Reza a lenda que uma nova forma de arte só está
sacralizada quando ganha o status de aquisição no acervo dos
grandes museus pelo mundo afora. Foi assim no último século, com as
sucessivas revoluções das Vanguardas do Modernismo, ao norte e ao
sul do Equador, de Pablo Picasso e Wassily Kandinsky a Tarsila do Amaral e Cândido
Portinari, entre outros mestres, incluindo a ironia iconoclasta das instalações da Pop Art nas últimas décadas, com
a incorporação de anúncios publicitários, grafites, vídeos e
suportes híbridos, instáveis, passíveis de intervenções do
público na sua composição.
Agora é a vez dos jogos eletrônicos ocuparem os
domínios antes reservados aos grandes da História da
Arte. Para espanto dos mais conservadores, a arte dos videogames passará a ter
alguns de seus maiores sucessos comerciais alinhados no mesmo espaço sagrado
que abriga obras-primas de Leonardo da Vinci, Vincent Van Gogh,
Claude Monet, Frida Kahlo. Exemplares originais de Tetris, Pac-Man, Snake (em versão
original, pré-Nokia), The Sims, SimCity 2000, Katamari Damacy e
outros jogos eletrônicos, que há tempos vêm conquistando corações e mentes de
adolescentes de todas as idades, chegaram ao acervo do cultuado Museu de Arte Moderna de
Nova York (MoMA), com a exposição “Applied Design” (Design
aplicado), que estará aberta ao público até janeiro de 2014, todos com plataformas abertas para que os visitantes possam jogar e interagir (veja o link para visita on-line à exposição no
final deste artigo).
No informe que apresenta a exposição, a curadoria destaca que o objetivo é formar um amplo painel sobre design e sobre design e tecnologia: “Ainda existe quem pensa que design serve apenas para tornar coisas, pessoas e lugares mais bonitos. Na verdade, o design se espalhou por quase todas as facetas da atividade humana, da ciência e educação à política e formulação de políticas, por uma razão simples: uma das tarefas mais fundamentais do design é ajudar as pessoas a reagirem a mudanças. Hoje, um designer pode optar por se concentrar em interações, interfaces, internet, infraestrutura, móveis, vestuário, bioengenharia, espaços 5-D, sustentabilidade e até videogames”. Há amostragens de todos estes setores do design na exposição, mas o destaque, pelo inusitado de sua presença no espaço de um tradicional museu de arte, são mesmo os videogames.
No informe que apresenta a exposição, a curadoria destaca que o objetivo é formar um amplo painel sobre design e sobre design e tecnologia: “Ainda existe quem pensa que design serve apenas para tornar coisas, pessoas e lugares mais bonitos. Na verdade, o design se espalhou por quase todas as facetas da atividade humana, da ciência e educação à política e formulação de políticas, por uma razão simples: uma das tarefas mais fundamentais do design é ajudar as pessoas a reagirem a mudanças. Hoje, um designer pode optar por se concentrar em interações, interfaces, internet, infraestrutura, móveis, vestuário, bioengenharia, espaços 5-D, sustentabilidade e até videogames”. Há amostragens de todos estes setores do design na exposição, mas o destaque, pelo inusitado de sua presença no espaço de um tradicional museu de arte, são mesmo os videogames.
Videogames chegam ao acervo do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York: no alto, Pac-Man , criação de |
Na
apresentação da mostra – que também comemora os 60 anos do mais
antigo videogame, o OXO, um jogo-da-velha eletrônico adaptado por
Alexander Douglas a partir da tecnologia dos equipamentos de radar –
Paola Antonelli, curadora-sênior do MoMA para Arquitetura e Design,
destaca as questões de meio ambiente e sustentabilidade como o
grande desafio da arte e do design no tempo em que vivemos – e
defende que talvez a informação mais importante sobre qualquer
produto em nossa época seja sua origem e o material do qual ele é
feito. Da mesma forma que aprendemos a reconhecer a madeira que foi
usada para construir um banco, explica Antonelli, nossa época
apresenta a necessidade de mudanças que são grandes desafios de
aprendizado para nossa percepção sobre a sustentabilidade dos objetos e dos ambientes.
Funções
do Design
“Ainda há pessoas que pensam que a função do Design
é apenas fazer coisas bonitas, pessoas bonitas e lugares bonitos”,
alerta a curadora. “Na verdade, o Design se espalhou no último
século para quase todos os domínios da atividade humana, da
ciência à educação, da política à formulação de
políticas, e tudo isso por uma razão simples: uma das tarefas mais fundamentais
do Design é ajudar as pessoas a responderem às mudanças. O
designer pode optar por um leque quase infinito de atuações e interações,
interfaces, mas tem que ter seu foco na palavra sustentabilidade”.
