As
pessoas às vezes dizem que a maneira como as coisas
acontecem
em filmes é irreal, mas na verdade é o modo
como
as coisas acontecem na vida que é irreal.
–– Andy
Warhol (1928-1987). |
Mais de três décadas depois de sua morte, em 1987, Andy Warhol, o Midas da Pop
Art, pintor, fotógrafo, cineasta, artista multimídia, continua surpreendente. A cada ano surgem novidades e obras-primas no acervo do artista, algumas desconcertantes até mesmo para seus biógrafos e para os curadores de sua memorabilia. Entre as mais recentes, houve, em 2013, a surpresa de uma coleção de
300 belos desenhos inéditos do jovem Warhol – descoberta pelo
curador alemão Daniel Blau nos arquivos da Andy Warhol Foundation,
em Nova York. Agora, a última novidade são as experiências
pioneiras de mister Warhol com a arte em computadores: uma série de
obras criadas por ele em um Commodore Amiga 1000, o primeiro
modelo lançado no mercado na década de 1980.
As
primeiras obras digitais de Warhol, até então desconhecidas, foram
recuperadas a partir de antigos disquetes do museu norte-americano
que conserva seu espólio em sua terra-natal, Pittsburgh,
Pensilvânia. Autenticada como criação original pelos especialistas
e pesquisadores do Andy Warhol Museum of Art, a série conta com 12
trabalhos digitais feitos por Warhol – e, não por acaso, inclui os
temas favoritos do artista: seus autorretratos, que anteciparam em muitas décadas a moda atual dos "selfies", retratos de Marilyn Monroe em policromia, recriações
de obras-primas da história da arte, variações sobre imagens
publicitárias das latas de sopa Campbell e das bananas da capa do LP
do Velvet Underground e também manipulações sobre fotos da musa de
Warhol na época, a atriz e cantora Debbie Harry, da banda Blondie.
Vista
pelo público atual, que convive com todo o avanço da tecnologia dos equipamentos de imagem e da rapidez instantânea da internet, incluindo a popularização dos filtros e efeitos de intervenção e pós-produção do tipo Instagram, a
série pode parecer corriqueira e até primitiva – mas ganha outro
sentido quando se descobre que foi a primeira série que receberia o nome de arte digital, a primeira série de pinturas e
desenhos realizada diretamente em computadores. A história da
descoberta desta façanha com os primeiros computadores começou
em 2011, quando o nova-iorquino Cory Arcangel, pesquisador de arte e
tecnologia, descobriu no Youtube um documentário de dois minutos
em que o próprio Warhol, em 1985, experimentava em um computador a
fusão de efeitos cromáticos sobre imagens de Debbie Harry (veja o documentário no final deste artigo).
O
vídeo que Arcangel viu fez parte da campanha de marketing para o
lançamento mundial do Amiga 1000 e está citado nas biografias de
Warhol, mas sem nenhum destaque de importância por parte de seus
biógrafos. Três décadas depois, graças à curiosidade de Cory
Arcangel, se descobre que, mais que uma peça publicitária, o vídeo
registra mais uma interface do gênio inventivo de Warhol – suas
experiências estão, na verdade, no centro de desenvolvimento do que
passaria nas décadas seguintes a ser chamado de arte digital, e
Warhol, personalidade da Pop Art, surge agora como nome central na
invenção de processos e ferramentas que dariam origem a vários
softwares hoje populares e às mais avançadas técnicas do
Photoshop.
Disquetes
inacessíveis
Ao
assistir ao vídeo no Youtube, Cory Arcangel quis saber o que fora
feito do retrato de Debbie Harry. As investigações o levaram ao
Andy Warhol Museum, onde a curadora Tina Kukielski informou que uma
única cópia da imagem teria sido impressa por Warhol e estava há
anos em exposição no próprio museu – mas ninguém sabia do
destino das outras obras digitais produzidas nas tais experiências
pioneiras de Warhol. Arcangel não desistiu e continuou a busca
fazendo contato com outras instituições e com representantes da
empresa que fabricou em 1985 o Commodore Amiga 1000 – e que iria à
falência poucos anos depois, superada pela concorrência,
especialmente pelo Macintosh da Apple, que chegou ao mercado no final de 1984.
Com
apoio de Tina Kukielski e da Universidade de Pittsburgh, Cory Arcangel montou
uma equipe de investigação e, depois de meses de trabalho,
descobriram que as obras digitais de Warhol estavam intactas,
gravadas em disquetes flexíveis para armazenamento de dados, antigos e
obsoletos, que haviam sido transferidos para o mesmo museu em 1994 e
guardados em um depósito de acesso restrito. O trabalho seguinte foi
um desafio mais minucioso e difícil: encontrar equipamentos
compatíveis para “ler” e “imprimir” o conteúdo dos
disquetes que até então estavam arquivados com o rótulo de
“inacessíveis”.
O
breve documentário disponível no YouTube, que registra a
experiência pioneira de Warhol em 1985, é também uma aula sobre o
processo criativo do artista. A sessão, apresentada para imprensa e
convidados no Lincoln Center, em Nova York, começa com Warhol
capturando através do computador imagens de Debbie Harry. Depois,
manipula as imagens na tela, testando alguns dos comandos no teclado
do equipamento.
