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7 de dezembro de 2024

Augusto Malta em fotomontagens

 





As fotografias conseguem enganar o tempo: 

elas o congelam onde a alma está em silêncio. 


–– Isabel Allende em “Amor e Sombras”.    







A fotografia incide sobre o tempo, como dizia Roland Barthes. Uma demonstração sobre tal incidência surge no intervalo de 100 anos que separam e reúnem as fotografias do Rio de Janeiro Antigo, registradas por Augusto Malta, e cenas da atualidade nas fotomontagens feitas por Marcello Cavalcanti para o fotolivro “Augusto Malta Revival”, lançado pela Gávea Imagens. Nascido em Mata Grande, Alagoas, Augusto Malta (1864-1957) foi um dos mais destacados fotógrafos a atuar no Rio de Janeiro no período de 1900 a 1930, contratado desde 1903 pelo prefeito Francisco Pereira Passos para registrar, em fotografias, a transformação urbana radical que aconteceria na cidade nas primeiras décadas do século 20, mais conhecida como campanha do “Bota Abaixo”.

Formado em Design Gráfico, fotógrafo profissional e professor, Marcello Cavalcanti nasceu em 1980 e se autodefine como um colecionador visual. A ideia de trabalhar com fotomontagens surgiu em 2008, quando ele morava em Barcelona, Espanha, uma cidade que reúne a tradição de construções milenares e uma arquitetura moderna. Depois de fotografar centenas de portas, janelas, paredes, grafites, becos, vielas, praças e pessoas na cidade da Catalunha, Marcello começou a investir em suas colagens fotográficas. Anos depois, de volta ao Brasil, ele mergulhou no projeto que reúne na mesma imagem suas fotos autorais de cenários do Rio de Janeiro mescladas às imagens em preto e branco feitas no começo do século 20 pelas câmeras de Augusto Malta.


Cenários do Rio Antigo


A primeira etapa do projeto de Marcello Cavalcanti teve início em 2012, quando ele fez a experiência de sobrepor duas fotografias feitas do alto do túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro: uma feita por ele e outra feita por Augusto Malta em 1910. Ele continuou aperfeiçoando a experiência e três anos depois apresentou um projeto que foi selecionado para uma carta de apoio da Prefeitura do Rio, na época das comemorações dos 450 anos da cidade, seguida de uma exposição patrocinada pela companhia de eletricidade Light (que contratou os serviços de Augusto Malta a partir de 1905) e pela Secretaria de Estado da Cultura. A exposição foi apresentada em outubro de 2015 no Centro Cultural Light. O acervo de fotomontagens, realizadas a partir de uma seleção de 60 fotografias de Augusto Malta, posteriormente foi publicado no fotolivro “Augusto Malta Revival”, esgotado após o lançamento em 2023 e que terá em breve sua primeira reedição.





Augusto Malta em fotomontagens
: no alto e abaixo,
as fotomontagens de Marcello Cavalcanti feitas a partir das
fotografias originais de Augusto Malta, publicadas no fotolivro
“Augusto Malta Revival”. Acima, os autorretratos dos dois
fotógrafos, projetados na cerimônia de lançamento do fotolivro
de Marcelo Cavalcanti. As imagens publicadas nesta página
fazem parte do fotolivro em questão, exceto quando indicado











A produção do acervo de imagens que resultou no livro é o resultado de muitas experiências em 10 anos de trabalho. Marcello fez a sobreposição minuciosa de cada detalhe das antigas imagens de Augusto Malta, com novas fotografias feitas nos mesmos cenários e mesmos ângulos de enquadramento. Neste período, ele também criou um canal no YouTube (“Por trás da foto”), lançou três e-books sobre fotografia (“30 Dicas para o fotógrafo de paisagem”, “Golden Hour – A ciência por trás da melhor luz para fotografar paisagem” e “Lua – Como fotografar”), criou cursos on-line sobre fotografia, fotografou em várias regiões do Brasil e em outros países (Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, Noruega, Itália, Tanzânia, África do Sul, Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Colômbia, Guatemala, México), recebeu prêmios e criou a editora Gávea Imagens, empresa que gerencia seu trabalho no mercado internacional pelo Fineart e também no Brasil.


Imagens da passagem do tempo


Em entrevista, Marcello Cavalcanti diz que seu interesse sempre foram os padrões gráficos e as repetições comparativas que revelam a passagem do tempo, como demonstrou em suas fotomontagens. Ele também confessa sua fascinação com as coincidências e as diferenças que foi descobrindo nas imagens que registram o intervalo de um século. “No trabalho de junção das fotografias, vou apagando coisas ou preservando. Se tem pessoas na rua: qual pessoa vou deletar, qual vou deixar? Às vezes acontecem coincidências das pessoas se olhando, pessoas que estão separadas por mais de 100 anos. Elas estão se olhando na imagem”, destaca, pontuando detalhes que o impressionaram.
















As fotomontagens de Marcello Cavalcanti sobre as fotografias de Augusto Malta também revelam questões sobre a evolução do urbanismo e da arquitetura do Rio de Janeiro no último século. “É impressionante como o Rio cresceu verticalmente e como a cidade era menos arborizada. A cidade tinha muito casario e poucas árvores nas ruas. Hoje é tudo vertical e temos mais árvores. A passagem do tempo e, como ela influencia, modifica e, ao mesmo tempo, mantém padrões. é o que me fascina no universo imagético em que vivemos”, conclui.


