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30 de setembro de 2023

Pessoas do deserto

 





Gauri Gill, uma fotógrafa que há duas décadas registra imagens de pessoas em situação de pobreza, em vilarejos da área rural e no deserto do Rajastão, ao norte da Índia, foi anunciada vencedora da edição 2023 do Prix Pictet, prêmio internacional de fotografia e sustentabilidade, considerado um dos mais importantes da atualidade. A organização do prêmio, que nesta 10ª edição teve o tema “Humano”, havia divulgado uma lista com ensaios dos 12 fotógrafos finalistas de 11 países, selecionados por um júri independente nomeado pelo grupo financeiro Pictet, com sede na Suíça, que criou a premiação em 2008. O prêmio é entregue a cada dois anos e, em seguida à premiação, há uma extensa programação itinerante que inclui exposições e eventos paralelos com conferências, cursos, debates e mostras audiovisuais em 10 países.

O ensaio vencedor do Prix Pictet, “Notes from the Desert” (Notas do Deserto), reúne uma série de fotografias em preto e branco com pouco contraste, o que dá a elas um tom envelhecido, com uma temática na qual Gauri Gill trabalha desde 1999 e se concentra em pessoas das escolas rurais do Rajastão, na Índia. A fotógrafa define seu trabalho como “escuta ativa” sobre comunidades marginalizadas para representar o espectro de suas vidas. No dossiê de imprensa da premiação, Gauri Gill faz um relato comovente sobre a pobreza e sobre as dificuldades da região e declara que sua meta foi dar continuidade ao trabalho de fotógrafos que admira. Ela cita três mestres como suas maiores influências: o norte-americano Alfred Stieglitz (1864-1946); o alemão August Sander (1876-1964); e Robert Frank (1924-2019), nascido na Suíça. Os três são referências na história da fotografia por seus célebres portifólios com retratos de pessoas comuns e pela aproximação com as causas sociais.

 

 



Pessoas do deserto: acima, a fotógrafa Gauri Gill na
cerimônia de premiação do Prix Pictet, em Londres,
em 28 de setembro de 2023. No alto e abaixo,
Urma e Nimli, duas meninas da escola do distrito
de Lunkaransar. Também abaixo, Sumri, filha
do pastor de cabras no distrito de Barmer; e outras
fotografias do ensaio premiado de Gauri Gill







 


  


 



Na última edição da premiação, em 2021, que teve como tema “Fire” (Fogo), a vencedora foi a norte-americana Sally Mann, com uma série de fotografias, também em preto e branco, sobre incêndios florestais no estado da Virgínia, na região sudeste dos Estados Unidos. Intitulada “Blackwater, 2008-2012”, a série de fotografias de Sally Mann registrou imagens do que restou depois da destruição pelo fogo nos pântanos da Virgínia, mesma região que foi devastada e incendiada nos séculos passados por fazendeiros em busca de seus escravos fugitivos que tinham aquele território selvagem como refúgio e esconderijo. Sally Mann usou equipamentos e técnicas que eram usados nos primeiros tempos da fotografia, no século 19 (veja também Semióticas – Imagens de fogo e revolta).


Desigualdade social e crise ambiental


Gauri Gill, a fotógrafa premiada na edição 2023, recebeu um prêmio em dinheiro equivalente a US$ 109 mil e terá seu trabalho editado em um fotolivro de luxo, além do destaque na exposição itinerante que estará aberta ao público no Victoria & Albert Museum, em Londres, até 22 de outubro, e que depois deverá seguir para outras capitais de vários países. Nesta edição, o Prix Pictet também anunciou a novidade de uma premiação pela escolha do público (People’s Choice Award), com votações pelo site oficial do prêmio que também apresenta todas as fotografias dos 12 ensaios pré-selecionados (veja o link no final desta postagem). A votação está aberta e o resultado será anunciado no encerramento da exposição em Londres.

