Muitos sorrisos, lágrimas, um grande silêncio. Quem teve a sorte de assistir Maria Bethânia e seu show dedicado a poetas e escritores encontrou, no mínimo, fortes emoções. A estreia foi em Belo Horizonte, no Teatro Dom Silvério, há exatamente um ano, no dia 18 de março. Depois do espetáculo, muitos aplausos que se entenderam por longos minutos, com a plateia que lotava o teatro permanecendo imóvel, impassível, quando a estrela deixou o palco e as luzes foram acesas. Lembro dos olhares de quem estava ao redor: sorrisos, lágrimas, silêncio.
"A poesia sempre esteve presente em minha vida, desde os primeiros tempos de escola. Hoje em dia, é cada vez mais um desafio, mas permanece para mim como algo irresistível, que comove e atrai" – foi o que ouvi de Bethânia, há um ano, no começo da entrevista por telefone, do Rio de Janeiro, onde mora desde 1965. Ela estava às vésperas de viajar para Belo Horizonte para a estreia do espetáculo, que foi intitulado "Bethânia e as Palavras".
Agora, um ano depois, Bethânia volta aos holofotes da imprensa, por conta do lançamento de seu novo CD pela Biscoito Fino. É um disco só com canções inéditas – e um novo trabalho de Bethânia é sempre um acontecimento. Ela tem uma primeira entrevista coletiva agendada para o próximo dia 28 para divulgar os detalhes do álbum, chamado “Oásis de Bethânia”. Sua assessoria de imprensa antecipa que serão dez faixas, cada uma com um arranjador diferente.
As canções do novo CD são “Lágrima”, “O Velho Francisco - Lenda Viva”, “Vive”, “Casablanca”, “Calmaria - Não sei Quantas Almas Tenho”, “Fado”, “Barulho”, “Calúnia”, “Carta de amor” e “Salmo”. Entre os arranjadores convidados especialmente para o projeto estão Lenine, Hamilton de Holanda, Jorge Helder, Maurício Carrilho e André Mehmari. Djavan se encarrega da única canção de sua autoria: “Vive”. O título do novo CD, “Oásis de Bethânia”, foi inspirado em um texto que a própria Maria Bethânia escreveu em 2011. É a primeira vez que ela grava um texto de sua autoria em um disco. Os versos de Bethânia ganharam acordes de uma melodia criada por Paulo César Pinheiro e são interpretados por ela no tom de uma quase oração, entre a música e a poesia, na canção inédita “Carta de Amor”:
Não
mexe comigo que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe não...
Eu tenho Zumbi, Besouro, o chefe dos tupis
Sou tupinambá, tenho erês, caboclo boiadeiro
Mãos de cura, morubichabas, cocares, arco-íris
Zarabatanas, curarês, flechas e altares.
A velocidade da luz no escuro da mata escura
O breu o silêncio a espera. Eu tenho Jesus
Maria e José, todos os pajés em minha companhia
O Menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos
O poeta me contou...
Não misturo, não me dobro a rainha do mar
Anda de mãos dadas comigo, me ensina o baile
Das ondas e canta, canta, canta pra mim, é do
Ouro de Oxum que é feita a armadura guarda o
Meu corpo, garante meu sangue, minha garganta
O veneno do mal não acha passagem e em meu
Coração de Maria ascende sua luz
E me aponta o Caminho...
Me sumo no vento, cavalgo no raio de Iansã
Giro o mundo, viro, reviro tô no recôncavo
Tô em face, voo entre as estrelas, brinco de
Ser uma traço o cruzeiro do sul, com a tocha
Da fogueira de João menino, rezo com as três
Marias, vou além me recolho no esplendor das
Nebulosas descanso nos vales, montanhas, durmo
Na forja de Ogum, mergulho no calor da lava
Dos vulcões, corpo vivo de Xangô...
Não ando no breu nem ando na treva
Não ando no breu nem ando na treva
É por onde eu vou que o santo me leva
É por onde eu vou que o santo me leva...
Medo não me alcança, no deserto me acho, faço
Cobra morder o rabo, escorpião vira pirilampo
Meus pés recebem bálsamos, unguento suave das
Mãos de Maria, irmã de Marta e Lázaro, no
Oásis de Bethânia...
