“Passei
toda a minha vida vendo esse filme, embora eu nunca o tenha assistido
até o final...” – tal frase, poética e nostálgica, adquire um valor
simbólico ainda maior quando associada à personalidade que a
escreveu: foi escrita em um dos diários autênticos de Marilyn Monroe e reproduzida na abertura dos capítulos iniciais de
“Blonde”, romance da norte-americana Joyce Carol Oates que tem
como personagem central ninguém menos que um dos maiores mitos do
século 20.
Ao
contrário, porém, do que pode pensar o leitor desavisado, não se
trata apenas de outra biografia sobre a trágica existência de uma das grandes estrelas que Hollywood produziu. “Blonde”, traduzido por Luís
Antônio Aguiar e publicado no Brasil em dois volumes pela editora
Globo, cada um com cerca de 500 páginas, acrescenta sutilezas de
alta literatura à extensa lista de livros sobre Marilyn Monroe, rivalizando com obra-primas como “Marilyn”, célebre romance de Norman Mailer que provocou escândalos quando foi publicado em 1973.
Subjetivo
e cruel nos juízos de valor sobre a obscenidade, os arroubos
histriônicos e as crises depressivas da estrela, o livro de Mailer,
não por acaso, aparece parafraseado em diversas passagens do romance
de Joyce Carol Oates. Só que com algumas diferenças pontuais, como
uma certa ternura que Oates deixa transparecer pela personagem, ao
contrário do distanciamento reforçado pelo relato em terceira
pessoa escrito por Norman Mailer.
Premiados
e aclamados como elite entre os escritores dos EUA, Norman Mailer e a autora
de “Blonde”, críticos ferrenhos do “american way of life”,
tornaram-se conhecidos por atuarem na fronteira entre ficção e
jornalismo e também dividiram as honras como candidatos permanentes
ao Nobel de Literatura. Mailer morreu sem o prêmio, mas Joyce Carol Oates permanece na disputa e é sempre lembrada às vésperas da premiação. Mas eles não são os únicos que têm Marilyn
como personagem de seus livros. Norman Mailer e Joyce Carol Oates são dois entre mais de uma centena de outros escritores que também investiram na história emblemática de Marilyn.
Só entre as edições brasileiras, há muitas biografias de MM dignas de atenção, entre elas as mais conhecidas são “Fragmentos – Poemas, anotações íntimas e cartas de Marilyn Monroe” (Tordesilhas), de Stanley Buchthal e Bernard Comment, com prefácio de Antonio Tabucchi; “Marilyn Monroe” (ed. L&PM), de Anne Plantagenet; “A Conspiração Marilyn” (ed. Imago), de Milo Speriglio, e “Marilyn, A única história não revelada” (ed. Nova Época), de Norman Rosten.
Só entre as edições brasileiras, há muitas biografias de MM dignas de atenção, entre elas as mais conhecidas são “Fragmentos – Poemas, anotações íntimas e cartas de Marilyn Monroe” (Tordesilhas), de Stanley Buchthal e Bernard Comment, com prefácio de Antonio Tabucchi; “Marilyn Monroe” (ed. L&PM), de Anne Plantagenet; “A Conspiração Marilyn” (ed. Imago), de Milo Speriglio, e “Marilyn, A única história não revelada” (ed. Nova Época), de Norman Rosten.
Desde
que morreu, na madrugada de 5 de agosto de 1962, em circunstâncias
mal esclarecidas, envolvendo o ex-presidente John Kennedy, seu irmão,
senador Bob Kennedy e outros figurões imponentes da política e do
cinema – Marilyn Monroe permanece no imaginário do público, no mundo
inteiro, e sobrevive como denominador comum nas fixações de Norman Mailer, de Joyce Carol Oates e de muitos outros escritores, repórteres e roteiristas.
