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29 de abril de 2023

Fractais de Marianne Peretti

    





 

A geometria fractal não é apenas mais um capítulo

da matemática e sim uma habilidade da percepção que ajuda

o homem comum a ver o mundo de maneira diferente.

–– Benoît Mandelbrot (1924-2010).   


Única mulher na equipe de trabalho de Oscar Niemeyer para a construção de Brasília, Marianne Peretti morreu aos 94 anos, no dia 25 de abril, deixando um acervo grandioso de uma forma de arte pouco cultivada no Brasil: os vitrais. As obras mais importantes do vitral no patrimônio histórico e artístico brasileiro foram criadas por Marianne Peretti, com destaque para os conjuntos de vitrais do Plano Piloto da Capital Federal, nos prédios da Catedral de Brasília, da Câmara dos Deputados, do Panteão da Pátria, do Superior Tribunal de Justiça, do Palácio do Jaburu e do Memorial JK, entre outros, incluindo obras em capitais de outros estados do Brasil e no exterior.

Marianne Peretti também se dedicou à criação de centenas de murais e esculturas, instalados no Brasil e em outros países, principalmente em cidades da França e da Itália. Filha da modelo fotográfica francesa Antoinette Louise Clotilde Ruffier e do historiador pernambucano João de Medeiros Peretti, Marie Anne Antoinette Hélène Peretti nasceu em Paris, onde teve sua formação técnica e acadêmica em artes plásticas. Veio de mudança definitiva para o Brasil em 1953, depois de seu casamento com Henry Albert Gilbert, um cidadão inglês que trabalhava em São Paulo e que conheceu em uma das várias viagens de navio que fazia, nas idas e vindas entre o Brasil e a França, para visitar a família.

 

 

             















      
    




Fractais de Marianne Peretti: no alto da página,
a Catedral de Brasília, com a estrutura dos vitrais da
artista Marianne Peretti, considerada por pesquisadores
internacionais uma obra-prima do vitral no século 20.
Também acima, o interior da Catedral de Brasília;
duas fotografias da artista, planejando os vitrais no
interior da catedral e em fotografia de 1965, na época
em que participou da Bienal de São Paulo; e em
uma visita à catedral no ano de 2015.

Abaixo, Marianne Peretti na última visita que fez a
Brasília, em dezembro de 2021, fotografada diante de
sua obra "O lago dos peixes", no Museu do Senado,
um painel em vidro criado e instalado em 1978








Um ano antes da mudança para o Brasil, a artista fez sua primeira exposição individual, apresentada na Galerie Mirador da Place Vendôme, em Paris, em 1952, e contando na abertura com a presença ilustre de um de seus admiradores, Salvador Dalí. Em seus depoimentos para o estudo biográfico “A ousadia da invenção” (Edições SESC e Editora B52, de 2015), o primeiro livro dedicado à artista, organizado por Tactiana Braga e Laurindo Pontes, que catalogou cerca de 600 trabalhos de sua autoria, Marianne Peretti reconhece e destaca a importância da longa parceria com Oscar Niemeyer, que deu origem a mais de 20 trabalhos em Brasília, todos integrados de forma harmoniosa aos projetos arquitetônicos na estética e na funcionalidade.



Harmonia e funcionalidade



A arte de Marianne Peretti também trouxe uma contribuição conceitual para o cânone da arquitetura: com a concepção inovadora de seus vitrais, a força criativa da artista confronta os preceitos da arquitetura modernista que zelam pela autonomia estética dos meios construtivos. Segundo tais preceitos, a integração de esculturas, pinturas, murais e vitrais com a estrutura concreta das obras arquitetônicas nunca alcança resultados convincentes. Porém, a arte de Marianne Peretti comprova, na prática, que matérias-primas inovadoras, aliadas à criatividade nas formas e cores, podem conviver em harmonia e até mesmo ampliar a funcionalidade na engenharia e na arquitetura dos projetos.







