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6 de outubro de 2025

Imagens do fim dos tempos

 





A política sempre será a rainha das artes 

porque dela dependem todas as outras. 

–– Aristóteles (384-322 a.C.).   

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Arquiteto nascido e formado no Chile, também fotógrafo, cineasta, artista visual e ativista das causas ambientais, Alfredo Jaar prefere definir a si próprio como um idealista e passageiro das utopias. No dia 26 de setembro, ele foi anunciado como vencedor de um dos prêmios internacionais de fotografia mais prestigiados da atualidade, o Prix Pictet, que na edição 2025 tem o tema Tempestade (Storm). O trabalho premiado de Jaar, para o qual ele escolheu o título “The End”, reúne uma sequência de 10 imagens em composição primorosa de cores deslumbrantes, lembrando telas em pinturas abstratas de artes plásticas, que registram uma tragédia ambiental: o lento desaparecimento de um imenso lago de água salgada em Utah, região oeste dos Estados Unidos com grandes desertos e cordilheiras de montanhas de pedra.

Esta é a 11ª edição do Prix Pictet, criado em 2008 pelo Grupo Pictet, com sede em Genebra, na Suíça, que premia a cada dois anos um trabalho autoral em fotografia, patrocinando exposições temáticas e eventos paralelos em diversos países. Sobre sua obra premiada, Alfredo Jaar declarou: “Meu objetivo nesta série de fotografias foi mostrar o destino trágico do grande lago de Utah e revelar sua extraordinária beleza e potencial. Apesar da terrível situação em que estamos, eu queria criar imagens de beleza e também de tristeza. Diante da magnitude desta tragédia, decidi imprimir estas imagens num formato pequeno, pouco espetacular, como uma espécie de sussurro visual, um lamento pelo nosso planeta moribundo.”






Imagens do fim dos tempos: a partir do alto
da página, a sequência do ensaio fotográfico
de Alfredo Jaar, intitulado “The End”, vencedor
da edição 2025 da premiação internacional de
fotografia Prix Pictet. As 10 imagens registram
o desaparecimento do
Grande Lago Salgado
(Great Salt Lake)
de Utah,
nos Estados Unidos

















Alfredo Jaar foi premiado depois de ser anunciado na lista de 12 finalistas selecionados por um júri independente formado por 350 especialistas nomeados em países da Europa, Ásia, África, Oriente Médio, Oceania, América do Norte e América do Sul. Três representantes brasileiros fazem parte do júri do Prix Pictet: Eder Chiodetto (Fotô Editorial), Thyago Nogueira (Instituto Moreira Salles) e Jochen Volz (Pinacoteca de São Paulo). Nas edições anteriores foram premiados Gauri Gill (temática do Humano); Sally Mann (Fogo); Joana Choumali (Esperança); Richard Mosse (Espaço); Valérie Belin (Transtorno); Michael Schmidt (Consumo); Luc Delahae (Potência); Mitch Epstein (Crescimento); Nadav Kander (Terra); e Benoit Aquin (Água).


Tragédia ambiental



O dossiê de imprensa fornecido pelo Prix Pictet registra que o Grande Lago Salgado (Great Salt Lake) de Utah, tema do ensaio fotográfico de Alfredo Jaar, representa um ecossistema fundamental no Hemisfério Ocidental, com suas dimensões de 4.400 quilômetros quadrados. A área, remanescente de um imenso lago pré-histórico com alta salinidade, concentra microorganismos que dão às águas uma rara coloração em tons de rosa. Com a exploração industrial e a extração excessiva de água, desde o final do século 19 e mais acelerada nas últimas décadas, o lago já perdeu cerca de 80% de sua área de superfície, gerando grande quantidade de poeira tóxica que polui o ar e o solo, além de elevar a salinidade do que resta da água a níveis mortais para animais e plantas. As previsões indicam que o lago deve desaparecer nos próximos anos, pois o desastre ambiental já ultrapassou o ponto de não retorno.













