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24 de janeiro de 2024

Picasso na fotografia





A arte não tem passado nem futuro.

Tudo o que eu já fiz foi para o presente.

Pablo Picasso (1881-1973).  

..............

Pablo Picasso é homenageado em um dos mais importantes eventos mundiais de fotografia, o PhotoEspanha, festival anual com sede em Madri. A exposição de abertura do festival, instalada nas galerias do Fernán Gómez Centro Cultural de La Villa, reuniu um grande acervo de retratos de Picasso – talvez o nome mais importante e mais prestigiado da arte no último século, o artista que atravessou todos os estilos e todos os movimentos da Arte Moderna e se mantém como referência e influência marcante da Arte Contemporânea.

A homenagem, nomeada “Picasso na foto”, marca os 50 anos da morte do artista e traz uma seleção de imagens de suas últimas décadas de vida. Os retratos em exposição, que vêm dos arquivos do Museu Picasso de Barcelona e de coleções particulares, abordam os processos criativos e o tempo de lazer do artista – com os dois aspectos constantemente sobrepostos. São imagens que, em sua maioria, foram registradas por nomes que têm um peso incomparável na história da fotografia e do fotojornalismo, compartilhando as galerias da exposição com retratos do artista feitos por amigos e em família.

Entre os fotojornalistas que fizeram retratos de Picasso estão os maiorais do primeiro time como David Douglas Duncan, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau, Brassai, Man Ray, David Seymour, Lucien Clergue, Willy Rizzo e Cecil Beaton, entre muitos outros. A exposição, que também inclui uma seleção de fotografias que Brigitte Baer reuniu no Catálogo Raisonné de gravuras e litografias de Picasso, depois da temporada no PhotoEspanha segue uma agenda itinerante por outros museus e galerias de diversos países, com curadoria de Emmanuel Guigon, que desde 2016 assumiu o cargo de diretor do Museu Picasso de Barcelona.






      



Exposição Picasso na Fotografia: no alto, Picasso

em foto de sua esposa Jacqueline. Acima, intervenção

de Picasso em foto do álbum de família em que ele

está à mesa com Édouard Pignon, Anna Maria Torra

e Madeleine Lacourière em outubro de 1958.


Também acima, Emmanuel Guigon, diretor do Museu

Picasso de Barcelona e curador da exposição aberta

no Festival PhotoEspanha, diante de um dos célebres

retratos de Picasso, feito por Robert Doisneau em 1952.

Abaixo, com o amigo Gustau Gili Esteve no ateliê de

Notre-Dame-de-Vie, em abril de 1969; e no encontro

com outro mestre,
Joan Miró, fotografados por

Jacqueline Picasso no ateliê em Mougins, em 1967





              




Um diário fotográfico


O acervo de retratos de Picasso no PhotoEspanha destaca especialmente os períodos de convívio do artista com três grandes fotógrafos que fizeram inúmeras visitas à intimidade de Picasso com a família e trabalhando no ateliê em Mougins, na Côte d’Azur, Sul da França, às margens do Mar Mediterrâneo. São eles o francês Lucien Clergue (1934-2014), que fez um diário fotográfico dos dias compartilhados com Picasso ao longo dos anos; o norte-americano David Douglas Duncan (1916-2018), que travou amizade com Picasso desde que se conheceram em 1956, no convívio muito próximo que se estendeu até 1962, quando Duncan publicou um célebre fotolivro sobre a intimidade do artista e seus processos criativos; e Robert Capa (1913-1954), que representa um capítulo à parte na trajetória de Picasso.

Não há como negar que os grandes fotógrafos têm papel importante na criação do mito de Picasso, mas o papel de Robert Capa foi decisivo. Os primeiros contatos entre o artista mais lendário da Arte Moderna e o mais importante fotógrafo de guerras aconteceram na década de 1930, quando Capa e sua companheira, a alemã Gerda Taro, registravam os combates da Guerra Civil Espanhola e os movimentos de resistência contra a repressão imposta pelo general Francisco Franco. Capa, que fundaria a célebre Agência Magnum em 1947, junto com Henri Cartier-Bresson, David Seymour e George Rodger, fez os contatos para a promoção de uma das obras mais importantes de Picasso, “Guernica”: foi por interferência de Capa que David Seymour fotografou Picasso em 1937 diante de sua obra monumental, assim que ela foi pintada, logo após o bombardeio genocida das tropas e aviões franquistas contra a vila espanhola.








Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

entre amigos, em foto de 1959 de Lucien Clergue,

ensaiando músicas com Paco Muñoz e o antiquário

Affrentranger em sua loja em Arles, na França;

e proseando com um motorista de táxi no

aeroporto de Nice, em foto de Lucien Clergue.


Abaixo, um visitante da exposição observa

um retrato de Picasso feito na casa do

artista em Vallouris, França, em 1952, por

Robert Doisneau; e Picasso e Jacqueline

dançando no ateliê da casa em que

viviam em Cannes, no verão de 1957,

em fotografia de David Douglas Duncan













Contador de histórias


Robert Capa e Cartier-Bresson também fotografaram por diversas vezes Picasso em seu quarto, no apartamento em que morava em Paris, na Rue des Grands-Augustins, e a todo vapor no ambiente de trabalho, durante a Segunda Guerra, e todos os biógrafos são unânimes em reconhecer que Capa, Cartier-Bresson e outros grandes fotógrafos ajudaram a disseminar imagens que popularizaram Pablo Picasso como um artista contador de histórias épicas, politizado e irreverente, viril, sedutor e bem-humorado, brincalhão, fumante de charuto, de bem com a vida e dândi, rudemente bonito, que se casou diversas vezes, teve quatro filhos com três mulheres e conquistou incontáveis e belas amantes – tudo contribuindo para a construção da narrativa histórica que levaria Picasso à prosperidade que outros artistas da época nunca alcançaram.

Durante e depois da Segunda Guerra, Capa compartilhava a intimidade de Picasso, e em 1948 passou uma temporada de férias no Mediterrâneo com Picasso e sua esposa da época, Françoise Gilot. Na temporada na praia com Picasso em família, Capa fazia testes com fotografias em filmes coloridos, uma novidade que ainda não estava disponível no mercado, e registrou retratos que estão entre os mais memoráveis na trajetória de Picasso, como o passeio de sombrinha na praia, com o artista descalço acompanhando sua musa (veja mais em Semióticas –Robert Capa em cores).









Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

no ateliê da casa em Cannes, em julho de 1957,

em fotografia de David Douglas Duncan;

e o criador diante da criatura, Guernica,

em fotografia de 1937 de David Seymour.

Abaixo, Picasso na intimidade de seu

apartamento na Rue des Grands-Augustins,

em Paris, em fotografia de 1944 de

Henri Cartier-Bresson;
e Picasso no

Hotel Vaste Horizon
em Mougins,
Côte d’Azur,

em fotografia de 1937 de sua musa Dora Maar











As musas do artista


As relações de Picasso com as mulheres sempre transparecem em sua obra: todas as musas, sejam amantes, namoradas ou esposas, foram registradas em pinturas, desenhos, esculturas (veja também Semióticas – Picasso em preto e branco). É como se cada uma delas houvesse inspirado uma certa obra-prima, algumas celebrizadas em obras radicais, outras com diversas variantes para o mesmo perfil. Entre todas, talvez nenhuma tenha a importância de sua mais famosa amante, Henriette Theodora Markovitch (1907–1997), mais conhecida pelo pseudônimo de Dora Maar. Intelectual, fotógrafa, poeta e pintora, Dora Maar era francesa descendente de croatas e viveu a infância e a juventude na Argentina. Sua influência foi tão importante para Picasso que foi ela quem ajudou o artista a planejar e pintar “Guernica”, entre outras obras-primas.

Dora e Picasso ficaram juntos por 10 anos, no período em que ele oficialmente esteve casado com Olga Khoklova e depois com Marie-Thérèse Walter, que tinha 17 anos quando se conheceram. Depois do término com Picasso, Dora Maar continuou a pintar, fotografar, escrever, afastada dos amigos e trabalhando em uma rotina de reclusão, mas permaneceu sem reconhecimento até sua morte, em 1997, aos 89 anos. Em 1999, finalmente foi organizada a primeira grande retrospectiva de seu trabalho, em Paris, e sua obra, inédita e surpreendente, aos poucos começou a ser valorizada.

