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25 de junho de 2024

Arte do cartaz em 1900

 



Belas artes são aquelas em que a mão,

a cabeça e o coração andam juntos.

–– John Ruskin, 1870. 
  


Uma revolução das técnicas de composição e de impressão gráfica aconteceu no final do século 19, dando origem a uma nova forma de arte que ficaria conhecida como arte do pôster ou do cartaz. Mais de 130 anos depois, um acervo original com cerca de 500 peças raríssimas e preservadas na íntegra, que fazem parte da Coleção Leonard A. Lauder, foi reunido pelo Metropolitan Museum de Nova York para a exposição “The Art of Literary Poster” (A arte do pôster literário). O acervo permanecia inédito desde o começo do século 20 e agora, com a exposição, também está publicado em um catálogo de capa dura, com 248 páginas e todas as imagens com reprodução colorida em alta definição. No recorte temático estão cartazes em litografia e outras técnicas de gravura, impressos em policromia, no suporte papel, produzidos na última década do século 19 e nos primeiros anos do século 20, para anunciar lançamentos e novas edições de revistas, jornais, folhetins e livros. Em muitos deles, as figuras mostram pessoas lendo.

Impresso para ter vida efêmera, colado em paredes e muros dos centros urbanos, o cartaz vem de uma longa história em vários países. Uma abordagem teórica e historiográfica sobre a trajetória do cartaz no final do século 19 foi apresentada por Marcus Verhagen, historiador e professor da Universidade da Califórnia, no ensaio “Aquela arte volúvel e degenerada” (publicado no livro “O cinema e a invenção da vida moderna”, pela Cosac & Naify, em 2001). Inicialmente o cartaz era considerado apenas um recorte de papel impresso sem valor agregado, produzido às pressas sem maiores preocupações estéticas – “uma ferramenta comercial tosca, um anúncio em preto-e-branco com uma imagem altamente esquemática ou sem nenhuma imagem”, como ressalta Verhagen. A partir das últimas décadas do Oitocentos, no entanto, com a incorporação da impressão em cores e de novas técnicas, os cartazes criados para anúncios publicitários tiveram um salto de qualidade, conquistando o interesse de colecionadores e, muitas vezes, o entusiasmo dos críticos de arte.

 


 




Arte do cartaz em 1900: no alto da página, um detalhe

do cartaz promocional para divulgar o lançamento
da revista The Quartier Latin em 1898-1899,
em criação de Louis John Rhead. Acima, capa

  do catálogo da exposição no Metropolitan Museum

e a íntegra do cartaz de The Quartier Latin.

Abaixo, cartaz de lançamento de Three Gringos

in Central America and Venezuela, livro de contos

de Richard Harding Davis, com ilustração de

Edward Penfield inspirada nas pinturas de

Paul Gauguin sobre o Haiti. Também abaixo,

cartaz de Penfield anunciando uma reportagem

sobre a guerra entre Estados Unidos e Espanha,
destaque em fevereiro de 1899 na Harper’s






A moda em Art Nouveau


Esta nova era transformou o cartaz publicitário em uma nova mídia em ascensão que ganhava destaque nas ruas. O cartaz também passava a ser identificado como um dos elementos principais de um novo estilo que ficaria conhecido pelo nome em francês Art Nouveau – o estilo da arte decorativa que teve seu centro irradiador em Paris, no fim do século 19. Rapidamente, o potencial de consumo que surgia com a nova moda espalhou-se por cidades da Europa e de outros continentes. Em Londres, o novo estilo tem seu equivalente com o movimento Arts and Crafts Exhibition Society, que teve o pintor e ilustrador de livros Walter Crane como primeiro líder e presidente.

