Neste
país, só há duas que cantam, Gal e eu. –– Elis Regina (1945-1982). |
Até recentemente, Milton
Nascimento passou alguns anos viajando a trabalho pelo Brasil e
por cidades do mundo inteiro. Foram duas turnês ao mesmo tempo,
intercalando a agenda de shows com os irmãos Lionel Belmondo (sax e
flauta) e Stéphane Belmondo (trompete), com os quais gravou na
França o CD "Milton Nascimento e Belmondo", e as
apresentações com o Jobim Trio, dedicadas ao disco "Novas
Bossas", que celebrou os 50 anos da Bossa Nova. Aproveitando um
breve intervalo entre as viagens, Milton retornou a passeio a Belo
Horizonte, onde fez o último show em abril de 2011,
acompanhado pela banda formada por Kiko Continentino (teclados),
Wilson Lopes (guitarras, violões e violas), Gastão Villeroy (baixo)
e Lincoln Cheib (bateria e percussão).
Na
véspera de sua viagem do Rio de Janeiro, onde mora há muitos anos, para o breve retorno às Minas Gerais, entrevistei Milton Nascimento por
telefone para o jornal "Hoje em Dia", de Belo Horizonte. Conforme o que foi combinado com a assessoria do cantor, seria uma entrevista breve para falar sobre os novos projetos e sobre a experiência de Milton ter sua voz mixada em estúdio com Elis Regina para um álbum do Selo Discobertas. Mas a conversa avançou para outros assuntos e falamos sobre o show gratuito que Milton planeja para o campus da UFMG, com participação dos amigos do Clube da Esquina Wagner Tiso e Lô Borges, para comemorar os 85 anos da universidade, e também sobre o show planejado para as comemorações do Ano de Portugal no Brasil, em que Milton vai dividir o palco do Palácio das Artes, em BH, com Mariza, cantora de Moçambique que ele muito admira. Também falamos na entrevista sobre a experiência das turnês simultâneas fora do Brasil e sobre as expectativas para o reencontro com BH, sobre a instalação do Museu
Clube da Esquina e sobre os músicos que de longa data o acompanham nos
shows.
"Em Belo Horizonte é diferente. Nem parece trabalho. Aliás, dessa vez é mais a passeio do que a trabalho", ele diz. "Estar em BH já me deixa feliz por qualquer motivo. Tem os amigos, os lugares, as lembranças, os sobrinhos e meus cinco afilhados. Sem falar de todo mundo que me ouve desde menino, nos bares e nos bailes da vida". Muito bem-humorado, sem pressa, com a voz pausada, inconfundível, e com uma memória surpreendente para nomes, canções e acontecimentos marcantes em sua trajetória profissional, Milton faz as contas e lembra que neste ano de 2012 está comemorando 70 anos de idade, 50 anos de carreira profissional e 40 anos do álbum lendário "Clube da Esquina". Sua estreia nos palcos, contudo, aconteceu alguns anos antes dos festivais de música que o tornaram conhecido na década de 1960. Milton recorda que estreou exatamente em 1956, quando, aos 14 anos, começou a cantar e tocar com o amigo Wagner Tiso na noite da cidade de Três Pontas, no sul de Minas Gerais.
"Em Belo Horizonte é diferente. Nem parece trabalho. Aliás, dessa vez é mais a passeio do que a trabalho", ele diz. "Estar em BH já me deixa feliz por qualquer motivo. Tem os amigos, os lugares, as lembranças, os sobrinhos e meus cinco afilhados. Sem falar de todo mundo que me ouve desde menino, nos bares e nos bailes da vida". Muito bem-humorado, sem pressa, com a voz pausada, inconfundível, e com uma memória surpreendente para nomes, canções e acontecimentos marcantes em sua trajetória profissional, Milton faz as contas e lembra que neste ano de 2012 está comemorando 70 anos de idade, 50 anos de carreira profissional e 40 anos do álbum lendário "Clube da Esquina". Sua estreia nos palcos, contudo, aconteceu alguns anos antes dos festivais de música que o tornaram conhecido na década de 1960. Milton recorda que estreou exatamente em 1956, quando, aos 14 anos, começou a cantar e tocar com o amigo Wagner Tiso na noite da cidade de Três Pontas, no sul de Minas Gerais.