Marilyn na praia, aos 19, fotografada por Andre De Dienes (acima e abaixo), quando ainda tinha os cabelos castanhos e usava o nome de batismo, Norma Jeane Mortenson |
Marilyn
está em todas, talvez mais ainda em evidência do que quando morreu,
há 50 anos. Foi a grande homenageada no último Festival de Cannes,
está e sempre esteve em todas as revistas e sites sobre moda e
cinema, ganhou exposições de fotos e retrospectivas nos mais
importantes museus e galerias do mundo – e teve ainda o tributo
adicional com o lançamento do belo “Sete Dias Com Marilyn” (“My
Week With Marilyn”), de Simon Curtis, com Michelle Williams no
papel-título, entre outros filmes e documentários. Em 1998, a revista Playboy fez uma votação com jornalistas de vários países para nomear as 100 estrelas mais sexy do século 20. Marilyn foi a primeira colocada, com distância das outras estrelas: em segundo lugar ficou Jayne Mansfield; Raquel Welch ficou em terceiro e Brigitte Bardot em quarto lugar.
Mas,
retornando à literatura, o que se pode esperar de um romance
sobre o mito Marilyn Monroe? Escândalos e revelações bombásticas,
traumas na infância, amantes secretos, drogas, pornografia,
sofrimento mental, abortos, tentativas de suicídio, ou uma reflexão
sobre a trajetória autobiográfica de um mito que morreu no auge da
fama e produziu momentos marcantes do cinema? “Blonde” traz doses
generosas de tudo isso. Com a novidade de construir entornos com habilidades de literatura erudita que humanizam personagens e situações
conhecidas e surpreendem o leitor mais atento, afirmando o talento de
Oates com as palavras.
Personagem
da cultura pop
A
arte de narrar – que para muitos está em vias de extinção, em
nossa época de vertigens virtuais e imagens que se repetem ao
infinito – Joyce Carol Oates demonstra já nas primeiras páginas
do romance, quando intercala reflexões e “fluxos de consciência”
à voz de Marilyn, em primeira pessoa, em meio a episódios e
personalidades marcantes em Hollywood e no jogo político do
Pós-Guerra.
Antes da fama: no alto, Marilyn fotografada por John Miehle em 1948. Acima e abaixo, a futura estrela na praia, em 1949, em fotografias de Andre De Dienes |
Tudo
está dito, às vezes escamoteado em um ou outro irritante pseudônimo
para os ex-maridos e para os amantes poderosos: o Teatrólogo (Arthur
Miller), o Príncipe Sombrio (Laurence Olivier), o Ex-Atleta (Joe
DiMaggio), o Cantor Que Chega com a Madrugada, o Repórter, o Solitário... Misturando textos escritos por Marilyn às
estratégias de ficção e de intertextualidade, Oates compõe, em
fragmentos, um discurso coerente em sua complexidade. “Blonde”
trafega por entre reminiscências da protagonista e referências
saborosas aos astros em grandeza variada.
Em
cena, os mais importantes diretores e roteiristas, além das
estrelinhas de ocasião e dos deslumbrados do mundo do cinema,
mexericos infernais de gente como Hedda Hopper e outros colunistas de
imprensa, perversões de alcova do chefão Darryl F. Zanuck e outros magnatas
dos estúdios de Hollywood e a relação destrutiva e sadomasoquista da estrela
principal com o ex-presidente Kennedy, peça-chave na hipótese de
homicídio, endossada por Oates no inusitado “depoimento póstumo”
que encerra o romance.
Longe
de pastiches de autoria duvidosa da era da internet e das invasões
de privacidade que identificam boa parte da indústria cultural da
atualidade, “Blonde” investe na recriação perfeccionista do
mito Marilyn Monroe. Inevitavelmente, reaviva polêmicas e tabus. Mas
não deixa de ser um livro inventivo, audacioso, que começa com um
esclarecimento da autora sobre os recursos literários e suas fontes
de pesquisa – um procedimento no mínimo honesto quando a questão
central é um minucioso relato biográfico destilado em ficção.
Nas entrevistas que concedeu à época do lançamento do romance, Joyce Carol Oates alertava que não devem ser procurados dados biográficos relativos a
Marilyn Monroe em “Blonde”, que não se propõe a ser um documento
histórico e sim um romance, uma obra de literatura que mistura realidade e ficção. Nas palavras de Oates: quem está à procura de nomes e
datas deveria ler as muitas biografias publicadas sobre MM. É como
se a autora – que foi saudada por outro mestre das letras, John
Updike, como “the dark lady of american letters” (a dama sombria das letras norte-americanas), por suas novelas,
ensaios e poemas sobre a violência do universo masculino, e também
como “a maior escritora norte-americana, homem ou mulher, desde
William Falkner”, pelo crítico Robert H. Fossum – depois de mais
de 70 livros publicados, de repente, decidisse professar em alto nível
o cânone principal do pós-modernismo.
