A beleza do corpo humano e sua nudez
sempre foram um presente para a fotografia desde seus primórdios, em
meados do século 19. O primeiro registro desta aproximação
irresistível nasceu exatamente em 1837 – quando o primeiro nu
apareceu como assunto principal em uma fotografia do pioneiro
Louis-Jacques-Mandé Daguerre, segundo informa Paul Martineau em “The
Nude in Photography”, catálogo fotográfico recém-lançado pelo
Getty Museum de Los Angeles. Precedida
por um breve ensaio escrito pelo próprio Martineau, intitulado
“Masterworks of the Nude” (Obras-primas do nu), a seleção de
belas imagens cobre os primeiros séculos da história da fotografia,
no período entre 1837 e 2014, para lançar luzes sobre a evolução
dos costumes e sobre os avanços técnicos na arte de lidar com as
câmeras (sobre o tema da Nudez na História da Fotografia, veja também a postagem Semióticas: Nu perante a câmera).
Paul Martineau, curador do departamento
de fotografia do Getty Museum e autor das biografias de Paul
Outerbridge, Herb Ritts e Eliot Portere, entre outros, apresenta, em 112 páginas, uma bela coleção de 78 obras variadas de 64 fotógrafos de várias épocas e
nacionalidades. A
seleção de Martineau sobre a nudez na fotografia começa com uma
breve retrospectiva de antigas esculturas dos deuses gregos e
romanos, que o autor apresenta como fonte da ideia de beleza e
perfeição geradas a partir do corpo humano. A longa história da
nudez na trajetória da arte é resumida pelo autor em pouco mais
de uma dúzia de imagens que viajam no tempo: de vestígios remanescentes da Antiguidade
Clássica à Idade Média e daí a obras-primas dos séculos
seguintes – até o surgimento da fotografia.
História da moral e da beleza
A
partir de meados do século 19, com a invenção e evolução das
câmeras, a história da nudez passa, na verdade, a se confundir com a própria história
da fotografia, como comprova o acervo selecionado por Paul Martineau
em “The Nude in Photography”. Entre as primeiras experiências de
registro fotográfico por Nicéphore Niépce, em 1816, e a fixação
do processo por Daguerre, no final de década de 1830, são as
pessoas o tema principal das imagens públicas – mas os estúdios
dos fotógrafos também descobriram o fetiche e o valor comercial do nu elevado a
um novo tipo de arte, reservada na época a uma plateia menor, masculina e de
posses, em meio a muitas polêmicas sobre as fronteiras entre moral e
pornografia que ainda hoje sobrevivem.
As
78
obras da
exposição,
selecionadas da extensa coleção do Museu J. Paul Getty e
contextualizadas na
identificação de cada imagem e também no
ensaio "Obras-primas do nu", assinado
pelo curador, abrangem
a história da fotografia desde
sua origem de
uma maneira esclarecedora e
didática.
Além
das imagens de autores anônimos, entre
os 64 fotógrafos incluídos estão alguns dos principais mestres do século 19,
como
Julia Margaret Cameron, Edgar Degas e Thomas Eakins; artistas do
início do século 20
e pioneiros da Arte Moderna como Man
Ray, Alfred Stieglitz e Edward Weston; e os inovadores de meados do
século 20
e do período pós-guerra, como Bill
Brandt, Harry Callahan e Minor White.
