Na
paz, os filhos enterram seus pais;
na
guerra, os pais enterram seus filhos.
–– Heródoto
(século 5° a.C.) |
Dizem que em tempos de guerra a primeira vítima é a verdade, mas o jornalista Mauro César Silveira põe as coisas nos seus devidos
lugares em "A Batalha de Papel - A Charge como Arma na Guerra
Contra o Paraguai". Confrontando as mais conhecidas opiniões
apaixonadas e esmiuçando diversas versões oficiais, Silveira apresenta no livro um inventário corajoso ao abordar a infame Guerra do
Paraguai (1864-1870), na qual morreram pelo menos 600 mil soldados.
Se é fato que a primeira vítima de uma guerra é a verdade, no
livro o autor defende que, no maior conflito já registrado na
América Latina (e maior empreendimento bélico da história
brasileira), todos os recursos foram mobilizados pelo Segundo Império
do Brasil - inclusive o humor.
"O
jornalismo sempre escreve a história, direta ou indiretamente",
defende Silveira, em entrevista por telefone de Santa Catarina.
Gaúcho de Porto Alegre, formado em Jornalismo e com mestrado e
doutorado em História, Silveira atualmente é professor de graduação
e pós-graduação em Jornalismo pela UFSC. "O problema é que o
pior jornalismo também produz história", lamenta. "Então,
nas lacunas entre o pior e o melhor jornalismo é que estão as
pistas principais para o trabalho do pesquisador", ele explica,
alertando que se considera mesmo um jornalista e não um historiador.
"A Batalha de Papel" é uma versão revista e ampliada da tese de mestrado de Silveira, que fez carreira nos jornais "Diário de Notícias", "Zero Hora" e "Folha da Manhã", todos de Porto Alegre, e nas revistas "Veja" e "IstoÉ". Sua tese de doutorado, intitulada "A Guerra do Paraguai e as Relações Luso-Brasileiras na Década de 1860-1870" também virou livro em 2003: "Adesão Fatal - A Participação Portuguesa na Guerra do Paraguai", lançamento da Editora PUC-RS.
Especialista
no assunto, Silveira alerta que o esforço do governo imperial para
conquistar apoio ao envio de tropas contra o país vizinho envolveu
escritores, jornalistas e até artistas plásticos, entre eles os
maiores cartunistas da época. Para revelar essa faceta pouco
conhecida da campanha anti-paraguaia, o jornalista mergulhou nos
arquivos do Império e analisou com especial atenção as revistas
ilustradas do Rio de Janeiro – principal meio de informação dos 15%
de brasileiros alfabetizados no Império, de acordo com nosso
primeiro censo demográfico, datado de 1872.
A
pesquisa exaustiva de Mauro César Silveira resultou na seleção de 202
caricaturas que fazem referência direta ao inimigo paraguaio – 38
delas estão reproduzidas no livro. Produzidos no calor da luta, os
desenhos expressam a imagem desdenhosa de preconceito e deboche inventada contra o Paraguai que criou raízes
durante a guerra e que até hoje sobrevive na memória coletiva da
maioria dos brasileiros.
Sucesso
editorial na década de 1990, a primeira edição de "A Batalha
de Papel" chegou a ter sucessivas edições pela L&PM. A
nova versão, revista e ampliada, inclui textos inéditos – entre
eles o posfácio "A corrida inglória dos cavalos paraguaios",
no qual Silveira questiona os preconceitos e as grossas e deslavadas
mentiras que os caricaturistas da imprensa brasileira propagandeavam
nos anos da Guerra do Paraguai – e que permanecem em evidência na
imprensa atual.
"Com
certeza estão ali as origens do preconceito contra o povo paraguaio
que perdura até hoje. O país do lado é apresentado sempre como
lugar de negócios escusos, pátria de ladrões e contrabandistas,
quando na verdade não era nada disso. É incontestável a
importância política, social e econômica do Paraguai no contexto
da época, quando era um país que se orgulhava do analfabetismo zero
e que chegou a ser considerado como o único país independente no
continente sul-americano", aponta Silveira.
No livro "A Batalha de Papel", o
conflito é reapresentado pelo autor trafegando em duas vias: a das
batalhas reais e violentas travadas pelo exército paraguaio para resistir frente à Tríplice Aliança da
parceria Argentina/Brasil/Uruguai, liderada pelos brasileiros, e a
das guerrilhas de papel protagonizada pelas penas dos desenhistas a serviço da
Corte de Dom Pedro II. Uma constatação se destaca: as charges contra o Paraguai vêm confirmar sem nenhuma sutileza aquela máxima sobre a verdade ser a primeira vítima em tempos de guerra.
Guerra mobilizou artistas
Muito
além do impacto documental, o livro "A Batalha de Papel"
pode ser tomado como uma aula de jornalismo – como defende o próprio
Mauro César Silveira. Apresentado como uma grande reportagem dotada
de todos os ingredientes do trabalho jornalístico investigativo,
emoldurado por um texto agradável que dinamiza a leitura e seduz os
leitores, por mais leigos que eles sejam no assunto. Silveira
questiona e analisa a intenção dos caricaturistas da Corte
brasileira sobre o inimigo de guerra.