Pensou que eu ando só, atente ao tempo num
Começa nem termina, é nunca é sempre, é tempo
De reparar na balança de nobre cobre que o rei
Equilibra, fulmina o injusto, deixa nua a justiça...
Eu não provo do teu fel, eu não piso no teu chão
E pra onde você for não leva o meu nome não
E pra onde você for não leva o meu nome não...
Onde vai valente? você secou seus olhos insones
Secaram, não veem brotar a relva que cresce livre
E verde, longe da tua cegueira. seus ouvidos se
Fecharam à qualquer música, qualquer som, nem o
Bem nem o mal, pensam em ti, ninguém te escolhe
Você pisa na terra mas não sente apenas pisa
Apenas vaga sobre o planeta, já nem ouve as
Teclas do teu piano, você está tão mirrado que
Nem o diabo te ambiciona, não tem alma você é
O oco, do oco, do oco, do sem fim do mundo...
O que é teu já tá guardado
Não sou eu que vou lhe dar
Não sou eu que vou lhe dar
Não sou eu que vou lhe dar...
Eu posso engolir você só pra cuspir depois
Minha forma é matéria que você não alcança
Desde o leite do peito de minha mãe, até o sem
Fim dos versos, versos, versos, que brota do
Poeta em toda poesia sob a luz da lua que deita
Na palma da inspiração de Caymmi, se choro, quando
Choro e minha lágrima cai é pra regar o capim que
Alimenta a vida, chorando eu refaço as nascentes
Que você secou...
Se desejo o meu desejo faz subir marés de sal e
Sortilégio, vivo de cara pra o vento na chuva e
Quero me molhar. O terço de Fátima e o cordão de
Gandhi, cruzam o meu peito. Sou como a haste fina
que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta...
Não mexe comigo que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe comigo...
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe não...
Eu tenho Zumbi, Besouro, o chefe dos tupis
Sou tupinambá, tenho erês, caboclo boiadeiro
Mãos de cura, morubichabas, cocares, arco-íris
Zarabatanas, curarês, flechas e altares.
A velocidade da luz no escuro da mata escura
O breu o silêncio a espera. Eu tenho Jesus
Maria e José, todos os pajés em minha companhia
O Menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos
O poeta me contou...
Não misturo, não me dobro a rainha do mar
Anda de mãos dadas comigo, me ensina o baile
Das ondas e canta, canta, canta pra mim, é do
Ouro de Oxum que é feita a armadura guarda o
Meu corpo, garante meu sangue, minha garganta
O veneno do mal não acha passagem e em meu
Coração de Maria ascende sua luz
E me aponta o Caminho...
Me sumo no vento, cavalgo no raio de Iansã
Giro o mundo, viro, reviro tô no recôncavo
Tô em face, voo entre as estrelas, brinco de
Ser uma traço o cruzeiro do sul, com a tocha
Da fogueira de João menino, rezo com as três
Marias, vou além me recolho no esplendor das
Nebulosas descanso nos vales, montanhas, durmo
Na forja de Ogum, mergulho no calor da lava
Dos vulcões, corpo vivo de Xangô...
Não ando no breu nem ando na treva
Não ando no breu nem ando na treva
É por onde eu vou que o santo me leva
É por onde eu vou que o santo me leva...
Medo não me alcança, no deserto me acho, faço
Cobra morder o rabo, escorpião vira pirilampo
Meus pés recebem bálsamos, unguento suave das
Mãos de Maria, irmã de Marta e Lázaro, no
Oásis de Bethânia...
Pensou que eu ando só, atente ao tempo num
Começa nem termina, é nunca é sempre, é tempo
De reparar na balança de nobre cobre que o rei
Equilibra, fulmina o injusto, deixa nua a justiça...
Eu não provo do teu fel, eu não piso no teu chão
E pra onde você for não leva o meu nome não
E pra onde você for não leva o meu nome não...