 





Pessoas do deserto: acima, Jannat, menina da
escola de Barmer. Abaixo,
Hanuman Nath com seus
filhos na cerimônia do Holi Day, em Lunkaransar.
Também abaixo, paciente em um exame médico no
posto de saúde mantido pelo governo em Barmer




         




No dossiê de imprensa, Isabelle von Ribbentrop, diretora executiva da premiação, explica que, neste nosso mundo que enfrenta desafios sem precedentes, desde a desigualdade social às crises ambientais, era crucial que o Prix Pictet virasse a lente para a própria humanidade. “O tema Humano fornece uma plataforma de possibilidades sobre as complexidades, vulnerabilidades e pontos fortes da condição humana. Permite aos artistas capturar e comunicar as histórias de indivíduos e de comunidades”, ressalta. Vulnerabilidade, de fato, parece ser o tema central da condição humana nas imagens de Gauri Gill. Ela revela que começou a fotografar as escolas das vilas do Rajastão em abril de 1999, depois de presenciar uma cena que a deixou emocionada: uma menina pequena sendo violentamente espancada na sala de aula pela professora.

Territórios do deserto

“Depois de assistir aquela cena chocante, que parecia normal para todos que estavam presentes, retornei a Delhi e propus a um jornal onde trabalhei a realização de uma fotorreportagem sobre como era ser uma menina em uma escola de aldeia, mas me disseram que minha pauta carecia de interesse para que os leitores urbanos pudessem se identificar. Então decidi começar o trabalho por conta própria e comecei a viajar pelas escolas da zona rural e pelos territórios do deserto, pelos distritos de Jaipur, Jodhpur, Osiyan, Bikaner, Barmer, Phalodi, Baran e Churu, fotografando crianças e adultos, principalmente nas pequenas aldeias e nos vilarejos. Este trabalho já dura mais de duas décadas e uma seleção das imagens formam este ensaio agora premiado”, recorda Gauri Gill.

 

           
 


Pessoas do deserto: acima, Izmat, moradora de
Barmer. Abaixo,
Jogiyon ka Dera, morador de
Lunkaransar; e um momento de lazer que
resultou em um flagrante surreal de
pai e filha também em Lunkaransar




 




 

Nascida em Delhi, em 1970, e com formação no curso superior pelo Delhi College of Arts, Gauri Gill reconhece que sua inspiração vem, principalmente, dos fotógrafos que admira, os mestres August Sander, Alfred Stieglitz e Robert Frank, pela ternura que cada um deles demonstrou ao registrar pessoas anônimas e quase sempre marginalizadas. Tendo como modelo de trabalho os portifólios dos três fotógrafos, ela explica que começou organizando as fotografias das escolas como se fossem álbuns de família, e que depois de anos de trabalho viajando pelas áreas rurais acabou formando laços afetivos com vários personagens que fotografou e reencontrou tempos depois. Nos últimos anos ela também fez viagens internacionais a trabalho e suas fotos foram publicadas em veículos importantes de imprensa, como o jornal inglês The Guardian.


Arte e fotojornalismo


Uma de suas séries fotográficas de Gauri Gill que tiveram repercussão foi “The Americans”, registro de sua primeira viagem aos Estados Unidos, com fotografias que tentam estabelecer um diálogo com a célebre obra homônima de Robert Frank que teve grande destaque, com exposições e um fotolivro publicado no final dos anos 1950, com texto de apresentação do escritor Jack Kerouac. Na versão de Gauri Gill para “The Americans”, ela fotografou apenas os remanescentes de povos indígenas, nas aldeias das áreas rurais e na periferia das grandes cidades, em cenas de trabalho da vida urbana e também nos rituais que celebram e recordam seus antepassados dizimados pelos colonos na ocupação do território.