Nas entrevistas concedidas após o anúncio da premiação, Alfredo Jaar revelou que sua intenção inicial seria registrar os últimos remanescentes de vida animal na região, mas ele descobriu que a área do lago, que foi durante séculos uma das grandes rotas de aves migratórias do continente, agora é apenas natureza morta. A descoberta da situação de tragédia ambiental, com o desaparecimento irreversível do grande lago, foi descrita pelo fotógrafo: “O que costumava ser uma região próspera e fértil, para várias espécies de pássaros, agora é um cemitério com milhares de cadáveres ressecados em uma imensa planície de lama, poeira e veneno”.



Arte como ação política



Alfredo Jaar é um veterano em trabalhos na interface entre arte e ação política. Nascido em Santiago do Chile em 1956, ele viveu a experiência do governo sangrento do general Augusto Pinochet, o ditador que tomou o poder no Chile entre 1973 e 1990, apoiado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, e testemunhou massacres terríveis quando os soldados da ditadura viajavam pelo país para torturar e assassinar opositores em uma violenta caravana da morte”. Jaar escapou do Chile em 1982, depois de terminar o curso de arquitetura, e passou a morar em Nova York, com dedicação ao trabalho com arte e fotografia. Desde então, participou de exposições e instalações em vários países, incluindo suas obras em destaque nas Bienais de Veneza (1986, 2007, 2009, 2013), de São Paulo (1987, 1989, 2010, 2021) e da Documenta de Kassel em 1987 e 2002.




















O Prix Pictet vem se somar a outras premiações internacionais importantes na trajetória de Jaar, entre elas o Prêmio de Arte de Hiroshima em 2018 e o Prêmio Hasselblad na Suécia em 2020. Em 2024, ele recebeu o Prêmio Albert Camus Mediterrâneo na Espanha e já em 2025 ele ganhou a Medalha Edward MacDowell em New Hampshire, Estados Unidos. Seu trabalho também está na coleção de grandes museus, como o MoMA e o Museu Guggenheim, em Nova York, o Centre Georges Pompidou em Paris e o Museu Reina Sofia de Madri, entre outros, além do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Nas entrevistas incluídas no dossiê de imprensa do Prix Pictet, Alfredo Jaar faz questão de tomar posição nas questões de arte como ação política. “Eu conheço o fascismo quando vejo”, ele diz, em resposta a uma questão de Igor López, repórter do jornal El País, afirmando que, com frequência, ao ler as notícias diárias, tem a impressão de que o fim do mundo realmente se aproxima. Segundo Jaar, estamos a bordo de um mundo novo e assustador – com notícias que, para ele, provocam lembranças de experiências traumáticas vividas no Chile durante a ditadura Pinochet.







Imagens do fim dos tempos: a partir do alto
da página, a sequência do ensaio fotográfico
de Alfredo Jaar, “The End”, vencedor do
Prix Pictet 2025. Abaixo, Alfredo Jaar em
fotografia de Andrea Rego Barros.

Também nas imagens abaixo, 1) Alfredo Jaar
participando de sua instalação que teve inspiração
na obra do dramaturgo Samuel Beckett, com o título
I Can’t Go On, I’ll Go On” (Eu não posso continuar,
eu vou continuar), apresentada em 2019 no
Festival de Arte de Edimburgo; 2) imagem da 
instalação
“Estudios sobre la felicidad 1974-1981”, apresentada
em 2024 no Museo Nacional de Belas Artes, no Chile,
reunindo fotografias do jovem Alfredo Jaar, que tinha
17 anos em 1973, na época em que o golpe de estado
do general Pinochet destruiu o Chile; 3) 
a instalação
“Um milhão de passaportes alemães”, criada em 1995
e reeditada em 2023 para apresentação em Munique,
Alemanha; 4) fotografia de "The end of the world",
intalação apresentada em Berlim, Alemanha,
no primeiro semestre de 2025; 
e 5) as palavras
extraídas da obra do filósofo Antonio Gramsci
e apresentadas por Alfredo Jaar
na instalação em Roma, em 2018.