Onde vai valente? você secou seus olhos insones
Secaram, não veem brotar a relva que cresce livre
E verde, longe da tua cegueira. seus ouvidos se
Fecharam à qualquer música, qualquer som, nem o
Bem nem o mal, pensam em ti, ninguém te escolhe
Você pisa na terra mas não sente apenas pisa
Apenas vaga sobre o planeta, já nem ouve as
Teclas do teu piano, você está tão mirrado que
Nem o diabo te ambiciona, não tem alma você é
O oco, do oco, do oco, do sem fim do mundo...
O que é teu já tá guardado
Não sou eu que vou lhe dar
Não sou eu que vou lhe dar
Não sou eu que vou lhe dar...
Eu posso engolir você só pra cuspir depois
Minha forma é matéria que você não alcança
Desde o leite do peito de minha mãe, até o sem
Fim dos versos, versos, versos, que brota do
Poeta em toda poesia sob a luz da lua que deita
Na palma da inspiração de Caymmi, se choro, quando
Choro e minha lágrima cai é pra regar o capim que
Alimenta a vida, chorando eu refaço as nascentes
Que você secou...
Se desejo o meu desejo faz subir marés de sal e
Sortilégio, vivo de cara pra o vento na chuva e
Quero me molhar. O terço de Fátima e o cordão de
Gandhi, cruzam o meu peito. Sou como a haste fina
que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta...
Não mexe comigo que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe comigo...
O olho do furacão
A notícia do novo CD me trouxe à memória que foi exatamente há um ano, às vésperas da estreia nacional do espetáculo de poesia em BH, que uma nota tão breve quanto maliciosa, publicada na coluna de Mônica Bergamo, na "Folha de S. Paulo", lançou a serenidade de Bethânia no olho do furacão. Segundo a nota, o Ministério da Cultura havia liberado o montante de R$ 1,3 milhão para a cantora criar um blog.
A notícia distorcida foi imediatamente reproduzida por outros jornais e chegou rápido aos blogs e redes sociais. Foi o que bastou para explodir a polêmica e Bethânia ser atacada e caluniada com requintes de crueldade. A assessoria da cantora correu a rebater a notícia: o ministério não havia liberado uma verba e sim autorizado a captação de patrocínio. Além disso, o projeto iria muito além da criação de um blog e, na verdade, o patrocínio que ainda seria captado visava a produção de 365 audiovisuais em que Bethânia daria extensão ao espetáculo de poesia “Bethânia e as Palavras”.
O futuro blog, segundo informou a jornalista que há anos cuida da assessoria de imprensa da cantora, seria um dos espaços para divulgação dos audiovisuais, que também seriam distribuídos gratuitamente em DVDs para escolas e bibliotecas de todo o Brasil. A produção envolveria Bethânia e uma grande equipe técnica, incluindo direção de Andrucha Waddington e coordenação de Hermano Viana. Andrucha já havia realizado em 2007 um documentário impecável e inspirado com Bethânia: “Pedrinha de Aruanda".
Mas poucos se preocuparam em ouvir os esclarecimentos da assessoria e a nota breve e maliciosa continuou a propagar seu estrago com força, repetida à exaustão e com evidente má-fé. A polêmica ganhou terreno e o Ministério da Cultura também se viu forçado a divulgar uma nota oficial esclarecendo a questão e desmentindo a nota publicada pela “Folha”: não se tratava de liberação de verba e sim de autorização para a captação de patrocínio.
De acordo com a assessoria de imprensa do ministério, o projeto de Bethânia foi autorizado a iniciar a captação de patrocínio porque cumpriu todos os requisitos técnicos estabelecidos pelos trâmites das leis de incentivo. De nada adiantou: tanto os ingênuos quanto os bandidos de plantão seguiram repetindo xingamentos e acusações sem fundamento contra o projeto de Bethânia.
De acordo com a assessoria de imprensa do ministério, o projeto de Bethânia foi autorizado a iniciar a captação de patrocínio porque cumpriu todos os requisitos técnicos estabelecidos pelos trâmites das leis de incentivo. De nada adiantou: tanto os ingênuos quanto os bandidos de plantão seguiram repetindo xingamentos e acusações sem fundamento contra o projeto de Bethânia.
