Eu disse que para alguns escritores a literatura deveser doce e edificante, isto é, suficientemente açucaradae boa para agradar paladares delicados e refinar morale espiritualmente o leitor, mas que o escritor não era umconfeiteiro de bolos nem um pedagogo, os bons escritores,como Sade, enchiam o coração e as mentes dos leitoresde medo e horror, porque a vida era isso, medo e horror.–– Rubem Fonseca, “E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto”. |
O escritor Rubem Fonseca, que morreu
na tarde de hoje no Rio de Janeiro, aos 94 anos, vítima de uma
parada cardíaca, nunca foi uma unanimidade entre a crítica
literária e os meios acadêmicos, mas escreveu seu nome como autor
de um importante capítulo na literatura brasileira contemporânea –
um capítulo que ganhou em 1975 a célebre definição de
“brutalista” pelo historiador Alfredo Bosi. A inserção na
corrente brutalista, termo que Bosi lançou em 1975 no livro “O
conto brasileiro contemporâneo” (Editora Cultrix), tomando de
empréstimo uma classificação da arquitetura dos anos 1950 e 1960
(pela estética crua dos pilares, do visual de obra inacabada, da
funcionalidade que precede qualquer preceito artístico), indica uma
representação da imagem do caos e da agonia dos valores: uma
literatura que traduz e reflete a brutalidade derivada dos desníveis
sociais e das situações de violência explícita.
Na
literatura brutalista e criminal de Rubem Fonseca, assim como no
gênero policial “noir” e no estilo “pulp fiction” mais
característicos da tradição popular da literatura norte-americana, com suas tramas de descaminhos, de pequenas e grandes contravenções geradas na violência da exclusão social
nos centros urbanos, os detetives e os policiais nem sempre
são heróis e muitas vezes agem com a mesma sordidez e a mesma amoralidade
dos criminosos e suspeitos com os quais travam relações ou
investigam e combatem. Ao contrário dos narradores e personagens da
história policial clássica, com seus crimes a serem desvendados de forma elegante e cerebral por detetives em seus gabinetes,
nos novos cenários da literatura brutalista que Rubem Fonseca apresenta os heróis e vilões estão misturados por compartilharem, na cidade grande e nas periferias, a mesma condição humana muitas vezes sombria, carregada por vícios
e defeitos incontroláveis.
Às composições próprias do romance policial, construídas pelo
emaranhado das tramas que são formadas como quebra-cabeças em que
as peças mais importantes estão sempre faltando, enquanto as peças disponíveis para investigação apenas cumprem o papel de iludir e despistar a solução
do enigma, Rubem Fonseca acrescenta a diversidade de injustiças das questões sociais do Brasil e séries de referências por vezes sofisticadas e eruditas, por vezes comuns e muito próximas da vida cotidiana. “A dicção que se faz no interior desse mundo é rápida”, como destacou Alfredo Bosi, “é às vezes compulsiva; impura, se não obscena; direta, tocando o gestual; dissonante, quase ruído”. Com a habilidade de estrategista de Rubem Fonseca no jogo
das palavras, o que entra em cena são histórias que conseguem
surpreender o leitor mais atento ao elaborar e encadear técnicas
narrativas ao mesmo tempo violentas, pontuadas de pulsões eróticas, de lances imprevisíveis, de suspense e de ironias quase sempre desconcertantes.
Policial
por profissão e advogado diplomado em
Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito, da
antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Rubem Fonseca atuaria por uma década como comissário nos distritos
policiais do Rio de Janeiro até ser exonerado em 1958. A partir daí
abraçou sua paixão pela literatura. A experiência experimentada
como policial viria com muita frequência alimentar sua ficção construída de linguagem coloquial e de
ambientação urbana, desde a estreia, em 1963, com os
12 contos reunidos em “Os prisioneiros”. O livro de estreia traz como epígrafe uma citação emblemática da Antiguidade
Clássica (extraída de “O livro do caminho e da sua virtude” e atribuída a Lao Tsé, sábio chinês que viveu no ano 600 antes de Cristo), uma citação não por acaso muito reveladora
sobre a condição humana de personagens e tramas das páginas
seguintes e também sobre os livros que o
autor publicaria nas próximas
décadas:
“Somos prisioneiros de nós mesmos. Nunca se esqueça disso, e de
que não há fuga possível.”