No final da página, “Um logotipo para a América”,
instalação com telas e painéis de lâmpadas apresentada
na Times Square, em Nova York, depois de ter sido
selecionada pelo Fundo de Arte Pública da Cidade
de Nova York. A instalação foi criada em 1987
e reeditada em 2014 e no começo de 2025



















“Quando consegui escapar daquele cenário de horror, em 1982, e quando a ditadura no Chile chegou ao fim, em 1990, nem mesmo em meus sonhos mais loucos e mais terríveis eu esperava ver o mundo enfrentando o que está enfrentando agora”, ele reconhece. “Temos as mudanças climáticas no mundo todo e assistimos o fascismo crescer em todos os lugares, na metade da Europa, nos Estados Unidos, nos países da América Latina. Isso é um pesadelo que devemos combater. Não podemos jamais ficar indiferentes ao fascismo e às ideias que pregam o ódio, o preconceito, a violência e a destruição”.



Desafios para a civilização



Em entrevista a Ellen Corry, da revista “Musée”, Alfredo Jaar defende que uma das principais missões da arte é levar o espectador a abandonar um olhar neutro e qualquer indiferença. Para argumentar, ele cita o pensador marxista italiano Antonio Gramsci, para quem viver significa tomar partido. “Se deixarmos de ser parasitas e nos tornarmos participantes ativos, o mundo será um lugar melhor. Temos que nos recuperar da falta de humanidade que a sociedade contemporânea está passando; é intolerável e inaceitável”, aponta. “Sou apenas um arquiteto que faz arte, mas sei que a grande arte tem esta característica de representar um grito desesperado para que todos nós nos tornemos humanos novamente.”







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Sobre sua conquista do Prix Pictet, Alfredo Jaar faz questão de colocar em primeiro plano que a política precisa ser o norte para toda e qualquer experiência com a arte. Ele cita como exemplo seu trabalho com “The End”, a série de fotos que registra o que provavelmente será o fim do Grande Lago Salgado (Great Salt Lake) de Utah, explicando que sua intenção, antes de tudo, foi alertar que a questão ecológica é sempre uma questão política. Na sua avaliação, a destruição e a perda do lago se tornou uma tragédia de magnitude incalculável, uma tragédia ambiental, econômica e humanitária, e um sinal de acontecimentos também assustadores que estão por vir no futuro próximo, afetando toda a experiência humana no planeta Terra.

“O fim do Grande Lago de Utah é mais um sinal inequívoco do fracasso da civilização”, ele alerta, em entrevista ao The Guardian, enquanto reconhece que, nas últimas décadas, desde o século passado, o fracasso junto com a incapacidade de mudar tem sido uma constante para a civilização contemporânea. “Reconheço que sou um idealista e um utópico, um passageiro das utopias. Quero mudar o mundo, mas tenho fracassado o tempo todo porque ainda não consegui mudá-lo. Eu não consegui mudar nem a realidade mais próxima ao meu redor, mas ainda tenho esperança de que todos nós, juntos, talvez possamos conseguir”, completa. Para Alfredo Jaar, artista visual e ativista que vem se consagrando como um dos mais premiados de nossa época, a esperança é a última que morre.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Imagens do fim dos tempos. In: Blog Semióticas, 6 de outubro de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/10/imagens-do-fim-dos-tempos.html (acesso em .../.../…).










Para uma visita ao site do  Prix Pictet,  clique aqui. 


Para uma visita ao site de  Alfredo Jaar,  clique aqui. 


Para comprar o catálogo Alfredo Jaar: 
Hasselblad Award, clique aqui. 




















16 de dezembro de 2021

Imagens de fogo e revolta

 



O tempo é um rio que me leva, mas eu sou o rio;

é um tigre que me devora, mas eu sou o tigre;

é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo.

–– Jorge Luis Borges.    