Na entrevista que fiz com ela pelo telefone – que seria publicada por um jornal de Belo Horizonte – Bethânia comentou sua meta de realizar as 365 produções de poesia, ainda sem saber da polêmica que seria deflagrada no dia seguinte. Ela falou com entusiasmo do projeto e da intenção e da importância de divulgar poetas e poemas, através do blog e da distribuição do conteúdo em DVDs. Explicou que tudo teria acesso gratuito, com uma produção sendo apresentada a cada dia do ano.
Música e poesia
"Quero me comover e comover o público no dia a dia. Gosto de música e poesia, gosto da palavra, por isso o projeto das 365 produções durante o ano e por isso o novo espetáculo, que começou aí mesmo em BH, no projeto Sentimento do Mundo, promovido em 2010 pela UFMG. Posso dizer que este projeto de poesia é a minha tradução mais completa", reconhecia Bethânia pelo telefone, emocionada, sem antever nenhuma sombra da polêmica que a nota distorcida da “Folha” iria provocar em poucas horas.
Na entrevista, Bethânia contou detalhes do projeto e recordou onde e como tudo começou. Depois do sucesso da apresentação inédita em 2010 no auditório da Reitoria da UFMG, quando leu poemas de seus autores preferidos, ela havia seguido com o projeto para a Casa do Saber e para a PUC, no Rio de Janeiro, para o Itamaraty, em Brasília, durante o Encontro Mundial dos Países de Língua Portuguesa, e depois para a Casa Fernando Pessoa, em Portugal, como retribuição à Ordem do Desassossego que recebeu, junto com Cleonice Berardinelli, por ser, no Brasil, uma das maiores divulgadoras do legado de Fernando Pessoa.
No espetáculo que teve estreia em 18 de março de 2011, em Belo Horizonte, no Teatro Dom Silvério – e que na sequência seguiria para teatros de outras capitais, todos com breves temporadas e ingressos esgotados com muita antecedência – ela trabalhou em colaboração com Hermano Vianna e Elias Andreatto. No dia da estreia em BH, Bethânia já estava no olho do furacão por conta da polêmica – talvez por isso tanta emoção concentrada na intérprete e em cada um que estava na plateia.
Acompanhada ao violão por seu maestro e arranjador Jaime Alem, com quem trabalha desde a década de 1980, e pelo percussionista Carlos César, Bethânia reuniu um roteiro de algumas canções pouco usuais em seu repertório e uma vastidão de textos especialíssimos de poetas e escritores como Guimarães Rosa, Drummond, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Caetano e Ferreira Gullar, entre outros autores nacionais, além do moçambicano José Craveirinha e dos portugueses Padre Antônio Vieira, Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner Andersen e, claro, Fernando Pessoa.
“Pessoa é a minha tradução mais fiel”, confessou Bethânia, ao telefone. Era minha segunda entrevista com ela. A primeira tinha sido em 2001 e foi publicada pelo jornal “O Tempo”, também de Belo Horizonte. Na época, dez anos antes, ela tinha anunciado uma decisão radical: recordista de vendas entre os nomes da MPB, ela estava se desligando das grandes gravadoras e assinando contrato com a independente Biscoito Fino, propriedade de Olivia Hime e Kati Almeida Braga. O disco que marcava sua estreia na nova gravadora era o duplo “Maricotinha ao vivo”, que também comemorava seus 35 anos de carreira e trazia regravações de seus grandes sucessos.
Betha,
Betha, Bethânia: acima, a partir do
alto, Bethânia na casa da mãe, Dona Canô,
em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano;
no palco, no show Rosa dos Ventos, em
1971; aos 19, em
fevereiro de 1965, quando
chegou ao Rio
de Janeiro para substituir às
pressas Nara Leão no
espetáculo Opinião;
e em Porto Alegre, em 1966, antes do show
Opinião no Teatro Leopoldina, distribuindo
autógrafos na Galeria Malcon, em
fotografia de Assis Hoffmann.
Abaixo, com o irmão Caetano Veloso no
Festival Internacional da Canção, em 1966,
apresentando a canção Beira Mar, de Caetano
e Gilberto Gil; e com Jerry Adriani, ídolo
da
Jovem Guarda, e as irmãs Nara e Danusa Leão.