Paola Antonelli também explica que o mundo dos videogames é apenas
um das séries abordadas na exposição do MoMA, junto a várias
outras que abordam tanto as inovações como algumas das peças que se
tornaram verdadeiros clássicos em vários setores da vida cotidiana.
“O mundo dos videogames é uma das possibilidades que o design proporciona, seja na internet, seja em oficinas e ateliês,
seja dimensionando o 5-D, seja na bioengenharia, na solução de
cenários críticos e, sim, até mesmo na criação de móveis e
utensílios domésticos. Mas o videogame é apenas uma entre muitas e muitas outras possibilidades".
Vários exemplos da vitalidade e
da diversidade do design contemporâneo serão apresentados na mostra
de forma pioneira, tanto pelo ineditismo do tema quanto pelas estratégias de apresentação das obras e de interação com o público. E não faltam objetos e funções inusitadas, entre eles criações notáveis. "Destaco especialmente duas obras de designers que vêm da
cultura árabe e que têm um forte apelo humanitário", completa Antonelli. “Não há
como não ficar em estado de completa surpresa quando descobrimos que
aquela forma quase incompreensível é um detonador de minas, criado
pelo jovem afegão Massoud Hassani, ou aquela outra, que lembra uma
antiga embarcação, feita para transformar areia do deserto em vidro
usando apenas a energia do sol”.
Mestres da eletrônica e historiadores
Ainda
que a seleção de obras inclua tanta diversidade e aplicabilidade,
para a maior parte do público por certo não há como ficar
indiferente à coleção de videogames em exibição. Para empreender
o evento inédito e ambicioso, que com a coleção de videogames dá
início a um novo ramo do acervo do MoMA, a curadoria contou com uma
extensa lista de consultores – incluindo mestres e pesquisadores
ligados às universidades, especialistas da indústria de eletrônicos
e historiadores, além da equipe de Arquitetura e Design do MoMA, sob a coordenação de Paola Antonelli.
Cada
obra em exposição, tanto as peças utilitárias como as séries de videogames, é apresentada em seu formato original, incluindo projeções em painéis de alta
definição, semelhantes às instalações de videoarte, mas com todos os acessórios
necessários ao manuseio do objeto ou ao jogo, todos conectados, para que o público possa
interagir. Sucesso de público garantido, a priori, mas não faltarão críticas pessimistas, apontando que videogames são mero passatempo, um objeto de diversão e não uma obra de arte.
Como antídoto ao pessimismo apocalíptico, vale lembrar as lições do visionário alemão Walter Benjamin (1892-1940), um dos primeiros a ressaltar as alterações na percepção humana que cada época produz e projeta, pela atenção ou pela distração, em seu célebre ensaio de 1936, "A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica". Sinal dos tempos: como é previsível que legiões de adolescentes sejam atraídas pelo evento, incomum para a programação de um museu tradicional, a curadoria treinou equipes de monitores que estarão de plantão para orientar sobre o funcionamento de cada game, a linguagem de programação utilizada e suas respectivas inovações ou qualidades estéticas em destaque, em plataformas on-line e off-line que enumeram dos antigos fliperamas a computadores, celulares, dispositivos móveis em geral e consoles em formatos diversos. Cada um deles trazendo em si mesmo as recordações de outras épocas, quando o futuro parecia um lugar muito, muito distante.
Como antídoto ao pessimismo apocalíptico, vale lembrar as lições do visionário alemão Walter Benjamin (1892-1940), um dos primeiros a ressaltar as alterações na percepção humana que cada época produz e projeta, pela atenção ou pela distração, em seu célebre ensaio de 1936, "A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica". Sinal dos tempos: como é previsível que legiões de adolescentes sejam atraídas pelo evento, incomum para a programação de um museu tradicional, a curadoria treinou equipes de monitores que estarão de plantão para orientar sobre o funcionamento de cada game, a linguagem de programação utilizada e suas respectivas inovações ou qualidades estéticas em destaque, em plataformas on-line e off-line que enumeram dos antigos fliperamas a computadores, celulares, dispositivos móveis em geral e consoles em formatos diversos. Cada um deles trazendo em si mesmo as recordações de outras épocas, quando o futuro parecia um lugar muito, muito distante.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
ORLANDO, José Antônio. Arte e videogame. In: Blog Semióticas, 1° de março de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/03/arte-e-videogame.html (acessado em .../.../...).
