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Há quem já aposte que nem dessa vez ele vai
aparecer em público, para manter a mística da reclusão que vem sendo cultivada
há mais de meio século. Dalton Trevisan, o mais misterioso dos escritores
brasileiros, foi anunciado hoje, em
Lisboa, como vencedor da maior honraria da língua portuguesa, o
Prêmio Camões. O júri, formado por dois nomes do Brasil, dois de
Portugal e dois do continente africano (de Moçambique e de Angola), foi unânime
na escolha do escritor brasileiro para esta 24ª edição do prêmio.
Contrariando aquele aforismo atribuído a Nelson
Rodrigues, de que toda unanimidade é burra, a qualidade da literatura de Dalton Trevisan há um bom
tempo tornou-se um valor unânime entre crítica e público no Brasil e em outros países em que seus livros tiveram tradução. Um dos jurados brasileiros, o escritor
Silviano Santiago destacou na justificativa para o Prêmio Camões
que a obra de Trevisan apresenta “uma contribuição extraordinária
para a arte do conto, em particular para o enriquecimento de uma
tradição que vem de Machado de Assis, no Brasil, de Edgar Allan
Poe, nos EUA, e de Borges, na Argentina”.
Nascido
em Curitiba, em 14 de junho de 1925, Dalton Trevisan estreou na
carreira literária aos 20 anos, com “Sonata
ao Luar” (1945), coletânea de contos ousada e de qualidade incomum,
atestada há décadas pelos críticos mais exigentes, e que já revelava seu estilo ácido, conciso, que muitos definem como esquisito e também misterioso. Em sua cidade natal, morou durante décadas no mesmo endereço, em uma casa que tem a mesma idade que ele, uma das raras construções da década de 1920
que ainda restam na paisagem urbana de Curitiba, na esquina das ruas
Ubaldino do Amaral e Amintas de Barros, no bairro Alto da Glória.
A aparência de abandono do velho casarão, que o escritor ocupou desde a
década de 1960, raramente recebendo visitas, com o passar do tempo foi reforçando a
imagem do “Vampiro de Curitiba”, apelido que vem de um dos seus
personagens, do livro homônimo publicado em 1965. Trevisan, o escritor recluso, avesso à imprensa, às fotografias e às frivolidades da indústria cultural que fazem a alegria de celebridades e de subcelebridades, também é o que se pode chamar de escritor prolífico:
publicou
mais de 40 livros, a grande maioria de contos. Seu último livro de inéditos saiu em 2011, com o título
“O Anão e a Ninfeta”.
Além
de conquistar a distinção máxima do Prêmio Camões, Dalton
Trevisan é daqueles escritores que colecionam premiações
importantes, entre elas prêmios Jabuti (com "Novelas nada
Exemplares", de 1959, "Cemitério de Elefantes", de
1964, e “Desgracida”, de 2010), o Prêmio Ministério da Cultura
de 1996, pelo conjunto da obra, e o 1° Prêmio Portugal Telecom de
Literatura Brasileira, em 2003, com o livro “Pico na Veia”. As
premiações, contrariando uma prática cada vez mais comum, não
provêm de lobby nem de estratégias massivas de marketing. Muito
pelo contrário: trata-se de um escritor avesso a entrevistas e a
qualquer forma de autopromoção.
A
mística da reclusão é o que tem prevalecido. Tanto que, no
comunicado oficial do Prêmio Camões, enviado hoje à imprensa, a
organização divulgou que não havia conseguido contato com Dalton
Trevisan nem para avisá-lo da homenagem e dos 100 mil euros (cerca
de R$ 268 mil) a que ele tem direito pela distinção. Não é uma
novidade, já que o escritor tem por regra nunca comparecer às
cerimônias: para receber os prêmios, sempre enviou representantes. Alguns argumentam que a mística da reclusão teve início em 1959, quando ele foi premiado no Jabuti com "Novelas nada Exemplares" e não compareceu para receber o prêmio. Desde então ele não se deixa fotografar, não sai de Curitiba, não atende o telefone e comunica-se com o mundo apenas através de bilhetes que ele assina como "D. Trevis".
