Não
há diferença fundamental entre o ser humano e os
animais
nas suas faculdades mentais. Os animais, assim
como
todo
ser humano, demonstram sentir prazer, dor,
felicidade,
sofrimento. E, entre os homens ou entre os
animais,
não é o mais forte que sobrevive, nem o mais
inteligente,
mas sim aquele que melhor consegue
se
adaptar continuamente
a
mudanças.
––
Charles
Darwin (1809–1882). |
Quando
Alex morreu, aos 31 anos, em setembro de 2007, os mais respeitados
jornais dos Estados Unidos e Europa estamparam, nas primeiras
páginas, a notícia, em manchete. A morte de Alex também foi
destaque em redes como a CNN e reproduzida em TVs, sites da Internet,
rádios e revistas do mundo inteiro, inclusive no Brasil. Foi uma
comoção. Até mesmo a revista inglesa "The Economist",
que tem na sua seção de obituário um dos espaços lendários e
mais celebrados do jornalismo contemporâneo, pela primeira
vez abriu uma exceção aos grandes nomes da "intelligentsia"
e também homenageou Alex. Outra comoção.
Nos
Estados Unidos, o programa "Good Morning, America", campeão
de audiência matinal da rede ABC, também abriu um precedente em
décadas: pela primeira vez, uma única notícia ocupou todo o tempo
do programa, que bateu seus próprios recordes de audiência com a
reportagem sobre a morte de Alex – o representante mais famoso da
espécie conhecida como papagaio-cinzento africano, que é, entre todos os pássaros, o que melhor
imita a voz humana. A
comoção internacional provocada pela morte de Alex veio completar
seu status de celebridade, conquistado em muitas reportagens e
participações ao vivo em programas de TV nos últimos 30 anos. Para
além da repercussão que a notícia da morte do papagaio causou na
imprensa, a história de vida de Alex é, no mínimo, inusitada.
Ele
foi comprado por uma cientista norte-americana, Irene Maxine
Pepperberg, quando tinha apenas um ano de idade. Viveram juntos por
três décadas, dividindo experimentos sobre linguagem nas
universidades de Harvard, Branleis e Massachusetts, onde Irene
trabalha como professora de psicologia e cognição animal. Alex
conquistou a fama por conta de domínio de certas habilidades quase
inacreditáveis, em se tratando de um papagaio. O pássaro
inteligente e falante e a cientista motivada mantiveram uma relação
apaixonada, intensa e estável – que trouxe avanços consideráveis
na pesquisa sobre linguagem e comportamento animal.
Além do progresso científico resultante dos experimentos com Alex, a doutora Irene também contabilizou problemas e desafetos com outros cientistas, que a acusavam de invalidar a pesquisa pelo envolvimento emocional que mantinha com o papagaio. Irene também perdeu o marido, que a abandonou em um momento de crise, e mudou várias vezes de emprego, o que obrigou a cientista e o papagaio a muitos sacrifícios financeiros e a longos períodos de vida nômade entre mais de uma universidade.
Habilidades cognitivas
Os experimentos da doutora Irene com Alex e a história da vida cotidiana dos dois durante exatos 30 anos estão contados pela cientista em documentários e em livros que são best-sellers no mundo inteiro, incluindo a série "The Alex Studies - Cognitive and communicative abilities of gray parrots". Os bastidores do convívio e as peripécias da pesquisa revolucionária e polêmica – que em muitos momentos variam de aspectos filosóficos a mal-entendidos hilários, dignos de cenas típicas das comédias do grupo Monty Python – também resultaram no relato autobiográfico "Alex e Eu", publicado no Brasil pela editora Record, um livro que tem atrativos tanto para pesquisadores da linguagem ou do comportamento animal como para o leitor que pretende apenas acompanhar uma história divertida e muito fora do comum.
O que nunca deixou de surpreender nas experiências e avanços científicos alcançados por Irene e Alex é a inteligência do papagaio – que nas palavras da própria cientista "abriu uma janela para o vasto mundo da mente dos animais". Nos experimentos em casa e no ambiente acadêmico, Alex estabelecia diálogos "inteligentes" com Irene e demonstrava domínio incomum sobre formas simbólicas, tais como letras, palavras e números.