Ele também recorda que foi em Três Pontas, na verdade em uma fazenda perto de Três Pontas, que aconteceu um evento que deixou saudades e muitas histórias: o Show do Paraíso, que ficou conhecido como o Woodstock Mineiro, que Milton organizou com amigos em plena ditadura militar, com participação muito especial de Chico Buarque e Clementina de Jesus, entre muitos outros. Para
o grande público, a estreia de Milton Nascimento foi em 1967, no Rio
de Janeiro, quando classificou três canções no II Festival
Internacional da Canção, entre as quais "Travessia", um
de seus maiores sucessos, em parceria com Fernando Brant. "A
única música que sempre faço questão de tocar em Belo Horizonte é
'Nos Bailes da Vida'. Porque é a minha história que está toda ali,
contada nas palavras da canção”, ele explica.
Milton
diz que o roteiro dos shows ele costuma decidir nos ensaios, ouvindo
sempre o que a banda tem a propor. “Às vezes a decisão só vem no
dia, na hora mesmo do show. Essa é a vantagem de tocar com músicos
que você conhece muito e admira. As coisas ficam mais fáceis, tudo
é mais espontâneo", reconhece, enquanto explica que nos shows
prefere fazer retrospectivas das canções que foram importantes em
fases diferentes de sua carreira.
"Numa
das últimas vezes que estive em Belo Horizonte, para um show com o
Jobim Trio, eu falava muito no palco, contava histórias. Cantava
também, mas acho que falava mais do que cantava", ele diz, achando graça, como se não fosse um presente para sua plateia passar pela experiência de encontrar o ídolo cantando e contando no palco histórias longas ou breve e divertidas. Entre
as experiências mais marcantes que viveu recentemente, Milton diz que a principal delas, a mais emocionante, foi mesmo o
dueto póstumo que realizou com Elis Regina, por conta de um projeto
do Selo Discobertas, do produtor musical Marcelo Fróes.
No
terceiro volume da trilogia “Beatles 69 – Abbey Road
Revisited”, que celebrou os 40 anos da última safra de
canções da banda, Milton reencontrou em estúdio a voz de Elis, sua
parceira do inicio da carreira e amizade das mais intensas. Na série de três discos produzidos
por beatlemaníacos e para beatlemaníacos pelo selo de Marcelo Fróes, contando com
participações de diversos artistas nacionais (entre veteranos como
João Donato, Joyce, Ivan Lins, e nomes das novas gerações, como
BossaCucaNova, Fuzzcas e Sílvia Machete, entre outros), Milton e
Elis estão presentes cantando juntos na suíte “Golden slumbers / Carry that
weight”, composição de John Lennon e Paul McCartney gravada originalmente no álbum de 1969 "Abbey Road" e inspirada em versos publicados em 1606 pelo poeta inglês Thomas Dekker – sem nenhuma dúvida uma das mais especiais de todas as
novas versões de canções dos Beatles reunidas no projeto do Selo Discobertas.
A presença de Elis
“Foi
muito emocionante, muito mesmo”, diz Milton, recordando os melhores momentos da
experiência de gravar no estúdio com presença da voz de Elis. “Pensei em utilizar minha própria banda, mas o
Marcelo Fróes me apresentou outros músicos e o resultado foi imprevisto e impecável. Como não sou de fechar
ad portas para ninguém, seguimos em frente, apesar de algumas diferenças que fomos encontrando aqui e ali na concepção do trabalho. Mas acho que foi a melhor coisa que
podia acontecer. Ficou bonito demais e foi estranho, foi como se a Elis estivesse
presente. Os meninos da banda e da técnica sentiram a mesma coisa. Foi ótimo ter gravado
aquilo”.
Falar em público e dar aulas para grandes plateias também foram experiências marcantes para Milton nos últimos tempos, desde que passou a ser convidado com frequência por universidades na Europa e nos Estados Unidos para apresentar conferências para os alunos. "Na primeira vez que convidaram eu fiquei surpreso, mas deu tudo certo, pelo jeito, pois depois vieram outros convites em outras universidades, em outros países”, conta Milton, explicando que estes encontros sempre resultam do improviso e acabam sendo muito especiais.
