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2 de dezembro de 2025

Surrealismo na fotografia

 





Todos agem “como se fossem anjos”, todos possuem

tanto “como se fossem ricos” e todos vivem “como se

fossem livres”. Não há nenhum vestígio real, contudo,

de anjos, de riqueza e de liberdade. Apenas imagens.

                                                           –– Walter Benjamin, “O Surrealismo” (1929).  




Movimento estético e artístico que provocou impacto na busca pela liberação das expressões do inconsciente, dos sonhos, da irracionalidade e das distorções da realidade, o Surrealismo também teve importância como ação política e ideológica antiautoritária e antifascista, além de representar uma linha de força fundamental nos grupos de vanguarda da Arte Moderna contra o conservadorismo. Com seu centro irradiador situado inicialmente na França, especialmente em Paris, o movimento rapidamente se espalhou pelo mundo em suas mais diversas formas de expressão, levando os domínios da arte, da literatura e do cinema “até os limites extremos do possível” – como aponta o alemão Walter Benjamin no ensaio “O surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia”.

Na língua francesa, o prefixo “sur” sempre existiu com acepções em “acima”, “sobre” ou “além”, mas o termo “sur-realismo” só foi publicado pela primeira vez em 1917 pelo escritor e crítico de arte Guillaume Apollinaire. Em um artigo, e em sua peça teatral “As tetas de Tirésias”, considerada uma obra precursora do surrealismo, Apollinaire escreveu: “Quando o homem quis imitar o caminhar, criou a roda, que não se assemelha a uma perna. Assim, criou o surrealismo sem se dar conta”. Em outubro de 1924, sete anos depois do primeiro registro na referência pioneira de Apollinaire, o escritor e poeta André Breton publicou o “Manifesto Surrealista”, marco fundador do movimento – e definiu o Surrealismo como "automatismo psíquico puro pelo qual se destina a expressar o verdadeiro funcionamento do pensamento e dos sonhos, livre de qualquer controle ou preocupação com a razão ou a moral".










Surrealismo na fotografia: no alto da página,
Uns sobem e outros descem (Unos suben y outros
bajan, 1940), fotografia de Lola Álvarez Bravo.
Acima, mais duas fotos de Lola Álvarez Bravo,
Homem-rã (Hombre rana, 1949) e Olho (Ojo, 1950).

Abaixo, Jean Cocteau em fotografia de Julien Clergue
durante as filmagens de O testamento de Orfeu
(Le testament d’Orphee), filme de 1959 com direção,
roteiro e atuação de Cocteau no papel central.
Todas as imagens fazem parte do catálogo da
exposição Surrealism na Throckmorton Fine Art,
exceto quando indicado nas legendas









Um século depois do marco inaugural do manifesto de André Breton, um olhar em retrospectiva consegue estabelecer as características difusas e marcantes desta visão artística que explora as dimensões mais eletrizantes da imaginação humana. Nas celebrações do centenário e da herança do movimento, um dos destaques vem da Throckmorton Fine Art, de Nova York, com uma exposição sobre o impacto do movimento na fotografia, reunindo fotógrafos que atuaram na Europa, nos EUA e no México nos anos 1920 e nas décadas seguintes. No acervo selecionado estão obras que moldaram as formas e a estética do Surrealismo na fotografia e que levantam questões sobre a natureza da realidade e da identidade individual de cada fotógrafo selecionado – retomando abordagens sobre o estilo e as características do movimento surrealista que provocam polêmica desde o tempo em que a fotografia como técnica e como meio de expressão era questionada em seu estatuto de arte e muitas vezes considerada uma arte menor.


Imagens de sonho


O uso de técnicas que na época eram consideradas inovadoras e radicais, como o automatismo psíquico, as associações livres e a colagem para explorar o mundos dos sonhos e dos desejos, surgiram anunciadas como estratégias no primeiro manifesto de André Breton. Nos anos seguintes, viriam outros manifestos também escritos por Breton, “Surrealismo e Pintura”, de 1928, e “Segundo Manifesto do Surrealismo”, de 1930. Um terceiro documento, “Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente”, foi coescrito por Breton, Diego Rivera e Leon Trotsky no México, em 1938, e publicado com grande repercussão na França, na revista Partisan Review. Trotsky, liderança importante da Revolução Russa de 1917, havia sido expulso do Partido Comunista da União Soviética e estava exilado no México desde 1936, acolhido pelo casal Diego Rivera e Frida Kahlo.