Fractais de Marianne Peretti: acima, a artista
com Salvador Dalí, em 1952, na abertura de sua
primeira exposição individual em Paris. Abaixo,
os rascunhos dos vitrais da Catedral de Brasilia,
em tamanho natural, no piso do ginásio Nilson Nelson,
em Brasília, e o painel "Alumbramento", formado
por mais de 200 peças de vidro, instalado
no Salão Branco do Congresso Nacional












Formada a partir de uma variedade de materiais que inclui, além do vidro e da fibra de vidro, resinas, tinturas, bronze e outros metais, a arte do vitral de Marianne Peretti retoma a tradição que teve início a partir do ano 1000, em culturas orientais, e que floresceu como elemento do estilo gótico na ornamentação de igrejas e catedrais da Europa durante a Idade Média. Na forma tradicional cultivada pelos europeus, os vitrais coloridos e seus efeitos refletidos pela luz do sol quase sempre retratam personagens e cenas religiosas do cristianismo. Nas obras criadas por Marianne Peretti, as cenas religiosas cedem lugar a formas abstratas e geométricas que inovam e rompem com os paradigmas medievais do vitral.



Ousadia da invenção



As inovações apresentadas na arte do vitral de Marianne Peretti, como destaca Véronique David, em depoimento para o livro “A ousadia da invenção”, estão presentes na forma e no conteúdo, bem como na relação que se estabelece com a luz. Véronique David, do Centro André Chastel – Sorbonne/INHA, defende que o trabalho da artista na Catedral de Brasília representa uma obra-prima mundial do vitral do século 20. Conforme seu argumento, na maioria dos vitrais na tradição da Europa a relação com a luz se dá como se houvesse uma “parede transparente” que pode reluzir e iluminar um ambiente escuro, enquanto nos vitrais criados por Marianne Peretti as formas translúcidas e as sobreposições de vidro permitem que a obra reflita e se prolongue no espaço, com os reflexos da iluminação sendo projetados nos vãos e superfícies, como se a obra não acabasse nos limites da moldura que está delineada pelos arcos e ângulos do metal e do concreto.







Fractais de Marianne Peretti: acima, a artista
fotografada em 2014 por Breno Laprovitera. Abaixo,
"Pasiphae", painel em cristal e vidro artesanal,
instalado no Salão Nobre do Congresso Nacional;
e o vitral instalado na Capela do Jaburu, em Brasília,
com iluminação natural em horas diferentes do dia

















São exatamente os vitrais mais conhecidos de Marianne Peretti, instalados na Catedral de Brasília, que exemplificam à perfeição suas inovações em relação à tradição do vitral gótico medieval, de inspiração restrita às cenas de passagens bíblicas. Na Catedral de Brasília, os vitrais coloridos da artista, recobertos com camadas de fibra de vidro, rodeiam a construção em 360 graus, cobrindo todos os intervalos das 16 colunas curvas, simetricamente opostas, que formam diâmetros de 70 metros com altura de 40 metros e ampliam as vibrações acústicas, o que dispensa microfones para a celebração das missas. As bases muito afinadas das colunas, intercaladas pelo posicionamento dos vitrais e pelos reflexos do espelho d'água ao redor da catedral, provocam no observador uma certa sinestesia e a impressão de que as estruturas de concreto, de metal e de vidro mal tocam o piso.



Gêneros e suportes variados



Além de sua maestria na construção e na instalação dos vitrais, Marianne Peretti tem uma trajetória de premiações com artes plásticas em gêneros e suportes tão variados como os murais, as esculturas, trabalhos em design e em arquitetura, além do desenho puro em técnicas mistas, incluindo ilustrações sobre encomenda para livros e outras publicações. Entre as premiações no Brasil, a primeira ocorreu em 1965, na Bienal de São Paulo, com o prêmio pela capa do livro “As Palavras”, de Jean-Paul Sartre.







Fractais de Marianne Peretti: acima, a artista em seu
ateliê em Olinda, Pernambuco, em fotografia de
Breno Laprovitera
. Abaixo, dois vitrais da artista:
"Araguaia", instalado em 1977 no Salão Verde
do Congresso Nacional, em Brasília; e o mural
no Memorial Teotônio Vilela, em Alagoas








As obras concebidas para Brasília foram "pensadas" no Rio de Janeiro, onde Marianne morava. Ela viajava para a nova capital a cada 15 dias, para desenvolver e acompanhar os trabalhos, mas quando pisou pela primeira vez em Brasília, a capital já havia sido inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitschek e, no entanto, continuava em construção. Em abril de 2016, a artista foi homenageada com a maior retrospectiva já feita sobre suas obras, no Museu da República, em Brasília, com a reunião de peças originais de escultura, objetos funcionais como mesas e cadeiras, ilustrações, maquetes e projetos em tamanho natural, com projeções multimídia reproduzindo o efeito de grandiosidade de seus painéis, murais e vitrais.







