O italiano Umberto Eco classifica alguns modos de pensar os mundos possíveis, e também os impossíveis, em suas representações contidas no conceito abrangente de “heterotopias”, aquelas possibilidades de ficções ou imaginações que o gênio humano sempre acalenta, para além do real imediato, para além do real factual. Eco aborda as “heterotopias” em ensaios escritos na década de 1980, retomando o conceito que, ao que se sabe, foi usado anteriormente, pela primeira vez, pelo francês Michel Foucault em um livro seminal publicado em meados dos anos 1960, “As Palavras e as Coisas”. No prefácio de seu livro, que ele afirma ter nascido a partir de um texto de Jorge Luis Borges, Foucault afirma que a heterotopia, aquele “outro lugar” e também o “lugar do outro”, descreve lugares e espaços que têm múltiplas camadas de significação – e em cuja complexidade delineia-se o “estranho” no qual se reconhece algo que possa ser considerado como “familiar”.
Seguindo os passos na trilha delineada por Foucault, Umberto Eco destaca sobre as heterotopias que, nos modos mais diversos de usar tal conceito, o que distingue a narrativa fantástica da narrativa realista é o fato de que os mundos possíveis da ficção (ou seja, os mundos impossíveis) são, estruturalmente, diferentes do mundo real. Heterotopias, em seu apelo permanente ao fantástico e a um “outro lugar”, um “outro mundo”, conforme Eco exemplifica nos ensaios sobre o tema, são usadas por muitos em situações das mais diversas, seja nos domínios da arte e da literatura, seja no discurso político premeditado e ameaçador da direita fascista e dos mais conservadores, na defesa dos dogmas da religião e da filosofia, nos telejornais que distorcem os fatos para mostrar um mundo alienado em “cor-de-rosa” ou nos anúncios de publicidade que prometem felicidade instantânea a partir do encantamento daquele determinado produto.
Em “As Palavras e as Coisas” e em outros ensaios e conferências, Foucault apresenta as utopias em contraponto às heterotopias e alerta: enquanto as utopias consolam, as heterotopias inquietam. Eco, por sua vez, com vasta ironia e aguda percepção sobre o detalhe revelador, especialmente em “Viagem na Irrealidade Cotidiana” e em “Sobre os Espelhos e Outros Ensaios”, coletâneas de ensaios publicadas no Brasil na década de 1980 pela editora Nova Fronteira, considera que tanto as utopias como as heterotopias fazem parte do mesmo grupo de categorias que englobam os “mundos possíveis” e também os “mundos impossíveis” – juntamente com alotopias, distopias, ucronias, metatopias, metacronias e outras variantes. Para os pesquisadores e leitores que têm interesse no assunto, há uma notícia promissora: em entrevista recente ao jornal inglês The Guardian, Umberto Eco revelou que a questão dos mundos possíveis e dos mundos impossíveis será o tema central de um livro ilustrado que ele deverá lançar em breve e que tem como título provisório “Storia delle terre e dei luoghi leggendari” (História das terras e dos lugares lendários).
Em “As Palavras e as Coisas” e em outros ensaios e conferências, Foucault apresenta as utopias em contraponto às heterotopias e alerta: enquanto as utopias consolam, as heterotopias inquietam. Eco, por sua vez, com vasta ironia e aguda percepção sobre o detalhe revelador, especialmente em “Viagem na Irrealidade Cotidiana” e em “Sobre os Espelhos e Outros Ensaios”, coletâneas de ensaios publicadas no Brasil na década de 1980 pela editora Nova Fronteira, considera que tanto as utopias como as heterotopias fazem parte do mesmo grupo de categorias que englobam os “mundos possíveis” e também os “mundos impossíveis” – juntamente com alotopias, distopias, ucronias, metatopias, metacronias e outras variantes. Para os pesquisadores e leitores que têm interesse no assunto, há uma notícia promissora: em entrevista recente ao jornal inglês The Guardian, Umberto Eco revelou que a questão dos mundos possíveis e dos mundos impossíveis será o tema central de um livro ilustrado que ele deverá lançar em breve e que tem como título provisório “Storia delle terre e dei luoghi leggendari” (História das terras e dos lugares lendários).
A questão semiótica que Umberto Eco estabelece sobre os mundos possíveis e os mundos impossíveis da arte e da literatura responde a um raciocínio criativo que todos nós alcançamos na vida cotidiana: o que aconteceria se o mundo real não fosse semelhante a si mesmo, isto é, se a sua própria estrutura fosse diferente? Penso nas categorias dos mundos possíveis e suas variantes a propósito do sucesso do livro "A Batalha do Apocalipse" (Editora Record), do jornalista Eduardo Spohr, que permaneceu durante meses e meses no topo das listas de mais vendidos – um feito incomum para uma obra de literatura de fantasia escrita por um autor brasileiro.