“Blonde”
é o próprio romance pós-moderno, seguindo à risca toda a
caracterização estilística que o pós-modernismo adquiriu desde a
publicação do best-seller “O Nome da Rosa” por Umberto Eco, em
1980: ficção e História, entrelaçadas na mesma trama, com o
narrador envolto pela ambiguidade no jogo de paráfrases das mais eruditas e pela
tentativa de extrair a si próprio da ação narrada, em atitude
semelhante à do repórter que tenta ser imparcial apresentando seu
relato sobre um dilema de paixões extremadas, ou mesmo do
telespectador que assiste à realidade representada nos telejornais intercalada de
toda sorte de anúncios publicitários ilusionistas, alheio a tudo ao
seu redor, na tranquilidade do sofá da sala.
Da
Segunda Guerra à propagação da TV
Joyce
Carol Oates nasceu em 1938 e pertence à mesma geração de Marilyn.
Viveu as mesmas situações históricas e sociais que narra em
“Blonde”, da Segunda Guerra à propagação da TV, entre outros
percalços existenciais que também estão no calvário da garota
órfã que, de repente, foi elevada ao status de... Marilyn Monroe.
Cercada de referências para construir variantes literárias, Oates
tem subsídios em suas impressões pessoais de romancista e
professora (leciona literatura na Univesidade de Princeton, em New
Jersey, desde 1978), mas também em dossiês oficiais e leituras de
outros narradores – em muitos filmes, livros e reportagens
assinados pelos aventureiros que também estiveram, nas últimas
décadas, a observar os passos do mito Marilyn Monroe.
As
fontes de pesquisa anunciadas por Oates, algumas delas citadas em
transcrições livres nos fragmentos e capítulos do romance, vão
dos diários, cartas e poemas inéditos escritos por Marilyn às
biografias, entrevistas e textos filosóficos ou poéticos que a
atriz, sempre descrita como muito inteligente (ao contrário da loura
ingênua que incorporou em tantos filmes) por todos os que com ela
conviveram, tinha como referência: livros de H. G. Wells (“A
Máquina do Tempo”), Stanislavski (“A Preparação do Ator”),
Schopenhauer (“O Mundo como Vontade e Representação”), Sigmund
Freud (“O Mal-Estar na Civilização”), Blaise Pascal
(“Pensamentos”), mais Gustave Flaubert, Samuel Beckett, Joseph Conrad, Ernest Hemingway, Albert Camus, James Joyce e versos de Emily Dickinson, entre outros.
No
prólogo para “Blonde”, datado de 3 de agosto de 1962 e
intitulado “Entrega especial”, as palavras contornam expectativas
e estereótipos que acompanham MM no panteão da cultura pop. “Lá
vem a Morte, descendo em velocidade o Boulevard, mergulhada em pálida
luz sépia. A Morte torna a tocar a campainha pressionando por um
longo tempo. E, desta vez, a porta foi aberta. Das mãos da Morte,
aceitei o presente. Acho que sabia o que era. De quem vinha. Vendo o
nome e o endereço, ri e assinei sem hesitação”...
Infância adulterada
O
que vem a seguir, no primeiro volume de “Blonde”, em ordem
cronológica, é a transformação em objeto precoce do desejo
masculino contra a vontade da garota órfã, ingênua e sorridente,
de pele clara, que nasceu Norma Jeane Mortenson, em 1926. O nome foi
uma homenagem de Gladys Baker (mãe solteira que, depois de ter o bebê,
passou a sofrer de problemas mentais), às atrizes Norma Talmadge e
Jean Harlow.