Fractais de Marianne Peretti: acima, um anjo no vitral
da artista instalado na câmara mortuária do ex-presidente
Juscelino Kubitschek no Memorial JK, em Brasília.

Abaixo, a artista em fotografia de 1970 e fac-símiles
de duas cartas manuscritas por dois parceiros
de anos de trabalho com Marianne Peretti:
Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Também abaixo,
o documentário "Uma mulher e uma cidade",
realizado em 2018 em homenagem à artista. 

No final da página, os vitrais da artista instalados
no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília;
a escultura em bronze "O Pássaro" e "Uma Cadeira",
objeto funcional com design de Marianne Peretti























Arte monumental


A exposição “A arte monumental de Marianne Peretti”, realizada no Museu da República, teve como complemento seminários com pesquisadores, técnicos e especialistas. Elogios e o completo reconhecimento da importância do trabalho da artista também vieram de Niemeyer e de Lúcio Costa, autores do Plano Piloto de Brasília. Niemeyer declarou em uma carta manuscrita: “Me emocionava vê-la durante meses debruçada a desenhar os vitrais. Eram centenas de folhas de papel vegetal que coladas representavam um gomo da catedral. Marianne Peretti é uma artista de excepcional talento. Os vitrais maravilhosos que criou para a Catedral de Brasília são comparáveis, pelo seu valor e esforço físico, às monumentais obras da Renascença. Sua preocupação invariável é inventar coisas novas, influir com seu trabalho no campo das artes plásticas.”

Lúcio Costa, parceiro de Niemeyer, também registrou em uma carta manuscrita, datada de 6 de agosto de 1993, sua homenagem à obra e à maestria de Marianne Peretti, a artista dos vitrais: “Tive afinal o prazer, depois de tanto tempo, de conhecer pessoalmente a artista que soube tão bem ‘dar à luz’ o interior da Catedral de Brasília, problema difícil que somente uma alma como a sua e um saber como o seu seriam capazes de resolver. Em nome da cidade, o inventor dela agradece a você.” Os elogios de Niemeyer e de Lúcio Costa, e também de todos os que passam pela experiência de estar dentro da Catedral de Brasília ou diante da variedade dos painéis transparentes de Marianne Peretti, têm total merecimento.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fractais de Marianne Peretti. In: Blog Semióticas, 29 de abril de 2023. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2023/04/fractais-de-marianne-peretti.html  (acessado em .../.../…).



Para comprar o livro "Marianne Peretti, A ousadia da invenção",  clique aqui.














20 de março de 2012

Fractais em Athos Bulcão






Sendo uma linguagem, a matemática pode
ser usada não apenas para informar, mas
também, entre outras coisas, para seduzir.

–– Benoît Mandelbrot (1924-2010).  


A lógica dos fractais – aqueles objetos ou imagens geométricas gerados por um padrão repetido que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhantes ao objeto original e independentes da escala – é presença constante na natureza. Conhecidos desde a mais remota Antiguidade, os fractais sempre foram referência para matemáticos e artistas célebres, mas o conceito só foi aceito na comunidade científica internacional a partir de 1975, quando o matemático francês Benoît Mandelbrot passou a desenvolver a geometria fractal. Apontado como inventor e primeiro teórico do novo conceito, Mandelbrot tomou a definição de empréstimo ao termo em latim "fractus", que significa "quebrar".

Em outra seara, abaixo da linha do Equador, poeta de formas e cores, esteta e criador de obras que ultrapassam a dimensão decorativa na integração da arte com as mais diversas funções arquitetônicas, o pintor, escultor, desenhista, mosaicista e arquiteto Athos Bulcão (1918-2008) também dedicou esforços ao longo da vida à lógica dos fractais, antecedendo em pelo menos três décadas o conceito que o matemático francês tornaria universal na arte e na ciência. Artista muito à frente de seu tempo, Athos Bulcão e as formas gráficas e perspectivas inconfundíveis por ele criadas, marcos da arquitetura e das artes plásticas, vêm sendo cada vez mais atualizados.