A Arts and Crafts Exhibition Society montou a sua primeira exposição anual em 1888, mostrando exemplos de trabalhos que ajudassem a elevar o estatuto social e intelectual do artesanato, incluindo cerâmica, têxteis, metalurgia e mobiliário. Muitos dos artistas e artesãos que se envolveram com o movimento não só em Londres, mas também em Birmingham, Manchester, Edimburgo, Glasgow e outras grandes cidades do Reino Unido, foram influenciados pelo trabalho de um designer de sucesso na época, William Morris. Destacado também como ativista social e escritor, o próprio Morris reconhecia sua inspiração nas ideias do principal crítico de arte da Era Vitoriana, John Ruskin, elaborando novos padrões técnicos de artes gráficas e, assim como acontecia na França e outros países, novos modelos muito populares na arquitetura e como estilo intermediário entre a indústria e a arte, adotados na produção de máquinas, móveis, roupas, objetos funcionais e tudo o mais que o termo “design” passou a englobar e traduzir, provocando transformações radicais ou substituindo, gradativamente, as tradicionais oficinas de artes e ofícios.

Naquela época, o estilo Art Nouveau e a arte do cartaz se multiplicavam com velocidade, junto com o surgimento da eletricidade nos centros urbanos e a chegada dos automóveis que substituíam as antigas carroças, carruagens e bondes puxados a cavalo. O novo estilo era celebrado como a última moda, passando a contar com novos adeptos e novos consumidores. Evoluindo junto com as linhas de produção em massa da indústria mercantil e com a indústria do entretenimento, os cartazes se multiplicavam anunciando os espetáculos de ópera, de teatro, de vaudeville, os shows musicais em casas noturnas e a novidade do cinema. O projeto em comum aos artistas que adotavam o novo estilo combinava a tradição das belas artes com o artesanato em marchetaria e a produção de mercadorias utilitárias para consumo doméstico, alcançando também o mundo das artes, a pintura, a escultura e todas as técnicas de desenho e gravura.

 


 




Arte do cartaz em 1900: no alto, litografia de

Jules Chéret, o “inventor da arte do cartaz”,

anunciando, em 1889, a inauguração do

Moulin Rouge, casa de espetáculos que

marcou época em Paris. Acima, cartaz ousado

de 1896 de Henri de Toulouse-Lautrec,

com inspiração nos cartazes de Chéret,

criado para Troupe de Mlle. Églantine,

espetáculo musical parisiense que estreava

temporada em Londres, no Palace Theatre

of Vaeties, com a estrela Jane Avril,

uma das musas de Lautrec.


Abaixo, cartaz anunciando um ponto de vendas

da Bearings Magazine, voltada para ciclistas e

apreciadores de bicicletas, criado em 1896

por Charles Arthur Cox. Também abaixo, o marco

inaugural do estilo Art Nouveau no Brasil, na capa

da Revue du Brésil, criada em novembro de 1896

por Eliseu Visconti durante sua temporada

de estudos em Paris








Pioneiros do estilo


Art Nouveau também passou a ser o estilo adotado por nomes célebres da história da arte, cada um interpretando à sua maneira as novas técnicas decorativas, tais como o austríaco Gustav Klimt, o checo Alfons Mucha ou o espanhol Antoni Gaudí, entre outros. Verhagen destaca que, nas artes gráficas, o salto de qualidade na produção do cartaz teve um pioneiro que influenciou todos os outros e todo o estilo – o francês Jules Chéret, nomeado em 1890 pelo escritor Edmond de Goncourt como “o inventor da arte do cartaz”. Uma celebridade em sua época, Chéret passou a exercer forte influência sobre artistas como Toulouse-Lautrec e outros nomes do primeiro time das vanguardas europeias. Segundo Verhagen, o nome Chéret, na Paris de fim de século, passou a ser sinônimo para o cartaz mais elaborado, e a popularidade também alcançou a “chérette”, a dançarina estilizada com ares de ninfa sempre presente em seus desenhos e cartazes. Em um dos mais conhecidos, criado em 1889, a “chérette” em trajes e poses provocantes anunciava a inauguração do Moulin Rouge, a casa de espetáculos licensiosa que marcou época em Paris.

