Hoje
pela manhã, enquanto os sites de notícia contabilizavam os números
de palestinos mortos nos ataques com mísseis contra a Faixa de Gaza
pelo exército de Israel, mais um trabalho do misterioso artista
britânico Banksy
foi publicado no seu site oficial. Trata-se de “Happy choppers”,
uma bela paisagem com céu azul piscina e bucólicas nuvens, pontuada
por helicópteros de guerra (os “happy choppers”) enfeitados com
laços de fita cor-de-rosa. Com Banksy é sempre assim. O mais
prosaico e comum aparece pontuado com um detalhe que faz do grafite
uma poderosa manifestação política.
Foi
assim desde o começo, quando vieram as primeiras notícias sobre as
primeiras obras de Banksy.
Elas surgiram
no final da década de 1980 em Bristol, que se supõe ser sua cidade natal, e
em seguida passaram às ruas de Londres. E já surgiram com esta explosiva
mistura de
arte e denúncia,
combinando uma habilidade incomum com o grafite e técnicas de
estêncil. Os trabalhos atribuídos a Banksy
foram encontrados no início de tudo em ruas, muros e pontes de
Londres. Hoje, estão espalhados por várias outras cidades por todo
o mundo. Trabalho real de um só artista ou trabalho coletivo de
muitos, que se apropriaram da ideia original? Eis uma fronteira cada
vez mais difícil de ser demarcada.
Com
Banksy, nenhum detalhe é gratuito, nada está ali no grafite por
acaso. Lembro de uma notícia divulgada há alguns meses pela BBC e
reproduzida em todos os telejornais brasileiros, sem nenhuma
explicação que aliviasse os mais desavisados sobre que enigma era
aquele chamado Banksy: acabava de ser descoberto no norte de
Londres uma pintura,
em uma parede de uma loja, que mostrava um menino debruçado sobre
uma máquina de costura com a bandeira do Reino Unido.
Em
nenhum momento, naquela matéria reproduzida e traduzida por todos os
telejornais brasileiros, foi dito que Banksy era um artista anônimo
e desconhecido, que desde os anos 1990 virou uma celebridade
internacional pela qualidade de seu trabalho com grafite e pelas
mensagens políticas das mais radicais, que expressam sua denúncia
contra situações das mais injustas e desumanas.
A
matéria, praticamente idêntica no texto e nas imagens originais da
BBC, sugeria, talvez, para os tais desavisados, que se tratasse de
uma obra de arte rupestre, “descoberta” no norte de Londres
depois de milênios de esquecimento – ou talvez ainda (quem
saberia?) pudesse ser um daqueles artefatos místicos, nos quais
alguns visionários dizem encontram imagens da Virgem Maria, de Jesus, da Sagrada
Família...
Enigmas nas ruas
Aquela
imagem ao norte de Londres, atribuída a Banksy,
que se transformou em mais um enigma para o telespectador das TVs no
Brasil, pela brevidade e pela redação que oscilava entre o descuido
e a ironia, apareceu, na verdade, em maio de 2012 na parede de uma
loja Poundland
no bairro de Haringey. Não por acaso: as lojas Poundland são
conhecidas entre o público londrino por venderem produtos diversos
pelo preço unitário de apenas uma libra. Sabe-se, também, que
muitos daqueles produtos vêm de países em que supostamente se
emprega mão de obra infantil.
A
imagem de Banksy grafitada na fachada da loja Poundland, “surgida
misteriosamente, da noite para o dia”, como sempre, foi gravada em
preto
e branco com estêncil
e decorada com bandeiras coloridas da Inglaterra. Um elemento a mais
em uma série que, poucos meses depois, teria acréscimos dos mais
inteligentes e provocadores: as vésperas dos Jogos Olímpicos em
Londres, o artista e militante político misterioso driblou a
vigilância policial reforçada – que proibiu grafites em Londres e
ameaçava prender quem desobedecesse a ordem – e registrou novos
trabalhos nas ruas.
Ações políticas: entre as várias mensagens assinadas por Banksy, nas vésperas dos Jogos Olímpicos, um dos grafites trazia um atleta arremessando um míssil; outro grafite retratava um homem com uniforme de presidiário escapando através da modalidade “salto com vara”. Para alguns, são “ataques”. Para outros, “arte”. Mas, de fato, ninguém sabe quem é Banksy.
Sabe-se,
apenas, que este é o
notório
pseudônimo
de um grafiteiro, pintor, ativista político e diretor de cinema
inglês (várias de suas vinhetas e animações têm milhões de
acessos no YouTube e em outros endereços da internet) que, apesar da
fama e de vários prêmios conquistados, nunca revelou sua verdadeira
identidade. Passa o tempo e o
artista do estêncil e do spray tem deixado a marca ideológica de
sua irreverência em paredes de cidades do mundo inteiro, de Londres
à Palestina. Também é fato consumado que tenha nascido em Bristol,
no sul da Inglaterra, onde iniciou suas atividades.
Banksy
chega ao Brasil – em livro
O
grafite, forma de expressão artística e de militância política
com tinta e spray em paredes das ruas e espaços públicos, vem desde
a Antiguidade. Em nossa época, o grafite retornou com os movimentos
de contestação e contracultura que tomaram o mundo durante a década de 1960. O grafite no Brasil remonta à luta
contra a ditadura militar – época em que era alardeado na imprensa
como obra de “subversivos”, “rebeldes sem causa”, “juventude
transviada”. Na década de 1970, graças à influência de nomes
como Andy Warhol, atingiu em Nova York o status de “grande arte”
e chegou aos principais museus, ressurgindo, na década seguinte,
como manifestação central do movimento Hip Hip, refletindo
especialmente a realidade das ruas e a situação dos menos
favorecidos.