Sem
Gladys, a garota sorridente passaria por vários orfanatos e lares
adotivos, até o primeiro casamento, aos 17 anos, e daí às aulas de
teatro antes de chegar às pontas em filmes em Hollywood. A explosão
iminente do sucesso reforça na jovem estrela a preocupação com a
qualidade, o que a levaria ao curso levado a sério no Actors Studio de
Lee Strasberg. Marilyn, já aclamada como grande estrela em Hollywood, mudou-se para Nova York, em 1955, para dedicar-se ao curso, na mesma época em que se aproximou de outros nomes em ascensão em Hollywood e que também estavam predestinados a se tornarem futuros
mitos do cinema – entre eles, James Dean, Marlon Brando, Montgomery Clift, Paul Newman. Brando seria seu amigo mais próximo e seu confidente até os últimos dias.
Acima e abaixo, Marilyn Monroe veste Dior,
em fotografias de Bert Stern, que também registrou em um extenso ensaio as últimas
fotos da atriz em estúdio, em julho de 1962
|
Joyce Carol Oates acompanha o passo a passo da trajetória de transformação de Norma
Jeane Mortenson em Marilyn Monroe, do corte e tintura nos cabelos aos testes de luz e maquiagem e daí à ascensão
aos melhores papéis em troca de favores sexuais. O segundo volume do
romance flagra a garota ingênua e sorridente em 1953, depois que
chefões de estúdio a elegeram, mudaram seu nome (Marilyn foi um
nome inventado na hora por Zanuck e Monroe era o sobrenome dos avós
maternos de Norma Jeane) e tingiram de louro muito claro seus cabelos castanhos.
Daí o “Blonde” do título.
É quando começa a escalada da fama
em Hollywood e nos quatro cantos do planeta – época que veio logo depois da célebre
sessão de fotos nua na cama de cetim dando origem à cultuada
primeira edição da Playboy e do sucesso conquistado, finalmente,
como cantora e protagonista em “Torrentes de Paixão” (“Niagara”,
1953), um filme de Henry Hathaway, diretor de prestígio entre os
chefões dos estúdios de cinema porque gerenciava sem problemas as atuações de astros e estrelas em filmes medianos que se tornavam sucessos de bilheteria.
Marilyn no Actors Studio de Lee
Strasberg,
em Nova York, fotografada por Elliot Erwitt, em 1956. Acima, Marilyn e o efeito que sua presença provocava em todos durante as sessões
de filmagem em Hollywood, em foto de Phil Stern. Abaixo, 1) Marilyn em sua última sessão de fotos, registrada por Allan Grant em julho de 1962; 2) Marilyn em foto de Elliot Erwitt nas filmagens da cena lendária em O Pecado Mora ao Lado
(The Seven Year Itch, 1955), de Billy Wilder; e 3) Marilyn com Billy Wilder durante as filmagens de Quanto mais quente melhor
|
Do anonimato mais completo para os
mais altos degraus da fama internacional, em apenas poucas semanas.
Junto com o sucesso inesperado e crescente, ecoam para Marilyn as
palavras do mestre Lee Strasberg, que não por acaso estão
transcritas na orelha do romance “Blonde”: “Você deve
construir mentalmente um círculo, um círculo de luz e atenção.
Não deve permitir que a sua concentração o ultrapasse. Se o seu
controle começar a perder força, deve recuar depressa para um
círculo menor”.
Strasberg e a experiência de
aprendizado no Actors Studio ajudam Marilyn a equilibrar o sucesso e
as armadilhas à espreita entre novas e infinitas propostas de
trabalho. Ela queria seguir com seriedade a carreira de atriz, queria
experimentar novas possibilidades no cinema e no teatro e começou a
ficar irritada com a reprodução quase obrigatória da mesma
personagem loura e ingênua que atiçava o imaginário sexual dos
homens e também das mulheres. Em junho de 1956, Marilyn ganhou um contrato milionário com a 20th Century Fox e aceita o pedido de casamento do escritor Arthur Miller, seu amigo e confidente há alguns anos. O casamento, que contrariou os executivos da Fox, durou de 1956 a 1961 e coincidiu com o período mais produtivo e mais estável da vida e da carreira de Marilyn.