Desde então, o movimento surrealista se espalhou pelo mundo como tendência e influência para artistas das áreas mais variadas. O impacto do Surrealismo também foi sentido no Brasil, onde os ideais do movimento prosperaram na primeira geração dos modernistas da Semana de 1922, com destaque na literatura de Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Limaou na arte de Tarsila do Amaral, Ismael Nery, Flávio de Carvalho e Cícero Dias, entre outros, além da presença incontornável de Maria Martins, parceira de Marcel Duchamp e primeira mulher a despontar como expoente nos círculos surrealistas de Paris.






Surrealismo na fotografia: na imagem acima,
Ruínas com forma masculina
(Ruins and Male Form,
década de 1920), fotografia
s e colagem de Lionel Wendt.

Abaixo,
Torre do Rockfeller Center nº 14
(Rockefeller Center Tower nº 14), fotografia
de 1932 de
Rosa Covarrubias. Também abaixo,
Cartografia interior nº 23 e nº 21, fotografias com
intervenções e colagens de 1995 e 1996, no estilo
surrealista, por Tatiana Parcero







Nomeada como “Surrealismo: Mais de um século unindo os reinos dos sonhos e da realidade” (Surrealism: Over a Century Merging the Realms of Dreams and Reality), a mostra na galeria Throckmorton Fine Art, com curadoria da historiadora María Míllan, reúne 50 fotografias ampliadas, a maioria delas em preto e branco, de 25 artistas que abraçaram os ideais surrealistas para produzir imagens que expressam elementos do acaso e um forte simbolismo na composição. Em comum a todos eles, um método de trabalho para criar representações inesperadas por meio da fotografia. É um acervo valioso, mas trata-se tão somente de uma amostragem: quem tem algum repertório sobre o movimento irá perceber, pela lista de fotografias selecionadas, que nem todos os nomes do primeiro time do Surrealismo na fotografia estão representados na mostra.

Entre os nomes de destaque histórico do movimento que atuaram na fotografia, Man Ray (1890-1976), Claude Cahun (1894-1954) e Hans Bellmer (1902-1975) talvez sejam as ausências mais marcantes da mostra, ainda que isso não diminua seu alcance e sua importância como retrospectiva, porque a curadoria consegue contemplar um conjunto coerente de obras e
autores. Como o Surrealismo sempre foi inerentemente político, desde seus primórdios como movimento de protesto e de combate ao fascismo, ao autoritarismo e ao conservadorismo, o acervo selecionado não exclui o potencial da estética surrealista como arma política para romper barreiras – entre temáticas, entre gêneros e entre linguagens. É o que a fotografia surrealista representa: ao contrário da atuação centrada exclusivamente na produção fotográfica, o que fotógrafos com ideais surrealistas estabelecem são possibilidades criativas de intercâmbio da fotografia com formas de expressão das artes plásticas, das artes cênicas, da literatura, do cinema – aproximando flagrantes do real, por meio do aparato fotográfico, ao inesperado, ao impossível e às formas do inconsciente.









Limites extremos


Pelas fotografias selecionadas, é possível perceber que a linguagem e o espírito do movimento surrealista se estendem para muito além dos nomes que os manuais de história da arte enumera como artistas canônicos, alcançando também fotógrafos que adotaram abordagens lúdicas e experimentais inspiradas nos ideais estéticos do Surrealismo. Na fotografia, tais ideais formam um arsenal que funciona como ferramentas de composição, potencializado com base no próprio aparato dos equipamentos, que a linguagem fotográfica nas primeira décadas do século 20 ainda navegava na transição entre as possibilidades do meio como documentação e como autoexpressão. Na aproximação com o Surrealismo, novas diretrizes surgiam na busca pelos limites extremos da técnica em variações de dupla exposição, negativos sobrepostos, fotomontagens, solarização e polarização, uso de lentes especiais, de iluminação incomum, de perspectivas distorcidas em enquadramentos surpreendentes ou até mesmo recorrendo a adereços absurdos com o objetivo de proporcionar resultados de efeitos dramáticos.

Outra característica marcante no acervo selecionado pela Throckmorton Fine Art está no número expressivo de mulheres no espectro da fotografia surrealista. Dos 25 artistas presentes na exposição, mais da metade são mulheres, com destaque para Dora Maar, Kati Horna, Stella Snead, Tina Modotti, Berenice Abbott, Germaine Krull, Lola Álvarez Bravo, Mariana Yampolsky, Imogen Cunningham, Graciela Iturbide, María García e Francesca Woodman. Também marcam presença na exposição composições inesperadas na forma e no enquadramento de objetos inanimados por Edward Weston; nas distorções do corpo por André Kertész; nos flagrantes irônicos de Henri Cartier-Bresson; e nas encenações mirabolantes de Philippe Halsman.







