Quais são as obras-primas mais originais e criativas da História da Arte? A resposta correta, que envolve questões de extrema complexidade, poderia ser apresentada sem incorrer em desvios provocados por preconceitos e por diferenças relacionadas a gostos pessoais? Um experimento do departamento de Ciências da Computação da Rutgers University of New Jersey (EUA), em parceria com laboratórios norte-americanos de pesquisas em Inteligência Artificial (I.A.), arriscou responder a estas duas perguntas e mereceu um destaque incomum para assuntos científicos nos principais veículos da imprensa internacional na semana que passou.
Do
inglês “The Guardian” ao espanhol “El País”, do japonês
“Asahi Shimbun” ao norte-americano “The New York Times” à rede alemã “Deutsche Welle”,
entre outros baluartes do jornalismo em vários países, extensas
reportagens apresentaram o mais novo experimento cibernético e seus
resultados – que lembram aqueles enredos fantásticos dos clássicos
da ficção científica. A partir do nome do autor
da obra, da data e de seu contexto dentro da História da Arte, a
equipe acadêmica da Rutgers University, coordenada pelo professor
Ahmed Elgammal, desenvolveu um algoritmo (programa de sequências lógicas e finitas de instruções para executar uma tarefa) de computador capaz de
quantificar e avaliar a criatividade de uma obra de arte.
O
resultado, por certo surpreendente, revela novos parâmetros e
avanços do que se convencionou denominar como A.I. – Artificial
Inteligence. O experimento inédito, coordenado por Elgammal, investe
em desdobramentos dos estudos do pioneiro da Semiótica, Charles
Sanders Peirce (1839-1914), para criar, em ambiente tecnológico, uma
extensa rede de conexões entre artistas, suportes, escolas, estilos e épocas
diferentes – apresentando como resultado análises quantitativas e
juízos de valor estabelecidos pelos cálculos de uma Inteligência
Artificial.
Não é por acaso que os experimentos em Inteligência Artificial têm referência nos estudos do filósofo
e matemático, totalmente incompreendido em seu tempo, Peirce, o
primeiro entre os teóricos da Semiótica, dedicou a vida às
investigações sobre o pensamento, a informação e a criação, em
proposições que fundamentam ainda hoje a Cibernética e as Ciências
Cognitivas, além das pesquisas sobre Filosofia da Linguagem nas mais
diversas áreas do conhecimento. As complexidades das teorias de Peirce
sobre os signos e seu “objeto dinâmico” foram retomadas pela equipe
de Elgammal para alcançar resultados que aproximam Arte, Ciência e Tecnologia em novas e inquietantes interfaces.
Filosofia
e Criatividade
O
novo experimento colocou em prática uma análise que parece
impossível para a escala de compreensão humana: um estudo comparado
em mais de 2.600 aspectos de análise sobre mais de 60 mil obras de
arte, incluindo das informações sobre estilo, sobre forma e sobre conteúdo às questões de
matizes de cores, de traços e de perspectivas. Os
autores do estudo (veja o link para acessar a íntegra do relatório
sobre o experimento no final deste artigo) usaram a definição de
criatividade proposta por Elliot Samuel Paul e Scott Barry Kaufman
(em “The Philosophy of Creativity”, tese publicada em maio de
2014) como “algo que seja original, diferente do que foi feito até
o momento, e que tenha influência marcante sobre as obras
posteriores”.
“Usamos
uma definição precisa de criatividade, aquela que enfatiza a
originalidade do produto e seu valor influente”, justifica no
relatório final Ahmed Elgammal, coautor do algoritmo, em parceria
com Babak Saleh, também professor do departamento de Ciências da
Computação da Rutgers University. Segundo Elgammal, a estrutura
computacional proposta teve por base a construção de uma rede
específica em múltiplas conexões com o objetivo de levar a
Inteligência Artifical a inferir sobre a originalidade e a
influência de cada uma das mais de 60 mil obras de arte analisadas.
“Uma
vez codificadas as imagens de cada obra de arte”, completa
Elgammal, “o algoritmo passou a medir a originalidade, calculando
quanto há de diferenças em relação a seus antecessores no tempo”.
A partir da base de dados dos sites Artchive e Wikiart, Elgammal e
equipe estabeleceram sua amostragem de análise entre mais de 60 mil
imagens produzidas por artistas no período histórico que vai da
Baixa Idade Média (século 15) até o ano de 2010. O nome escolhido
pela equipe para denominar o projeto não poderia ser mais alegórico
e instigante: "Time Machine Experiment" (Experimento
Máquina do Tempo).
