Muitos
homens
iniciaram
uma nova era em
suas
vidas a
partir da leitura
de
um livro.
–– Henry
David Thoreau, 1882.
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Carioca
de 1951, o jornalista e escritor José Castello reconhece que há
muitos elementos biográficos em "Ribamar", seu livro mais
pessoal, anunciado como vencedor de 2011 da categoria romance do
prêmio Jabuti. É um belo livro, com Castello na perícia do toque
de mestre transformando referências musicais para marcar a jornada
de um filho e uma homenagem ao pai do escritor, o também jornalista
José Ribamar Martins de Castello Branco (1906-1982). Outros
destaques na premiação deste ano do Jabuti: Laurentino Gomes, com o prêmio por “1822”, na categoria reportagem, Dalton
Trevisan na categoria contos e crônicas, com “Desgracida”, e
Ferreira Gullar, vencedor em poesia com “Em alguma parte alguma”.
"Trabalhei
com muitas recordações de infância e de juventude. Usei o passado
como matéria de ficção", revela Castello, sempre econômico nas palavras e nos adjetivos. O escritor e crítico literário esteve recentemente em Belo Horizonte para uma sessão de autógrafos no lançamento de
“Ribamar” e para uma conversa com o público no projeto Sempre um Papo. Nesta entrevista que fiz com ele para o jornal “Hoje
em Dia” de Belo Horizonte, na véspera do lançamento do livro, Castello descarta as classificações de
memórias, biografia ou ensaio autobiográfico para seu livro, que
como ele mesmo explica transita entre vários estilos, inclusive na categoria de partitura musical e também, de certo modo, como um ensaio ficcional sobre o escritor Franz Kafka. Confira alguns
trechos da entrevista.
"É,
sem dúvida, um romance", define Castello, com propriedade.
"Romance limítrofe, que dialoga com outros gêneros literários,
mas é um romance. Algumas pessoas, porque parto da figura de meu pai,
Ribamar, acham que é um texto biográfico, ou autobiográfico. Muitos leitores e críticos ainda se confundem, achando que
é um relato sobre a vida de meu pai, minha biografia paterna, ou um livro de memórias. Esse engano,
acredito, se deve a uma ideia deturpada que muitos ainda mantêm a respeito do que seja uma ficção".
O real e a ficção
José Castello
faz uma breve pausa durante a entrevista e depois lembra, com um meio sorriso, que a maioria das pessoas
desconfia que a ficção é sempre algo que se eleva acima do real. "Muitos
acreditam que a ficção não tem compromisso algum com o real, que é
puro arbítrio. Mas não, não é assim, ou nem sempre é assim. A ficção não nega o real, não o apaga,
ela o expande e o reinventa. A ficção não é qualquer coisa: ela é
um olhar singular sobre a realidade da existência", defende.
Em
"Ribamar", Castello alterna histórias reais com outras
inventadas, ou recriadas, como ele prefere dizer. Em parte, o novo
romance, editado pela Bertrand Brasil, traz referências ao pai de
Castello. "Meu
pai era jornalista político, repórter do jornal O Globo, o mesmo de
qual hoje sou colunista. Até 1960, enquanto a capital esteve no Rio,
meu pai fazia a cobertura do Senado Federal. Não tinha o hábito de
ler ficções, só comprava livro técnico. Em sua pequena biblioteca
não havia um só livro de ficção", recorda, rindo de uma ou
outra mania dos excessos paternos.
As lembranças do pai estão presentes na ficção como na vida real. "No início de minha adolescência, meu pai me repreendia porque eu gastava minha pequena mesada comprando romances e livros de poemas. Achava aquilo estranho e, pai amoroso, temia que eu me fechasse nos livros e me isolasse do mundo, o que, de certa forma, realmente aconteceu", confessa, sempre bem-humorado.
"Ribamar"
é, em parte, um relato da viagem feita anos atrás à pequena
Parnaíba, Piauí, cidade onde o pai de José Castello passou a
infância e a juventude. No outono de 2008, o próprio Castello fez
uma viagem àquela cidade do Nordeste, experiência que lhe rendeu,
ele recorda, uma infinidade de notas e sugestões preciosas para
escritos em literatura.
O romance também é, ainda em parte, um ensaio emblemático e alegórico sobre um cânone da literatura universal, o escritor Franz Kafka (1883-1924), em particular sobre "Carta ao Pai" – longo e emocionado relato confessional que o autor de “O Processo” e “A Metamorfose” escreveu endereçado a seu pai, Hermann Kafka, com a intenção de fazer um balanço da difícil relação de vida entre os dois.
Literatura com estrutura musical
Mesmo
com todas as citações à célebre "Carta ao Pai", José Castello garante
que o propósito do novo livro não foi, de forma alguma, refletir a respeito da obra de
Kafka, e sim tê-la como referência para pensar sua relação com seu próprio pai, chamado José Ribamar. Ele também reconhece que as referências a diversos outros
livros que tratam da relação de escritores com seus pais são
intencionais no novo romance.
"Mesmo quando o ignora, o escritor está dialogando com outros escritores. As leituras que fazemos ao longo da vida deixam marcar definitivas em nossa sensibilidade. Deixam feridas, que o escritor tenta cicatrizar encobrindo-as com seus próprios escritos", ele diz. Sobre Kafka, Castello completa explicando que é um escritor que, para ele, desde sempre, e desde muito cedo, tornou-se uma referência decisiva e uma identificação permanente.