Também abaixo, Bethânia com Elis Regina, em
1970, na casa
em que Elis morou com o
marido Ronaldo Bôscoli, na
Avenida Niemeyer,
no Rio de Janeiro, em foto de Kaoru Higuchi
para a revista Manchete; Bethânia com
Luís Melodia, Gal
Costa, Nara Leão,
Odair José e Caetano em 1973,
fotografados
por Antonio Guerreiro; com Osmar Prado,
galã da TV (na novela "Bicho do Mato", da
Rede Globo), em julho de 1972, na reportagem
de capa da revista "Intervalo"; e Bethânia no
início
dos anos 1970 em fotografia que ilustrou uma
célebre e polêmica entrevista da cantora feita
por Ronaldo
Bôscoli e publicada
pela revista "Manchete"
|
Águas e mágoas
“Neste mundo de corre-corre, toda poesia é um desafio, mas também é uma ideia que comove e atrai. Pelo menos para mim e para muita gente que conheço e admiro, a poesia é assunto de primeira necessidade”, disse Bethânia pelo telefone, às vésperas de ver deflagrado o circo de horrores na mídia por conta da nota distorcida publicada na “Folha”. Aquela seria sua única entrevista em muitos meses: assim que a polêmica explodiu, ela se recusou a falar com jornalistas e não foi a público se defender. Com a serenidade dos mártires, preferiu o silêncio.
“Não quero julgar o valor de um ou outro escritor ou poeta nem comparar a qualidade dos textos, mas Fernando Pessoa é quem foi mais fundo na palavra em língua portuguesa. Para mim, ele é sempre uma descoberta. Mas também tem os mineiros. Rosa, Drummond, Minas não acaba nunca, são águas e mágoas, como dizem sobre o rio São Francisco”, explicava com calma Bethânia no decorrer da entrevista, que durou quase uma hora, entre pausas, encantada com os caminhos do novo projeto.
Com sua simplicidade e serenidade que encerram uma carga dramática impecável, Bethânia recitava ao telefone um ou outro verso de cada autor que enumerava ou destacava no repertório do show. A carga de emoção e a capacidade de emocionar as plateias com palavras e canções fizeram dela uma referência mítica e mística desde a estreia, em fevereiro de 1965, quando aos 19 anos chegou às pressas no Rio de Janeiro, vinda da Bahia, para substituir Nara Leão em “Opinião”, espetáculo de protesto e de resistência à ditadura militar. Produzido por artistas ligados ao Centro Popular de Cultura da UNE (CPC), “Opinião” intercalava canções e textos de Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes, com direção de Augusto Boal.
Naquele mesmo ano da estreia em “Opinião” ela gravaria seu primeiro disco, "Maria Bethânia" (Sony/RCA) e ganharia a atenção popular com os sucessos de “Carcará” e “Mora na Filosofia”. No ano seguinte, lançaria um disco dedicado às canções de Noel Rosa, compositor que naquela época andava esquecido e relegado a um lugar distante entre outros gigantes da música brasileira.
Desde então, a trajetória de Bethânia teve dezenas de discos e vários recordes, incluindo a superação de um marco antes só atingido no Brasil pelo rei Roberto Carlos: mais de um milhão de cópias vendidas em um único LP, com "Álibi" (Polygram, 1978). Os recordes de vendagens ela conseguiu manter com outros lançamentos durante a década de 1980 e, ainda hoje em dia, mesmo com a alardeada crise do mercado fonográfico e com a concorrência cerrada da pirataria, as vendas dos CDs e DVDs de Bethânia sempre alcançam números surpreendentes.
Depois de comentar passagens da carreira desde o Tropicalismo e da turnê dos Doces Bárbaros, em que dividiu o palco com Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, chegamos aos projetos mais recentes e pergunto sobre as origens e o roteiro do espetáculo “Bethânia e as Palavras”. Ela elogiou o "resumo da ópera" que traçamos durante a entrevista e reconheceu que o novo espetáculo teria um roteiro que só estaria completo em cena, diante da plateia, a partir da noite de estreia em Belo Horizonte, no Teatro Dom Silvério.