"Fico extremamente feliz por ter sido o meu livro um dos primeiros a alcançar este destaque de sucesso comercial tão raro entre a produção literária do Brasil", destaca Eduardo Spohr em entrevista que fiz com ele por telefone, do Rio de Janeiro, para o jornal "Hoje em Dia" de Belo Horizonte. Ele diz que até acha graça do sucesso atual, porque o arquivo original de seu livro esteve algumas vezes prestes a ser destruído, porque foi rejeitado por várias editoras antes de ser finalmente publicado e virar um campeão de vendas.
Metáforas filosóficas
Metáforas filosóficas
Carioca nascido em 1976 e com atuação profissional como professor universitário, formado em jornalismo com especialização em mídias digitais, Eduardo Spohr (foto ao lado) pode ser orgulhar pela conquista de um lugar pouco frequentado por autores brasileiros, pois geralmente as listas dos livros mais vendidos é dominada por best-sellers estrangeiros. Com “A Batalha do Apocalipse”, seu livro de estreia, Eduardo Spohr virou sucesso primeiro na internet, onde chegou a vender 4 mil exemplares de forma independente. Logo depois veio o contrato com a Record, uma das maiores editoras em atividade no Brasil, e agora ele comemora mais de 180 mil cópias vendidas.
O livro de Eduardo Spohr narra o confronto entre o céu e o inferno no Dia do Juízo Final. Ablon, o personagem central, representa a própria dualidade do ser humano – trata-se de um anjo renegado que vive o dilema de não poder se juntar às tropas do Bem, mas também não quer ceder às tentações do Mal. "Como sempre me interessei por metáforas filosóficas em filmes como 'Matrix' e 'Guerra nas Estrelas', utilizo o mesmo recurso nos livros", conta o autor.
"Sempre procuro tomar todo o cuidado. As referências não podem nunca ser mais importantes que os personagens. Também utilizo um linguajar dos nerds, um 'skin', ou seja, uma pele que você muda de acordo com o ambiente. A pele é a pesquisa enquanto o coração são os personagens, a trama", explica Spohr. Mesmo descrevendo na entrevista sutilezas e detalhes de sua técnica e de suas estratégias, com toda modéstia ele diz que não se considera um bom escritor.
“Sou
apenas um nerd que gosta de contar histórias”, alerta. “E estou
sempre pesquisando, tentando entender o mundo ao meu redor. Não diz
aquela frase famosa do Leon Tólstoi, um dos maiores da literatura,
que é preciso falar de sua aldeia para falar ao mundo?” Ainda
colhendo os louros pelo sucesso do romance de estreia, que nos
próximos meses estará disponível no exterior com uma edição em
inglês, Spohr está lançando seu segundo livro, “Filhos do Éden
– Herdeiros da Atlântida”, primeira parte de uma saga que tem
previsão de seis livros.
Síndrome de Matrix
“No primeiro momento me pediram para fazer uma continuação do primeiro livro. Mas hesitei, na verdade porque tive medo da síndrome de Matrix”, brinca Spohr, que elogia o argumento do longa-metragem que foi sucesso no mundo inteiro e cujas sequências não foram bem recebidas pelo público. Assim como em “A Batalha do Apocalipse”, muitos filmes e best-sellers internacionais, entre eles a trilogia escrita e dirigida pelos irmãos Andy e Larry Wachowski – “Matrix”, 1999, “Matrix Reloaded”, 2003, e “Matrix Revolutions”, 2003 – arriscam bricolagens de elementos de referências.
Em comum na literatura de Spohr e em “Matrix” estão, entre outras, presenças ilustres do imaginário de Lewis Carroll (em “Matrix”, o coelho branco que serve de sinal para Neo descobrir o outro mundo foi extraído de “Alice no País das Maravilhas”) e muitos filmes de ficção científica (“Metrópolis”, “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, “Guerra nas Estrelas”, “O Exterminador do Futuro”...), animes (“Akira”, “Ghost in the Shell”), histórias em quadrinhos, informática e alguma filosofia – de Platão e Descartes a Jean Baudrillard.
“Ao invés de tentar a continuação do primeiro livro, resolvi criar um novo universo, totalmente diferente, mas também inspirado nestes clássicos da cultura nerd”, explica Spohr. “Eu misturo mitologia e filosofia com aventura, e acho que é isso que deve atrair os leitores. As pessoas gostam de ler para se divertir, mas também gostam de sentir que estão aprendendo alguma coisa.”