“Falo de tudo nessas oportunidades. Do Brasil, da música brasileira, dos amigos, dos músicos que admiro. No meio da conversa sempre vem alguma canção, ou então é a canção que puxa outro assunto, outra canção", explica, recordando que os estudantes europeus o surpreenderam mais porque sempre demonstravam que conheciam muito o seu trabalho."Perguntavam sobre os discos, a história das músicas. Foi muito bom", recorda, lamentando apenas que as aulas não tenham sido gravadas ou filmadas. "Foi um descuido. Mas está nos planos para o futuro repetir a experiência e gravar tudo", justifica. Enquanto aguarda com seus companheiros de geração a instalação do Museu Clube da Esquina, a produção de um DVD com registro ao vivo de seus shows mais recentes também está nos projetos do cantor e compositor para os próximos meses.
Enquanto
nos palcos algumas das canções de Milton ocupam um lugar especial
no roteiro dos shows, ele reconhece que, na extensa discografia que
vem construindo, é o CD "Angelus", lançado em 1994, que
ainda traz as melhores lembranças. "Costumo dizer que 'Angelus'
é o terceiro 'Clube da Esquina'. É meu disco mais diferente, com
muitas participações especiais de amigos que a gente vai fazendo
pelo mundo", recorda, enumerando as histórias engraçadas e as
coincidências que envolveram vários nomes do primeiro time do jazz
e da música pop na produção do CD.
Nas
viagens pelo mundo afora, Milton também vai descobrindo aqui e ali
novidades musicais surpreendentes. A mais recente é um coral de
vozes da Bulgária. "E o que mais tenho ouvido ultimamente,
junto com Miles Davis, Villa-Lobos, Ravel... Depois do projeto com os
irmãos Belmondo estou mais atento à música erudita. Mas o que mais
me encanta, sempre, é a música de Minas Gerais", reconhece.
Para Milton, a música de Minas, incluindo compositores novos e
antigos, cantoras, cantores, instrumentistas e bandas, é a melhor
música que se faz hoje no Brasil.
Sonhos na origem
Amigo
de Milton Nascimento de longa data, desde antes da criação do Clube
da Esquina, Márcio Borges diz que seu livro "Os Sonhos não
Envelhecem" conta, antes de tudo, a história de uma amizade.
"Não é uma biografia, nem autobiografia, nem reportagem. É
uma crônica sobre a história de minha amizade com Milton",
define o autor e protagonista da história, compositor de
"Equatorial", "Gira Girou" e outros clássicos do
Clube da Esquina, que apresenta no livro um belo relato poético,
apesar de rememorar, entre outras histórias, páginas da ditadura
militar que calou a utopia de várias gerações de brasileiros.
O
livro, que estava esgotado há anos, ganhou recentemente uma nova
edição. A primeira, que saiu em 1996, em pouco tempo esgotou em
todo o Brasil toda a tiragem de 30 mil exemplares. A nova versão,
que mereceu uma edição de luxo da Geração Editorial, tem preço
promocional, graças ao apoio conseguido junto ao Ministério da
Cultura.
O
novo “Os Sonhos não Envelhecem” manteve o texto original de
1996, que vai dos primórdios da adolescência aos últimos tempos da
parceria de Márcio com Milton Nascimento, que resultou no sucesso do
Clube da Esquina. A história transformada em livro chega às lojas
com formato diferenciado, com 376 páginas, farta iconografia e um
acréscimo de peso para agradar aos fãs mais exigentes: um CD com
uma seleção musical que inclui "Girassol", "Canto
Latino", "Tudo que você podia ser" e outras canções
marcantes de Milton, Lô Borges, Wagner Tiso e outros nomes de
referência no movimento.
Narrador
de histórias saborosas – da explosiva década de 1960 aos anos
1980 e 1990 e também casos recentes da maturidade e das aventuras da terceira idade – Márcio Borges no livro fala ao leitor numa prosa
apaixonada, emocionante. Seu livro parece um roteiro de filme, até
porque o cinema tem presença constante no repertório do autor e dos
personagens retratados, em especial aqueles que, como ele, viveram na
pele os piores momentos da ditadura militar.
Há
quase 10 anos, Márcio Borges vem se dedicando à criação e
instalação do Museu Clube da Esquina – que de acordo com os planos de longa data terá sua sede física próxima à Praça da Liberdade, em Belo
Horizonte. O museu, por enquanto, está limitado ao formato
virtual, no site do bar Clube da Esquina. Nos planos de
Márcio Borges também estão o lançamento de outros livros sobre as histórias dos amigos do Clube da Esquina e a adaptação de "Os Sonhos não Envelhecem" para o cinema.