Um mistério e uma surpresa
“Sobre este espetáculo eu ainda tenho dúvidas", ela explicava, pelo telefone. "Era Bethânia e a Poesia, depois preferimos Bethânia e as Palavras. O roteiro foi muito pensado, mas na cena ao vivo tudo depende do dia, tudo depende da plateia, porque as plateias mudam muito de um lugar para o outro, de um dia para o outro. Mas é sempre um mistério e uma surpresa. Minha experiência de muitos e muitos anos lidando com as plateias mais diferentes de cada lugar me diz que a chave do espetáculo depende não apenas de quem está em cena. Também depende muito de quem está ali, presente, na plateia”.
Quando, já no final da entrevista, perguntei seu público em Minas Gerais e sobre os mineiros, Bethânia desfilou elogios, lembrando outros espetáculos, outras datas, nomes e lugares de Belo Horizonte que foram para ela marcantes nas últimas décadas. Destacou especialmente o recital de poemas apresentado na Reitoria da UFMG, um ano antes, que teria aberto pela primeira vez essa possibilidade que ela acalentava há tempos, sem que tivesse ocasião para apresentar somente a poesia, deixando as canções em menor destaque, em segundo plano. O convite e o destaque para a poesia, segundo Bethânia, vieram de desdobramentos de conversas e da amizade com professores da universidade, que ela definiu como “gente iluminada”.
“Este espetáculo de poesia estreou aí em Belo Horizonte não por acaso. Estava escrito”, ela diz, entre pausas e comentários bem-humorados. “Com os mineiros minha expectativa é sempre das melhores. Os mineiros têm o silêncio, a demonstração de respeito. Os mineiros têm um passado de uma história linda, que construiu o sentimento de um Brasil do futuro. Os mineiros vêm do isolamento das montanhas. Minas é sertão, silêncio e fé, como dizia Guimarães”...
por José Antônio Orlando.
Como citar:
Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. Betha, Betha, Bethânia. In: Blog
Semióticas,
13 de março de 2012. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2012/03/betha-betha-bethania.html
(acessado em .../.../...).
Parabéns por mais essa, meu mestre querido. É a primeira vez que vejo esta triste história do ataque implacável dos abutres contra a honra da deusa Bethânia ser contada com equilíbrio e com a verdade dos fatos, sem a cafagestagem que foi a manipulação da informação desde aquela primeira nota que saiu na Folha, criminosa e babaca.
ResponderExcluirTenho inveja de seu bom-senso e da inteligência e beleza dos textos do seu blog. Mas inveja boa, do bem (risos). Parabéns e vida longa, meu querido! Deus te abençoe e proteja, sempre.
Ana Maria Soares
Uma amiga me enviou o link do seu blog e disse que eu precisava ler. Comecei a leitura sem saber direito do que se tratava e nem onde iria chegar. Seu texto me encantou a partir das primeiras frases, correto, limpo, inspirado. Fui até o final, de um só fôlego, e depois fiz uma segunda leitura, para prestar mais atenção à ideias encadeadas.
ResponderExcluirAí eu vi que precisava agradecer por essa abordagem tão bonita, sincera, com ares de abrigo na tempestade, com a retidão da justiça para endireitar o que está torto, com a sabedoria de criar saídas onde parecia não haver escapatória.
Agradeço ao acaso, por ter me conduzido até o seu blog, e agradeço sua gentileza e generosidade, porque nesta e nas outras páginas só encontrei raciocínios brilhantes e abordagens que fogem com velocidade do lugar-comum, do fácil, do repetitivo, do apelativo.
Parabéns, José. Virei sua fã de carteirinha e desejo a você tudo que possa haver de melhor, agora e no futuro. Beijos, beijos!...
Maria Teles
Professor José Orlando, vou repetir o que escrevi aqui no seu blog um dia desses: o jornalismo é uma arte que poucos dominam.