Surrealismo na fotografia: na imagem acima,
fotografia de Berenice Abbott da década de 1920,
As mãos de Jean Cocteau, da série Rostos de 1920
(
Jean Cocteau's Handsfrom, Faces of the 20's Portfolio).

Abaixo, fotografia sem título de 1962 de Kati Horna,
da série Oda a la necrofilia, Cuidad de México.

Também abaixo, duas fotografias de Henri Cartier-Bresson:
um retrato de 1930 
do escritor André Peyre próximo a um
cartaz publicitário; e um flagrante em fotografia de
1933 em uma rua de Valência, Espanha













Poder da imaginação


Para o senso comum, que faz com frequência uma associação direta do Surrealismo com as provocações de mestres como Salvador Dalí e René Magritte nas artes plásticas, Luis Buñuel no cinema ou Antonin Artaud no teatro, talvez possam parecer pouco expressivas as pequenas variações sobre imagens cotidianas em algumas fotografias selecionadas. Tais variações, no entanto, não podem ser separadas da estética surrealista se questionam a ditadura da razão e valores burgueses como pátria, família, religião, trabalho, ou se fazem um elogio subversivo ao poder da imaginação – porque, no primeiro manifesto, Breton declarava sua crença na possibilidade de reduzir dois estados tão contraditórios, sonho e realidade, a uma espécie de síntese de uma realidade absoluta, uma sobre-realidade (ou surrealidade).














Uma importante alteração no Surrealismo surge no final da década de 1930, com a Segunda Guerra Mundial explodindo em países da Europa. Neste cenário, os Estados Unidos e outros países do continente americano atraem uma onda de artistas e intelectuais europeus que fugiam das zonas de guerra. Há, também, um evento catalisador realizado na Cidade do México em 1940: a Exposição Internacional do Surrealismo, organizada por André Breton, que marca um momento crucial para o envolvimento e a contribuição da América Latina para o estilo e para os ideais surrealistas. Embora o movimento surrealista seja amplamente considerado europeu, obras de artistas e fotógrafos do México e de outros países latino-americanos também passam a destacar a relação do Surrealismo com a produção cultural dos povos do continente que abrigou, desde sempre, tanto tradições como imaginação criativa inclinadas para o maravilhoso e o fantástico – como confirma a ascensão do realismo mágico na literatura e nas artes plásticas.


Fronteiras da realidade


As imagens violentas e chocantes dos campos de batalha na Segunda Guerra podem receber a nomeação de surrealistas, pelo impacto que provocaram, já que o termo passou a ser incorporado como adjetivo na linguagem cotidiana para se referir ao que é estranho ou surpreendente, fora do comum, mas o movimento de forma geral teve o seu desfecho no pós-guerra. O fim do surrealismo como uma força vital está ligado a uma exposição, “Le Surrealisme en 1947”, concebida e realizada por André Breton e Marcel Duchamp com o objetivo anunciado de marcar o retorno do movimento surrealista a Paris após a guerra. O objetivo, no entanto, não se concretizou. A exposição, na verdade, demonstrou que a geração mais jovem, incluindo artistas como Francis Bacon, Alan Davie, Eduardo Paolozzi e Richard Hamilton, estava se movendo em direções diferentes com outros ideais.







Surrealismo na fotografia: na imagem acima,
Adelaido, El Conquistador
, fotografia de 1951
de
Héctor García. Abaixo, Dançarina satírica
(Satiric Dancer), uma fotografia de 1926
de
André Kertész.

No final da página, o encontro lendário de
Leon Trotsky, Diego Rivera e André Breton
no México, 
fotografado por Fritz Bach em junho
de 1938, na época em que os três escreveram, em
parceria, o Manifesto por uma Arte Revolucionária
Independente
, publicado pela revista Partisan Review.