Como citar:
ORLANDO, José Antônio. Arte e videogame. In: Blog Semióticas, 1° de março de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/03/arte-e-videogame.html (acessado em .../.../...).
Para
uma visita on-line à exposição “Applied Design”, clique aqui.
Para comprar o livro Videogame, A evolução da arte, clique aqui.
* * *
14 videogames adquiridos
pelo acervo do MoMA:
•
Pac-Man (criado em 1980)
• Tetris (1984)
• Another World (1991)
• Myst (1993)
• SimCity
2000 (1994)
• Vib-ribbon (1999)
• The Sims (2000)
• Katamari Damacy (2004)
•
EVE Online (2003)
• Dwarf Fortress (2006)
• Portal (2007)
• flOW (2006)
•
Passage (2008)
• Canabalt (2009)
Maravilhoso, como sempre. Nunca pensei que fosse ver o dia emque videogame fosse considerado arte e levado para o MOMA. Parece ficção científica. Fiquei com muita vontade de estudar Benjamin. Este Semióticas é puro show. Aprendo demais em cada visita. Agradeço mil vezes. Valeu!
ResponderExcluirFantástico! Sou doido para visitar o MoMA, assisto palestras da curadora de lá pelo TED. Concordo de já existirem jogos que além de serem arte, são arte de bom gosto e qualidade.
ResponderExcluirLeva a um assunto que é de interessante de discutir também, a "jogaficação" (gamefication) cada vez mais presente no cotidiano, seus prós, como auxílio no aprendizado, e contras, como no uso bélico. Responsabilidade nossa, dos designers.
ps. Joguei todos os jogos em exposição.
Que notícia mais incrível, que blog maravilhoso. Virei fã de carterinha deste Semióticas. E adorei saber que meu vasto conhecimento de videogames tem futuro. Vou registrar aqui uma profecia: o MoMA ainda vai se render ao talento do designer Thales de Miranda. Dato e assino.
ResponderExcluirParabéns, José. Bom demais demais!
O Daniel comentou sobre os vídeos do TED. Outro dia eu vi um que tratava dos avanços do vídeo game na área educativa. Creio que essa função mais humana dele é algo que devemos vibrar para chegar logo, assim como jogos que de alguma forma estimulem a sustentabilidade.
ResponderExcluirNo mais, que tudo se exploda!
Cada visita é uma surpresa e a certeza de descobrir coisas lindas e inteligentes. Por essa do videogame chegar ao MoMA eu já esperava. Demorou. Parabéns. Seu blog está cada vez mais incrível.
ResponderExcluirRosângela Brandão
Fantástica reportagem. E o blog então, mais ainda. Parabéns.
ResponderExcluirJuliano D'Alessandro
A seleção dos jogos da exposição é ótima. Realmente são peças diferenciadas no universo dos videogames, que produz muitos títulos alienantes, repetitivos e nada criativo, além da violência -muitas vezes exagerada- como motor da diversão e compreensão dos objetivos do jogo. A relação é única, os jogos não têm paralelo e reinventaram os gêneros, criando não só uma sólida base de fãs como também uma cultura, pois as referências saíram do jogo para se entremear no cotidiano da sociedade.
ResponderExcluirNão concordo com a elevação de videogames ao status de arte. É entretenimento, diversão. Arte é outra coisa, muito diferente. Mas preciso reconhecer que seu texto vai fundo na questão. Muito bom mesmo. Sério e questionador. E bonito demais.
ResponderExcluirParabéns pelo blog. Este Semióticas é FANTÁSTICO!
Esta discussão é muito atual. Parece que o MOMA saiu na frente. Excelente matéria. Parabéns, José, seu blog é realmente uma beleza.
ResponderExcluirJúlio César Fortes
Melhor artigo que já encontrei sobre o universo dos games. Informações precisas e preciosas. Show! Só agradeço por você compartilhar beleza e sabedoria.
ResponderExcluirPaulo Canova
Entendo perfeitamente a presença de videogames no acervo de um grande museu como o MoMA, porque é um artefato da cultura humana tão significativo e simbólico de uma época como qualquer outro artefato ou obra de arte de outras épocas e outras culturas. E parabéns pelo blog Semióticas que é um espetáculo em tudo.
ResponderExcluirCristiane Miguel