ResponderExcluirAcabei de folhear dois jornais de BH e fiquei irritada e envergonhada com a maioria das matérias que vi. E as pessoas ainda têm coragem de assinar essas coisas medonhas, mal escritas e visivelmente copiadas de releases e de outros jornais. Teve uma que assinou "com agências", falando de um evento que houve em São Paulo e afirmando uma opinião distorcida e equivocada como se ela estivesse lá. Falta de vergonha na cara...
Mas seu blog é o contrário disso. Honesto, bem escrito e com ideias que fazem a gente pensar.
Parabéns. Seu trabalho está anos-luz à frente da maioria.
Muito bom mesmo. Difícil e definir: ensaio, artigo, reportagem, entrevista? Tudo ao mesmo tempo e com uma qualidade surpreendente como há muito tempo não encontro. Parabéns, José Orlando. Seu blog é um show e esta página sobre Bethânia mais ainda! Este Semióticas ganhou lugar cativo entre os meus favoritos...
ResponderExcluirPedro Silveira
Olá Professor! Parabenizo pelo belo trabalho com o blog "Semióticas". Poderia ser impresso, para lermos no banco da praça, na estação de trem, no ônibus e guardarmos para ler depois. Carregarmos um conteúdo digno de reflexão e muita informação, escritos de forma que a leitura no computador pede um tempo. Quanto à Maria Bethânia, se o valor autorizado for realmente para a captação de recursos está tudo ok. Caso contrário, nos remete a velha discussão: Artistas renomados e apadrinhados tem mais chance de aprovar e captar recursos do que aqueles que estão mais próximos de sua comunidade e realidade?
ResponderExcluirGrande abraço
Excelente matéria! Cultura é imprescindível e é impossível não associá-la à contribuição que Maria Bethânia nos oferece, seja na música, literatura e poesia. O ministério não fez favor nenhum à Bethânia em aprovar o projeto, fez sim, um favor aos Brasileiros. Finalmente parte da verba do Governo pode ser utilizada a favor de todos os brasileiros.
ResponderExcluirBethânia, nos trouxe entre outros Clarice Lispector, tantas vezes marginalizada e hoje reconhecida, não pelo que foi e sim pelo que é e sempre será. Salve Maria Bethânia.
Abraços musicias, poéticos e culturais, a gente não quer só comida!
Miriam Mendes / Campinas
Ela é linda, e daí? Beleza também incomoda.
ResponderExcluirHá muito tempo não via uma matéria ao mesmo tempo tão poética e tão polítizada ao mesmo tempo, José Antonio Orlando. Será que esta página do seu blog já chegou até a diva Bethânia? Olha, eu fiquei impressionado e já assinei para receber todas as sua atualizações. Parabéns, meu caro. Talento como o seu são cada vez mais raros...
ResponderExcluirSérgio Murilo
O texto é muito bom e a argumentação muito pertinente, só você para produzir algo assim, mestre. Lembro muito bem do que aconteceu e de quanta gente desinformada embarcou naquela onda desvairada de atacar Bethânia sem nem saber direito do que se tratava. Tem muita gente assim mesmo, acho que é coisa de caráter: sente uma atração irresistível de atacar quem faz sucesso e quando surge a oportunidade, mesmo que equivocada, se lança com tudo... Ainda bem que os desvairados (os ingênuos e os bandidos, como você brilhantemente define) não são maioria e nem têm a palavra final...
ResponderExcluirTrabalhos como o que você apresenta neste blog incrível chamado Semióticas fazem a gente pensar e ao mesmo tempo são um deleite pela beleza e pela lógica das ideias, das palavras, das imagens.
Agradeço aos céus por ter encontrado você. Pura sorte. Que o futuro traga ainda mais aval de prosperidade e de realizações grandiosas. Beijos!
Cláudia Santanna
Nada a acrescentar, nada mesmo... é Maria Bethânia, tudo isso!
ResponderExcluirCelina Beatriz Villanova
Que maravilha de reportagem, que maravilha de Blog... Chamar esse Semióticas de Blog é muito pouco. Está mais para revista eletrônica, da melhor qualidade. Parabéns pelo show, José. Poucas vezes vi um conjunto de matérias tão sofisticadas...