              

Pessoas do deserto: acima, um poço de água
(no detalhe à esquerda da foto) na imensidão do
deserto do Rajastão. Abaixo,
Mir Hasan com seu
avô Haji Saraj ud Din, moradores de Barmer;
e a fotógrafa em um autorretrato.

Também abaixo, o cartaz na abertura da
exposição do Prix Pictet 2023 no Victoria &
Albert Museum em Londres; uma das fotografias
em destaque na exposição; duas fotografias da
série publicada no fotolivro "Atos de aparência";
a fotógrafa Gauri Gill em Delhi, na Índia; uma
fotografia da série Jannat 1999-2007; e duas
imagens do fotolivro "Campos de Visão", que
reúne fotografias de Gauri Gill e intervenções
gráficas de Warli Rajesh Vangad









Durante a temporada em que morou nos Estados Unidos, Gauri Gill também fez cursos de pós-graduação na Parsons School of Design, em Nova York, e na Stanford University, na Califórnia. Recentemente, ela publicou dois fotolivros pela Patrick Frey Editions com seleções de seu trabalho nas últimas décadas, "Acts of Appearance" (Atos de aparência),  de  2022, sobre artistas populares da Índia que produzem máscaras e objetos de papel machê para festas tradicionais, e “Fields of Sight" (Campos de visão),  de  2023, em parceria com o artista indiano Warli Rajesh Vangad, com retratos de paisagens ligadas a rituais sagrados e a histórias míticas da Índia. Ela também teve diversas exposições de suas fotografias em museus dos Estados Unidos e na Europa, incluindo participações na Documenta de Kassel, na Alemanha, e na Bienal de Veneza, na Itália.

Atualmente Gauri Gill vive exclusivamente de seu trabalho como fotógrafa. Em Delhi, onde mora, ela fundou em 2006 uma revista mensal editada no formato tradicional, em papel, e também na versão on-line, dedicada a divulgar a obra de fotógrafos profissionais e de iniciantes. O nome da revista é “Camerawork Delhi”, em homenagem ao lendário “Camera Work”, jornal de vanguarda fundado por Alfred Stieglitz em Nova York que teve 50 edições, entre 1903 e 1917, e que se tornou a primeira grande referência da fotografia como arte.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Pessoas do deserto. In: Blog Semióticas, 30 de setembro de 2023. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2023/09/pessoas-do-deserto.html (acessado em .../.../…).



Para uma visita virtual à exposição do Prix Pictet 2023,  clique aqui.

 

 

Imagem


















 

16 de dezembro de 2021

Imagens de fogo e revolta

 



O tempo é um rio que me leva, mas eu sou o rio;

é um tigre que me devora, mas eu sou o tigre;

é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo.

–– Jorge Luis Borges.    







O Prix Pictet, um dos principais prêmios internacionais de fotografia da atualidade, anunciou sua premiação de 2021: a fotógrafa norte-americana Sally Mann é a vencedora com um ensaio fotográfico intitulado “Blackwater, 2008-2012” (Águas negras), uma série de imagens de impacto que traçam paralelos entre incêndios florestas e a história das revoltas raciais nos Estados Unidos. Os 12 ensaios selecionados como finalistas foram anunciados nos últimos meses – todos eles tendo como foco o tema do “fogo”, escolhido previamente pelos organizadores da premiação, criada para promover a discussão sobre questões relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade. Na etapa final, Sally Mann concorreu com os fotógrafos Joana Hadjithomas e Khalil Joreige (Líbano), Rinko Kawauchi (Japão), Christian Marclay (EUA / Suíça), Fabrice Monteiro (Bélgica / Benin), Lisa Oppenheim (EUA), Mak Remissa (Camboja), Carla Rippey (México), Mark Ruwedel (EUA), Brent Stirton (África do Sul), David Uzochukwu (Áustria / Nigéria) e Daisuke Yokota (Japão).