Ele nunca saiu de cena, desde o reconhecimento de seus primeiros trabalhos, ainda na década de 1940. Mas foi recentemente que as formas e cores da arte de Athos Bulcão tomaram de assalto várias frentes ao mesmo tempo: coleções de moda de várias grifes na São Paulo Fashion Week, homenagens e releituras de artistas diversos em exposições no Brasil e em outros países, novos projetos em paisagismo, urbanismo e arquitetura, peças de design de jóias e relógios, objetos utilitários, gravuras e até sapatos, sandálias e chinelos. Athos Bulcão está em todas. 











Fractais em Athos Bulcão: obras e
padronagens personalíssimas do
arquiteto e artista plástico ganham
coleções nas passarelas da moda.
 No alto e abaixo, painel com imagem de
Athos Bulcão trabalhando no ateliê
e em frente à instalação de seus painéis na
Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima,
em Brasília. Acima, coleção de Ronaldo
Fraga em desfile da São Paulo Fashion Week.

Também abaixo, coleções de peças e objetos
industriais que são comercializados pela
Fundação Athos Bulcão







 .  



Arquitetura e Urbanismo



Carioca de nascença e considerado o maior artista a atuar em Brasília desde a fundação do projeto-piloto, parceiro de frente dos projetos de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, conviva e amigo fiel de ilustres das mais diversas áreas da cultura brasileira, de Burle Marx e Portinari a Fernando Sabino, Murilo Mendes e Vinicius de Moraes, entre outros, o gênio de Athos Bulcão recebeu um inventário de peso com a publicação de um catálogo completo sobre as interfaces de seu trabalho em painéis, pisos, azulejaria, fachadas e obras em ateliê.

Em edição bilíngue, inglês e português, com mais de 400 páginas que incluem uma seleção de ensaios especialíssima, pontuada por grafismos e vasta iconografia que explora os suportes trabalhados pela ourivesaria do mestre, o livro produzido pela fundação que tem o nome do artista, criada em 1993, mereceu a honraria máxima no mercado editorial: venceu o Prêmio Jabuti na categoria "Arquitetura e urbanismo, fotografia, comunicação e artes".











Com edição a cargo de Valéria Maria Lopes Cabral, secretária executiva da Fundação Athos Bulcão, com sede em Brasília, e projeto gráfico inspirado de Paulo Humberto Ludovico de Almeida e Carlo Zuffellato, a publicação sobre o artista reúne em um único volume a imaginária do seu extenso e valioso acervo, incluindo pintura, desenhos, azulejos, instalações, fotomontagens, máscaras, objetos e obras tridimensionais.

Mais que um catálogo, trata-se de um inventário que oferece uma visão abrangente das mais de cinco décadas por ele dedicadas à arte integrada à arquitetura. Textos e imagens narram os momentos marcantes da trajetória artística e pessoal – destacando, de Belo Horizonte a Brasília e daí a outros continentes, cada um dos 101 espaços que receberam intervenção do artista no Brasil e no mundo.


Compositor do espaço


Diversas cidades e capitais do Brasil, França, Itália, Cabo Verde, Argentina... A lista é extensa, mas Brasília reúne o maior conjunto de criações de Athos Bulcão, acessíveis em espaços públicos como Palácio da Alvorada, Congresso Nacional, Palácio Itamaraty, Teatro Nacional, Setor Comercial Sul, Parque da Cidade e Quadra Residencial 308 Sul, entre outros. "Athos Bulcão", o livro, também pode ser considerado um inventário do patrimônio do artista, apresentado em ensaios inéditos e em uma bibliografia selecionada de textos descritivos e analíticos assinados por nomes como Oscar Niemeyer, André Correa do Lago e Paulo Herkenhoff, entre outros críticos e curadores.

A definição de inventário poderia até constar na capa, já que em sua maioria os artigos e as imagens que registram o trabalho de Athos Bulcão estavam dispersos por catálogos de uma centena de exposições individuais e coletivas promovidas no Brasil e no exterior. Na edição, um total de 187 obras são registradas em 235 fotografias. E mesmo quem conhece de longa data algumas obras referenciais do trabalho do artista vai se surpreender com boa parte do acervo que permanecia inédita.