Do primeiro casamento de Picasso, em 1918, com Olga Khoklova, bailarina nascida na Ucrânia, nasceu, em 1921, Paulo Picasso, seu primeiro filho. Em 1927, Picasso conhece Marie-Thérèse Walter, com quem teve em 1935 outra filha, Maya Picasso. A lista de musas, namoradas e amantes continuou a ganhar acréscimos, mas teve uma pausa em 1943, quando começa seu relacionamento com Françoise Gilot, que seria mãe de seus filhos Claude, nascido em 1947, e Paloma, nascida em 1949. O último casamento viria em 1961, com Jacqueline Roque, com quem Picasso viveu durante duas décadas, no período em que experimentou novas técnicas, novos materiais e novos suportes para sua arte, de 1953 até sua morte, em 8 de abril de 1973, aos 91 anos.







  


Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

com sua primeira esposa, Olga Khoklova, no ano

em que se casaram, 1918. Abaixo, um desenho de

Picasso para registrar um encontro na intimidade

entre amigos em Paris, 1919: a partir da esquerda,

Jean Cocteau, Olga, Eric Satie e Clive Bell.


Abaixo, Picasso com mulheres importantes

em sua trajetória: com Marie-Thérèse Walter;

com os retratos de Dora Maar (em fotografia

de Brassaï em 1939); com Dora Maar e amigos

no ateliê em Mougins (a partir da esquerda,

Ady, Marie e Paul Cuttoli, Man Ray, Picasso

e Dora Maar), fotografados por Man Ray;

Dora Maar e Picasso
na Côte d’Azur, em 1937,

fotografados por Eileen Agar; e Picasso

com Françoise Gilot e Javier Vilato, seu

sobrinho, em foto de 1948 de Robert Capa













  




As formas apaixonadas


A lista extensa de musas e amantes de Picasso também inclui, entre as mais conhecidas, Fernande Olivier (com quem ele viveu de 1904 a 1912), Marcele Humbert (de 1912 a 1917), Lee Miller (de 1943 a 1945), Geneviéve Laporte (de 1944 a 1953) e Sylvette David (de 1954 a 1955), entre outras. O artista despertava a paixão de suas musas, e cada rompimento foi doloroso, porque ao que se sabe nenhuma delas nunca aceitou o fim do relacionamento. Os amores de Picasso e sua relação intensa com tantas musas e amantes não provocou grandes escândalos na época, mas têm gerado alguma polêmica nos últimos anos. A mais recente aconteceu em 2021, no embalo da publicidade internacional do movimento “Me Too”, contra o assédio sexual, quando professoras de história da arte e seus alunos fizeram um protesto no Museu Pablo Picasso de Barcelona, com a intenção de denunciar os relacionamentos abusivos do artista, mas sem grande repercussão.

Outras denúncias sobre comportamento abusivo na trajetória do artista e sua dominação “animalesca” sobre as mulheres com quem se relacionava são descritos por sua neta, Marina Picasso (filha de Paulo e neta de Olga Khoklova), no livro “Meu Avô, Pablo Picasso”, que desde o lançamento em 2001 foi um best-seller internacional. Marina, uma das privilegiadas herdeiras de Picasso, nasceu em 1950, em Cannes, e teve um irmão, Pablo, que cometeu suicídio aos 24 anos – segundo ela, por culpa e negligência do avô, que nunca quis dividir sua herança bilionária em vida e nunca se preocupou em dedicar sua atenção para os filhos e os netos.








Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

com os filhos Claude e Paloma, no verão de 1951,

em foto de Edward Quinn.; e Picasso com Claude

em 1954, assistindo a uma tourada em Vallouris,

França, em fotografia de Jean Meunier.

Claude Picasso morreu em 2023, aos 76 anos.