Alex, segundo os relatos de Irene – todos com credenciais de equipes científicas – também dominava um extenso vocabulário em inglês, sabia somar e identificava corretamente cores, objetos e conceitos abstratos como "maior" e "menor", "mais" e "menos", "longe" ou "perto", "todos" ou "nenhum", "verdadeiro" ou "errado".
Em seus relatórios de pesquisa, a professora descreve passagens cotidianas e lembra histórias de outros animais que desafiaram cientistas, entre eles, o lendário cavalo alemão Clever Hans, que era apresentado em grandes espetáculos em teatros e exposições: seu proprietário solicitava perguntas à audiência, que quase sempre tratavam de números e operações matemáticas complexas. Clever Hans nunca falhou – provocando a ira dos céticos e dos cientistas enquanto viveu.
O
caso de Alex com a cientista norte-americana Irene Pepperberg e
outros registros comprovadamente verdadeiros – como o lendário
cavalo alemão Clever Hans, que a cada apresentação em teatros e
exposições atraía multidões em cidades e feiras da Europa, no
começo do século 20 – não são casos isolados envolvendo um
animal inteligente. Muito pelo contrário.
Seja
na vida cotidiana ou na ficção, animais inteligentes povoam a
imaginação humana há milênios, como comprovam relatos da
mitologia na Antiguidade Clássica, passando pela Bíblia e outros
livros sagrados, pelas histórias de Sherazade nas Mil e Uma Noites e
pelas tantas fábulas medievais. Há também os clássicos da
literatura universal, com destaque para a gigantesca baleia branca
“Moby Dick” (1851), de Herman Melville.
Estrelas do cinema e da TV
Assim
como o cavalo lendário de 1900 ou o caso recente de Alex, há os animais
"inteligentes" que chegaram ao estrelato no cinema e na
televisão, no decorrer do último século – como o chimpanzé Cheetah,
companheiro inseparável do Tarzan dos anos 1930 e 1940 (papel que tornou célebre o nadador olímpico Johnny Weissmuller), os diversos papagaios inteligentes que falam coisas indiscretas e revelam segredos, com ou sem a companhia de piratas, o golfinho Flipper, que propagou no senso comum a ideia de que golfinhos têm uma inteligência surpreendente, ou os cães Rin-Tin-Tin e Lassie, e até o pastor alemão Lobo,
parceiro do Vigilante Rodoviário no primeiro dos seriados
brasileiros produzidos para o cinema e para a TV, entre vários outros astros e estrelas do mundo animal.
Como sempre acontece, o papagaio Alex foi
acusado frequentemente por expoentes da comunidade científica internacional de ser
apenas uma fraude, um truque ilusionista forjado por treinamentos
cruéis e intensivos. Mas
curioso é que a suposta fraude nunca ficou provada, e Alex seguiu
surpreendendo cada vez mais a todos por anos e anos. Às vezes, ficava entediado
com as repetições dos experimentos e pedia para terminar – outras
vezes também pregava peças para provocar a cientista e as bancas
examinadoras, errando de propósito e depois pedindo desculpas pelo erro que era, na verdade, travessura.
"Ao usar Alex como exemplo", registra a autora, numa das muitas passagens confessionais de "Alex e Eu", lembrando que há mais de quatro mil anos os humanos convivem com os papagaios como animais domésticos – "consegui convencer muitos céticos que o abismo existente entre humanos e animais não é tão grande como se pensa".
Discípulos no mundo inteiro
Discípulos no mundo inteiro
As lições de Irene Pepperberg atingiram muitos discípulos no mundo inteiro. Para o consultor de comportamento animal e treinador Yuri Domeniconi, brasileiro que acompanhou a história de Alex e Irene por mais de 20 anos e utiliza métodos parecidos em seu trabalho, o grande mérito do trabalho da cientista norte-americana foi estabelecer um capítulo importante não só para a pesquisa acadêmica, mas para a história da humanidade.
"A doutora Irene tem hoje 60 anos e dedicou metade de sua existência a um trabalho que é uma lição de coragem, de inteligência e de vida", destaca Domeniconi, que mora no Rio de Janeiro, em entrevista por telefone. "A questão da comunicação entre humanos e animais é muito antiga. Está em todos os textos religiosos, na literatura e nas artes. O que a doutora Irene fez foi enfrentar algumas certezas que estavam estabelecidas, o que acabou provocando algum escárnio e muita incompreensão de outros cientistas, que, infelizmente, preferiram o refúgio do preconceito", analisa o biólogo, que é vegetariano e, por conta de seu trabalho para zoológicos e outras instituições, no Brasil e no exterior, tem sido presença constante em programas de TV para demonstrações de treinamento e controle de animais.