É nessa época do casamento com Arthur Miller, três anos depois de
seu primeiro filme como protagonista, que ela toma a decisão radical
de se mudar definitivamente de Hollywood para Nova York. Continuou
seu contrato milionário com a Fox, continuava a se dedicar com toda
atenção às atuações em comédias e musicais, mas decidiu dar um
passo ousado que desagradou muito aos principais chefões da Fox e dos outros estúdios majoritários de
Hollywood: seguindo uma sugestão de seu professor no Actors Studio e principal mentor, Lee Strasberg, abriu sua própria
produtora, a Marilyn Monroe Productions, que poderia realizar os
filmes que ela própria escolhesse.
A Marilyn Monroe Productions teve
curta duração e não alcançou nenhum sucesso estrondoso, mas até
os críticos mais exigentes elogiaram alguns dos filmes que ela
produziu – entre eles “Nunca Fui Santa” (“Bus Stop”, 1956),
com direção de Joshua Logan, e “O Príncipe Encantado” (“The
Prince and the Showgirl”, 1957), dirigido e coestrelado por Sir
Laurence Olivier, filmes importantes para Marilyn mostrar seu talento
e versatilidade como atriz. Em 1959, acontece o auge de seu affair
com críticos de cinema do mundo inteiro: Marilyn canta, dança,
brilha e faz comédia em “Quanto Mais Quente Melhor” (“Some
Like It Hot”), de Billy Wilder, e tem seu trabalho reconhecido ao
vencer o Globo de Ouro de Melhor Atriz.
Marilyn Monroe em preto e branco
e em cores: no alto, em maio de 1957, fotografada por Richard Avedon;
acima, em dois registros feitos por Alfred Eisenstaedt em 1953. Abaixo, em fotografia de 1957 de Milton Greene |
A
imagem de Marilyn Monroe, figura das mais fotografadas e reproduzidas
em nossa época, também seduz os grandes fotógrafos do século
20. Pauta obrigatória em sua época para o cotidiano do
fotojornalismo, Marilyn foi personagem de portraits e ensaios
assinados por um batalhão de primeiro time que inclui, entre muitos
outros, Richard Avedon, Cecil Beaton, Henri Cartier-Bresson, Robert
Frank, Weegee, Gary Winogrand, Philippe Halsman, Milton Greene, Eve Arnold, Elliot Erwitt, Bert Stern, Phil Stern ou Tom
Kelley, o fotógrafo amador que registrou, em 1949, a célebre sessão de fotos na cama de cetim e que passou à condição de celebridade, anos depois, quando a garota chamada Norma Jeane foi transformada em Marilyn Monroe.
A garota recebeu apenas 50 dólares de Tom Kelley pelas poses eróticas em
1949. E o fotógrafo principiante teve certeza de que fez um bom negócio quando conseguiu vender toda
a série por mil dólares para a Western Lithograph Company. Porém, teve
de se contentar apenas com os créditos de autoria quando as
mesmas imagens trouxeram fama e fortuna para Hugh Hefner, em 1953.
Hábil negociante, Hefner aproveitou o nascimento da estrela Marilyn
Monroe e elegeu as fotos de Tom Kelley, à venda pela WLC,
para estamparem capa e páginas inteiras da primeira edição da revista “Playboy”, pioneira no mundo inteiro na exibição de
fotografias de mulheres nuas em poses sensuais e sem o rótulo de “pornografia”.
Três das fotografias favoritas de Marilyn:
com
uma rosa (por Cecil Beaton, 1956);
o
close-up capturado por Eve Arnold durante
as
filmagens de Os Desajustados (1961); e com
a
câmera, no estúdio de Bert Stern, em 1962.
Abaixo,
Marilyn fotografada em Miami, em
1959,
durante as filmagens sob a direção de
Billy
Wilder em Quanto mais quente melhor |
Muitos acreditam que as fotografias de Marilyn estejam entre as imagens mais reproduzidas em nossa época. É possível. Mas nesta extensa galeria é preciso destacar que ela própria fez anotações sobre algumas de suas fotografias favoritas: a pose colorida com sombrinha na praia (registrada por Andre De Dienes em 1949), a imagem em preto e branco com uma rosa (por Cecil Beaton, em 1956), o retrato de bailarina (por Milton Greene, 1956), o close-up pelas lentes de Eve Arnold durante as filmagens de "Os Desajustados" ("The Misfits", John Huston, 1961), os últimos portraits registrados por Richard Avedon, a imagem com a câmera no último ensaio em estúdio (por Bert Stern, 1962), a única imagem com Gladys Baker, em 1929.