Manipulações
de forma e de cor
Pelas
imagens do documentário de 1985 é possível perceber que os
resultados, visualizados na tela do computador, lembram bastante as
estampas em serigrafias de estrelas como Marilyn e Elvis – com as
variações que Warhol explorou quase ao infinito, desde a década de
1960, em suas experiências com permutações de cor. Com uma diferença: Warhol estava
começando a experimentar com o computador o que nenhum outro artista havia feito antes.
A
desenvoltura que Warhol demonstra, no vídeo, diante dos comandos do
Commodore Amiga 1000, também deixa claro que o artista já havia
adquirido uma certa “intimidade” com o equipamento. Aliás, o que
se sabe é que o Commodore Amiga 1000 nem foi o primeiro computador
que Warhol testou. Na biografia de Steve Jobs (lançada no Brasil
pela Companhia das Letras), o autor, Walter Isaacson, descreve alguns
dos encontros entre Warhol e o biografado e também a primeira vez
que o artista interagiu com a novidade da tecnologia de computadores.
O
primeiro contato de Andy Warhol com um computador, segundo o relato de Isaacson, aconteceu no dia 9 de outubro de 1984, na festa de aniversário de nove anos de
Sean, filho de John Lennon e Yoko Ono. Foi durante a reunião de
amigos, no apartamento em que o casal morou, no famigerado edifício Dakota, em
Nova York. Naquela noite, os diálogos entre Jobs e Warhol, de acordo
com o biógrafo, foram tão breves quanto enigmáticos.
No
meio das estrelas das artes e do cinema presentes no encontro, Jobs,
co-fundador da Apple Computer, levou de presente para Sean um
computador Macintosh. Warhol observa, no começo sem muita
curiosidade, quando Jobs mostra a Sean como trabalhar com a máquina.
Assim que o garoto se distrai com outros presentes, Warhol,
incentivado pelo amigo e artista do grafite Keith Haring, toma seu
lugar na frente do equipamento, enquanto Jobs tenta explicar como
tudo funciona e como usar um mouse.
Walter Isaacson descreve a felicidade de Steve Jobs com o interesse que ele viu o equipamento despertar em Andy Warhol. Demorou um pouco, naquela noite, mas finalmente Warhol mostrou habilidade com a nova ferramenta e ficou ali, desenhando na tela, durante horas, como uma criança encantada com um brinquedo novo. Poucos meses depois, Warhol, artista profissional, atento aos desafios de sua época, fecharia contrato com os concorrentes de Jobs para a apresentação comercial do Commodore Amiga 1000 no Lincoln Center.
por José Antônio Orlando.
Como
citar:
ORLANDO,
José Antônio. O primeiro Warhol on-line. In: Blog
Semióticas,
2 de julho de 2014. Disponível no
link https://semioticas1.blogspot.com/2014/07/o-primeiro-warhol-on-line.html (acessado em
.../.../…).
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Warhol Museum, clique
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filosofia de Andy Warhol, clique
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Veja as gravações de Warhol com o Commodore Amica 1000:
Que show!!! Amo a Pop Art, amo Warhol. Agora também amo este Semióticas, site maravilhoso. Que show!!!
ResponderExcluirLetícia de Sá
Parabéns, professor. Outro artigo tão sensacional quanto suas aulas. Aprendo muito a cada visita ao Semióticas. Agradeço demais. Saudades. Abração!
ResponderExcluirFiguraça!!!
ResponderExcluirEsse Warhol é mesmo surpreendente. Isso dele estar na origem das mídias digitais é quase inacredita´vel. Parabéns pelo blog, Semióticas. Show!
ResponderExcluirAloisio Ferreira
Parece que o Andy Warhol é uma exceção naquela história de 15 minutos de fama. Para ele são os 15 minutos mais demorados e eternos. Adoro este Blog Semióticas. Tudo aqui é sensacional. Virei fã.
ResponderExcluirSemióticas continua a ser o meu site preferido entre todos os que acompanho. Agradeço muito por tanta beleza e tanta sabedoria compartilhada, professor José Antonio Orlando. Saudade de suas aulas incríveis!
ResponderExcluirMarcilene de Castro
Warhol é mesmo surpreendente, tanto quanto este blog Semióticas. Parabéns pela alta qualidade. Também virei fã.
ResponderExcluirRoberto Leone
Sensacional este blog Semióticas e que maravilha descobrir mais esta incrível notícia sobre meu ídolo Andy Warhol. O cara era genial em tudo. Agradeço por sua gentileza em compartilhar tanta sabedoria e beleza por aqui, José. Parabéns pelo alto nível.
ResponderExcluirSalve, salve! Descobri somente agora este artigo sensacional sobre as experiências pioneiras de Andy Warhol com o computador. Que show! Alto nível. O artigo, e o blog Semióticas, em tudo, valem por uma aula ou por um curso inteiro.
ResponderExcluirAlessandro Tridapalli
Perfeita simetria de texto impecável com imagens maravilhosas e identificação completa das fotos, coisa rara de encontrar. Alto nível.
ResponderExcluirPostagem sensacional. Parabéns de novo e muito obrigada por compartilhar este estudo maravilhoso.
Eneida de Ávila