As pessoas não sabem, mas fazer
parte de uma
grande banda de rock é como estar em uma jaula.
–– Roger
Waters.
|
Uma
unanimidade: trata-se de um dos discos mais estranhos, belos e
cultuados do século 20. A alquimia entre beleza e estranhamento
começa na capa, com aquele fundo preto e o facho de luz que atravessa um prisma em formato de triângulo, tornando-se arco-íris, para prosseguir nas melodias –
hipnóticas, psicodélicas, sofisticadas, em letras sobre a vida
cotidiana, o amor, as perdas, tristeza, ambição, dinheiro, demência, medo de
envelhecer e, principalmente, o valor da amizade.
Em 24 de março de 1973, foi lançado aquele que
muitos consideram o melhor álbum de uma lenda no panteão do rock e
da cultura pop chamada Pink Floyd – um disco que se mantém há décadas, desde o
lançamento, entre os mais vendidos da história, primeiro no formato
LP e agora em CD e arquivos digitais. 'The dark side of the Moon'
merece ser definido como 'emblemático' – palavra que muitos usam,
nem sempre com propriedade. Emblemático e obra-prima – com
novidades musicais e técnicas que seriam rapidamente incorporadas
pela maioria de outras bandas e outros artistas que viriam depois, todas em referência explícita ao guitarrista e vocalista Syd Barrett
(1946–2006), mentor do grupo, criador das ideias musicais e estilísticas, autor do nome da banda e de todas as canções dos primeiros discos.
Barrett
deixou o Pink Floyd em 1968 – mas os integrantes sempre afirmaram
que, mesmo ausente, ele permaneceu como a mais forte influência
na concepção e nos arranjos dos discos lançados por Roger Waters
(compositor, baixista e vocalista), Nick Mason (compositor e
baterista) e Richard Wright (compositor e tecladista), que desenvolveram arranjos e adaptações para as principais ideias sobre música
e estilo inventadas por Barrett desde que os quatro eram estudantes em Cambridge, em meados
da década de 1960.
O nome do grupo, abreviação de The Pink Floyd Sound, foi criado por
Barrett em homenagem aos músicos de blues Pink Anderson e Floyd
Council. Os amigos de escola começaram a ensaiar juntos em 1965 e,
no ano seguinte, contaram com um lance de sorte logo na estreia do
nome Pink Floyd: o cineasta Michelangelo Antonioni assistiu a um dos primeiros shows do grupo, em Londres, num intervalo das filmagens de outra obra-prima, “Blow
Up”, e convidou os quatro para compor a trilha sonora de “Zabriskie
Point”, seu próximo filme.
De
'Blow Up' a 'Zabriskie Point'
Com
o aval de Antonioni destacado na imprensa e o sucesso de “Blow Up”,
o Pink Floyd lança as primeiras canções ('Arnold Layne' e 'See
Emily Play') e se torna o favorito do Underground. Quando surgiu o
primeiro álbum, em 1967, 'The piper at the gates of dawn', a plateia
já disputava ingressos para seus shows em casas que, por conta da
banda, se tornariam lendárias – entre elas, The Roundhouse, Bar-B-Que, The Marquee Club,
UFO Club.
Depois
do primeiro álbum do Pink Floyd, viriam outros clássicos imbatíveis
da era do rock, todos dedicados a Barrett e com letras e canções
criados a partir de suas ideias originais: 'A saucerful of secrets'
(1968), 'More' (1969), 'Ummagumma' (1969), 'Atom heart mother'
(1970), 'Meddle' (1971), 'Obscured by clouds' (1972) e, finalmente,
'The dark side of the Moon' (1973).
A
trajetória do Pink Floyd e as reverências ao talento inaugural de
Barrett ainda incluiriam 'Wish you were here' (1975), 'Animals'
(1977), 'The Wall' (1979). Há ainda os singles, as participações
em trilhas sonoras de filmes, as coletâneas, os registros de shows
ao vivo e um concerto impressionante, “Live at Pompeii”,
transformado em documentário que chegou aos cinemas em 1972, com a
banda tocando seis longas composições no Piazza Anfiteatro, nas ruínas de
Pompeia, na Itália, dirigido por Adrian Maben e gravado em 1971 sem
ninguém na platéia.
David
Gilmour, que havia sido professor de guitarra de Barrett, chegou
depois dele ao Pink Floyd – a princípio para atuar como
guitarrista e backing vocal, mas também passou a protagonizar o
papel de 'pomo da discórdia' em todas as gravações de estúdio e
nas turnês, em conflitos que terminaram por levar ao fim da banda.
Wright deixou o grupo em 1979 e Waters, que assumiu o posto de líder
depois da saída de Barrett, declarou em 1985 o fim do Pink Floyd.