Abaixo, Picasso na praia, em Cannes, 1965,

em fotografia de Lucien Clergue; e no ateliê,

em 1955, fotografado por Edward Quinn. No final

da página, a capa do livro de Marina Picasso,

que foi lançado em 2001, e dois retratos de

Picasso por Robert Capa: na praia, em 1948,

e fumando, na casa de Vallauris, em 1949




                 



      



Contradições bilionárias


No livro, Marina Picasso relata: “Minha avó Olga, humilhada, manchada, degradada por tantas traições, acabou sua vida paralisada, sem que meu avô fosse uma única vez vê-la no seu leito de angústia e de desolação. No entanto, ela tinha abandonado tudo por ele: o seu país, a carreira, os sonhos, o seu orgulho”. Olga nunca aceitou o divórcio de Picasso e, oficialmente, permaneceu casada com ele até morrer, em 1955. Criador de uma obra extensa e das mais valiosas entre todos os acervos do mundo da arte, Picasso morreu sem deixar testamento. Seus bens e obras foram divididos entre os quatro filhos em 1974, por um acordo judicial.

Em todos os sentidos, a nova exposição confirma que Picasso é um caso único. Ele trabalhou intensamente na arte, da infância à velhice, e deixou uma quantidade impressionante de obras surpreendentes, mas a amostragem das fotos que registra sua trajetória revela algo mais do que o artista em ação, em seu ateliê ou nas pausas em momentos de lazer: são imagens que traduzem a vida e as contradições de Picasso em pequenos fragmentos. Sua importância para a arte e a cultura do século 20 é inquestionável, assim como sua interminável paixão pela criação. Apesar disso, Picasso é um artista que divide opiniões e sua reputação muitas vezes precede a sua arte. Talvez por estes detalhes a exposição de sua presença marcante em décadas da história da fotografia traz mais perguntas do que respostas, mas não há como negar que sua relação com a câmera foi, antes de tudo, um veículo – uma estratégia para perpetuar sua própria autoimagem cuidadosamente construída, tão grandiosa quanto mítica.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Picasso na fotografia. In: Blog Semióticas, 24 de janeiro de 2024. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2024/01/picasso-na-fotografia.html (acessado em .../.../…).


 
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22 de dezembro de 2013

Robert Capa em cores






Realmente me parece que Capa demonstrou,
sem sombra de dúvida, que a câmera não precisa
ser um instrumento mecânico frio. Como a pena,
ela tem as qualidades daquele que a usa. Pode
ser uma extensão da mente ou do coração.
   –  John Steinbeck (1902-1968).  


Nenhum outro fotógrafo construiu uma trajetória mais célebre viajando ao redor do mundo para acompanhar a Segunda Guerra Mundial e outras guerras. Coube ao húngaro Endre Erno Friedmann, mais conhecido pelo pseudônimo Robert Capa, conferir à profissão de fotojornalista uma aura incomparável de ideal romântico com doses generosas de aventura e sedução. Antes de Robert Capa, outros fotógrafos também registraram as tropas de soldados em momentos dramáticos antes ou depois das batalhas, mas ele foi o primeiro a registrar o que acontecia durante as batalhas. Também é mérito de Capa, junto com Henri Cartier-Bresson e David “Chim” Seymour, a iniciativa pioneira e heroica de criar a Agência Magnum, em 1947, que revolucionou o mercado internacional de direitos autorais na fotografia.

Nascido há 100 anos, em 1913, o mais famoso dos fotojornalistas do século 20 voltou à cena recentemente em uma exposição de suas fotos coloridas, que desde sua morte trágica permaneciam inéditas, e em breve terá sua história contada em documentários e em superproduções de cinema que estão em pré-produção com roteiros que abordam suas aventuras extraordinárias dentro e fora das trincheiras de guerra. Mesmo depois de décadas de sua morte e das muitas biografias que foram publicadas sobre ele, Robert Capa, que também colecionou inimigos e polêmicas, ainda guarda muitos segredos.

A queda pela aventura e pelas viagens começou ainda na adolescência, quando Endre Erno Friedmann deixou sua terra natal e sua família de judeus na Hungria e fugiu para a Alemanha. Com a chegada de Hitler e dos nazistas ao poder, em 1933, ele fugiu novamente – desta vez para Paris, onde adotou o pseudônimo americanizado para escapar do antissemitismo, mas com um detalhe prosaico: “Capa”, que era seu apelido desde a adolescência, é uma palavra que significa “tubarão” em húngaro.