Recolhido
pela censura
Na
sequência, sempre com intervalo de dois anos, viriam os contos de “A
coleira do cão” (1965) e “Lúcia McCartney” (1967), que o
elevaram à rara condição de autor campeão de vendas no mercado
editorial. A trajetória prosseguiria com livros de contos e romances
que sucessivamente tiveram sucesso comercial e marcaram época, entre
eles o romance “O caso Morel” (1973), história de uma investigação policial com ingredientes de metalinguagem sobre a própria literatura e sobre a psicopatologia da vida cotidiana, e “Feliz ano novo”
(1975), livro com 15 contos sobre personagens do submundo da
violência urbana que virou notícia, nas páginas de política e de
polícia, ao ser recolhido pela censura da ditadura militar um ano
depois do lançamento. “Feliz ano novo” seria finalmente liberado em 1985, com a redemocratização, mas só retornou às
livrarias em 1989, após uma longa
batalha judicial sob a acusação de que era um livro contrário à
moral e aos bons costumes.
A hora de Rubem Fonseca: acima e abaixo,
Rubem Fonseca e García Márquez no México,
em 2003, fotografados por Guillermo Arias |
| ||
Não
foi a única vez que a ditadura militar embargou a literatura de
Rubem Fonseca: também foi proibido “O cobrador”, conto que
venceu o Concurso Status de Literatura Erótica Brasileira de 1978,
promovido pela revista “Status” e escolhido entre mais de dois
mil concorrentes pela comissão julgadora formada por Antônio
Houaiss, Ferreira Gullar e Gilberto Mansur. A primeira edição do
mesmo concurso, em 1976, também resultou na proibição da censura
para a publicação do vencedor, um conto de Dalton Trevisan
intitulado “Mister Curitiba”. Mas nos anos seguintes às
premiações os dois contos proibidos foram publicados: o conto de
Dalton Trevisan foi publicado em 1977, no livro “A trombeta do anjo
vingador” (Editora Codecri), e “O cobrador” de Rubem Fonseca
foi publicado no livro de mesmo título em 1979 pela Editora Nova
Fronteira.
Além
dos episódios da censura, a ditadura
militar
coincide com um período
obscuro
da
biografia de Rubem
Fonseca
que nunca foi
totalmente esclarecido: a passagem do
escritor como funcionário contratado pelo
IPES
(Instituto de Pesquisa Econômica e Social), órgão que ofereceu
apoio ao golpe de 1964 e ao regime que se seguiu. Criado por
empresários na oposição ao
presidente
João Goulart, a
atuação do IPES incluía, entre outras atividades, a produção de
propaganda anticomunista. Rubem
Fonseca, nas poucas entrevistas em que o assunto foi mencionado,
argumentou que somente
esteve
ligado à ala “democrática” da atuação do instituto e que
teria
rompido
as relações como colaborador logo
após
o desfecho
do golpe
militar. Há,
entretanto,
pesquisadores que contestam a versão apresentada
pelo
escritor.
A
hora de Rubem Fonseca: acima, com
García Márquez no México, em 2003.
Abaixo, Rubem Fonseca encontra a estrela Carmen Miranda e um amigo em Nova York, em 1954. Carmen retornava de uma turnê de shows por países da Europa e Rubem Fonseca, que na época atuava como comissário de polícia no Rio de Janeiro, foi premiado com uma temporada de estudos e aperfeiçoamento na New York University entre setembro de 1953 e março de 1954. Também abaixo, o escritor
no Rio de Janeiro em 1976, ano em que o livro Feliz ano
novo foi proibido e recolhido pela censura sob a acusação de ser contrário à moral e aos bons costumes |
Notícia
crua da vida
As
estratégias narrativas de estetização da violência explícita
nos
contos e romances de Rubem Fonseca, com suas doses generosas de teor
erótico,
de palavrões e de
situações criminais de ironia extrema ou humor grotesco, sem
perder o olhar sensível para a tragédia humana e
para a
solidão das grandes cidades, levaram
críticos
e historiadores da literatura como Antonio
Candido a classificá-lo, assim como à literatura de seu
contemporâneo João Antônio, na vertente “ultra-realista”, ou
de “realismo feroz”, no
período posterior a 1960. Em “A educação
pela noite
e outros
ensaios”
(Editora Ática, 1987), Antonio Candido destaca que o
“ultra-realismo” aparece de maneira brutal, sem preconceitos,
quando Rubem Fonseca agride o leitor pela violência dos temas e por
determinados
recursos da técnica narrativa.