O pioneiro do estilo Art Nouveau no Brasil, Eliseu Visconti, também reconheceu a influência de Chéret durante sua temporada de estudos em Paris, entre 1894 e 1897. Historiadores como Frederico Morais (em “Aspectos da Arte Brasileira”, editado em 1980 pela Funarte) apontam a importância de Visconti não só como pintor e desenhista, mas também como pioneiro do design industrial e da arte do cartaz. Um dos trabalhos de importância histórica de Visconti, a capa do primeiro número da “Revue du Brésil”, editada em Paris em novembro de 1896, é considerado um marco que introduz o estilo Art Nouveau no Brasil. Em “Biblioteca Nacional – A história de uma coleção” (Editora Salamandra, 1996), Paulo Herkenhoff também destaca Visconti como precursor da arte modernista e como pai do desenho industrial brasileiro – com seus padrões para papéis de parede e objetos utilitários, além da criação de capas e ilustrações de livros e revistas, de selos, da decoração do Teatro Municipal de Rio de Janeiro e da Biblioteca Nacional, e de seus cartazes, os primeiros a terem valor artístico reconhecido no Brasil.









Arte do cartaz em 1900: no alto, cartaz criado por

Louis John Rhead em 1894 para anunciar a edição

de Natal da Century Magazine. Acima, o beijo estilizado

da figura andrógina no encontro com o pavão, emoldurados

por ícones de iluminuras de antigos manuscritos, no cartaz

criado pelo artista e ilustrador William Henry Bradley

para o lançamento de His Book, revista literária de

Nova York que teve apenas seis números entre 1896 e 1897.


Abaixo, dois cartazes criados por mulheres: o primeiro,

de Florence Lundbourg para o lançamento da revista

The Lark, edição de fevereiro de 1897; o segundo,

criação de Ethel Reed em 1895 para o lançamento do

livro Folly or Saintiliness, do escritor José Echegaray,

Prêmio Nobel de Literatura em 1904








A novidade do cartaz literário


A exposição que resgata o “boom” do cartaz em Art Nouveau, apresentada no Metropolitan de Nova York, tem curadoria e apresentação a cargo de quatro especialistas, que também assinam a edição do catálogo e os ensaios teóricos e historiográficos: Alisson Rudnick, Shannon Vittoria e Rachel Mustalish, diretoras dos departamentos de Papeis, Desenhos e Gravuras do museu, e Jennifer Greenhil, professora de História da Arte na Universidade de Arkansas. Diante do acervo selecionado, o que mais ganha destaque para o olhar do observador do século 21 é certamente o contraste entre a sofisticação estética e a aparente simplicidade das figuras, além do apuro estético na integração de texto e imagens para a composição dos cartazes – cada um deles surgindo mais próximos de uma obra de arte do que de um anúncio publicitário.









Arte do cartaz em 1900: no alto, página standart

(o formato padrão da página de jornal impresso, com

cerca de 55 cm) criada por E. Pickert, simulando o efeito

de pastilhas de acrílico, para a edição de 6 de fevereiro de

1895 do jornal The New York Times. Acima, o cartaz de

Bertha Margaret Boyé vencedor do concurso do

Movimento Sufragista para uma campanha pela

legalização do voto feminino em 1911.


Abaixo, cartaz de Joseph J. Gould Jr. para o

lançamento da edição de julho de 1896 da

revista Lippincott’s; e a nudez no cartaz criado

por Maxfield Parrish para o lançamento da

edição de agosto de 1897 da revista The Century










Mesmo sendo, em sua época, peças apenas funcionais para divulgação e publicidade, cada um dos cartazes em estilo Art Nouveau pode ser considerado uma obra de valor específico, com detalhes que revelam tanto questões culturais do tempo em que foram produzidos, como avanços nas técnicas das artes gráficas ou da linguagem que representa e traduz informações cifradas sobre códigos de comportamento. O cartaz criado por Edward Penfield que anuncia a edição de fevereiro de 1897 da revista Harper's, escolhido para anúncio principal da exposição no Metropolitan e também reproduzido na capa do catálogo, representa um caso emblemático para o recorte do acervo.