No alto, Robert Capa em Paris, em 1952,
fotografado por Ruth Orkin. Acima, Capa
em ação na Segunda Guerra e com sua
companheira Gerda Taro em 1936,
durante a Guerra Civil Espanhola.

Abaixo, Gerda Taro ferida no campo
de batalha, em Córdoba, Espanha,
fotografada por Capa. Gerda Taro
morreria em 1937, durante a
Guerra Civil Espanhola, atropelada
por um tanque de guerra conduzido 
pelas tropas do General Franco.
Também abaixo, Capa fotografado por
Gerda Taro em Córdoba, em 1936;
e uma das primeiras experiências
de Capa com fotografias coloridas,
em 1938, após um bombardeio sobre
Hanku, na China, durante a guerra
deflagrada entre China e Japão



















Segundo seus biógrafos, Capa sempre foi viciado em pôquer e apostas com jogos de cartas, além de apaixonado pelas farras da vida na boemia. Conquistador com fama de irresistível, namorou estrelas de Hollywood como Ava Gardner e Ingrid Bergman, entre outras, e teve como amigos e confidentes personalidades do mundo das artes, do cinema e da literatura como Pablo Picasso, John Huston, Ernest Hemingway, John Steinbeck. O que todos dizem é que era um homem incomum – tanto que outro de seus grandes amigos, o escritor William Faulkner, certa vez declarou que Capa era um fotógrafo “apenas nas horas vagas”.

Entre outras, Capa também foi o único fotógrafo presente no dramático desembarque das tropas aliadas no Dia D, em 6 de junho de 1944, nas praias da Normandia, momento crucial para o desfecho da Segunda Guerra. Antes, em 1937, viu sua companheira, a também fotógrafa Gerda Taro, alemã de ascendência judia e primeira mulher a atuar como fotojornalista em campos de guerra, ser morta por um tanque desgovernado durante a Guerra Civil Espanhola. Entre tantos trabalhos memoráveis e aventuras, morreu em uma explosão no campo de batalha no Vietnã, em 25 de maio de 1954, durante a Guerra da Indochina, quando se afastou da tropa francesa para procurar um ângulo melhor de enquadramento e acabou pisando em um campo minado.



Sangue e Champanhe



Em 2013, ano do seu centenário de nascimento, celebrado em vários países, Capa contou no Brasil com o lançamento de uma de suas biografias, “Sangue e Champanhe – A vida de Robert Capa” (Editora Record). Lançada há 10 anos nos EUA, pelo jornalista Alex Kershaw, a biografia amplia a lista de livros publicados no Brasil sobre vida e obra de Capa, incluindo o romance histórico sobre o amor entre o fotógrafo e Gerda Taro, "Esperando Robert Capa", de Suzana Fortes (Record), e o célebre relato autobiográfico de Capa, de 1947, “Ligeiramente Fora de Foco”, editado em 2010 pela Cosac Naify, que também já havia lançado os catálogos “Robert Capa” (Coleção Photo Poche), “Robert Capa – Fotografias” (com texto de Henri Cartier-Bresson, seu parceiro na criação da Agência Magnum) e “Um Diário Russo”, com fotos de Capa e texto de John Steinbeck.

























No alto, Robert Capa em autorretrato
no Dia D, em 6 de junho de 1944, minutos
antes de embarcar com as tropas para a
ocupação da Normandia. Também acima
e abaixo, imagens da espetacular

cobertura fotográfica de Robert Capa
no desembarque das tropas dos
Aliados em Omaha Beach, Normandia,
no Dia Dmomento crucial para o
desfecho 
da Segunda Guerra.

Acima, uma das 
raras e inéditas
imagens coloridas
 feitas no campo de
guerra, no Dia D, pelo fotógrafo. Também abaixo,
Robert Capa (à esquerda) e Ernest Hemingway
(à direita) com um soldado anônimo durante a
entrada das tropas aliadas para a retomada
da França em julho de 1944; registro de
Capa durante o desembarque na Normandia;
e as cores sutis de Capa em uma fotografia
noturna em testes para filmes Kodachrome e
Ektachrome
, com um tripulante fazendo
sinais de luz para outro navio em 1944,
durante a travessia do Atlântico da
Inglaterra para os Estados Unidos