Também no final da página, mais duas fotografias do
catálogo da exposição
na Throckmorton Fine Art:
Três marionetes em um cenário de navio
(Three Puppets in a Ship Setting), fotografia
de 1929 de
Tina Modotti; e Nu em abstração
(Nude Abstraction), fotografia de 1953 de
Weegee









Um século após seu surgimento, o Surrealismo continua a existir, como estilo e como referência, não somente na fotografia, mas em todos os domínios da criação artística, no mundo inteiro, em grande parte como citação às obras dos pioneiros do movimento nas décadas de 1920 e 1930. Seu legado e influência se mantêm inegáveis sempre que estão em cena imagens com sugestões oníricas e inesperadas, fantásticas, bizarras ou grotescas, que nos levam a reavaliar nosso olhar sobre a realidade e a vida cotidiana. O acervo selecionado na exposição atual, com uma gama significativa de imagens de fotógrafos pioneiros, tem grande valor como retrospectiva não só porque promove uma revisão das conquistas do Surrealismo na fotografia, mas porque reafirma a importância, urgente e contínua, de examinarmos as fronteiras entre a realidade e as representações da realidade.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Surrealismo na fotografia. In: Blog Semióticas, 2 de dezembro de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/12/surrealismo-na-fotografia.html (acesso em .../.../…).



Para visitar a exposição na  Throckmorton Fine Art,  clique aqui.













30 de setembro de 2025

Fotografia no estilo humanista

 
 



Faço fotografias para registrar o acaso mais efêmero,

para manter uma imagem de algo que vai desaparecer,

gestos, atitudes, objetos que são lembretes de nossas

vidas tão breves. A câmera encontra cada um deles e

os registra no momento em que eles desaparecem.

–– Sabine Weiss.  


Trata-se de um autêntico resumo da ópera: uma seleção de imagens clássicas da melhor fotografia humanista feita em meados do século 20. A seleção foi produzida pela Peter Fetterman Gallery, de Santa Mônica, Califórnia, a partir do extenso acervo de um grupo de fotógrafos que há décadas permanece em destaque na lista dos nomes célebres na história da fotografia. A exposição, presencial e também apresentada no formato on-line, foi nomeada “Nouvelle Vague: fotografia francesa das décadas de 1950 e 1960”, oferecendo um vislumbre fascinante sobre a fotografia do século 20 e homenageando, por meio da amostragem, o legado duradouro do movimento humanista que remodelou a cultura visual contemporânea depois da Segunda Guerra Mundial.

No grupo, todos são fotógrafos lendários: Henri Cartier-Bresson (1908-2004), Raymond Cauchetier (1920-2021), Edouard Boubat (1923-1999), Jean-Philippe Charbonnier (1921-2004), Robert Doisneau (1912-1994), Willy Ronis (1910-2009), Marc Riboud (1923-2016), Louis Stettner (1922-2016), Bruce Davidson (nascido em 1933), Georges Dambier (1925-2011), Herman Leonard (1923-2010) e quatro mulheres de grande importância no período, Sabine Weiss (1924-2021), Janine Niépce (1921-2007), Lilian Bassman (1917-2012) e Dorothy Bohm (1924-2023). Inspirados pelo movimento humanista francês que teve início na década de 1930, o grupo criou um estilo distinto no cenário do fotojornalismo, unindo questões de realismo e de lirismo ao capturar imagens de momentos espontâneos e da intimidade de personagens anônimos na vida cotidiana, com notável sensibilidade e uma incomparável profundidade poética. Todas as fotos selecionadas para a exposição têm como cenário a cidade de Paris.








Fotografia no estilo humanista: no alto da página
e acima, Duas meninas em Maubert
(Paris, 1952)
A noiva na Igreja de Saint Roch
(Paris, 1952),
fotografias de
Edouard Boubat. Também acima,
Babás puxando carrinhos de bebê durante
um passeio no parque, na manhã de domingo
,
fotografia de 1960 de Bruce Davidson.

Abaixo, fotografias de Raymond Cauchetier
durante as filmagens de
Jules et Jim, filme de
1962 de
François Truffaut, com Jeanne Moreau,
Oskar Werner, Henri Serre, Truffaut e equipe na cena
da corrida na ponte; e um flagrante descontraído
nas filmagens com Truffaut e Jeanne Moreau.

Todas as fotografias nesta postagem fazem parte
do catálogo da exposição
Nouvelle Vague,
exceto quando houver indicação na legenda










Sutilezas da condição humana


Vem destas características, compartilhadas no trabalho de todos os fotógrafos da seleção, um certo olhar de empatia pelas sutilezas da condição humana – aspecto que justifica o termo “humanismo” associado ao estilo e ao movimento em questão, marcado desde a origem por valores fundamentais da dignidade, da compaixão e da autenticidade. As fotografias em exposição foram publicadas nos principais jornais e revistas da época, entre eles “Berliner Illustrirte Zeitung”, “Vu”, “Point de Vue”, “Regards”, “L’Espresso”, “Paris Match”, “Picture Post”, “Life”, “Look”, “Time”, Vogue”, “Elle”, Harper’s Bazaar”, “Le Monde Illustré” e “Plaisir de France” – no Brasil, também nas décadas de 1950 e 1960, ensaios fotográficos e fotorreportagens de fotógrafos nacionais e estrangeiros, muitas vezes em fotografias publicadas apenas com legendas, ou em fotolegendas, sem textos de reportagem, surgiam em destaque, estampados principalmente no “Jornal do Brasil” e nas revistas “O Cruzeiro”, “Realidade”, “Fatos & Fotos” e “Manchete”.