No cartaz de Penfield, quatro figuras elegantes da burguesia,
três mulheres e um homem, todos eles com seus chapéus da moda, viajam de bonde e estão lendo a revista. Ao fundo, ao lado dos quatro personagens das elites, um representante da classe trabalhadora: o cobrador do bonde, que também está mergulhado na leitura. Penfield criou cartazes sempre instigantes para cada nova edição da Harper's durante mais de sete anos. Em outro anúncio, criado em 1996 por Joseph J. Gould Jr. para a edição de julho da revista Lippincott's, estão ousadias gráficas e de costumes: a jovem elegante, vestida a rigor, está em sua bicicleta e tem a revista nas mãos. Como inovação gráfica, o chapéu amarelo da jovem cobre algumas letras do nome da revista, mas sem impedir a leitura.









Arte do cartaz em 1900: no alto, cartaz anunciando

o lançamento da edição de março de 1895 de

The Boston Sunday Herald, dedicada à moda de

primavera, com sobreposições de vermelho e preto,

criação de William McGregor Paxton. Acima, cartaz

de
William Henry Bradley para o lançamento em 1894

do livro When hearts are trumps, de Tom Hall.


Abaixo, cartaz de George Reiter Brill para o

Philadelphia Sunday Press, edição de 3 de fevereiro

de 1896. Também abaixo, cartaz de Louis John Rhead

anunciando a edição
de Natal do The New York Herald,

em 1896, com o toque pioneiro de um

Papai Noel em vermelho.

No final da página, cartaz para o lançamento

da revista Self Culture de outubro de 1897, criação

de Joseph Christian Leyendecker; e um autorretrato

estilizado de Edward Penfield para a capa do

calendário de 1897 publicado pela

editora R.H. Russel & Son, de Nova York










Arte e documento histórico


Há uma grande diversidade de nomes identificados como criadores dos cartazes, no acervo reunido pelo museu, com destaque em número de obras para os norte-americanos Edward Penfield, Joseph Christian Leyendecker, Louis John Rhead e William Henry Bradley, além da surpreendente presença de mulheres no grupo de artistas, entre elas Florence Lundborg, Ethel Reed e Bertha Margaret Boyé, que era uma professora e militante política muito conhecida na época, e que venceu em 1911 o primeiro concurso de cartazes para o Movimento Sufragista de San Francisco, Califórnia, em defesa da legalização do direito do voto para mulheres. No cartaz, que faz parte do acervo, uma figura feminina com uma túnica amarela, lembrando o arquétipo de uma sacerdotisa, abre os braços para mostrar uma faixa onde se lê “Votes for Women” (Voto para mulheres). Atrás dela, o sol que está na linha do horizonte forma uma auréola sobre sua cabeça, como se indicasse simultaneamente um símbolo de beatitude e santidade e o alvorecer de novas oportunidades.

Mais de um século depois da criação da maioria das peças reunidas no acervo, ainda é possível identificar e reconhecer o impacto duradouro que os cartazes em estilo Art Nouveau continuam a exercer sobre as linguagens da ilustração, sobre o design gráfico e até sobre a forma e o conteúdo dos anúncios publicitários da atualidade. O acervo também confirma a importância do cartaz como documento histórico – um documento que registra e preserva informações preciosas, ocupando um lugar especial na interseção entre literatura, imprensa, design gráfico, sociologia, questões políticas, culturais e comportamentais da época em que foram produzidos. No ensaio que abre a apresentação das imagens do catálogo, a curadora Alisson Rudnick ressalta que, em cada um dos cartazes selecionados, está representado algo novo: são anúncios publicitários produzidos para terem duração efêmera, mas, estranhamente, mudaram de função com o passar do tempo e agora têm seu valor preservado e reconhecido como autênticas obras de arte.


por José Antônio Orlando.

Como citar:

ORLANDO, José Antônio. A invasão do Gibi. In: Blog Semióticas, 25 de junho de 2024. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2024/06/arte-do-cartaz-em-1900.html (acessado em .../.../…).



Para uma visita virtual à exposição do Metropolitan Museum, clique aqui.


Para comprar o catálogo The Art of Literary Poster,  clique aqui.







 

22 de setembro de 2014

Cândido Aragonez de Faria e o Cinema






O primeiro mérito da pintura em um 
quadro é ser uma festa para os olhos. 

–  Eugène Delacroix (1798-1863).     