Sally Mann, que nasceu em Lexington, na Virgínia (EUA), e começou a estudar fotografia no final da década de 1960, registra no ensaio premiado os incêndios que devastaram as reservas naturais do sudeste da Virgínia no período entre 2008 a 2012. O título, “Blackwater, 2008-2012”, é uma referência aos incêndios florestais e também à região do Great Dismal Swamp (Grande pântano sombrio), às margens do Oceano Atlântico, onde atracaram os primeiros navios que traziam negros capturados na África e transformados em escravos para trabalhar nas lavouras da América do Norte, principalmente no cultivo de tabaco, a partir de 1610. Desde então, e nos séculos seguintes, o pântano densamente arborizado foi usado por escravos como um refúgio para se esconderem quando tentavam fugir de seus proprietários. As fotografias de Sally Mann resgatam a história e traçam um paralelo entre os incêndios e os conflitos raciais, já que na mesma região da Virgínia também aconteceram as primeiras grandes revoltas de escravos da história dos Estados Unidos.











Imagens de fogo e revolta: no alto e acima, dois
retratos de Sally Mann em ação seu estúdio de
Lexington, na Virginia (EUA), por Annie Leibovitz
em 2015. Também acima e abaixo, um extrato
das fotografias de Blackwater, 2008-2012, o ensaio
de Sally Mann sobre a devastação provocada pelos
incêndios florestais no estado da Virgínia, nos EUA,
que venceu o Prix Pictet 2021. Acima, Blackwater 13 e
Blackwater 32; abaixo, Blackwater 3, Blackwater 1
Blackwater 30 e Blackwater 15

 





















Racismo e incêndios florestais


No informe divulgado pelos organizadores do Prix Pictet, Sally Mann escreve um breve depoimento que destaca algumas questões de seu recorte temático sobre o tema “fogo” e sua relação com a história das revoltas raciais que remontam ao século 17. “Os incêndios nas reservas florestais e nos pântanos da Virgínia pareciam resumir o grande incêndio da luta racial na América, incluindo antigas batalhas da Guerra Civil, a Guerra da Independência e o Movimento pelos Direitos Civis na segunda metade do século 20, no qual minha família esteve envolvida. A agitação racial do final dos anos 1960 tem uma relação direta com os protestos em defesa das vidas negras no verão de 2020. Algo sobre o personagem norte-americano que falhou parece abraçar o apocalíptico como solução”, explica a fotógrafa em um trecho do depoimento.








         



Acima, fotografias de Sally Mann reunidas
no livro A Thousand Crossings. Abaixo,
"Oak Hill Baptiste", fotografia de 2016;
e duas imagens da série Deep South,
"Fontainebleau" (1998) e "On the Maury",
fotografia de 1992 













Sally Mann também faz referência a registros históricos que têm os pântanos da Virgínia como local de fuga e esconderijo para comunidades de refugiados e escravos fugitivos que viveram na região. Muitos terminaram mortos ou foram capturados, mas também há histórias de fugitivos que formaram famílias e comunidades inteiras vivendo por anos nos pântanos sem serem detectados. Apesar das condições inóspitas dos pântanos, as pessoas que fugiam do cativeiro preferiam viver naquela região selvagem e com todos os perigos do que suportar o inferno da escravidão. “Mais do que cobras venenosas, insetos que transmitiam doenças, panteras, ursos e crocodilos sempre à espreita, os pântanos muitas vezes também tinham o perigo iminente e brutal dos caçadores de escravos e seus cães que seguiam a lei do ‘vivo ou morto’. Os caçadores cercavam os fugitivos e colocavam fogo em tudo, queimando suas presas vivas. Para os escravos em fuga, enfrentar este perigo e até encontrar a morte era preferível a serem devolvidos para seus donos”, completa. 