Fotografia no estilo humanista: no alto,
J
ardin des Tuileries em duas fotografias
de 1953 de
Dorothy Bohm. Abaixo,
duas fotografias de
Georges Dambier,
Suzy Parker, Etole leopard (Paris, 1952) e
Sophie Litvak, Avenue Messine (Paris, 1953)











Outro veículo privilegiado para a publicação e circulação da produção fotográfica no período selecionado pela exposição, as décadas de 1950 e 1960, foi a edição cada vez mais frequente de fotolivros. Com seu surgimento a partir da década de 1920, e com o avanço nas técnicas de artes gráficas, que também trouxeram mais qualidade para a edição das revistas ilustradas, os fotolivros começaram a ganhar espaço e a representar uma evolução na experiência de livros ilustrados com fotografias. No fotolivro, fotografias ampliadas passaram a ocupar a quase totalidade das páginas, na maioria das vezes seguidas apenas de legendas ou de poucos textos descritivos, na forma de pequenos artigos ou de breves ensaios, com a edição muitas vezes dedicada à obra temática de um único fotógrafo.


A estética nostálgica


Na atualidade, quando se completam 100 anos das primeiras edições de fotolivros, veículos privilegiados que tornaram mais conhecido o trabalho de vários fotógrafos da exposição, a maior parte das fotografias selecionadas permanece continuamente reproduzida, na imprensa, em sites e nas redes sociais da internet, seja por sua estética nostálgica ou sua importância documental, inspirando gerações de fotógrafos e artistas. O cinema e o mundo da moda, que continuam a atrair a atenção do grande público, também foram veículos que tornaram conhecidos o nome de vários fotógrafos, não só nos registros de astros e estrelas em eventos oficiais, mas também nos bastidores de filmagens e nos trabalhos de produção que antecediam os grandes lançamentos e apresentações.








Fotografia no estilo humanista: no alto e
acima, duas fotografias de Raymond Cauchetier
nas filmagens de
“Acossado”, filme de 1959 de
J
ean-Luc Godard; na primeira, Godard dirige
Jean Seberg; na segunda, uma cena do beijo
de
Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg.

Abaixo, duas fotos de
Robert Doisneau,
Le Baiser Blotto
(Paris, 1950) e
Le Manege de Mr. Barre (Paris, 1955)









No grupo de fotógrafos selecionados, alguns tiveram uma relação mais orgânica com os bastidores da alta costura e com as cenas de filmagens. Sabine Weiss, Janine Niepce, Lilian Bassman e Dorothy Bohm, embora tenham se dedicado também ao fotojornalismo e a uma pauta temática extensa na cobertura de acontecimentos, que vão da crônica de notícias diárias aos retratos de personalidades da cultura e da política, surgem nas fotos em exposição em flagrantes relacionados aos desfiles de estações e ao trabalho dos célebres estilistas das grifes Chanel, Dior, Patou, Saint Laurent e outros. Nas ocasiões em que elas buscam a poética das ruas, os registros têm sempre detalhes que surpreendem e encontram um certo "punctum" da imagem fotográfica, aquele "algo mais" que eleva a fotografia do banal ao sublime, sobre o qual Roland Barthes escreveu um livro célebre e definitivo, "A Câmara Clara", de 1980.









Fotografia no estilo humanista: no alto
e acima, Cais Malaquais (Paris, 1953) e
Os amantes da Bastilha (Paris, 1957),
duas fotografias de
Willy Ronis.