Um brasileiro é o grande destaque na exposição de inauguração da primeira fundação dedicada aos primórdios do cinema. A Fundação Jerôme Seydoux-Pathé, aberta ao público a partir desta semana em Paris, França, traz um nome brasileiro como artista principal em meio a um dos mais importantes acervos mundiais de filmes desde a invenção do cinema, no final do século 19, incluindo câmeras, fotografias, cartazes, maquetes e milhares de documentos sobre a história da indústria cinematográfica.

O brasileiro em destaque é Cândido Aragonez de Faria (1849-1911), nascido em Sergipe e considerado internacionalmente como um dos mais representativos artistas da charge e dos cartazes dos primeiros tempos do cinema. Na exposição inaugural da Fundação Jerôme Seydoux-Pathé – que está sendo chamada pela imprensa internacional de “templo dos filmes mudos” – Cândido Aragonez de Faria é o nome em primeiro plano, com as centenas de belíssimas ilustrações e cartazes que ele criou para filmes produzidos no final do século 19 e começo do século 20.

O artista sergipano, que a exposição em Paris apresenta como “referência fundamental do Primeiro Cinema”, deixou sua cidade-natal, Laranjeira, e seguiu com a família em meados do século 19 para o Rio de Janeiro, onde estudou na Academia Imperial de Belas Artes. Em 1882, decidiu tentar a sorte na França e, em Paris, tornou-se o principal ilustrador da Pathé, na época em que a exibição dos filmes passava das feiras populares e circos para os primeiros prédios de teatros dedicados exclusivamente às sessões de cinema.












O brasileiro Cândido Aragonez de Faria
e o Cinema: no alto, saguão de entrada da
exposição que abre ao público a Fundação
Jerôme Seydoux-Pathé em Paris. Acima,
retrato do artista, datado de 1890, e dois
pôsteres de divulgação da exposição.

Abaixo, cartazes de lançamento criados
por Cândido Aragonez de Faria para
Les victimes de l'alcool, de 1902, e
Les Apaches de Paris, de 1905, filmes
de Ferdinand Zecca, diretor dos primeiros
grandes sucessos do cinema da Pathé;
seguidos por La poue aux oeufs d'or
(A galinha dos ovos de ouro), filme de
1906 de Gaston Velle; e uma
pequena amostra das centenas de
cartazes publicitários em litografia
e policromia que o artista brasileiro
produziu, da última década do século
19 até 1911, sob encomenda da Pathé















A maior parte das ilustrações e cartazes criados por Cândido Aragonez de Faria, agora apresentados na exposição que inaugura a Fundação Jerôme Seydoux-Pathé, foi produzida de forma artesanal, em litografias sobre pedra e em surpreendentes nuances de policromia. Dos últimos anos do século 19 até o ano de sua morte, em 1911, o artista sergipano foi o principal artista plástico ligado ao cinema e o principal ilustrador contratado pela Pathé – considerada a mais importante empresa cinematográfica do mundo, com produção de mais de 10 mil filmes de 1896 aos dias de hoje.

A Pathé, mais antigas das empresas de produção de filmes e equipamentos de cinema ainda em atividade, com todo o seu acervo de mais de 120 anos, foram comprados na década de 1990 pela família Seydoux. O acervo foi transformado na fundação que, a partir desta semana, estará aberta à visitação, com direito a uma sala de cinema para projeção de filmes mudos e acompanhamento permanente, ao vivo, de um pianista, da mesma forma como aconteciam as projeções nas primeiras décadas do século 20.



Um artista na trajetória da imprensa



Pouco conhecido no Brasil, Cândido Aragonez de Faria foi também um nome fundamental para a trajetória da imprensa – no Brasil, na Argentina e na França. Antes de seguir para Paris, Cândido e o irmão, Adolfo (que também seguiria para Paris, trilhando uma carreira bem-sucedida com um estúdio de fotografia), investiram em um ousado empreendimento jornalístico: no Rio de Janeiro, fundaram uma revista de caricatura e sátira que marcou época na década de 1870 – “O Mosquito”. Em 1878, Cândido deixa “O Mosquito” aos cuidados do irmão e vai para Porto Alegre, onde também funda outros dois importantes jornais ilustrados: “Diabrete” e “Fígaro”.