Banksy
mantém o tom de protesto e defesa dos menos favorecidos, mas
representa um novo capítulo nesta história – conforme está
registrado em “Wall and Piece”, livro que reúne a breve
trajetória do artista misterioso que assina apenas Banksy, foi um
sucesso tão grande, quando lançado na versão original em inglês
pela Random House, em 2005, que permanece até hoje nas listas de
mais vendidos. Agora, sete anos depois, a arte de Banksy chega ao
Brasil em edição da Intrínseca e tradução de Rogério Durst.
Em
240 páginas, o melhor de Banksy em grafites e estêncils que já se
tornaram clássicos, incluindo as grandes pinturas no Muro da
Cisjordânia e suas peças mais famosas das grandes cidades europeias
e americanas, os ratos de guarda-chuva, macacos ameaçando dominar o
mundo, Monalisa armada com bazucas, Jesus segurando sacolas de marcas
famosas, inusitados sinais de trânsito e cenas mordazes sobre as
guerras e a sociedade do século 21. Cada imagem é acompanhada por
textos curiosos sobre as datas e situações em que cada grafite e
cada estêncil foi produzido.
A
versão nacional, intitulada “Guerra e spray”, traz um guia sobre
este que muitos consideram um dos maiores grafiteiros da história,
em pé de igualdade com lendas como o norte-americano Keith Haring ou
Jean-Michel Basquiat, que tinha ascendência porto-riquenha por parte
de mãe e haitiana por parte de pai. O livro, compilado dos outras
três publicações sobre o mistério de Banksy, reune o melhor de
seus trabalhos criados para as ruas e também intervenções que o
artista fez como convidado especial de instituições como os
principais museus de Nova York e o Zoológico de Barcelona, na
Espanha.
Também
estão em destaque algumas das breves palavras do próprio artista
militante, que apresenta um autêntico guia para novos grafiteiros e
lista dicas importantes sobre como fazer grafites e estêncils de
qualidade e ainda conseguir fugir dos policiais. “Guerra e Spray”,
como não poderia deixar de ser, leva à questão da valorização do
trabalho do artista de rua – que no mundo inteiro, inclusive no
Brasil, vem propor uma nova revolução artística.
No
diário de Banksy, cabem as questões mais prosaicas sobre a vida e o
amor, mas também manifestos incômodos sobre guerra e hábitos de
consumo. “É preciso muita coragem para, numa democracia ocidental,
alguém se erguer anonimamente e clamar por coisas como paz, justiça
e liberdade”, diz Banksy, no livro. Pacifista, sarcástica,
inconformista, apontada com honra entre o que há de mais importante
e inquietante no cenário cultural das últimas décadas, a arte de
Banksy passou à história com sua fórmula de poética e política.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
Fotos e vídeos de Banksy no site do artista (clique aqui).
Para comprar o livro Banksy, Guerra e Spray, clique aqui.
Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. A guerra de Banksy. In: _____. Blog
Semióticas,
19 de novembro de 2012. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2012/11/banksy-guerra-e-grafite.html
(acessado
em .../.../...).
Fotos e vídeos de Banksy no site do artista (clique aqui).
Para comprar o livro Banksy, Guerra e Spray, clique aqui.
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DEZ DICAS de Banksy para fazer um estêncil
- "Pense fora da caixa, pisoteie a caixa, enfie uma faca afiada nela"
- "É sempre mais fácil conseguir perdão do que permissão"
- "Vandalismo irracional pode requerer um pouco de raciocínio"
- "Com uma lata comum de tinta de 400 ml você faz até 50 cópias de estêncil no formato A4. Isso significa que da noite para o dia, você pode se tornar incrivelmente famoso/impopular numa cidade pequena por apenas dez libras" (cerca de R$ 32,40)
- "Aplique a tinta spray com moderação no estêncil, a uma distância de 20 centímetros"
- "Quando se explicar para a polícia, seja o mais razoável possível. Grafiteiros não são bandidos de verdade. Bandidos de verdade acham a ideia de invadir um lugar, não roubar, e deixar uma pintura com seu nome assinado uma das coisas mais retardadas que já viram"
- "O tempo de tornar seu nome famoso sem nenhum motivo já era. A arte cujo objetivo é apenas a vontade de ser famoso nunca vai fazer você famoso"
- "A maneira mais fácil de se tornar invisível é vestir um colete fosforescente e portar um pequeno rádio transistor ligado no último volume. Quando for questionado sobre a legitimidade de sua pintura, reclame do quanto está recebendo por hora"
- "Tenha consciência de que sair completamente bêbado e fora de si para uma missão importante pode resultar em uma arte sensacional e em pelo menos uma noite na cadeia"
- "Nada no mundo é mais comum que pessoas sem talento e sem sucesso, então saia de casa antes de encontrar algo que faça valer a pena permanecer lá" alerta do livro: “esta obra contém elementos criativos e artísticos do grafite e não tem a intenção de induzir sua prática em lugares em que ela seja ilegal ou inapropriada”.
Trecho extraído do livro “Guerra e Spray”, de Banksy
Banksy e o rato anarquista:sucesso nas ruas de Londres