O crescimento da cultura nerd na mídia, segundo Eduardo Spohr, é um dos principais fatores no sucesso de suas histórias. “Hoje, o nerd virou popular. Os heróis que eram admirados só por meia dúzia de fanáticos, passaram a fazer parte da vida de todo mundo. É esse mundo que pretendi oferecer na minha trama, que é ambientada em diversas épocas, Roma Antiga, Idade Média, Babilônia", diz o escritor, citando outros heróis em livros e filmes, de “Homem-Aranha” a “Senhor dos Anéis”.
“A Batalha do Apocalipse”, um calhamaço de 586 páginas, narra a guerra entre exércitos celestes e anjos caídos que ameaça toda a humanidade. “Desde criança eu tentava entender a conexão entre religião e ciência. Anjos são criaturas que sempre me fascinaram”, diz Spohr, confessando que se sente “surpreso e feliz” com o sucesso, mas que também não esquece como tudo começou.
Em 2003, Spohr perdeu seu emprego de jornalista em uma empresa de internet e começou a escrever as histórias que tomavam seu imaginário desde a infância, quando jogava RPG e viajava muito: seu pai era piloto da Varig e sua mãe aeromoça. “"Tive a sorte de conhecer muitos lugares, muitas culturas e religiões. Na adolescência, eu era um caso raro na minha escola porque adorava as aulas de ciências e também as de religião e de história. Depois, mais tarde, aprendi a jogar RPG e a inventar histórias de apocalipse e de anjos. Há personagens que estão no livro que foram criados naquele tempo”, conta.
Sobre o período em que ficou desempregado, Spoh diz que foi uma época sinistra, mesmo sendo fundamental para lançá-lo no mundo da produção em literatura. “Fiquei dois anos desempregado, foi terrível. Nem gosto de lembrar. Escrevia para me ocupar, fazer alguma coisa produtiva”, recorda. Nos novos tempos, os planos são outros. Tanto que ele confessa que, com o sucesso do primeiro romance, já poderia abandonar o trabalho como professor e viver exclusivamente como escritor.
Os mitos ancestrais
Na expectativa para embarcar em breve para o lançamento do livro em Belo Horizonte, Eduardo Spohr explica pelo telefone que está aprendendo muito em cada encontro com o público, nos lançamentos que tem feito pelas capitais. "A coisa mais importante na cultura é o público", destaca. "Nada se compara à experiência de aproximação com os leitores. Adoro este contato e estou aprendendo com eles sobre os leitores em geral e também sobre o significado do livro que escrevi. Brincar que eles são meus patrões, que pagam meu salário", conta Spohr, que ambienta a história do primeiro livro no Rio de Janeiro.
"Por que não o Rio de Janeiro? Dou a desculpa de que o Brasil é um dos países neutros", ironiza Eduardo Spohr, entrando na lógica que rege o mundo imaginado em seu argumento. Ele também revela que é um grande devorador de cultura pop. Na chamada “alta cultura”, busca referências no norte-americano Joseph Campbell (1904-1987), cujo livro “A Jornada do Herói” inspirou diversos escritores e personalidades do cinema e outras mídias ao longo do último século. Walt Disney, entre outros, usou a obra de Campbell como parâmetro para a criação da imensa maioria dos heróis da Disneylândia.
Como se não bastasse a brilhante companhia de Disney, Spohr cita George Lucas – outro que confessou ter buscado sustentação criativa no livro de Campbell quando realizou o primeiro “Guerra nas Estrelas” e todas os filmes que vieram depois. Não por acaso, os irmãos Wachowski também assumiram que beberam na mesma fonte para dar vida aos personagens de “Matrix”.
O autor de “A Jornada do Herói” foi um estudioso dos mitos ancestrais, ou seja, daqueles primeiros homens, há milhares de anos, que um dia abandonaram a vida mundana para adotar uma região sobrenatural, enfrentando diversos perigos, sofrendo inúmeras tentações até retornar à casa nos tempos futuros, agora consagrados pelo triunfo.
"Por conta do raciocínio maravilhoso que o livro de Campbell estabelece, tentei criar uma história que não tratasse de religiosidade, mas de espiritualidade. Minha intuição dizia que religião poderia virar um terreno muito perigoso", explica Eduardo Spohr, buscando como justificativa de seu argumento um de seus avatares, o mentor da saga interplanetária "Guerra nas Estrelas".
"George Lucas seguiu caminho semelhante ao que adotei ao identificar como Força e não como Deus o estímulo espiritual dos seu heróis. Com isso, não ofendeu nenhuma crença", completa. O raciocínio que Eduardo Spohr adotou como fio condutor e como estratégia em sua batalha pelo visto funcionou com bons resultados, porque tem gerado uma legião de leitores.
por José Antônio Orlando.
Como citar:
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Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. Apocalipse(s). In: Blog
Semióticas,
16 de setembro de 2011. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2011/09/apocalipses.html
(acessado em .../.../…).
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