Nudez e arte da fotografia segundo a curadoria de Paul Martineau: no alto e acima, imagens anônimas datadas de 1855. Abaixo, modelo anônima em fotografia de Gerhard Riebicke de 1935 e duas modelos em fotografias anônimas com data de 1930. Também abaixo, mais cinco imagens da seleção apresentada pelo Getty Museum 1) Dancer and Ferns (1939), fotografia de Edward Weston; 2) Nude, Davenport, Iowa, Composite with leaves, fotografia de 1941 de Edmund Teske; 3) Nude Foot, San Francisco, e 4) Nude, San Francisco, fotografias de 1947 de Minor White; e 5) Naked, fotografia de 1952 de Horst P. Horst |
Há, também, na seleção do curador, alguns nomes do final do século 20 que permanecem como referência entre os
artistas contemporâneos, como Diane
Arbus, Robert Mapplethorpe e Herb Ritts. Na
lista de Martineau também marcam presença artistas que tiveram destaque nas
últimas décadas e que estão em plena atividade, entre eles Chuck
Close, Timothy Greenfield-Sanders e Mona Kuhn. A beleza do nu fotográfico, pela amostragem apresentada pela curadoria, percorre um período na
historiografia que vai dos primeiros daguerreótipos à fotografia
contemporânea de nomes festejados pela mídia de celebridades e da
publicidade.
A lista de imagens selecionadas por Martineau inclui desde fotografias que ficaram muito conhecidas com
o passar do tempo, até algumas que permaneciam praticamente inéditas e que surgem como revelações de nomes
pouco lembrados ou de anônimos, imagens cuja identificação e autoria se perderam. A variação temática também é surpreendente –
destacando desde clássicos que passaram à história da arte, como
“Le Violon d'Ingres” (1924), do mestre entre os modernos, Man
Ray, ao registro multimídia de artistas contemporâneos que misturam
fotografia e diversas técnicas, caso de obras como “Bodyscape, New
York, 1971”, do japonês Hiro, pseudônimo artístico de Yasuhiro Wakabayashi, nome celebrado do mundo da moda e dos editoriais sob encomenda para jornais e revistas.
A
aproximação da fotografia com a trajetória da arte nos últimos
dois séculos também produziu obras que lembram, pelas formas, enquadramentos e perspectivas, alguns dos mais belos registros na
pintura do mesmo período – até porque muitas destas fotografias
foram usadas como modelo de estudo no século 19 e durante o século
20 por grandes mestres das artes plásticas. Alguns destes casos
ficam quase evidentes na seleção de Martineau em fotos como “Female
Nude, 1856”, de Felix-Jacques Antoine Moulin, que inevitavelmente remete às
mulheres dos cabarés de Paris em obras-primas de Manet e outros
impressionistas.
Convencional e não convencional
Há
também, na seleção, obras de mestres do século 19 que continuam como importante referência e inspiração para fotógrafos atuais, entre eles Julia
Margaret Cameron, Edgar Degas, Thomas Eakins e o citado Felix-Jacques
Moulin, pioneiros na arte de combinar a nova tecnologia com os
parâmetros da composição clássica nas artes plásticas. Com a
chegada do século 20, a oposição entre fotografia e outras artes
vai perdendo as linhas divisórias – como demonstram na coleção do Getty Museum os
nus nada convencionais de Man Ray, Alfred Stieglitz, Edward Weston,
Bill Brandt, Harry Callahan ou Minor White.
A segunda metade do
século 20 é representada, na seleção de Paul Martineau, por nomes como
Diane Arbus, Robert Mapplethorpe e Herb Ritts, além dos
contemporâneos Chuck Close, Timothy Greenfield-Sanders, Hiro e Mona
Kuhn, entre outros. Seja nas formas robustas e algo acanhadas de seus primeiros
modelos no século 19, seja no realismo forçado da indústria da pornografia ou da
publicidade mais rotineira da atualidade, seja nos enquadramentos que buscam formas do abstrato
ou no barroco das intervenções híbridas em multimídia, a seleção
de Paul Martineau confirma que a beleza fotográfica de nossos corpos nus
sempre foi, e apesar da super-exposição em alguns casos, permanece tão misteriosa quanto bela e fascinante.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
ORLANDO, José Antônio. Nudez e arte da fotografia. In: Blog Semióticas, 5 de agosto de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/08/nudez-e-arte-da-fotografia.html (acessado em .../.../...).
Como citar:
ORLANDO, José Antônio. Nudez e arte da fotografia. In: Blog Semióticas, 5 de agosto de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/08/nudez-e-arte-da-fotografia.html (acessado em .../.../...).
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