ResponderExcluirSoraya Mendes
Que linda e importante matéria você fez aqui sobre Maria Bethânia, uma das vozes mais importantes da canção popular brasileira, uma grande artista e, acima de tudo, um orgulho para o Brasil! Parabéns e obrigada!
ResponderExcluirRegina Machado
Tenho como certo que a campanha contra ela foi completamente orquestrada por inimigos do papel importantíssimo que ela representa para nossa mais autêntica cultura, sem contar os descontentes com a concorrência que ela fez surgir com a criação da Biscoito Fino e da Quitanda. Mas Bethânia é muito maior do que qualquer maledicência, como esta sua página maravilhosa demonstra, José Antônio Orlando. Milhões de parabéns a você por este blog Semióticas que é muito lindo e corajoso. Seu trabalho é invejável, é nota DEZ!!!
ResponderExcluirMary Lopes
"Tudo se conjuga no Verbo e na Acção...
ResponderExcluirPoucas vezes encontrei textos tão bons e uma edição de imagens tão lindas. Todas as páginas do seu site são apenas isso: um show. Preciso registrar este elogio e também agradeço aos céus por ter encontrado este mundo de sabedoria que é o site Semióticas e por estar aprendendo tanto. Beijo, José!
ResponderExcluirAna Letícia Amorim
Só uma pequena correção: em 1965 quando veio para o Rio substituir Nara Leão no show Opinião, Bethânia estava com 17 anos e não 19 como foi escrito. Completaria 18 anos em junho do mesmo ano.
ResponderExcluirque texto lindo bem como a musa, obrigada, vou reler....
ResponderExcluirSou grato pelo elogio e por sua presença, meu caro leitor anônimo. Mas os comentários precisam ser assinados. Caso contrário, são automaticamente excluídos. Espero sua assinatura no próximo. Seja sempre bem-vindo(a).
ExcluirESQUECI DE ASSINAR MEU COMENTÁRIO : ANDRÉA ALVES DE LIMA
ResponderExcluirSempre que visito este blog Semióticas fico pensando. Só posso agradecer, meu caro autor. Seu blog é lindo, crítico, inteligente e tudo de bom. Muitos parabéns!
ResponderExcluirAgradeço por esse deleite com minha deusa do coração. Amo : TERESA MOREIRA
ResponderExcluirÉ a melhor de todas as entrevistas que já encontrei com Maria Bethânia. Você conseguiu registrar algo mais além das palavras, meu querido autor do blog Semióticas. E que imagens mais lindas e poéticas! Amei, amei, amei. Agradeço de coração.
ResponderExcluirSelma Regina da Matta
Alto nível. Parabéns por esta postagem, por todas as outras que já visitei e pelo blog todo. Espetáculo!
ResponderExcluirJoão Sander Teixeira
Muito obrigada por compartilhar essa beleza de reportagem sobre Bethânia com texto perfeito e imagens de tirar o fôlego. Amei tudo, tudo.
ResponderExcluirParabéns por este blog Semióticas que é em tudo um espetáculo. Sou fã.
Anna Gutiérrez
Bethânia é minha conterrânea maravilhosa, encarnação amorosa das divindades do canto e do encanto. Adoro essa deusa. E muito obrigado por você compartilhar uma postagem tão linda, que só hoje descobri, com texto tão completo e tão verdadeiro e com imagens tão emocionantes. Amo tudo nesse blog Semióticas. Parabéns de novo.
ResponderExcluirJesse Gadelha
Emoção demais visitar este blog Semiótica e encontrar estas postagens lindas. Muito obrigada por compartilhar.
ResponderExcluirEste blog é um espetáculo.
Nina Barbosa
Achei forte a matéria e muito verdadeira. Bethânia é verdadeira.
ResponderExcluirParabéns pelo alto nível em todas as postagens.
Amei descobrir este blog Semióticas.
Rosa de Marques
Estas imagens lindas de Bethânia, todas identificadas, e seu texto ao mesmo tempo poético, didático e impecável, me levaram a uma viagem no tempo. Aprendi muito sobre Bethânia e sobre coisas que eu nem suspeitava. Parabéns pelo alto nível. Suas postagens valem por uma aula completa.
ResponderExcluirLiana Mendes