Mas a história teria ainda um triste capítulo: inconformado com o
fim da banda, Gilmour promoveu uma longa e intensa batalha na Justiça
para continuar usando o nome e o repertório do Pink Floyd.
Processos
e reprises diluídas
Por
fim, David Gilmour acabou ganhando a causa, com um arsenal de
liminares e advogados. Em seguida, montou uma nova banda (com
participação ocasional de Mason e Wright) e lançou dois álbuns
usando o nome Pink Floyd, com reprises diluídas e previsíveis dos
grandes sucessos da banda – "A momentary lapse of reason”
(1987) e “The division bell” (1994). A maioria dos críticos e
dos fãs, entretanto, preferem considerar discos e shows de Gilmour
como trabalho solo, da mesma forma que muitos consideram “The final
cut” (1983) um trabalho solo de Roger Waters, mesmo que ele seja na
temática e na técnica um disco do Pink Floyd e tenha contado com
participação de todos os músicos da banda original, à exceção
de Richard Wright.
.
Em
2005, depois de quase duas décadas, os integrantes do Pink Floyd
voltariam a se reunir para uma única apresentação no concerto
beneficente 'Live 8'. Depois disso, Wright morreu em 2008 e somente
em 12 de maio de 2011 Roger Waters, Mason e Gilmour voltaram a se
encontrar no palco, em Londres, para um show de Waters na 'The Wall
Tour'. Tocaram juntos dois clássicos do Pink Floyd: 'Comfortably
numb' e 'Outside the Wall' – não por acaso outra homenagem a Syd
Barrett – cuja presença, ideias e personalidade levaram Waters à
criação de Pink, personagem central em 'The Wall', o disco e o
filme, autêntica ópera-rock escrita por Waters e dirigida por Allan
Parker em 1982.
A
experiência de ouvir 'The dark side of the Moon' pode ser quase
transcendental. Conheci o disco quase uma década depois do
lançamento, quando ganhei o LP de presente de aniversário. Foi uma
descoberta e tanto – que ainda perdura com toques de nostalgia a
cada vez que ouço o disco ou apenas uma ou outra de suas dez
canções. Sua mistura de beleza e estranhamento, com o passar do
tempo, tem reforçado as lendas, que vão da simetria impressionante
dos acordes do disco com as cenas do filme 'O mágico de Oz', de
1939, à inserção quase mística de mensagens cifradas e frases
inteiras com ruídos bizarros do programa de TV do grupo de comediantes Monty
Python, idolatrado pelos integrantes do Pink Floyd e por sua legião
de fãs.
O
lugar de Syd Barrett
As
lendas sobre o disco e suas versões saborosas são alimentadas por
suas sucessivas reedições em novos formatos e suportes – entre
elas a recente "The dark side of the Moon – Immersion box
set", com seis CDs e DVDs que incluem remasterizações, demos,
documentários e muitas entrevistas com o grupo e com técnicos que
participaram das gravações no estúdio Abbey Road, entre junho de
1972 e janeiro de 1973, com participação importante do produtor
Alan Parsons. Também não faltam itens de colecionador na
memorabilia da banda – com destaque para o documentário 'Classic
Albums: Pink Floyd and the making of The dark side of the Moon' (DVD,
2003), de Matthew Longfellow, e duas biografias, semelhantes e
complementares.
Os
dois livros, que receberam títulos quase idênticos no Brasil, foram
escritos por jornalistas reconhecidos como especialistas: 'Os
bastidores de The dark side of the Moon' (Editora Zahar), de John
Harris, e 'Nos bastidores do Pink Floyd' (Editora Évora),
biografia do grupo assinada por Mark Blake. Tanto Harris como Blake
vão fundo nos detalhes da história da banda, reunindo depoimentos
surpreendentes, mas ambos coincidem no destaque e no carisma de Syd
Barrett, que contagiava a todos de imediato.
"Syd Barrett
era um jovem com imenso e estranho carisma. Quando saiu da banda,
inicialmente seus amigos acharam muito difícil continuar sem ele”,
escreve Mark Blake, para quem o criador e mentor do Pink Floyd foi um
poeta brilhante e um guitarrista dos melhores e mais inovadores, dos
primeiros a explorar por completo as capacidades sonoras da distorção, as variações da técnica do instrumento e novidades que estavam surgindo, entre elas a máquina de eco. Syd Barrett, conclui Blake,
influenciou em definitivo não só todo o som personalíssimo e
incomum do Pink Floyd, mas também tudo o que foi feito por diversos músicos, diversas bandas e diversos artistas depois dele.
Não é pouco.
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Pink
Floyd na Lua.
In: _____. Blog
Semióticas,
24
de
março
de 2013.
Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2013/03/pink-floyd-na-lua.html
(acessado em .../.../...).