Dilma e o Clube da Esquina
Márcio
Borges prepara dois novos livros: o primeiro será um romance, o
outro será uma coletânea de cartas. Enquanto os outros livros não
chegam às livrarias, ele trabalha para transformar "Os Sonhos
não Envelhecem" em filme. Para isso, ele está concluindo as
negociações para produção com o cineasta Paulo Thiago. "Ainda
não sabemos se será documentário ou obra de ficção. Estamos
acertando", explica.
Entre
canções de poesia irresistível que fizeram história, o autor
mistura no livro “Os Sonhos não Envelhecem” a história de
músicas e muitas memórias compartilhadas. Sem contar uma
curiosidade que ganharia força com passar do tempo: Márcio Borges
teve como colega de turma no colégio, em Belo Horizonte, Dilma
Rousseff, que abraçaria a militância política de resistência à
ditadura militar e chegaria décadas depois à Presidência da
República.
Dilma
Rousseff é personagem do livro do Márcio Borges porque surge no
relato na época em que os dois estudaram no antigo Colégio Estadual
Central. O reencontro com a colega dos tempos de colégio só
aconteceu em 2010, durante um dos compromissos de Dilma na campanha
presidencial em BH. Mas não é Dilma e sim Milton Nascimento o
personagem central do relato, que tem prefácio assinado por Caetano
Veloso.
Reza a
lenda que a mitologia do Clube da Esquina surgiu do encontro de um
grupo de amigos que se reuniam na esquina da Rua Divinópolis com
Paraisópolis, no bairro de Santa Teresa, em Belo Horizonte. Formado,
entre outros, por Tavinho Moura, Wagner Tiso, Milton Nascimento, Lô
Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini, Toninho Horta, Márcio
Borges, Ronaldo Bastos, Fernando Brant e os integrantes do 14 Bis, o
grupo de jovens amigos se juntava para cantar e tocar desde a segunda
metade da década de 1960.
Nas
reuniões informais dos amigos no bairro de Santa Tereza e nos
passeios do grupo pelas cidades históricas de Minas foram criadas as
canções e o imaginário de um dos discos mais antológicos da MPB,
o LP “Clube da Esquina”, gravado em 1972 e tendo como
protagonistas Milton Nascimento e Lô Borges, com produção de
Ronaldo Bastos. Mas o Clube da Esquina também foi feito de histórias
das estradas de ferro.
Memórias afetivas
Basta
lembrar dos versos dos maiores clássicos de Milton Nascimento e
companhia: o trem que ligava Minas ao porto, ao mar, a ferrovia, o
caminho de pedra, a travessia, a paisagem na janela. A histórica
estrada de ferro Vitória-Minas, que já rendeu inspiração para
todos os compositores do grupo, também surge homenageada em outro
livro de Márcio Borges, "Entradas e Outras Bandeiras: A Chegada
da Vitória-Minas".
Com
breves textos e versos de Márcio Borges, mais fotografias e direção
de arte de Arthur Senra, o livro foi editado pelo clube de amigos do
Museu Clube da Esquina, com recursos do Fundo Estadual de Cultura. "É
um tema muito especial para cada um de nós, porque está ligado à
memória afetiva do mineiro e à história do Clube da Esquina em
particular", explica Márcio Borges.
"Este
livro, que batizamos de 'Entradas e Outras Bandeiras: A Chegada da
Vitória-Minas', é um retrato desta ligação afetiva, entrando
pela viagem poética a que o assunto convida. A vida da gente é feita dessas memórias. Agora, com a instalação
do Museu Clube da Esquina, fiquei mais atento às questões da
memória, da história oral, do registro fotográfico. Senão, a
gente não consegue evitar aquele risco perigoso do passado se
perder", confessa Márcio Borges.
O
convênio de instalação do museu no antigo espaço do Servas já
foi assinado com o Governo do Estado e, segundo Márcio Borges, a
instalação do projeto está adiantada. "Já há inclusive uma
emenda parlamentar aprovada pelo Congresso Nacional que destinou
recursos para a instalação do museu", explica, feliz com a notícia. O Museu Clube
da Esquina tem meta de instalação e abertura ao público na
inauguração do Circuito Cultural Praça da Liberdade, previsto para
os próximos meses. O projeto para a abertura do museu, segundo Borges, tem orçamento
de aproximadamente R$ 10 milhões.
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Milton no Clube da Esquina. In: Blog
Semióticas,
12 de março de 2012. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2012/03/o-clube-da-esquina.html
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