Quando lançou a biografia nos EUA, Kershaw se viu no centro de polêmicas semelhantes às que ele descreve na trajetória de aventuras de Capa. Pelos detratores do fotógrafo lendário, foi acusado de exagero e mistificação em várias passagens. Dos fãs declarados, recebeu críticas por ter simplificado momentos de maior complexidade da história, como o primeiro trabalho importante do biografado, em 1932, quando o jovem Endre Erno Friedmann viajou da Alemanha à Dinamarca e fotografou o dissidente russo Leon Trotsky, que discursava para estudantes em Copenhague – ou ainda as circunstâncias de sua foto mais conhecida, de 1936, que mostra a queda de um combatente na Guerra Civil Espanhola, com arma na mão, morto durante uma batalha em Córdoba.

As controvérsias sobre esta fotografia mais famosa de Robert Capa, publicada na revista francesa “Vu” em 1936 (e republicada na norte-americana “Life” no ano seguinte, quando ganhou repercussão internacional), permaneceram depois que Kershaw publicou a biografia. Como o próprio Capa nunca revelou em detalhes as circunstâncias em que a foto foi feita, há quem afirme que se trata de uma imagem encenada, ou mesmo que se trata do registro de um escorregão, e não do momento da morte do soldado. 


 


















Os fatos verdadeiros e as lendas



Algumas das dúvidas sobre a veracidade da foto de 1936 que registra a morte do combatente espanhol foram diluídas em 2008, anos depois da primeira edição da biografia escrita por Kershaw, quando três pastas de papelão contendo cerca de 3.500 negativos, que Capa considerava ter pedido em 1944, durante um cerco nazista, foram encontradas por acaso no México. Esse material precioso, chamado de “a maleta mexicana”, foi encaminhado ao International Center of Photography, fundado e mantido em Nova York pelo irmão de Capa, Cornell Friedmann.

O acervo da “maleta mexicana” tem gerado muitos estudos, dois deles já publicados em livros ilustrados também polêmicos, ainda inéditos no Brasil, escritos por veteranos jornalistas que conviveram com o fotógrafo: “Robert Capa: The Paris Years 1933–1954”, de Bernard Lebrun e Michel Lefebvre, e “Get the picture”, de John Morris. Mesmo depois de tantas décadas, ainda restam muitas perguntas sobre o trabalho de Capa, mas suas imagens emblemáticas permanecem como símbolos poderosos do absurdo de qualquer guerra – e também demonstram como o fotojornalismo é um terreno minado, difícil, cheio de ambiguidades.










O fotógrafo e seu amigo escritor em
autorretrato diante do espelho:
Robert Capa e John Steinbeck
 em Moscou, 1947. No alto, as capas da
primeira edição do livro Um diário Russo,
publicado em 1948, e a edição de 2013.
Abaixo, Capa registra seu amigo Pablo Picasso
com a esposa Françoise Gilot e o sobrinho
Javier Vicaro caminhando na praia,
no Sul da França, em 1948








Construindo seus argumentos narrativos baseado nas raras entrevistas do próprio Capa e nos depoimentos de amigos e contemporâneos do fotógrafo, além da pesquisa em jornais e revistas da época, arquivos da Rússia, da França e de relatórios do FBI, até então inéditos, a biografia escrita por Kershaw apresenta uma trajetória que parece roteiro de um filme de aventuras. Ao alternar os casos mais pitorescos e os perigos permanentes nos campos de batalha, o biógrafo completa as lacunas e propõe interpretações para questões que surgiram desde a publicação de “Ligeiramente Fora de Foco”, a autobiografia que Capa publicou em 1947.



O Pós-Guerra e a novidade das cores



Depois das celebrações de seu centenário que ocorreram em 2013, com mostras e retrospectivas abertas ao público em museus e centros de pesquisa na França, Estados Unidos, Hungria, Itália, Espanha, México, Inglaterra, Alemanha, Israel, Robert Capa volta à cena no começo de 2014 com a apresentação pela primeira vez seus trabalhos com fotografia em cores. A exposição “Capa in Color” será aberta em 31 de janeiro em Nova York, no International Center of Photography (ICP), onde fica até maio e depois segue em mostra itinerante por diversos países. Uma seleção do acervo de fotografias coloridas de Robert Capa também será editada em catálogo pela editora Prestel, com ensaios e organização de Cynthia Young, curadora do ICP, incluindo textos inéditos dos diários de Capa e artigos de escritores e jornalistas que conviveram com o fotógrafo, entre eles John Steinbeck e Irwin Shaw. O livro, com lançamento anunciado para maio de 2014, está em pré-venda no site da Amazon.

