Na
análise de Antonio Candido, as questões relacionadas a guerrilha, criminalidade solta,
superpopulação, migração das áreas rurais e periféricas para as cidades, marginalidade econômica
e social abalam a consciência do escritor e impõem novas necessidades, em ritmo acelerado, na criação literária e também
no
cinema, no teatro, no livro, no jornal, no que se refere à descrição crua da
vida sexual, do palavrão, da crueldade, da obscenidade
– mesmo
no contexto brasileiro a partir da década de 1960, dominado pelo
regime de exceção da censura e da ditadura militar. O texto
literário de Rubem Fonseca, segundo Antonio Candido, “também
agride o leitor pela violência, não apenas dos temas, mas dos
recursos técnicos – fundindo ser e ato na eficácia de uma fala
magistral em primeira pessoa, propondo soluções alternativas na
sequência
da narração, avançando as fronteiras da literatura no rumo duma
espécie de notícia crua da vida”.
A
hora de Rubem Fonseca: acima, na
cerimônia de premiação no México, em 2003. Abaixo, o escritor no Rio de Janeiro em 1987, durante o processo judicial para tentar a liberação do livro Feliz ano novo |
A
força da caracterização e a disposição dos acontecimentos, as
frases curtas, diretas, constituindo tramas brutais, quase
sempre criminais, de
realismo feroz, “ultra-realistas”, com influência evidente das
narrativas da
cultura das mídias e da linguagem
cinematográfica, não
demorou a levar
a literatura de Rubem Fonseca ao
caminho natural das
adaptações para cinema e para a TV, algumas delas com roteiro
assinado pelo próprio escritor. A estreia no cinema foi com
“Lúcia McCartney, uma garota
de programa”,
filme de 1971 de David Neves com roteiro de Rubem Fonseca baseado nos
contos “Lúcia McCartney” e “O caso
de F.A.”, com Adriana Prieto como protagonista e Odete Lara de
coadjuvante.
Depois de “Lúcia McCartney” foi a vez de chegarem aos cinemas mais dois filmes com roteiro de Rubem Fonseca e direção de Flávio Tambellini. O primeiro foi “Relatório de um homem casado”, de 1974 (baseado em “Relatório de Carlos”, conto do livro “A coleira do cão”), e o segundo “A extorsão”, realizado em 1975 a partir de um argumento criado em conjunto pelo escritor e pelo diretor. O quarto filme adaptado da literatura de Rubem Fonseca viria em 1991, quando Walter Salles dirigiu "A Grande Arte", em co-produção Brasil e Estados Unidos. O roteiro foi escrito por Matthew Chapman, com elenco internacional que inclui o norte-americano Peter Coyote (no papel do personagem advogado e detetive Mandrake, aqui convertido em fotógrafo), o turco Tchéky Karyo, a inglesa Amanda Pays e coadjuvantes latino-americanos e brasileiros.
Depois de “Lúcia McCartney” foi a vez de chegarem aos cinemas mais dois filmes com roteiro de Rubem Fonseca e direção de Flávio Tambellini. O primeiro foi “Relatório de um homem casado”, de 1974 (baseado em “Relatório de Carlos”, conto do livro “A coleira do cão”), e o segundo “A extorsão”, realizado em 1975 a partir de um argumento criado em conjunto pelo escritor e pelo diretor. O quarto filme adaptado da literatura de Rubem Fonseca viria em 1991, quando Walter Salles dirigiu "A Grande Arte", em co-produção Brasil e Estados Unidos. O roteiro foi escrito por Matthew Chapman, com elenco internacional que inclui o norte-americano Peter Coyote (no papel do personagem advogado e detetive Mandrake, aqui convertido em fotógrafo), o turco Tchéky Karyo, a inglesa Amanda Pays e coadjuvantes latino-americanos e brasileiros.