Geração
de 45
Traduzido em diversas
línguas, Dalton Trevisan conta com várias de suas obras adaptadas
para teatro, cinema e TV. Entre as adaptações, pelo menos duas se
destacam: uma inusitada série produzida recentemente pela TV da
Hungria e o filme premiado no Brasil e em outros países “Guerra
Conjugal” (1975), versão do cineasta Joaquim Pedro de Andrade para
os contos reunidos no livro homônimo, publicado em 1969.
Uma constante na literatura de Dalton Trevisan é a cidade de Curitiba e seus habitantes, pessoas comuns que ele parece observar secretamente, nas caminhadas que faz pelas ruas e praças, sempre anônimo, avesso a entrevistas e a contatos ou conversas mesmo com seus leitores. Se alguém quer um livro autografado, que passe por um ritual repetido há décadas: o interessando deixa o livro na tradicional Livraria do Chain, no centro da cidade, com o nome anotado em um papel, que o autor concede o autógrafo sem problemas. Ao que se sabe, os amigos e interlocutores são poucos e também anônimos. Os amigos famosos, escritores, não estão mais vivos, entre eles Otto Lara Rezende, Rubem Braga, Vinicius de Moraes.
Uma constante na literatura de Dalton Trevisan é a cidade de Curitiba e seus habitantes, pessoas comuns que ele parece observar secretamente, nas caminhadas que faz pelas ruas e praças, sempre anônimo, avesso a entrevistas e a contatos ou conversas mesmo com seus leitores. Se alguém quer um livro autografado, que passe por um ritual repetido há décadas: o interessando deixa o livro na tradicional Livraria do Chain, no centro da cidade, com o nome anotado em um papel, que o autor concede o autógrafo sem problemas. Ao que se sabe, os amigos e interlocutores são poucos e também anônimos. Os amigos famosos, escritores, não estão mais vivos, entre eles Otto Lara Rezende, Rubem Braga, Vinicius de Moraes.
Dalton
Trevisan começou a publicar em 1945, apesar de mais tarde ter
renegado os seus dois livros de juventude: "Sonata ao Luar"
e "Sete Anos de Pastor" (1948). No período entre a
publicação dos primeiros livros, de 1946 a 1948, liderou o grupo
que editou a revista de literatura "Joaquim", anunciada
como "uma homenagem a todos os Joaquins do Brasil", com
traduções da lavra de Trevisan para clássicos da literatura
universal, entre eles contos e trechos de romances de Franz Kafka,
James Joyce, Marcel Proust e Jean-Paul Sartre.
Acima, a psicopatologia amorosa em cenas de Guerra Conjugal. Abaixo, o cartaz original do lançamento nos cinemas e um cartaz promocional do filme censurado pela ditadura militar: adaptação do livro de Dalton Trevisan foi filmada por Joaquim Pedro de Andrade em 1975, com roteiro do próprio escritor e participação de Lima Duarte, Analu Prestes, Wilza Carla, Carlos Gregório, Cristina Aché
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A revista "Joaquim" também marcou época porque trazia, a cada número, a colaboração de
nomes importantes da cultura brasileira, incluindo ensaios inéditos, escritos sob encomenda para a revista, por nomes de peso como Antonio
Candido, Tristão de Athayde e Otto Maria Carpeaux, entre outros,
com ilustrações assinadas por artistas como Di Cavalcanti e Heitor
dos Prazeres, além de contos e poemas até então inéditos – como
o depois célebre "O Caso do Vestido", escrito por Carlos Drummond
de Andrade.
A
lista de livros de Dalton Trevisan é extensa e inclui títulos que vão de “Guia
Histórico de Curitiba”, “Os Domingos” e “Crônicas da
Província de Curitiba”, publicados em 1954 e escritos à moda dos
panfletos populares e dos manuais que circulavam nas feiras, a
exercícios de metalinguagem (“Capitu Sou Eu”, 2003) e crônicas
policiais mais violentas, caso de “Morte na Praça” (1964),
“Crimes da Paixão” (1978) e “Lincha Tarado” (1980), sempre no seu estilo inconfundível, breve, direto e extremamente realista.
Seu
livro mais conhecido, “O Vampiro de Curitiba” (1965), muitas
vezes tomado como codinome do autor, reúne as características mais
marcantes do estilo Dalton Trevisan, minimalista e personalíssimo, pontuado de brevidade e crueldade, recheado de ironia e erotismo explícito que os conservadores consideram grosseiro e pornográfico. São textos que
transformam tramas psicológicas em crônicas de costumes, todas
construídas em linguagem das mais concisas que valoriza incidentes
do cotidiano, incluindo crimes, perversões, paixões extremadas e
afetos não correspondidos.