Robert Capa em cores: no alto, Pablo Picasso
em uma praia do sul da França em 1948 com o
filho Claude; e Ernerst Hemingway na Flórida
com o filho Gregory em 1941. Acima, três
experiências de Capa com variações de tempo
de exposição do Kodachrome para registrar a
musa de Hollywood Ava Gardneruma de suas
paixões, fotografada em Tivoli, na Itália, em
1954, nas filmagens de A Condessa Descalça
(The Barefoot Contesse), filme escrito e
dirigido por Joseph L. Mankiewicz.

Abaixo, a modelo e atriz Capucine na capa do
catálogo que reúne uma seleção das fotos em
cores de Capa, organizado por Cynthia Young,
outras raras fotografias em cores de
Capa: no Piccadilly Circus, Londres, no dia
2 de junho de 1953, durante a procissão de
coroação da rainha Elizabeth II; no Marrocos,
em 1949, com espectadores que assistem, no alto
da árvore, a visita do sultão Sidi Mohammed;
o desembarque de imigrantes em Israel, em 1949;
um treinamento militar e o encontro da tropa com
uma família de gansos na Indochina, em 1954;
e uma das últimas fotos de Capa, com data de
25 de maio de 1954, data em que
ele morreu numa explosão, ao pisar em uma
mina, enquanto acompanhava tropas no Vietnã,
durante os combates na Guerra da Indochina
























 


As 125 fotos anunciadas para a mostra no ICP de Nova York e para o catálogo organizado por Cynthia Young foram selecionadas do acervo de mais de 4 mil imagens em cores que Capa produziu e que, na quase totalidade, ainda permanecem inéditas. Na maioria, são imagens feitas sob encomenda para as revistas norte-americanas durante a Segunda Guerra, no Pós-Guerra e no início da década de 1950, e revela, que Capa – reconhecido como um dos grandes mestres da fotografia em preto-e- branco – também foi um dos primeiros fotógrafos do primeiro time a investir na novidade das cores, testando novos filmes e o manuseio de novos equipamentos.

A técnica das fotos coloridas, que havia sido introduzida em escala industrial pela Kodak (Kodachrome) em 1936, foi esnobada até a década de 1950 pela maioria dos profissionais da fotografia contemporâneos de Capa. Ele, entretanto, investiu na novidade, contra tudo e contra todos, e começou a explorar a técnica dos filmes coloridos a partir de 1938, durante a guerra entre China e Japão. Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, Capa experimentaria alguns registros a cores, mas teve dificuldades em vender as fotografias coloridas, motivo pelo qual continuou a fotografar em preto e branco e só regressou à cor depois de 1945, durante suas viagens pela Europa, pela África e por países do Oriente Médio. O resultado, pelo que se vê nas amostras do material distribuído à imprensa pelo ICP, impressiona.






Robert Capa em cores: acima, soldados
norte-americanos na Tunísia, durante a
Segunda Guerra Mundial. Abaixo,
a vida cotidiana de uma família
tradicional da Noruega na Península
Escandinava, em fotografia de Capa
durante expedições pelos países do
norte da Europa. Também abaixo,
visitante observa a exposição das
fotos coloridas de Capa em Nova York













Imagens inéditas e cinebiografias



Entre as experiências inéditas de Robert Capa com a cor que serão apresentadas pela primeira vez em Nova York estão cenas urbanas e a crônica social sobre famosos e anônimos no Pós-Guerra, nas capitais da Europa. Também fazem parte das 125 fotos anunciadas para a exposição no ICP belas imagens de seu amigo Picasso em 1948, passeando com a família na praia, no sul da França, e brincando dentro d'água com o filho recém-nascido. Ava Gardner, uma de suas musas, também foi registrada em cores por Capa, durante as filmagens de “A Condessa Descalça” na Itália, em 1954, assim como a chegada dos primeiros judeus no Pós-Guerra ao recém-fundado Estado de Israel, além de novos enquadramentos revelados em cores sobre cenas de guerra que na versão em preto e branco fizeram dele uma celebridade internacional, aclamado como mestre da fotografia. 