"Mesmo quando o ignora, o escritor está dialogando com outros escritores. As leituras que fazemos ao longo da vida deixam marcar definitivas em nossa sensibilidade. Deixam feridas, que o escritor tenta cicatrizar encobrindo-as com seus próprios escritos", ele diz. Sobre Kafka, Castello completa explicando que é um escritor que, para ele, desde sempre, e desde muito cedo, tornou-se uma referência decisiva e uma identificação permanente.
"Preciso
confessar que ler 'A Metamorfose' me deixou em estado de grande
perturbação, logo me identifiquei com aquele filho massacrado pela
família como um inseto. Não tenho dúvidas de que aquela leitura
aos 11 anos foi uma peça decisiva de minha formação pessoal. Essas
leituras ficam, fazem parte de nós, e estamos sempre a dialogar com
elas", completa Castello.
"Ribamar"
tem uma estrutura musical. A começar pela capa do livro, belo
trabalho de design gráfico que reproduz em relevo uma partitura
envelhecida. A base é uma canção de ninar, não sem propósito a
música com que o pai embalava Castello quando ele era bebê. No
livro, seguindo um relato híbrido, afetivo, cerebral, cada capítulo
corresponde a uma das notas musicais da melodia. A cada nota, ainda,
corresponde um tema específico. Ao fundo, uma melodia inaudível se
desenrola, porque o romance é, na estrutura, uma combinação de
oito temas, expressos em seus correlatos nas sete notas musicais
elementares, mais a pausa.
“Você
tem a alma fechada a cadeado”, diz uma certa Dora Dyamant no
desfecho de “Ribamar”, ao que o narrador completa: “Franz sabia
que a literatura é uma chave. Instrumento inútil que não
corresponde a nenhuma fechadura. Uma chave que atesta o fracasso de
todas as chaves. Sua carta ao pai é prova disso. Também 'Ribamar',
o livro que me preparo para escrever, não passa de um ferrolho. Vale
a pena escrevê-lo?” Os elogios unânimes de críticos e leitores e
premiações importantes, por certo, valem como uma
resposta decisiva ao que pergunta o narrador de Castello.
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. O
Jabuti do Castello.
In: Blog
Semióticas,
18
de
outubro
de
2011.
Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2011/10/o-jabuti-de-castello.html
(acessado em … /… /...).
Para comprar o romance "Ribamar", de José Castello, clique aqui.
Jabuti 2011, livros e autores premiados:
Artes: “Os Satyros”, de Germano Pereira
Arquitetura e Urbanismo: “Dois séculos de projetos no Estado de SP”, Nestor G. Reis e Monica S. Brito
Biografia: “De menino a homem”, de Gilberto Freyre
Capa: “Invisível”, de João Baptista da Costa Aguiar
Comunicação: "Impresso no Brasil", de Anibal Bragança e Marcia Abreu (orgs)
Ciências da Saúde: “Atlas de endoscopia digestiva da SOBED”, de Marcelo Averbach
Ciências Exatas: “Teoria Quântica - estudos históricos e implicações culturais”, de Olival Freire, Osvaldo Pessoa, Joan L. Bromberg (org)
Ciências Humanas: “Manejo do mundo: conhecimentos e práticas dos povos indígenas do Rio Negro”, de Aloisio Cabalzar
Ciências Naturais: “Bioetanol de cana-de-açucar – P&D para produtividade e sustentabilidade”, de Luís Augusto B. Cortez (coord.)
Contos e Crônicas: "Desgracida”, de Dalton Trevisan
Didático e Paradidático: Coleção “Pessoinhas”, de Ruth Rocha e Anna Flora
Direito: “Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro”, de Norma Sueli Padilha
Economia, Administração e Negócios: “Multinacionais brasileiras: internacionalização, inovação e estratégia global”, de Moacir M. Oliveira Jr.
Educação: “Impactos da violência na escola: um diálogo com professores.”, de Simone G. de Assis, Patrícia Constantino e Joviana Q. Avanci
Fotografia: “Fotografia de Natureza”, Luiz Claudio Marigo
Gastronomia: “Machado de Assis: Relíquias Culinárias”, de Rosa Belluzzo
Ilustração: “O Corvo”, de Manu Maltez
Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil: “Gildo”, de Sivana Rando
Infantil: “Obax”, de André Neves
Juvenil: “Antes de virar gigante e outras histórias”, de Marina Colasanti
Poesia : “Em alguma parte alguma”, de Ferreira Gullar
Projeto Gráfico: "Theodoro Sampaio – Nos sertões e nas cidades", de Karyn Mathuiy
Psicologia e Psicanálise: “Coração... É emoção: a influência das emoções sobre o coração”, de Elias Knobel, Ana L. M. da Silva, Paola Andreoli
Reportagem: “1822”, de Laurentino Gomes
Romance: “Ribamar”, de José Castello
Tecnologia e Informática: “Aprendizagem a distância”, de Fredric M. Litto
Teoria / Crítica: "Câmara Cascudo e Mário de Andrade – Cartas, 1924-1944", de
Marcos Antonio de Moraes (org)
Tradução: "O livro de Dede Korkut", de Marcos Syrayama de Pinto
Turismo e Hotelaria: "Hospitalidade – A inovação na gestão das organizações prestadoras de serviços", de Geraldo Castelli