Abaixo,
Albervilliers, (Paris, 1949) e
Atravessando o Sena, mãe e filho (Paris, 1950),
duas fotografias de
Louis Strettner










Um Balzac da câmera


Nos flagrantes de filmagens naquele período, o nome mais presente é Raymond Cauchetier, o fotógrafo que acompanhou as primeiras filmagens de novatos como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Demy, no que viria a ser um movimento dos mais influentes no cinema, a “Nouvelle Vague”, que não por acaso está no título da exposição organizada pela Peter Fetterman Gallery. Nos registros de Cauchetier, as primeiras cenas sob o comando de estreantes no cinema não surgem como imagens feitas sob encomenda, exclusivamente publicitárias, mas sim como testemunhos sobre métodos herodoxos de jovens cineastas que criaram obras-primas, somente reconhecidas como tal anos depois.








Fotografia no estilo humanista: acima,
Jardin du Luxembourg
(Paris, 1956) e
La 2CV (Paris, 1957), duas fotografias
de
Sabine Weiss. Abaixo, Marche, mode,
fotografia de 1948 de
Willy Ronis






No ensaio que apresenta a exposição, indicações sobre os antecedentes que foram referência para a maioria dos fotógrafos selecionados. Tais referências estão localizadas principalmente na arte e no estilo de cinco fotógrafos: nos flagrantes que Eugène Atget (1857-1927) registrou em fotografias sobre as ruas desertas de Paris, que levou Berenice Abbott a chamá-lo de “um Balzac da câmera”; nas contribuições inovadoras da composição fotográfica, nos ângulos incomuns de câmera e no estilo provocador de nomes como os húngaros André Kertész (1894-1985) e Brassaï, pseudônimo de Gyula Halász (1899-1984); e nas concepções de composição da imagem fotográfica de dois fotógrafos, artistas e curadores em diversas modalidades de arte, Alfred Stieglitz (1864-1946), nascido nos EUA, e Edward Steichen (1879-1973), nascido em Luxemburgo.


A Família do Homem


Sobre Edward Steichen, pode-se dizer que ele surge como referência para os fotógrafos selecionados e também como antecedente no formato adotado pela presente exposição, uma vez que todos os fotógrafos da seleção também estiveram presentes em “A Família do Homem” (The Family Man), uma monumental exposição que tornou-se um acontecimento histórico. A exposição que marcou época teve curadoria de Steichen, na época diretor do departamento de fotografia do MoMA, foi realizada em 1955 e depois editada no formato fotolivro, reunindo 503 fotografias de 273 fotógrafos (sendo 40 fotógrafas) de 68 países. O Brasil esteve representado por Pierre Verger, nascido na França e naturalizado brasileiro.








Fotografia no estilo humanista: no alto
e acima,
L'Élégante et les Colonnes Morris
(
Paris, 1950) e Bal champêtre à la cité universitaire
de Paris
(1962), duas fotografias de Janine Niépce.
Abaixo, uma imagem da coleção outono/inverno da
Maison Dior
em 1958, fotografia de Sabine Weiss.

No final da página, a capa e duas páginas
do fotolivro de 1955 A Família do Homem,
que reuniu o acervo da exposição
organizada por 
Edward Steichen






“A Família do Homem”, modelo para todas as grandes exposições de fotografia realizadas desde então, foi apresentada primeiro no MoMA, em Nova York, e em seguida em museus de outros países, no decorrer de uma década, sempre com recordes de público, totalizando mais de 10 milhões de visitantes. Alguns historiadores da arte consideram que a fotografia humanista, e de forma especial o acervo reunido com “A Família do Homem”, foram fundamentais para elevar a fotografia ao patamar de arte valorizada no acervo dos grandes museus.

Steichen, em sua autobiografia (“Uma vida na fotografia”, publicada em 1963), declarou sobre o sucesso de “A Família do Homem”, o projeto monumental do qual ele foi idealizador e curador: “As pessoas na plateia olhavam para as fotos, e as pessoas nas fotos olhavam de volta para elas. Elas se reconheciam.” Lembrando as palavras de seu mestre Edward Steichen e a metáfora poética da fotografia como espelho, Sabine Weiss escreveu, em um artigo autobiográfico para uma retrospectiva sobre sua obra autoral no Museu do Louvre, na década de 1990, que todas as fotografias, e a fotografia humanista de modo particular, são lembretes para ressaltar nossa condição de semelhantes na grande família dos seres humanos e para ninguém esquecer que nossas vidas são tão breves e tão passageiras.

por José Antônio Orlando.

Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fotografia no estilo humanista. In: Blog Semióticas, 30 de setembro de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/09/fotografia-no-estilo-humanista.html (acesso em .../.../…).

 

Para uma visita virtual à exposição da  Peter Fetterman Gallery,  clique aqui. 




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Para comprar o fotolivro (edição em inglês)  A Família do Homem,  clique aqui.









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