A foto mais polêmica de Robert Capa
em 1936, durante a Guerra Civil
Espanhola. Abaixo, amostras do
lirismo do fotógrafo ao registrar a
plateia que assistia à final da corrida
no Hipódromo de Longchamp, em
Paris, 1952; um flagrante de sua
musa Ingrid Bergmandurante as
filmagens de Viaggio in Italia,
de Roberto Rossellini, em abril de 1953
(com Rossellini e George Sanders);
uma imagem rara de Ingrid Bergman
e Robert Capa juntos, em Berlim, 1945,
fotografados por Carl Goodwin;
e um soldado francês no deserto da
Tunísia, em 1943, durante os combates
da Segunda Guerra.

Também abaixo, duas fotografias
produzidas sob encomenda da
Maison Dior, em Paris, 1948;
o registro do beijo do casal anônimo
às margens do rio Sena, em Paris,
em 1952; e Capa em ação, durante
a Segunda Guerra, durante e depois
do célebre desembarque na
Normandia, em junho de 1944,
fotografado por David Scherman



















Também são aguardados com expectativa pelos fãs da fotografia, e pelos admiradores da trajetória do maior de todos os fotógrafos de guerra, novos documentários com cenas inéditas e três filmes de ficção que foram anunciados em pré-produção para contar histórias sobre a vida e as aventuras de Robert Capa pelos cinco continentes, incluindo sua aura de sedutor e suas relações amorosas mais conhecidas, entre elas a também fotógrafa Gerda Taro e as estrelas de cinema Ingrid Bergman e Ava Gardner. Um dos filmes é “Close enough”, de Paul Andrew Williams, com roteiro de Menno Meyjes, centrado na Guerra Civil Espanhola, que ainda não anunciou seu ator protagonista para o papel do fotógrafo. O título previsto para o filme, "Close enough", que pode ser traduzido como “perto o suficiente”, é baseado em uma frase famosa atribuída ao fotógrafo, que costumava dizer: "If your pictures aren’t good enough, you aren’t close enough" (Se as fotografias não são suficientemente boas, é porque você não está suficientemente perto”).

Outro dos filmes anunciados é "Seducing Ingrid Bergman”, com roteiro de Arash Amel, baseado no livro homônimo que Chris Greenhalgh publicou em 2012, que aborda o caso de amor entre o fotojornalista e a atriz e seus encontros secretos a partir de 1945 em Paris, em Berlim e em Hollywood, após a Segunda Guerra. A história do caso de amor sigiloso entre a estrela e o fotógrafo teria também inspirado Alfred Hitchcock, antigo confidente de Ingrid Bergman, em várias cenas do casal de namorados interpretado por Grace Kelly e James Stewart no filme de 1954 "Janela Indiscreta" (Rear Window). Pelas especulações na imprensa internacional, a versão para cinema de "Seducing Ingrid Bergman" possivelmente terá Jessica Chastain no papel de Ingrid Bergman e direção de James Mangold.

Também está anunciado como pré-produção um filme que vai abordar a descoberta da fotografia pelo jovem Endre Erno Friedmann. Com o título “Capa”, terá provavelmente a direção de Michael Mann, que já anunciou Andrew Garfield para o papel principal. O roteiro, escrito por Michael Mann em parceria com Jez Butterworth, é uma adaptação de Waiting for Robert Capa”, livro que Susana Fortes publicou em 2009 abordando a juventude do fotógrafo e sua relação com Gerda Taro. Como os filmes anunciados se propõem a recriar passagens da biografia do fotógrafo com as licenças poéticas que são frequentes nas obras de ficção, e não como documentários que relatam e investigam em detalhes os fatos reais, tanto os ferrenhos detratores como os fãs dedicados de Robert Capa podem ir se preparando para encontrar novas e antigas questões polêmicas.

 

por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Robert Capa em cores. In: Blog Semióticas, 22 de dezembro de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/12/robert-capa-em-cores.html (acessado em .../.../...).








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