Feliz com o reconhecimento laureado pelo Prêmio Jabuti, Valéria Cabral explica em entrevista por telefone que a publicação em livro do acervo de Athos Bulcão dá continuidade ao trabalho realizado pela fundação – de preservar e divulgar a obra do artista – e que receber o prêmio máximo do mercado editorial foi uma demonstração do valor que as obras-primas de Bulcão representam.

"Fomos muito aplaudidos e elogiados pela imprensa. Deu para perceber que o público gostou muito da escolha do júri do Prêmio Jabuti", destaca Valéria Cabral. "Estamos muito felizes. Ter vencido nesta categoria reforça ainda mais o quanto o nosso trabalho é importante". Além de inventariar o passo a passo dos mais conhecidos projetos de integração com a arquitetura, desenvolvidos de forma pioneira e surpreendente pelo artista, o livro apresenta a permanência de seu legado personalíssimo.






A arte de Athos Bulcão em cenários
religiosos dos cartões-postais de Brasília:
acima, paredes externas da igrejinha de
Nossa Senhora de Fátima. Abaixo,
porta em metal e vidro criada para a
Capela do Palácio da Alvorada.

Também abaixo, Athos Bulcão na entrada
do Teatro Nacional Cláudio Santoro,
uma das construções de Brasília que
integram patrimônio de arte e arquitetura;
Athos com Oscar Niemeyer, com
quem trabalhou durante anos nos
projetos da construção de Brasília; e um
encontro raro de artistas na década de 1980
em Brasília: a vitralista e única mulher na equipe
de criação da Nova Capital, Marianne Peretti;
Athos Bulcão; o escultor Alfredo Ceschiatti;
Oscar Niemeyer; o então presidente da República,
José Sarney, e Roberto Burle Marx, criador
dos projetos de paisagismo para o
Eixo Monumental da Capital Federal







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No acervo das muitas preciosidades que o livro reproduz estão ainda as obras de ateliê – entre elas, uma sequência de 32 fotomontagens de inspiração surrealista e uma seleta que reúne 26 desenhos, 27 pinturas, 12 máscaras e 15 mini-esculturas, algumas delas batizadas de "bichos" por Athos Bulcão. A edição organizada por Valéria Cabral conta ainda com fotos inéditas, recolhidas dos álbuns do próprio artista e de coleções particulares.



Técnicas e suportes



Além das reproduções e listagem das obras, também há espaço para a intimidade do ateliê e da vida pessoal, incluindo aí uma série comovente de 31 imagens do artista trabalhando em primeiro plano, em diversas épocas, entre amigos e com a família. Apresentado em sua extensão e diversidade, o acervo de Athos Bulcão revela sua abrangência tanto na arquitetura como em outros domínios insuspeitados.

Reunida pela primeira vez em um conjunto organizado, a trajetória histórica do artista deixa em relevo técnicas, temas e materiais de suporte. A obra surpreendente acena em dimensões de grande arte, resultado de cada elaboração sofisticada e testemunho das relações humanas que fazem uso em primeiro lugar da arquitetura – como destaca o foco analítico de Paulo Sérgio Duarte em "Sentido e Urbanidade", ensaio que abre a edição.










Fractais em Athos Bulcão: acima, detalhes
da fachada do Edifício Niemeyer (1960)
na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte.

 Abaixo, detalhes dos painéis da Igrejinha
de Nossa Senhora de Fátima e
painéis de azulejos instalados no
Aeroporto Internacional de Brasília













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.


"As mais presentes e disseminadas obras de Athos Bulcão aplicadas à arquitetura são os relevos em interiores e os murais de azulejos em painéis e fachadas", defende Duarte, lembrando que tais obras representam um acervo disperso em Brasília, cidade escolhida pelo artista para viver, em BH e no Rio de Janeiro, Salvador, Aracaju, Recife, Natal, Teresina, São Paulo, Cuiabá e em Milão, na Itália, ou em várias outras cidades da Europa e do mundo.


Mestre visionário


Outro especialista que assina um dos ensaios, André Correa do Lago destaca a presença das artes plásticas na arquitetura e os movimentos de cores e motivos fractais que acentuam ritmos e contrastes em fachadas, projetos e obras monumentais. "Ele insere-se numa ampla lista de artistas que realizaram obras para projetos arquitetônicos de prestígio e marcou obras-chave do movimento moderno brasileiro", destaca.