Domeniconi (fotos abaixo), que mantém um site sobre bichos e se orgulha de hospedar, em casa, animais como cobras, lagartos, cães, pássaros e aves (entre eles, várias araras e papagaios da mesma espécie de Alex), foi o convidado de honra no lançamento nacional do livro de Irene Pepperberg, com exibição de fotografias e vídeos sobre Alex em eventos no Rio de Janeiro e em São Paulo. No site e nas atividades que promove, Domeniconi comenta o passo a passo das experiências na relação com os animais e faz apresentação didática com suas aves, demonstrando a inteligência e as habilidades que cada animal pode atingir.
O
cérebro de Alex: acima, o consultor
de comportamento animal
e treinador
Yuri
Domeniconi com sua ajudante. Abaixo,
Irene
e Alex e a capa do livro Alex e Eu
na
primeira edição em português |
"O trabalho da doutora Irene é um convite para as pessoas prestaram mais atenção nos animais e em si mesmas. As pessoas atualmente vivem muito separadas da natureza. É preciso retornar ao mundo natural para entendermos mais sobre nós mesmos", defende Domeniconi. "Meu trabalho com animais também traz muitas experiências curiosas", explica o biólogo.
"Às vezes os animais chegam impossíveis, problemáticos, e depois de algum tempo saem felizes", completa, revelando que, além de treinar determinados comandos, sempre tenta ensinar um pouco da língua dos bichos para os seres humanos e um pouco da linguagem dos humanos para os animais. "O mais importante é encontrar uma certa sintonia entre cada animal e seu dono ou tratador”, recomenda Domeniconi.
Os animais sempre têm níveis de raciocínio que são possíveis de serem alcançados com relativa facilidade, alerta o biólogo. “Se houver confiança mútua, os resultados são sempre surpreendentes", conclui o biólogo, que se considera um seguidor convicto das teorias de Irene Pepperberg – segundo as quais o reino animal está povoado de criaturas que têm inteligência e consciência de linguagem entre seus semelhantes e com outros seres.
Reconhecimento da comunidade científica
Se à primeira vista o relato fascinante e emotivo da doutora Irene poderia passar por mais um espetáculo midiático destinado aos programas de variedades nas tardes de domingo, o reconhecimento da comunidade científica colocou um fim às polêmicas e estabeleceu a seriedade e o alcance das descobertas da pesquisadora. Tanto que "Alex & Me" foi eleito o melhor livro do ano pelo "The New York Times", passando à condição de best-seller instantâneo em vários países.
Nos Estados Unidos, as primeiras surpresas com o trabalho da doutora Irene Pepperberg surgiram há mais de uma década, em 2000. Foi quando houve o lançamento do primeiro livro da série "The Alex Studies", que descrevia experiências de linguagem e cognição entre o papagaio e os cientistas envolvidos no projeto. "The Alex Studies" levou Irene e Alex à condição de celebridades disputadas em programas de TV e popularizou questões antes restritas a estudos de PhD.
De
sua experiência de três décadas de aprendizado com o
papagaio, Irene Pepperberg construiu
a The Alex Foundation, centro de referência internacional em
pesquisa sobre cognição e comunicação animal, com aval do MIT's
Media Lab., em reconhecimento pelo status que Alex conquistou no
seleto panteão de celebridades não-humanas e inteligentes.
As
fronteiras do conhecimento que fascinaram a doutora Irene, desde seus
primeiros "diálogos" com o papagaio cinza, são velhas
conhecidas de quem se dedica à pesquisa científica, aos animais
e às mais complexas questões de linguagem e comunicação. Mas no
caso de Alex e Irene, a relação que se estabeleceu abre novas
possibilidades de estudo sobre a capacidade da mente dos bichos e
coloca em xeque as fronteiras milenares que diferenciam exatamente um
homem de um animal.
por José Antônio Orlando.
Como citar:
Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. O
cérebro de Alex.
In: Blog
Semióticas,
12
de fevereiro
de
2012.
Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2012/02/o-cerebro-de-alex.html
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