Cânones
da História da Arte
O
relatório final da equipe do departamento de Ciências da Computação
da Rutgers University, que será apresentado durante o simpósio
internacional Computational Creativity (ICCC), de 29 de junho a 29 de
julho em Park City, Utah (EUA), quantifica entre as mais originais e
criativas obras-primas da História da Arte uma seleção de
obras-primas que atualmente está distribuída entre os mais
importantes acervos dos grandes museus e dos mais privilegiados
colecionadores.
Arte e Tecnologia: acima,
Corridor
in Saint-Paul Hospital, pintura de 1889 do holandês Vincent van Gogh. Abaixo, uma das pinturas da série Composition blanc, rouge et jaune, obra de 1936 de outro holandês, Piet Mondrian |
Em
primeiro lugar, na lista de obras-primas classificadas pelo
experimento, figura “El Cristo Crucificado” (1780),
pintura do espanhol Francisco de Goya, seguida, pela ordem
estabelecida pelos cálculos do algoritmo, por “Bananas
and Grapefruits nº 1” (1972), do norte-americano Roy
Lichtenstein; pela série de quatro pinturas em óleo sobre tela
denominada “Skrik” (O
Grito), concluída por volta de 1895 pelo norueguês Edvard Munch; e
por “Les demoiselles d'Avignon” (As Senhoritas de Avignon)”,
pintura de 1907
do espanhol Pablo Picasso.
Além
das quatro primeiras colocações, outros gigantes da Arte desde a
Idade Média também aparecem entre os mais originais e criativos –
entre eles Leonardo da Vinci, Michelangelo, Albrecht
Dürer, Diego
Velázquez, Claude Monet, Vincent Van Gogh, Auguste Rodin, Kazimir Malevich, Salvador Dalí e Piet
Mondrian. Não por acaso, o ranking da classificação das obras
através do algoritmo confirma os cânones apontados por célebres
estudos de História da Arte, entre eles os compêndios de Ernst Hans
Josef Gombrich ou de Giulio Carlo Argan – unânimes em apontar obras e
artistas também citados pelo experimento de Elgammal entre os mais
criativos dos últimos séculos, seja pela originalidade em seu tempo
ou pela grande influência em períodos posteriores.
Na conclusão sobre o experimento com arte e algoritmos, o relatório assinado por Elgammal enumera os avanços alcançados no que se refere às Ciências da Computação e prevê as possibilidades de utilização do mesmo sistema em outras formas de criação e representação, tais como algoritmos de busca, de ordenação e de análises em campos diversos como a geometria, a criptografia e também a interpretação de textos.
“Os
resultados (do Experimento Máquina do Tempo) podem ter
desdobramentos em vários
conceitos aplicados tanto à arte como à ciência para alcançar as
questões multidimensionais da vida cotidiana”, aponta o professor
Ahmed Elgammal em sua conclusão. Em outras palavras, como diria o
narrador daquele romance emblemático de Philip K. Dick, “Do
Androids Dream of Electric Sheep?” (Sonham os andróides com
ovelhas elétricas?), que inspirou o filme “Blade Runner” – é
sempre bom lembrar que o futuro está apenas começando.
por
José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. Arte e tecnologia. In: Blog
Semióticas,
25 de junho de 2015. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2015/06/arte-e-tecnologia.html
(acessado em .../.../.../).
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Para acessar a íntegra do relatório "Quantifying Creativity in Art Networks",
Para comprar "O processo criativo", de Claudio Castelo Filho, clique aqui.
Para acessar a íntegra do relatório "Quantifying Creativity in Art Networks",
de Ahmed Elgammal e Babak Saleh, clique aqui.
Para comprar o livro “The Philosophy of Creativity”, de Elliot Samuel Paul
Registro aqui meus parabéns por este site sensacional e por esta reportagem que é uma aula do mais alto nível sobre arte e sobre tecnologia. Não sabia o que era um algoritmo antes de chegar aqui. Aprendi muito e agradeço. Imagens lindas, texto impecável, tudo ótimo. Eu me lembrei de quando eu era criança: o ano de 2015 parecia ser um longo caminho para o futuro. Meus amigos e eu estávamos todos convencidos de que por esse tempo combustíveis fósseis seriam uma coisa do passado e que haveria cidades em bases na Lua e talvez até Marte. Bem, aqui estamos e honestamente não muito mudou realmente. Mas sim, temos a internet e sites como este Semióticas, superior a qualquer um dos lixos da imprensa brasileira na atualidade. Agradeço muito sua gentileza em compartilhar estas belas matérias que valem por muitas aulas ou até cursos inteiros. Ganhou mais um fã. Parabéns de novo.