O trabalho de pesquisa e produção visual mais recente de Sally Mann, do qual o ensaio “Blackwater, 2008-2012” é uma amostragem, gerou uma exposição e um livro de fotografias com o título “A Thousand Crossings” (Mil travessias). Nas imagens, quase sempre em matizes de preto e branco, a fotógrafa aborda questões relacionadas à identidade e aos grupos sociais do sul dos Estados Unidos, refletindo suas próprias memórias e sua relação com seu lugar de origem. No entanto, pelo que se vê nas fotografias do ensaio premiado, não são registros nostálgicos semelhantes a cartões-postais sobre sua terra natal: as imagens de Sally Mann provocam impacto e revolta pela destruição que restou e levantam questões abrangentes sobre a vida social e cotidiana, sobre o meio ambiente, sobre história, sobre raça e sobre religião, seja em enquadramentos de caráter documental e de fotojornalísmo, seja nas cenas mais metafóricas e de sentido poético, apesar de seu tom muitas vezes sombrio, melancólico, pessimista.


Mil travessias


Desde sua primeira exposição individual realizada na Corcoran Gallery of Art, Washington, DC, em 1977, as fotografias de Sally Mann já apareceram em muitas reportagens de jornais e revistas e também como ilustração para capas e encartes de álbuns de músicos do Jazz e do Blues, já que suas imagens abordam com frequência cenários e moradores do sul dos Estados Unidos, especialmente os estados do Alabama, Mississippi e Louisiana. Ela trabalha usando antigas técnicas artesanais e equipamentos antigos de fotografia, o que faz os cenários rurais do sul dos Estados Unidos e seus personagens característicos parecerem saídos de outros tempos. É o caso das imagens da série "Blackwater", que foram produzidas no processo de Tintypes, também chamado de ferrotipia ou ferrótipo, uma das mais antigas formas do registro fotográfico, com criação de uma imagem positiva sem negativo diretamente sobre uma chapa fina de ferro, revestida com verniz ou esmalte escuro, que é utilizada como suporte para a emusão fotográfica.

As fotografias de Sally Mann também estão reunidas em séries temáticas que foram publicadas em fotolivros, a maioria deles alcançando a condição de best-sellers e atualmente fora de catálogo. Entre seus fotolivros estão "A Place not Forgotten: Landscapes of the South" (1999), “Last Measures” (2000) e "What Remais" (2003), sobre panorâmicas de grandes paisagens da natureza, sobre o que restou de antigas construções em ruínas e sobre os campos de batalha da Guerra Civil do final do século 19; “Deep South” (2005), também sobre os estados do sul do país; "Immediate Family", de 2005, com fotos que registram a infância de seus filhos nas décadas de 1980 e 1990; "Proud Flesh", de 2009, uma série cronológica de retratos de impacto sobre os efeitos da distrofia muscular em seu marido, Larry; "The Flash and the Spirit", de 2010, que reúne o lirismo de sua fotos de família e uma retrospectiva de suas experiências com imagens ousadas sobre os corpos humanos; "Remembered Light: Cy Twombly in Lexington", de 2016, sobre a convivência de anos que teve com o artista Cy Twombly (1928-2011), seu conterrâneo, no ateliê em sua cidade-natal; e o recente “A Thousand Crossings”, com o acervo apresentado na exposição de mesmo nome.




















Imagens de Sally Mann: acima e abaixo,
retratos de seus filhos reunidos nos livros
Immediate Family, de 2005 (acima) e em
The Flesh and the Spirit, de 2010 (abaixo)


 







A trajetória do trabalho de Sally Mann também tem uma série de premiações, incluindo prêmios concedidos pela Fundação Guggenheim e a eleição como “Melhor fotógrafo da América” pela revista Time no ano de 2001. A trajetória da fotógrafa já foi tema de dois filmes: “Blood Ties” (Laços de sangue), dirigido em 1994 por Steven Cantor e Peter Spirer, indicado ao Oscar de documentário em curta-metragem; e “What Remains” (O que resta), dirigido em 2006 também por Steven Cantor, indicado ao Emmy de melhor documentário de longa-metragem. Sally Mann também publicou um livro ilustrado com questões autobiográficas, memórias de família e reflexões sobre seu trabalho com fotografia, “Hold Still: A Memoir with Photographs” (Retrato imóvel: um livro de memórias com fotografias), que foi finalista do National Book Awards 2015 e vencedor do Prêmio Andrew Carnegie de Excelência em Não-ficção.