Também é importante reconhecer que uma
sequência das mais populares e emblemáticas na galeria de retratos de Marilyn, por certo, são as gravuras de Andy Warhol, que
passariam do ateliê do artista para a impressão nos mais diversos
suportes e daí à história da arte. Warhol não tirou ele mesmo as
fotos: assim que a morte da estrela foi noticiada, em agosto de 1962, ele se apropriou
de uma imagem de 1953, de Frank Powolny, e passou a testar variações
cromáticas em silkscreen. As serigrafias de Marilyn sobre tela
produzidas por Warhol ainda hoje são impressionantes: transformam as
fotos publicitárias do rosto da estrela em um ícone quase
religioso, provocando reflexões sobre o efêmero e sobre o culto moderno ao consumo,
ao sexo, às celebridades.
Exposição
da série de serigrafias de Marilyn
criadas
por Andy Warhol, na Sotheby's. Abaixo, a estrela fotografada por Douglas Kirkland no célebre ensaio de 1958 In bed with Marilyn;
e as
capas originais das biografias publicadas por Norman
Mailer (com fotografias de Bert Stern) e
por Joyce Carol Oates. Também abaixo, imagem de
Marilyn cantando Happy Birthday para o presidente JFK,
no Madison Square Garden, em 29 de maio de 1962, e na festa de aniversário, depois da cerimônia oficial, com Robert F. Kennedy (à esquerda) e John F. Kennedy, fotografados por Cecil Stoughton. É uma das últimas imagens em público de Marilyn, que morreria três meses depois, em circunstâncias nunca esclarecidas. No
final da página, Marilyn na sua última cena filmada em estúdio,
no inacabado Something's Got to Give, que estava no início da produção, em agosto de 1962, com
roteiro e direção de George Cukor |
Contudo, se é inegável que Marilyn era extremamente fotogênica, também é preciso reconhecer: o mistério que emanava de sua presença e que a fazia tão magnética não vinha apenas de sua beleza. Ela não era simplesmente uma moça bonita que posava como modelo fotográfico: era uma atriz surpreendente, uma comediante como poucas e uma cantora tão carismática quanto os grandes nomes que chegaram ao panteão do jazz. O som e o ritmo de sua voz, a mobilidade expressiva de seu rosto, a maneira como falava e movimentava o corpo – dimensões que podiam ser capturadas apenas em filme – é o que construía e ainda constitui sua sedução.
Mesmo diante de protagonista tão espetacular, "Blonde”
tem fôlego e alcança, no suporte da literatura, a mesma dimensão transcendental
para o registro mundano que tanto Warhol, quanto alguns grandes fotógrafos e uns poucos diretores conseguiram registrar na presença de Marilyn, aliás Norma Jeane. Como era
de se esperar, as últimas páginas do romance de Joyce Carol Oates
descrevem os últimos dias da estrela.
A versão oficial da história
diz que ela cometeu suicídio aos 36 anos, ao ingerir alta
quantidade de barbitúricos, analgésicos e anfetaminas. Oates, como
outros autores que se dedicaram a contar a história de Marilyn,
contestam essa teoria. Argumentos não faltam, baseados em muitas evidências e nos depoimentos de testemunhas que estiveram próximas de Marilyn naquela noite e que, curiosamente, não constam no prontuário médico nem no boletim de ocorrência policial registrado naquela data em Los Angeles.
Depois de muito batalhar como figurante ou corista em mais de uma dúzia de pequenas participações, Marilyn Monroe viveria, enfim, uma década inteira de glória no auge do estrelato. Quando veio a morte trágica, na madrugada do dia 5 de agosto de 1962, com ingredientes explosivos de medicamentos e política, Marilyn já estava aprisionada para sempre na imagem irresistível de estrela glamurosa e de símbolo sexual. Uma imagem sedutora que ainda persiste e ainda impressiona, mesmo depois de ter sido reproduzida ao infinito.
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Retrato de Marilyn. In: Blog
Semióticas,
9 de novembro de 2012. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2012/11/retrato-de-marilyn.html
(acessado em .../.../...).