Versões
para cinema e TV
Também
foram adaptados para o cinema o romance de 1985 “Bufo &
Spallanzani”, lançado
nos cinemas em 2001 com direção de Flávio Ramos Tambellini (filho do diretor Flávio Tambellini) e roteiro de
Rubem Fonseca; quatro contos para o filme de epísódios “O
cobrador”, realizado em 2006
com direção e roteiro do mexicano Paul Leduc, em co-produção de Brasil, Argentina e México, com Lázaro
Ramos e Peter Fonda no elenco (os contos adaptados são “O cobrador”, do livro homônimo; “Passeio noturno”, do livro “Feliz ano novo”; “Cidade de Deus”, do livro “Histórias de amor”; e “Placebo”, do livro “O buraco na parede”); e
o romance “O caso
Morel”, transformado
em filme
em
2006 com roteiro de Rubem Fonseca e direção de Sheila Feital.
Também
têm a assinatura do escritor os
roteiros
para “Stelinha”, filme de 1990 de Miguel Faria Jr. sobre a
ascensão e queda de uma estrela do rádio brasileiro dos anos 1950;
e para “O homem
do ano”,
filme de 2003 adaptado do romance de Patrícia Melo “O matador”
(publicado
em 1995) e dirigido por José Henrique Fonseca, filho do escritor.
A
hora de Rubem Fonseca: acima, na
cerimônia de premiação da Academia Brasileira de Letras, em 2015. Abaixo, em viagem pelo interior de Minas Gerais, em 1997, fotografado pelo filho Zeca Fonseca |
A
lista de roteiros originais de Rubem Fonseca para cinema também tem, além dos citados “Relatório de um homem casado” (1974) e “A extorsão” (1975), dirigidos por Flávio Tambellini, o curta-metragem “Sexo
& Beethoven” (1980), com direção de Carlos Gerbase e Nelson
Nadotti. Há
também o caso de
“Paseo
nocturno”
(2007), curta produzido na Espanha com direção de Oriol Rovira e
roteiro
de Lucas Paraizo inspirado no conto “Passeio noturno”,
de
“Feliz
ano
novo”,
sobre
o relato de um
cidadão de bem, pai
de família,
que decide sair
para atropelar
pessoas à noite.
A
mesma trama, em 2008, daria
origem a um
curta de
animação, “Paseo nocturno”,
produzido
no México com
roteiro e direção de Rodrigo Fiallega.
Entre
outras colaborações com argumentos autorais criados
para
diversos projetos, Rubem
Fonseca também escreveu os roteiros para adaptações de TV sobre
suas obras. O primeiro foi uma
versão para um dos contos de Feliz ano novo, “Nau
Catarineta”, sobre a tradição familiar canibalista de três tias e seu sobrinho, dirigida em 1978 por Antunes Filho para o programa
Teleteatro
da TV Cultura. Depois foi a vez de
colaborar
com Euclydes Marinho no
roteiro de
“Mandrake”,
história
mirabolante
do
advogado criminalista e mulherengo que está presente em vários momentos da obra do escritor e que estreou na TV em 1983, quando virou
um
telefilme
do
Caso Especial da
Rede Globo, com
direção de Roberto Farias e com
Nuno
Leal Maia como protagonista.
Mandrake,
o personagem, surgiu em “Dia dos Namorados”, um dos contos reunidos no livro “Feliz ano novo”, de 1975. Depois voltaria em um conto com seu nome, no livro “O cobrador” (1979), no romance “A grande
arte”
(1983) e na novela “E do meio
do mundo
prostituto
só amores
guardei
ao meu charuto”, publicada em 1997, com
o título extraído
dos versos iniciais
do
“Poema do Frade” de Álvares de Azevedo.