O Prix Pictet, um dos principais prêmios internacionais de fotografia da atualidade, anunciou sua premiação de 2021: a fotógrafa norte-americana Sally Mann é a vencedora com um ensaio fotográfico intitulado “Blackwater, 2008-2012” (Águas negras), uma série de imagens de impacto que traçam paralelos entre incêndios florestas e a história das revoltas raciais nos Estados Unidos. Os 12 ensaios selecionados como finalistas foram anunciados nos últimos meses – todos eles tendo como foco o tema do “fogo”, escolhido previamente pelos organizadores da premiação, criada para promover a discussão sobre questões relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade. Na etapa final, Sally Mann concorreu com os fotógrafos Joana Hadjithomas e Khalil Joreige (Líbano), Rinko Kawauchi (Japão), Christian Marclay (EUA / Suíça), Fabrice Monteiro (Bélgica / Benin), Lisa Oppenheim (EUA), Mak Remissa (Camboja), Carla Rippey (México), Mark Ruwedel (EUA), Brent Stirton (África do Sul), David Uzochukwu (Áustria / Nigéria) e Daisuke Yokota (Japão).

Sally Mann, que nasceu em Lexington, na Virgínia (EUA), e começou a estudar fotografia no final da década de 1960, registra no ensaio premiado os incêndios que devastaram as reservas naturais do sudeste da Virgínia no período entre 2008 a 2012. O título, “Blackwater, 2008-2012”, é uma referência aos incêndios florestais e também à região do Great Dismal Swamp (Grande pântano sombrio), às margens do Oceano Atlântico, onde atracaram os primeiros navios que traziam negros capturados na África e transformados em escravos para trabalhar nas lavouras da América do Norte, principalmente no cultivo de tabaco, a partir de 1610. Desde então, e nos séculos seguintes, o pântano densamente arborizado foi usado por escravos como um refúgio para se esconderem quando tentavam fugir de seus proprietários. As fotografias de Sally Mann resgatam a história e traçam um paralelo entre os incêndios e os conflitos raciais, já que na mesma região da Virgínia também aconteceram as primeiras grandes revoltas de escravos da história dos Estados Unidos.











Imagens de fogo e revolta: no alto e acima, dois
retratos de Sally Mann em ação seu estúdio de
Lexington, na Virginia (EUA), por Annie Leibovitz
em 2015. Também acima e abaixo, um extrato
das fotografias de Blackwater, 2008-2012, o ensaio
de Sally Mann sobre a devastação provocada pelos
incêndios florestais no estado da Virgínia, nos EUA,
que venceu o Prix Pictet 2021. Acima, Blackwater 13 e
Blackwater 32; abaixo, Blackwater 3, Blackwater 1
Blackwater 30 e Blackwater 15

 





















Racismo e incêndios florestais


No informe divulgado pelos organizadores do Prix Pictet, Sally Mann escreve um breve depoimento que destaca algumas questões de seu recorte temático sobre o tema “fogo” e sua relação com a história das revoltas raciais que remontam ao século 17. “Os incêndios nas reservas florestais e nos pântanos da Virgínia pareciam resumir o grande incêndio da luta racial na América, incluindo antigas batalhas da Guerra Civil, a Guerra da Independência e o Movimento pelos Direitos Civis na segunda metade do século 20, no qual minha família esteve envolvida. A agitação racial do final dos anos 1960 tem uma relação direta com os protestos em defesa das vidas negras no verão de 2020. Algo sobre o personagem norte-americano que falhou parece abraçar o apocalíptico como solução”, explica a fotógrafa em um trecho do depoimento.








         



Acima, fotografias de Sally Mann reunidas
no livro A Thousand Crossings. Abaixo,
"Oak Hill Baptiste", fotografia de 2016;
e duas imagens da série Deep South,
"Fontainebleau" (1998) e "On the Maury",
fotografia de 1992 













Sally Mann também faz referência a registros históricos que têm os pântanos da Virgínia como local de fuga e esconderijo para comunidades de refugiados e escravos fugitivos que viveram na região. Muitos terminaram mortos ou foram capturados, mas também há histórias de fugitivos que formaram famílias e comunidades inteiras vivendo por anos nos pântanos sem serem detectados. Apesar das condições inóspitas dos pântanos, as pessoas que fugiam do cativeiro preferiam viver naquela região selvagem e com todos os perigos do que suportar o inferno da escravidão. “Mais do que cobras venenosas, insetos que transmitiam doenças, panteras, ursos e crocodilos sempre à espreita, os pântanos muitas vezes também tinham o perigo iminente e brutal dos caçadores de escravos e seus cães que seguiam a lei do ‘vivo ou morto’. Os caçadores cercavam os fugitivos e colocavam fogo em tudo, queimando suas presas vivas. Para os escravos em fuga, enfrentar este perigo e até encontrar a morte era preferível a serem devolvidos para seus donos”, completa. 