"A
dura e crua verdade é que, utilizando a charge, amparada em
textos-legendas e editoriais, a imprensa brasileira contribuiu
vergonhosamente para a deformação completa dos fatos", destaca
Silveira sobre o conflito. Na avaliação do autor, a Guerra do Paraguai alcançou a dimensão
trágica do genocídio.
Cético,
inconformista e iconoclasta, o autor exercita as virtudes do
jornalismo em busca de versões dissonantes e da denúncia sobre os
danos do malfeito. Econômico em citações bibliográficas, recorre
a diversas fontes e confronta a transcrição de documentos e
depoimentos. Ele diz que foi paciente nas pesquisas: leu mais de 100
publicações da época e vasculhou bibliotecas no Brasil e no
exterior, tendo em mira a determinação jornalística para reabrir
as cicatrizes do passado.
Entre
tantas charges e piadas violentas, Silveira diz que tem preferência
por certas imagens reproduzidas no livro. "Em uma delas, de
autoria do grande Angelo Agostini, o ditador Francisco Solano López
é apresentado como O Nero do Século XIX, empunhando sua espada e
escalando uma montanha de crânios e esqueletos. É terrível, mas
muito eficiente como propaganda de guerra", destaca.
Silveira reconstitui com sua pesquisa uma minuciosa trajetória para destacar que os grandes
artistas da época se engajaram no esforço de guerra, empenhando a
arte do humor e das imagens impressas. "Era uma arte que estava
bastante desenvolvida no Rio de Janeiro, em sintonia com os melhores
padrões europeus. O esforço de guerra, afinal, trouxe popularidade
para a recém-criada imprensa no Brasil e mobilizou a opinião do
povo brasileiro em favor do conflito", completa.
Diamantina teve papel importante
O jornal "O Jequitinhonha", da cidade mineira de Diamantina, destacou-se no século 19 como uma publicação pioneira, progressista e libertária - um jornal de tendência republicana num país monarquista, que se intitulava porta-voz do Partido Liberal e um órgão de denúncia no Norte de Minas Gerais. Fundado por Joaquim Felício dos Santos e por seu cunhado Josefino Vieira Machado, o Barão de Guaicuí (o primeiro número circulou em 30 de dezembro de 1860), o jornal teve seu apogeu durante a Guerra do Paraguai, principalmente no período 1868-1869. Com o fim da guerra, assumiu a partir de 1870 uma posição radical a favor do regime republicano, sobrevivendo ainda por mais dois anos.
A
trajetória pioneira e incomum do jornal de Diamantina é abordada
pela jornalista e professora universitária Maria de Lourdes Reis nas páginas do livro "Imprensa em Tempo de Guerra: O jornal O Jequitinhonha e a
Guerra do Paraguai", que acaba de ganhar uma quinta edição
revista e ampliada, lançamento das Edições Cuatiara.
O
livro, que inclui uma série de fotografias e ilustrações da época,
é uma versão da dissertação de Mestrado que a autora, mineira de
Belo Horizonte, defendeu na PUC-RS em 2002, após a conclusão do
curso de História das Sociedades Ibero Americanas - incluindo um
período de quase três anos buscando subsídios em livros, revistas
e jornais em bibliotecas e arquivos em Belo Horizonte, Diamantina e
Rio de Janeiro.
Maria de Lourdes Reis faz questão de destacar que está muito feliz e satisfeita com o resultado do trabalho reunido no livro, mas reconhece que tanto na pesquisa como nos trabalhos para viabilizar a edição as dificuldades foram enormes, principalmente porque o
acervo das edições de "O Jequitinhonha" encontra-se
dividido em três instituições diferentes: Hemeroteca Pública de
Minas Gerais, em Belo Horizonte; Biblioteca Antônio Torres, em
Diamantina; e Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
"Posso
dizer que foi fascinante trabalhar nesta pesquisa que gerou o livro
'Imprensa em Tempos de Guerra'. Principalmente porque recupera a
importância que teve O Jequitinhonha. Encontra-se no amarelado
silêncio de suas páginas fonte para compor um trecho da história
de Minas pouco explorado", explica Maria de Lourdes, que tem
outros livros publicados em gêneros diversos como poesia
("Repassagem", de 1985; "Minhas Gerais", de 1987;
"Polícia Militar destas Gerais", de 1994), infantil
("Quem-Quem", de 1986; "Circo Mambembe", de 1993)
e crônica ("Flor de Vidro", coletânea de autores
mineiros, de 1990; "Olhos para o Mundo", de 1999).
"A
metodologia usada foi o caminho sugerido pela História Nova, baseada
na pesquisa em jornais e publicações de época", destaca a
autora. "A leitura e a interpretação de O Jequitinhonha levam
o leitor a conhecer uma nova versão da Guerra do Paraguai que é,
sem dúvida, um dos capítulos mais ricos em possibilidades de
análises simbólicas para o historiador", completa. Como bem
destaca a autora, a verdadeira história daquela guerra terrível,
como são todas as guerras, ainda está por ser escrita.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
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Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. A batalha de papel. In: Blog
Semióticas,
14 de julho de 2011. Disponível no link
http://semioticas1.blogspot.com/2011/07/batalha-de-papel.html
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