Em 2005, o personagem iria ressurgir com as
histórias publicadas em “Mandrake – a Bíblia e a bengala”,
que seriam transformadas em série
da HBO em
duas temporadas,
exibidas
entre 2005
e
2007,
com Marcos Palmeira no papel principal. A adaptação teve
roteiro de Felipe Braga, Tony Belloto
e
José Henrique Fonseca, que
fez também de “Lúcia McCartney” uma série para
o
canal
GNT
em
2016.
Foi
a terceira adaptação de “Lúcia McCartney”, depois do filme de
1971
de
David Neves e
do Caso Especial na Rede Globo, em 1994, com roteiro de Geraldo
Carneiro e direção de Roberto Talma. Outra
adaptação de uma obra de Rubem Fonseca no Caso Especial da Rede
Globo foi “A coleira
do cão”,
em 2001, com
roteiro de Antônio Carlos da Fontoura e direção de Roberto Farias.
Há
ainda “Axilas”, filme produzido
em
2016 em
Portugal com direção e roteiro de José Fonseca e Costa,
baseado em “Axilas e outras
histórias
indecorosas”,
livro que Rubem Fonseca publicou em 2011.
A
hora de Rubem Fonseca: acima,
Marcos
Palmeira em cena na série
Mandrake e José Wilker em cena de
Agosto. Abaixo, Peter Coyote é o
fotógrafo na pista de um "serial killer"
pelo
submundo carioca em cena de
A grande arte, filme de 1991 com direção de Walter Salles. Também abaixo, o cartaz de O cobrador, filme de 2006 com direção e roteiro do mexicano Paul Leduc baseado em quatro contos de Rubem Fonseca, com Lázaro Ramos e Peter Fonda no elenco |
Um
zoológico humano
Na
literatura de Rubem
Fonseca
também
tem
lugar especial os
romances com retratos marcantes de personalidades históricas como o
ex-presidente Getúlio Vargas (em “Agosto”,
de 1990);
o
compositor Carlos Gomes (em “O selvagem
da ópera”,
de 1994); o
escritor ucraniano de origem judaica Isaac Bábel
(em “Vastas emoções
e pensamentos
imperfeitos”,
de 1990, com
sua trama que envolve um lendário romance perdido de Bábel);
ou o dramaturgo francês Molière (em “O doente
Molière”, de 2000).
“Agosto”
foi adaptado como série pela Rede Globo em 1993, com roteiro de
Jorge Furtado e Giba Assis Brasil e direção de Paulo José, Denise
Saraceni e José Henrique Fonseca.
Assim como no romance, "Agosto", a série,
retrata com licenças ficcionais os acontecimentos históricos que culminaram no
suicídio de Getúlio Vargas no Palácio do Catete em agosto de 1954, época em que o comissário José Rubem Fonseca atuava como funcionário público nos distritos policiais do Rio de Janeiro. A última participação do escritor em uma produção de cinema e TV aconteceu em 2017, também para a Rede Globo, quando seu roteiro original chamado “Amor e Morte”, inspirado na história de seus avós, foi adaptado por Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago, filha de Rubem Fonseca, para a novela “Tempo de Amar”.
As
premiações também estiveram sempre presentes na trajetória de
Rubem Fonseca. Em 2003 ele recebeu o Prêmio Camões, o mais
importante da literatura em língua portuguesa. Não foi sua única premiação internacional: também em 2003, recebeu das mãos de Gabriel García Márquez o Prêmio Juan Rulfo de Literatura da América Latina e do Caribe, em cerimônia realizada em Guadalajara, no México; e em 1995 foi condecorado na Itália com o Prêmio Literário Giuseppe Acerbi. Em 2005, recebeu o Prêmio Casa de Las Américas, em Cuba, pelo livro de contos "Pequeñas criaturas".