ResponderExcluirLeonardo de Alcântara
Sensacional a experiência realizada e mais sensacional ainda este seu site Semióticas. Você consegue traduzir questões de máxima complexidade em linguagem simples e gostosa de ler. Sempre digo para meus alunos que a ciência da computação não é mais sobre computadores que a astronomia é sobre telescópios. A experiência e esta beleza de matéria que você escreveu e editou comprovam esta regra. Recomendo seu site Semióticas para todos os meus alunos. Acredito que o material publicado aqui pode ser muito útil nos cursos de graduação e pós-graduação em Ciência da Computação e Engenharia de Computação, além da História da Arte em todas as suas variantes. Parabéns.
ResponderExcluirDelícia de página, professor. Sim, vale mais que uma aula. Vale por um curso inteiro. Já disse antes, mas vou repetir: Semióticas é o melhor de todos os blogs que já visitei. Alto nível e tudo muito lindo.
ResponderExcluirExcelente texto. De fato, a Singularidade Tecnológica se aproxima em velocidade exponencial e ainda não podemos compreender o que está acontecendo (será que algum dia compreenderemos?). Nossas vidas se transformam vertiginosamente no aspecto exterior, enquanto geralmente muito pouca atenção é dada ao nosso desenvolvimento ético, emocional e espiritual. O resultado é imprevisível, mas devemos acompanhar atentamente. Parabéns pelo artigo!
ResponderExcluirA tecnologia no seu caminho para o futuro!... Talvez um dia seja possível expressar e números a emoção que eu - só para citar alguém - sinto diante do White on White do Malevich, por exemplo.
ResponderExcluirE, não me pergunte por quê, me lembrei de uma história que o grande mestre Ianelli contou a um amigo meu:
Depois de muitos e muitos anos, um amigo de infância dele, desses bem simples, foi visitá-lo em sua casa-atelier. Vendo suas pinturas ele perguntou:
- Você vende esses quadros?
- Vendo.
- Por quanto?
Ianelli disse o valor e ele se espantou:
- Nossa mãe!!! Pois eu não queria nem de graça!...
Sensacional a anedota com o Ianelli, meu caro Paulo Guimarães. Grande! E sobre a tela de Malevich, confesso também que ela sempre me emociona. Estou na expectativa para um dia admirar ao vivo, e a cores, esta obra-prima da Abstração. Forte abraço!
ExcluirEste blog Semióticas é mesmo um espetáculo. Vale por uma bela aula. Ou melhor: vale por um curso inteiro. Sou sua fã. A aprendo muito e fico muito feliz a cada nova visita que faço por aqui. Parabéns e agradeço muito sua generosidade por compartilhar tanta beleza e sabedoria.
ResponderExcluirAna Elisa Soares
Uau, professor, que beleza! que aula mais maravilhosa!
ResponderExcluirEste Semióticas é o máximo. Aprendo demais em todas as visitas também. Parabéns! Também sou fã.
Luiz Carlos Carvalhaes
Obrigada! Cada vez mais apaixonada por esse site! Transborda cultura!
ResponderExcluirMuito bom mesmo. Super blog Semióticas. Eu ia escrever que só esta postagem já vale por uma aula, mas acho que vale mesmo é por um curso inteiro. Parabéns demais!
ResponderExcluirFlávia Araújo
Sensacional! Entendi com clareza mesmo com a complexidade de algoritmos e processamento de dados que são temas que não domino. Fabulosa esta aproximação entre Arte e Tecnologia. Texto perfeito e seleção de imagens primorosas. Parabéns por tudo neste blog Semióticas que é um espetáculo.
ResponderExcluirVictor de Almeida
Vou registrar de novo um agradecimento e meus sinceros parabéns a você. Bela postagem e belo trabalho que você apresenta aqui neste blog Semióticas. Parabéns de novo.
ResponderExcluirGilberto Pimentel
Sua abordagem sobre como este assunto, de alta complexidade, consegue ser didática e até poética. Fiquei encantada. Aprendi muito com esta postagem e com esta primeira visita ao blog Semióticas. Vou ter que voltar muitas vezes com muito gosto. Parabéns porque tudo aqui é excelente.
ResponderExcluirAlessandra Raposos