As imagens de “Blackwater, 2008-2012”, o ensaio com as fotografias de Sally Mann que venceu o Prix Pictet 2021, junto com uma amostragem do trabalho dos demais finalistasserão apresentadas em exposições presenciais e virtuais no Victoria and Albert Museum (V&A), em Londres, e no Top Museum, em Tóquio, a partir de hoje e até 9 de janeiro de 2022, seguindo depois um roteiro itinerante em instituições de diversos países (veja o link para visitas virtuais no final deste artigo). O Prix Pictet foi fundado em 2008 pelo Grupo Pictet, com sede em Genebra, na Suíça, e ganhou reconhecimento como um dos principais prêmios internacionais de fotografia. Cada ciclo da premiação tem exposições e eventos paralelos com palestras, debates e mostras audiovisuais em mais de uma dúzia de países, levando o tema e o trabalho dos fotógrafos selecionados para um amplo público internacional.







 




Imagens de Sally Mann: acima, fotografias de
Remembered Light: Cy Twombly in Lexington,
livro de 2016. Abaixo, Proud Flesh, de 2009: retratos
sobre os efeitos terríveis da distrofia muscular
em Larry, marido da fotógrafa. No final da página,
uma imagem da exposição A Thousand Crossings
e Sally Mann em ação, fotografada por Kim Rushing





      








A premiação pelo Prix Pictet é acompanhada por uma exposição itinerante e pela publicação de um fotolivro em cores, cobrindo em detalhes o trabalho do premiado e dos fotógrafos finalistas, juntamente com imagens de um grupo mais amplo de indicados e ensaios sobre o tema do prêmio produzidos por pensadores, escritores e jornalistas convidados. O prêmio, que concede ao vencedor 100 mil francos suíços (cerca de 82 mil euros ou 109 mil dólares), recebe nomeações sobre um novo tema a cada 18 meses. Os vencedores nas edições anteriores do Prix Pictet são Benoit Aquin, do Canadá (tema: Água); Nadav Kander, de Israel, radicado na África do Sul (tema: Terra); Mitch Epstein, dos Estados Unidos (tema: Crescimento); Luc Delahaye, da França (tema: Energia), Michael Schmidt, da Alemanha (tema: Consumo); Valérie Belin, da França (tema: Desordem); Richard Mosse, da Irlanda (tema: Espaço); e Joana Choumali, da Costa do Marfim (tema: Esperança).

Ao retratar suas origens em imagens que são fragmentos de paisagens, de cenas com crianças, de sua terra natal, sua família e sua intimidade mais pessoal e cotidiana, Sally Mann demonstra e revela, pela arte da fotografia, formas incomuns, polêmicas e também poéticas de nos relacionarmos com as imagens e com os afetos. Nas imagens que a fotógrafa nos dá a ver, o sentido da vida surge em questionamentos por vezes sutis, por vezes tão prosaicos que poderiam fazer parte das fotografias de um álbum de família tradicional, não fossem um ou outro detalhe que traduzem a complexidade dos tempos atuais, suas urgências e suas asperezas que, com muita frequência, são digeridas pela indústria cultural e tomadas como mercadorias.


por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Imagens de fogo e revolta. In: Blog Semióticas, 16 de dezembro de 2021. Disponível em https://semioticas1.blogspot.com/2021/12/imagens-de-fogo-e-revolta.html  (acessado em .../.../…).


Para visitar a exposição do V&A Museum Prix Pictet 2021: Fire,  clique aqui.


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