Em 2012, mais dois prêmios internacionais: o Prêmio Iberoamericano de Narrativa Manuel Rojas, no Chile, e o Prêmio Literário Casino da Póvoa, em Portugal. Em 2015, recebeu o Prêmio Machado de Assis, maior honraria da Academia Brasileira de Letras. Também recebeu prêmios do Pen Club do Brasil, da Fundação Cultural de Brasília, da Fundação Cultural do Paraná, da Associação Paulista dos Críticos de Arte e da União Brasileira dos Escritores, entre outros, além de vencer por seis vezes a premiação mais tradicional da literatura brasileira, o Prêmio Jabuti: em 1970, com "Lúcia McCartney"; em 1984, com "A grande arte"; em 1996, com "O buraco na parede"; em 2002, com "Secreções, excreções e desatinos"; em 2003, com "Pequenas criaturas"; e em 2014 com "Amálgama".
A hora de Rubem Fonseca: acima,
o escritor em 2015, fotografado por
Marcelo Carnaval. Abaixo, a capa de
Histórias curtas, publicado em 2015
pela Companhia das Letras
|
Mineiro
de Juiz de Fora, filho de portugueses, avesso a aparições na mídia,
ele também representou um marco em minha trajetória autobiográfica:
foi com ele a primeira entrevista importante que fiz, e que foi publicada pelo jornal
“Tribuna de Minas”, quando eu ainda era aluno do curso de
Comunicação Social da UFJF, na década de 1980. Para minha
surpresa, o entrevistado era o oposto dos personagens que eu conhecia
dos seus livros: tímido, de uma modéstia que até pareceu ironia,
mas atento e muito bem-humorado, saboreando trocadilhos, e otimista
com os rumos do Brasil e da produção cultural dos brasileiros. Duas
décadas depois, em 2004, percebi que o otimismo já estava
completamente extinto quando encontrei, no Caderno Mais, da “Folha
de S.Paulo”, outra das raras entrevistas do escritor.
Na
entrevista de 2004, sob o título “A onipresença da decomposição”,
Rubem Fonseca dizia que às vezes se sentia como se estivesse preso
em um gigantesco parque de diversões, algo que fosse como um
zoológico humano. O entrevistador interrompe para perguntar se isso
não era muito “fatalista” e o escritor responde: “Sinceramente
não consigo ver saídas no horizonte. Nem no campo político nem no
religioso nem no ético nem no artístico. Talvez porque minha visão
esteja provisoriamente bloqueada, não sei... Tenho a impressão de
que estamos todos meio perdidos, atordoados (…).
E o nosso mundo é excessivamente violento, vulgar, feroz até a
banalidade. Mas
eu nunca quis fazer apologia da violência ou do kitsch. Isso é
bobagem de crítico obtuso”.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
ORLANDO, José Antônio. A hora de Rubem Fonseca. In: Blog Semióticas, 15 de abril de 2020. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2020/04/a-hora-de-rubem-fonseca.html (acessado em .../.../...).
Para comprar o livro de Rubem Fonseca "O Cobrador", clique aqui.
Para comprar o livro de Rubem Fonseca "O Caso Morel", clique aqui.
Rubem Fonseca -- Obra Completa
“Os
prisioneiros” (1963)
“A
coleira do cão” (1965)
“Lúcia
McCartney” (1967)
“Feliz
ano novo” (1975)
“O
cobrador” (1979)
“O
buraco na parede” (1995)
“A
confraria dos espadas” (1998)
“Secreções,
excreções e desatinos” (2001)
“Pequenas
criaturas” (2002)
“Mandrake,
a Bíblia e a bengala” (2005)
“Ela
e outras mulheres” (2006)
“O
romance morreu” (crônicas, 2007)
“Axilas
e outras histórias indecorosas” (2011)
“Histórias
de amor” (2012)
“Amálgama”
(2013)
“Histórias
curtas” (2015)
“Calibre
22” (2017)
“Carne
crua” (2018)
Romances
“O
caso Morel” (1973)
“A
grande arte” (1983)
“Bufo
& Spallanzani” (1985)
“Vastas
emoções e pensamentos imperfeitos” (1988)
“Agosto”
(1990)
“O
selvagem da ópera” (1994)
“Diário
de um fescenino” (2003)
“José”
(2011)
Novelas
“E
do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto”
(1997)
“O
doente Molière” (2000)
“O
seminarista” (2009)
Antologias
“O
homem de fevereiro ou março” (1973)
“Romance
negro e outras histórias” (1992)
“Contos
reunidos” (1994)
“64
Contos de Rubem Fonseca” (2004)
“O
melhor de Rubem Fonseca” (2015)
Gostei demais deste seu ensaio sobre Rubem Fonseca.
