britânica, por Vladimir Putin, Berlusconi e Kadafi, entre
muitos outros: todos personagens de escândalos denunciados e
comprovados em milhares de documentos confidenciais e explosivos que deixaram de
ser secretos graças aos percalços de Julian Assange.
O
relato de David Leigh e Luke Harding termina apresentando um apêndice
de dezenas de telegramas diplomáticos e com a descrição de Assange
como personagem de capa da edição internacional da revista "Rolling
Stone", na qual ele surge sem camisa e com a seguinte legenda,
que remete ao clássico do rock criado por David Bowie no início dos
anos 1970 e também ao filme de ficção científica de mesmo título,
com Bowie no papel de protagonista, que chegou aos cinemas em 1976,
com direção de Nicolas Roeg:
"O
homem que caiu (da Web) na Terra – um vilão platinado
que ameaça os poderosos do planeta, passando-se por um cyberpunk",
afirma a capa da edição internacional "Rolling Stone"
(não confundir com a bizarra versão nacional da
revista, francamente medíocre, equivocada e vendida
a interesses políticos de extrema direita). O destaque na
capa da "Rolling Stone" internacional é mais um sinal
inequívoco da popularidade e da grande veneração, na Internet
e no universo da cultura pop, pelo ativista que quebrou Segredos
de Estado e mudou as relações diplomáticas internacionais. Além
da “Rolling Stone”, muitas outras publicações internacionais
também elegeram Julian Assange como o "astro do rock do ano de
2010", ajudando a propagar sua história de celebridade mundial.
O homem que caiu na Terra
A
equipe de jornalistas premiados do "The Guardian", tendo à
frente David Leigh e Luke Harding, esteve no centro do drama que está
na conclusão do livro. Com sua aproximação ao trabalho diário de
Julian Assange no site WikiLeaks, a equipe e o próprio "The
Guardian" foram acusados de co-autores das denúncias que
envolveram a publicação de mais de 250 mil telegramas diplomáticos
secretos e arquivos confidenciais explosivos sobre as guerras do
Afeganistão e do Iraque.
O
livro descreve a gravidade das denúncias e também as questões
éticas envolvidas nas decisões de publicá-las. O resultado é uma
extensa investigação que provoca reflexões sobre as novidades da
cultura da Internet que tornaram possível a revelação das
informações mais sigilosas – como o genocídio das
execuções civis no Quênia em 2008 e os incontáveis telegramas
diplomáticos dos Estados Unidos – através do ousado trabalho da
equipe liderada por David Leigh e Luke Harding, mas também, e
especialmente, da coragem de Julian Assange e do grupo que compõe a
base do WikiLeaks.
O WikiLeaks vai mudar o mundo?
"WikiLeaks,
A Guerra de Julian Assange contra os Segredos de Estado",
assinado por David Leigh e Luke Harding em nome da equipe,
termina com uma análise sobre as implicações das revelações
sobre o mais polêmico e, para alguns, o mais revolucionário dos
sites de notícias – e sobre as circunstâncias que
conduziram à conclusão da reportagem, entre janeiro e
fevereiro de 2011. O resultado é um relato jornalístico de alto
nível que revela a natureza estranha e contraditória de Julian
Assange, um personagem da vida real que chegou a ser premiado pela
Anistia Internacional em 2009 e que, menos de um ano depois, seria
alvo de uma perseguição policial implacável envolvendo vários
países.
Como
em uma novela de suspense, o que move a trama e deflagra a
perseguição internacional, segundo jornais e revistas, é a
acusação pitoresca contra Assange, pela polícia sueca, sob a
alegação de crimes sexuais. O livro de David Leigh e Luke
Harding questiona esta acusação, apresenta novos documentos em
defesa de Assange e conclui com uma pergunta que soa quase como uma
profecia: o WikiLeaks vai mudar o mundo?
Na elaboração desta reportagem
sobre o livro de David Leigh e
Luke Harding e sobre o WikiLeaks,
publicada em um jornal de Belo
Horizonte, consultei jornalistas
com experiência em coberturas
internacionais e também professores
de Ciência Política e Direito
Internacional. Fiz a todos eles
a mesma pergunta: será que o
WikiLeaks vai mudar o Mundo?
Confira algumas respostas:
“Eu
não creditaria ao WikiLeaks toda essa importância.
Vazar
documentos oficiais com informações confidenciais
não
é sinônimo de levantar a bandeira da liberdade de imprensa.
O
exercício do jornalismo exige responsabilidade e bom senso".
(Ana
Paula Padrão, jornalista e apresentadora de TV)
"Não, o WikiLeaks não vai mudar o mundo. Quem muda o mundo
são
as pessoas, com suas utopias e demandas sociais. O WikiLeaks
serviu
como janela nas atividades mundanas dos diplomatas dos EUA,
muitas
vezes revelando que eles se baseiam em fontes mal informadas
ou,
ao emitir opiniões, o fazem com uma superficialidade de fazer
corar
o Barão do Rio Branco".
(Luiz
Carlos Azenha, repórter da Rede Record de Televisão)
"Se
o WikiLeaks vai mudar o mundo? Não sei... Pode
não
mudar o mundo, mas mudou a relação do poder com
a
opinião pública e acabou com a cortina de fumaça que
protegia
governantes em nome do interesse de estado.
O
WikiLeaks não provocou nenhuma tragédia,
mas
provocou uma verdadeira revolução".
(Zuenir
Ventura, jornalista e escritor)
"O
WikiLeaks transformará a percepção do grande público
sobre
a política internacional, pois evidenciará toda a
ambiguidade,
pragmatismo e subjetividade das ações
adotadas
nos bastidores da diplomacia mundial".
(Dahnny
Zahredinne, coordenador do Curso de
Relações
Internacionais da PUC Minas)
“O
WikiLeaks mexeu e ainda vai mexer muito mais
com
o
mundo. Mas não vai mudar o mundo. O resultado está aí.
Com
as denúncias assustadoras que o Assange vem publicando,
vamos
ter governos, instituições e todo mundo em geral com
mais
cuidado com seus e-mails e arquivos. Cada passo
de
um espião provoca um outro do anti-espião”.
(Lucas
Mendes, jornalista e âncora do programa
de
TV “Manhattan Connection”)"Antes os EUA perseguiam comunistas; hoje perseguem terroristas. E qualquer um pode ser o inimigo, basta alguém com poder suficiente implicar que deve ferrar com alguém. É um retrocesso absurdo na democracia e liberdade. Quanto a mim, não pretendo ganhar dinheiro com o WikiLeaks e a Internet. Pretendo é levar conhecimento às pessoas, para que elas entendam melhor o mundo em que vivem." (Julian Assange)
por José Antônio Orlando.
Como citar:
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Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. Admirável WikiLeaks. In: Blog
Semióticas,
22 de julho de 2011. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2011/07/admiravel-wikileaks.html
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