O trabalho de pesquisa e produção visual mais recente de Sally Mann, do qual o ensaio “Blackwater, 2008-2012” é uma amostragem, gerou uma exposição e um livro de fotografias com o título “A Thousand Crossings” (Mil travessias). Nas imagens, quase sempre em matizes de preto e branco, a fotógrafa aborda questões relacionadas à identidade e aos grupos sociais do sul dos Estados Unidos, refletindo suas próprias memórias e sua relação com seu lugar de origem. No entanto, pelo que se vê nas fotografias do ensaio premiado, não são registros nostálgicos semelhantes a cartões-postais sobre sua terra natal: as imagens de Sally Mann provocam impacto e revolta pela destruição que restou e levantam questões abrangentes sobre a vida social e cotidiana, sobre o meio ambiente, sobre história, sobre raça e sobre religião, seja em enquadramentos de caráter documental e de fotojornalísmo, seja nas cenas mais metafóricas e de sentido poético, apesar de seu tom muitas vezes sombrio, melancólico, pessimista.


Mil travessias


Desde sua primeira exposição individual realizada na Corcoran Gallery of Art, Washington, DC, em 1977, as fotografias de Sally Mann já apareceram em muitas reportagens de jornais e revistas e também como ilustração para capas e encartes de álbuns de músicos do Jazz e do Blues, já que suas imagens abordam com frequência cenários e moradores do sul dos Estados Unidos, especialmente os estados do Alabama, Mississippi e Louisiana. Ela trabalha usando antigas técnicas artesanais e equipamentos antigos de fotografia, o que faz os cenários rurais do sul dos Estados Unidos e seus personagens característicos parecerem saídos de outros tempos. É o caso das imagens da série "Blackwater", que foram produzidas no processo de Tintypes, também chamado de ferrotipia ou ferrótipo, uma das mais antigas formas do registro fotográfico, com criação de uma imagem positiva sem negativo diretamente sobre uma chapa fina de ferro, revestida com verniz ou esmalte escuro, que é utilizada como suporte para a emusão fotográfica.

As fotografias de Sally Mann também estão reunidas em séries temáticas que foram publicadas em fotolivros, a maioria deles alcançando a condição de best-sellers e atualmente fora de catálogo. Entre seus fotolivros estão "A Place not Forgotten: Landscapes of the South" (1999), “Last Measures” (2000) e "What Remais" (2003), sobre panorâmicas de grandes paisagens da natureza, sobre o que restou de antigas construções em ruínas e sobre os campos de batalha da Guerra Civil do final do século 19; “Deep South” (2005), também sobre os estados do sul do país; "Immediate Family", de 2005, com fotos que registram a infância de seus filhos nas décadas de 1980 e 1990; "Proud Flesh", de 2009, uma série cronológica de retratos de impacto sobre os efeitos da distrofia muscular em seu marido, Larry; "The Flash and the Spirit", de 2010, que reúne o lirismo de sua fotos de família e uma retrospectiva de suas experiências com imagens ousadas sobre os corpos humanos; "Remembered Light: Cy Twombly in Lexington", de 2016, sobre a convivência de anos que teve com o artista Cy Twombly (1928-2011), seu conterrâneo, no ateliê em sua cidade-natal; e o recente “A Thousand Crossings”, com o acervo apresentado na exposição de mesmo nome.




