ResponderExcluirEstá completo: tem ingredientes de obituário de alto nível, de artigo monográfico, de crítica literária, de estudo biográfico, e para completar tem uma seleção de imagens que impressiona. Tudo aqui neste seu blog Semióticas impressiona. Fico feliz por ser seu leitor fiel neste blog e fico muito triste pela morte de Rubem Fonseca. Dos brasileiros nossos contemporâneos, acho que dois estão um degrau acima de todos os outros: Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, os dois, por coincidência, você sabe, nascidos no mesmo ano de 1925, e os dois também por coincidência são mestres e inventores na arte de contar histórias curtas sempre do lado escuro da vida, com retratos amorosos sobre os desviantes da norma. E os dois foram perseguidos pela censura da ditadura militar, como você bem destacou.
Do Rubem Fonseca, prefiro os contos aos romances. E dos filmes baseados na literatura dele, nem sabia que são tantos, sobre os quais você fez um inventário completo e invejável, conheço apenas dois, "Lúcia McCartney" (quando assisti, me apaixonei perdidamente pela Adriana Prieto) e "A Grande Arte" (quando assisti, descobri que o Walter Salles era um grande cineasta). Só agradeço pelo alto nível deste ensaio e do blog, em tudo. E registro com certeza que esta é a melhor matéria que encontrei sobre o Rubem Fonseca. Que fôlego e que belo texto você tem!
Enviei para seu email uma mensagem com um pedido de entrevista. Aguardo. Muito obrigado por compartilhar beleza e sabedoria.
José Joaquim Damato
Texto extraordinário! Recomendo!!!00
ResponderExcluirTexto maravilhoso mesmo, e completo. E que seleção de imagens! Mas preciso registrar que o Rubem Fonseca é sim a cara do Leleco...
ResponderExcluirPedro Paulo Morrone
Parabéns pelo artigo belíssimo e pelo conjunto de informações e imagens que apresentam um acervo muito original sobre a literatura do Rubem Fonseca. Cheguei aqui neste blog Semióticas por acaso, porque uma amiga perguntou se eu conhecia, e fiquei encantada com este artigo e com todos os outros que estou encontrando e lendo com atenção. Parabéns pelo alto nível. Tudo aqui é belíssimo e sedutor, mas seu texto, sua palavra, é o que há de mais valioso e autêntico. Ganhou mais uma fã. Anna Thamyres de Freitas
ResponderExcluirTexto completo, muito bem pesquisado, com informações preciosas para referência em outros estudos sobre a obra e a trajetória de Rubem Fonseca. Mais uma publicação muito correta, muito bela e muito saborosa na leitura deste blog que é um espetáculo. Amo cada postagem que encontro aqui.
ResponderExcluirParabéns de novo.
Elizabeth Moura
Gostei imensamente desta sua postagem sobre Rubem Fonseca.
ResponderExcluirEste blog Semióticas é um espetáculo em tudo.
Sou fã desde a primeira visita.
Jesse Gadelha
Rubem Fonseca é o tema de minha dissertação de Mestrado, por isso preciso registrar que gostei muito, imensamente, desta sua postagem sobre ele. Uma beleza completa de texto, de informações contextualizadas e de edição de imagens. Confesso que ainda não tinha ouvido falar de várias dessas adaptações da obra dele para o cinema e para a TV. Só agradeço pelas importantes referências de pesquisa que vão completar meu trabalho, com as merecidas citações a esta postagem. É um espetáculo este blog Semióticas.
ResponderExcluirParabéns pelo seu trabalho.
Ana Maria Queirós