 



Nos três empreendimentos, Cândido Aragonez de Faria conquistou sucesso de público, mas também muitas dívidas e muitos desafetos políticos. Por conta das dívidas e dos desafetos, depois de um ano no Rio Grande do Sul, Cândido vai para a Argentina e, em Buenos Aires, trabalha como ilustrador e técnico de artes gráficas em vários jornais e revistas.

Em 1882, aos 33 anos, ele toma uma decisão radical: deixar Buenos Aires para tentar a sorte na Europa, fixando residência na França e abrindo seu próprio estúdio de mestre de ofício em Paris – o Ateliê Faria, que conseguiu enfrentar e superar a forte concorrência de outros artistas e seus tradicionais estúdios de produção, entre eles, alguns dos grandes pioneiros da Arte Moderna como Henri de Toulouse-Lautrec (1864–1901), mestre da pintura, da litografia e das técnicas mais avançadas para o design gráfico dos cartazes publicitários.

















Das artes gráficas ao Cinema



Com seu ateliê em Paris, Cândido Aragonez de Faria passou a conquistar uma clientela fiel e, gradativamente, estabelece seu prestígio com a prestação de serviços em desenho, ilustrações e artes gráficas. Sua clientela em Paris vai incluir charges e caricaturas sob encomenda para jornais e revistas, ilustrações para livros, impressão de partituras e de programas para óperas, concertos e peças de teatro, criação e impressão de cartazes publicitários em geral e, finalmente, ilustrações e cartazes surpreendentes para os espetáculos de cinema dos irmãos Auguste e Louis Lumière.

Menos de um ano depois da invenção do Cinematógrafo e das primeiras projeções dos filmes pelos irmãos Lumière, em 1895, nos cafés parisienses, começaram a surgir em Paris e em outras grandes cidades de vários países os concorrentes que arriscavam-se no promissor negócio da produção e exibição de filmes. Entre a clientela de Cândido Aragonez de Faria, nesta época, também estavam os vários artistas que trocaram os palcos de teatro e de shows de variedades pela novidade do Cinematógrafo, como Georges Méliès (1861-1938), e empresários como os irmãos Pathé – Charles, Émile, Theóphile e Jacques.



















Admirador do trabalho em artes gráficas do brasileiro, Charles Pathé passa a ser um dos mais assíduos clientes do Atelier Faria. Para não perder o artista para a concorrência que proliferava, o empresário decide então oferecer um contrato de exclusividade para que o atelier do brasileiro passe a atender apenas às encomendas de ilustrações e impressão para os investimentos de sua companhia, a Société Pathé Frères, que concentrava todos os esforços e recursos financeiros na produção e exibição dos espetáculos de cinema. 
 
A partir de 1902, quando a Pathé se torna a principal indústria de produção cinematográfica da Europa, assim como a maior produtora fonográfica do mundo, Cândido Aragonez de Faria é contratado com exclusividade por Charles Pathé para criar todos os cartazes, folhetos e material publicitário que acompanhariam os filmes e equipamentos produzidos pela companhia. É este acervo criado pelo artista brasileiro, com centenas de belas ilustrações e cartazes adotados como modelo para a divulgação dos filmes no mundo inteiro, que está atualmente em destaque em Paris na exposição de inauguração da Fundação Jerôme Seydoux-Pathé.



por José Antônio Orlando



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Cândido Aragonez de Faria e o Cinema. In: Blog Semióticas, 22 de setembro de 2014. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2014/09/candido-aragonez-de-faria-e-o-cinema.html (acessado em .../.../…).



Para visitar a exposição da Fundação Jerôme Seydoux-Pathé, clique aqui.








 






A partir do alto, cartazes originais criados
por Cândido Aragonez de Faria. Acima e
abaixo, a fachada do prédio em Paris da Fundação
Jérôme Seydoux-Pathé, restaurado com projeto
de instalação e interiores por Renzo Piano





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