Na abordagem de Lago, o lugar da arte nas criações e intervenções de Athos Bulcão supera qualquer reducionismo que pretenda enquadrá-lo nos limites da demanda funcional que está nas interfaces de seu trabalho. Athos, de acordo com a avaliação de Lago, faz parte, sobretudo, de um pequeno grupo de artistas que chegaram a contribuir de tal forma para o aspecto final de edifícios que acabaram sendo tão decisivos para o resultado quanto os próprios arquitetos.














Autodidata e aprendiz de Burle Marx, Cândido Portinari e Oscar Niemeyer, Athos Bulcão metamorfoseou pinturas, máscaras, gravuras, desenhos. Aos 20 anos, tomou a decisão radical de abandonar o curso de Medicina para se dedicar à pintura. A partir daí, cada vez mais cultivou a amizade com poetas, músicos e artistas plásticos. Uma primeira grande reviravolta aconteceu depois de 1945: terminada a Segunda Guerra, Athos foi morar em Paris, França, onde conquistou uma bolsa de estudos. 

De volta ao Brasil, foi funcionário público no Serviço de Documentação do Ministério da Cultura – cargo que abandonaria em pouco tempo, cada vez mais envolvido com a dedicação à arte. Convidado em 1952 a trabalhar na Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), abraçaria com entusiasmo os projetos em arquitetura – área na qual realizaria a maior parte de sua obra e que foi a maior beneficiada por seu talento de artista visionário. O amor à arquitetura é destacado por Athos Bulcão em uma das últimas entrevistas que concedeu, publicada em 1998, no "Jornal de Brasil", e reproduzida entre os anexos reunidos no livro.








Fractais em Athos Bulcão: acima,
painel de azulejos no Brasília Palace
Hotel. Abaixo, painel de cerâmica no 
Instituto Rio Branco, em Brasília,
e Athos Bulcão em fotografia da
época da inauguração de Brasília













Habitante do silêncio



Na entrevista, Athos Bulcão expõe em detalhes seu processo de criação e considera algumas das questões relacionadas à arquitetura de um ponto de vista emblemático. Questionado sobre sua escolha definitiva por Brasília e se o processo de globalização poderia prejudicar sua individualidade criativa de artista, o mestre visionário ironiza e surpreende. 

"Muda muito a orientação, mas acho que não prejudica", avalia, citando suas referências mais marcantes e uma diversidade de casos em que poderia ter se espelhado se não tivesse a determinação e o desprendimento de seu trabalho autoral. "Atualmente fica tudo meio preso àquela máxima inventada pelo Andy Warhol, de que todo mundo quer ter seus 15 minutos de fama. É um pouco isso. Mas quando a coisa é muito boa, ela aguenta em qualquer circunstância". 

 






Obras do ateliê do artista: acima, detalhes
de composição e estudo em guache.
Abaixo, estudo para painel em desenhos
finalizados com lápis de cor e uma
serigrafia produzida em 1980.

Também abaixo, painel de azulejos na
Embaixada do Brasil em Buenos Aires,
na Argentina; Athos Bulcão com os operários
durante as obras do Hospital Sarah Kubitschek,
em Brasília, em 1960; e uma de suas últimas
fotografias, no ano de sua morte, 2008


















A certa altura do texto, Carmem Moretzshon, que realizou a entrevista para o "Jornal do Brasil", define Athos Bulcão como "habitante do silêncio em Brasília". Nada mais acertado: a definição, poética e algo melancólica, localiza das dimensões épicas à minúcia burilada de cada fragmento fractal que o artista deixou nos cartões-postais do Distrito Federal e em tantos outros logradouros em muitas cidades e países.

Nascido no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, o estudante que um dia trocou a medicina pelas artes plásticas e depois pela arquitetura, encontrou seu lugar de permanência quando deixou tudo para seguir com Niemeyer e Lucio Costa para a criação da capital dos sonhos do presidente Juscelino Kubitschek. Uma equipe numerosa de profissionais, contratados em muitas áreas, concebeu o projeto e a instalação da cidade planejada, mas nunca morou nela. Diferente da maioria, Athos Bulcão, "habitante do silêncio", depois que chegou nunca mais deixou Brasília.



por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fractais de Athos Bulcão. In: _____. Blog Semióticas, 20 de março de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/03/fractais-em-athos-bulcao.html (acessado em .../.../...).










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