Misterioso
até para seus poucos conhecidos e vizinhos em Curitiba, Dalton
Trevisan trabalhou em uma fábrica de vidros, foi jornalista dedicado
à cobertura de casos de polícia e crítico de cinema, além de ter
exercido por vários anos a advocacia. Na historiografia da
literatura brasileira, ele é apontado como um dos principais
contistas do século 20 e expoente da chamada Geração de 45, que
alguns também classificam como “pós-modernista”, na qual também
se destacam Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, entre
outros. Trevisan publicou apenas um romance: “A Polaquinha”, em
1985.
Relações
culturais
Além
de Silviano Santiago, o júri desta edição do Prêmio Camões que
premiou Dalton Trevisan foi formado pelos professores universitários
e escritores Alcir Pécora (Unicamp – Brasil), Rosa Martelo
(Faculdade de Letras do Porto) e Abel Barros Baptista (Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas de Lisboa), pela poeta e historiadora
angolana Ana Paula Tavares e pelo também historiador moçambicano
João Paulo Borges Coelho.
Criado
em 1988 para destacar a importância da literatura e para
intensificar e complementar as relações culturais entre o Brasil e
Portugal, o Prêmio Camões
também conta
atualmente com a adesão da Comunidade de Países da Língua
Portuguesa (CPLP). O português Miguel Torga foi o primeiro vencedor,
em 1989. A maior polêmica veio em 2006, quando o angolano José
Luandino Vieira, em protesto político, se recusou a receber o
prêmio. José Saramago, o único Nobel de Literatura da língua
portuguesa, também foi laureado pelo Prêmio Camões em 1995.
Dos 24 nomes já premiados com o Camões, incluindo Dalton Trevisan, dez são portugueses, dez são brasileiros, dois são angolanos e há um moçambicano e um cabo-verdiano. Os brasileiros premiados são João Cabral de Melo Neto (1990), Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), Antonio Cândido (1998), Autran Dourado (2000), Rubem Fonseca (2003), Lygia Fagundes Telles (2005), João Ubaldo Ribeiro (2008) e Ferreira Gullar (2010).
por
José Antônio Orlando.
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Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Trevisan
vence Camões.
In: Blog
Semióticas,
21
de maio
de 2012. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2012/05/trevisan-vence-camoes.html
(acessado em .../.../…).
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Todos
os vencedores do Prêmio Camões:
1) 1989:
Miguel Torga (poeta e romancista português)
2) 1990:
João Cabral de Melo Neto (poeta brasileiro)
3) 1991:
José Craveirinha (poeta moçambicano)
4) 1992:
Vergílio Ferreira (romancista português)
5) 1993:
Rachel de Queiroz (romancista brasileira)
6) 1994:
Jorge Amado (romancista brasileiro)
7) 1995:
José Saramago (romancista português)
8) 1996:
Eduardo Lourenço (crítico literário e ensaísta português)
9) 1997:
Pepetela (romancista angolano)
10) 1998:
Antonio Cândido (crítico literário e ensaísta brasileiro)
11) 1999:
Sophia de Mello Breyner Andresen (poeta portuguesa)
12) 2000:
Autran Dourado (romancista brasileiro)
13) 2001:
Eugénio de Andrade (poeta português)
14) 2002:
Maria Velho da Costa (romancista portuguesa)
15) 2003:
Rubem Fonseca (romancista brasileiro)
16) 2004:
Agustina Bessa Luís (romancista portuguesa)
17) 2005:
Lygia Fagundes Telles (romancista brasileira)
18) 2006:
José Luandino Vieira (escritor angolano; recusou o Prêmio Camões)
19) 2007:
António Lobo Antunes (romancista português)
20) 2008:
João Ubaldo Ribeiro (romancista brasileiro)
21) 2009:
Armênio Vieira (escritor de Cabo Verde)
22) 2010:
Ferreira Gullar (poeta brasileiro)
23) 2011:
Manuel António Pina (poeta, cronista, dramaturgo e romancista
português).
24) 2012: Dalton Trevisan (contista e cronista brasileiro).
Dalton Trevisan retratado no traço de Loredano
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