Imagens de Sally Mann: acima e abaixo,
retratos de seus filhos reunidos nos livros
Immediate Family, de 2005 (acima) e em
The Flesh and the Spirit, de 2010 (abaixo)


 







A trajetória do trabalho de Sally Mann também tem uma série de premiações, incluindo prêmios concedidos pela Fundação Guggenheim e a eleição como “Melhor fotógrafo da América” pela revista Time no ano de 2001. A trajetória da fotógrafa já foi tema de dois filmes: “Blood Ties” (Laços de sangue), dirigido em 1994 por Steven Cantor e Peter Spirer, indicado ao Oscar de documentário em curta-metragem; e “What Remains” (O que resta), dirigido em 2006 também por Steven Cantor, indicado ao Emmy de melhor documentário de longa-metragem. Sally Mann também publicou um livro ilustrado com questões autobiográficas, memórias de família e reflexões sobre seu trabalho com fotografia, “Hold Still: A Memoir with Photographs” (Retrato imóvel: um livro de memórias com fotografias), que foi finalista do National Book Awards 2015 e vencedor do Prêmio Andrew Carnegie de Excelência em Não-ficção.

As imagens de “Blackwater, 2008-2012”, o ensaio com as fotografias de Sally Mann que venceu o Prix Pictet 2021, junto com uma amostragem do trabalho dos demais finalistasserão apresentadas em exposições presenciais e virtuais no Victoria and Albert Museum (V&A), em Londres, e no Top Museum, em Tóquio, a partir de hoje e até 9 de janeiro de 2022, seguindo depois um roteiro itinerante em instituições de diversos países (veja o link para visitas virtuais no final deste artigo). O Prix Pictet foi fundado em 2008 pelo Grupo Pictet, com sede em Genebra, na Suíça, e ganhou reconhecimento como um dos principais prêmios internacionais de fotografia. Cada ciclo da premiação tem exposições e eventos paralelos com palestras, debates e mostras audiovisuais em mais de uma dúzia de países, levando o tema e o trabalho dos fotógrafos selecionados para um amplo público internacional.







 




Imagens de Sally Mann: acima, fotografias de
Remembered Light: Cy Twombly in Lexington,
livro de 2016. Abaixo, Proud Flesh, de 2009: retratos
sobre os efeitos terríveis da distrofia muscular
em Larry, marido da fotógrafa. No final da página,
uma imagem da exposição A Thousand Crossings
e Sally Mann em ação, fotografada por Kim Rushing





      








A premiação pelo Prix Pictet é acompanhada por uma exposição itinerante e pela publicação de um fotolivro em cores, cobrindo em detalhes o trabalho do premiado e dos fotógrafos finalistas, juntamente com imagens de um grupo mais amplo de indicados e ensaios sobre o tema do prêmio produzidos por pensadores, escritores e jornalistas convidados. O prêmio, que concede ao vencedor 100 mil francos suíços (cerca de 82 mil euros ou 109 mil dólares), recebe nomeações sobre um novo tema a cada 18 meses. Os vencedores nas edições anteriores do Prix Pictet são Benoit Aquin, do Canadá (tema: Água); Nadav Kander, de Israel, radicado na África do Sul (tema: Terra); Mitch Epstein, dos Estados Unidos (tema: Crescimento); Luc Delahaye, da França (tema: Energia), Michael Schmidt, da Alemanha (tema: Consumo); Valérie Belin, da França (tema: Desordem); Richard Mosse, da Irlanda (tema: Espaço); e Joana Choumali, da Costa do Marfim (tema: Esperança).

Ao retratar suas origens em imagens que são fragmentos de paisagens, de cenas com crianças, de sua terra natal, sua família e sua intimidade mais pessoal e cotidiana, Sally Mann demonstra e revela, pela arte da fotografia, formas incomuns, polêmicas e também poéticas de nos relacionarmos com as imagens e com os afetos. Nas imagens que a fotógrafa nos dá a ver, o sentido da vida surge em questionamentos por vezes sutis, por vezes tão prosaicos que poderiam fazer parte das fotografias de um álbum de família tradicional, não fossem um ou outro detalhe que traduzem a complexidade dos tempos atuais, suas urgências e suas asperezas que, com muita frequência, são digeridas pela indústria cultural e tomadas como mercadorias.


por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Imagens de fogo e revolta. In: Blog Semióticas, 16 de dezembro de 2021. Disponível em https://semioticas1.blogspot.com/2021/12/imagens-de-fogo-e-revolta.html  (acessado em .../.../…).


Para visitar a exposição do V&A Museum Prix Pictet 2021: Fire,  clique aqui.


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