Fotógrafo da evolução urbana


As fotomontagens já existiam na época de Augusto Malta, mas ao que se sabe ele não fez nenhuma experiência de colagens usando a técnica fotográfica. Um caso exemplar de fotomontagem no Brasil veio de um contemporâneo de Malta, Valério Vieira (1862-1941), fotógrafo profissional e músico, que em 1901 apresentou ao público “Os Trinta Valérios”, obra que se tornaria um dos marcos da fotografia brasileira. Apesar de existirem registros de outras manipulações, recortes e colagens de matrizes fotográficas em período anterior, a obra de Valério Vieira rompe com a noção de que a fotografia é um registro realista e inquestionável. Na fotomontagem, Valério Vieira surge em diferentes poses e em várias situações na mesma imagem, em autorretratos reunidos na cena de apresentação de uma orquestra – mas todos em cena são reproduções da figura do próprio fotógrafo, em um arranjo irônico que surpreende pelo inusitado da técnica e que ainda hoje mantém sua aura de bom humor e inventividade.

















O acervo fotográfico de Augusto Malta, entretanto, ao contrário das experiências de Valério Vieira, está na direção oposta ao ilusionismo: Malta é considerado o principal fotógrafo da evolução urbana do Rio nas primeiras décadas do século 20, um período de acelerada e traumática modernização. Seus belos registros fotográficos formam um material de pesquisa e documentação fundamental para historiadores, urbanistas, arquitetos e pesquisadores das mais diversas áreas. Entre outros momentos históricos, as fotografias de Malta mostram as etapas de demolição da área onde estava do Morro do Castelo – um marco da campanha de reforma urbana anunciada para libertar o Rio da reputação de “cidade insalubre”, com suas metas de higienização, renovação e demolição de antigos edifícios, cortiços, pensões e pousadas, para a abertura das grandes avenidas.


















Fotografia como missão


Augusto Malta deixou sua terra natal na década de 1880 e foi servir como cadete do Exército no Recife, em Pernambuco. Em 1888, chegou para tentar a sorte no Rio de Janeiro, na época Distrito Federal. Em 1900, comercializava tecidos e usava uma bicicleta para fazer entregas, quando uma barganha mudou seu destino: um de seus fregueses propôs a troca de uma câmera fotográfica pela bicicleta. Malta aceitou. E a partir daí iria mergulhar no ofício da fotografia, registrando ruas e cenários do Rio. Suas fotografias chamaram a atenção do prefeito Pereira Passos, que mandou contratá-lo em 1903 como fotógrafo oficial da Diretoria Geral de Obras e Viação da Prefeitura do Distrito Federal, cargo criado especialmente para Augusto Malta, com a missão de registrar imagens das ruas que teriam seu traçado modificado pelo gigantesco projeto urbanístico do prefeito.
















Pereira Passos encerrou seu mandato em 1906, mas Augusto Malta permaneceu no posto de fotógrafo oficial da prefeitura por mais 30 anos, registrando desde grandes eventos a aspectos da vida cotidiana da cidade. Os registros fotográficos mais importantes sobre a modernização do Rio foram feitos por ele, incluindo marcos históricos como a implantação dos bondes elétricos e da iluminação pública, a abertura e as inaugurações das grandes avenidas, a Exposição Nacional de 1908, a Exposição Internacional para o Centenário da Independência, em 1922, e a inauguração da estátua do Cristo Redentor, em 1931, entre milhares de outros flagrantes de personagens anônimos ou famosos e eventos oficiais.

Uma parte considerável do acervo de Augusto Malta vem dos registros de sua dedicação às alterações na paisagem urbana do Rio, à beleza de suas ruas e edifícios e aos movimentos populares, como o surgimento das primeiras favelas, a Revolta da Vacina, a chegada de Getúlio Vargas com as tropas na Revolução de 1930 e os antigos desfiles de carnaval. Estão preservadas mais de 100 mil fotografias feitas por Augusto Malta, incluindo imagens em papel e negativos em vidro ou filme. Os acervos atualmente estão no Arquivo Geral do Rio de Janeiro, no Museu da Imagem e do Som, no Arquivo da Companhia Light, na Biblioteca Nacional, no Museu Histórico Nacional e no Instituto Moreira Salles.


por José Antônio Orlando.

Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Augusto Malta em fotomontagens. In: Blog Semióticas, 7 de dezembro de 2024. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2024/12/augusto-malta-em-fotomontagens.html  (acessado em .../.../…).



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Augusto Malta em fotomontagens: acima, a célebre
fotomontagem feita em 1901 por um contemporâneo
de Malta, Valério Vieira, que ficou conhecida como
“Os Trinta Valérios”, com 30 autorretratos do
fotógrafo em justaposição, com técnica e resultados
muito avançados para a época.

Abaixo, uma seleção de fotografias originais
de Augusto Malta: mulheres observando uma
vitrine na Rua do Ouvidor, no Centro do
Rio de Janeiro (cerca de 1906); desfile de Corso
no carnaval de 1919 no Rio de Janeiro, depois da
grande epidemia de gripe espanhola; visita de estudantes
ao recém-inaugurado Cristo Redentor em 1931;
o Pão de Açúcar e uma área do bairro de Botafogo
vistos a partir do Mirante Dona Marta em 1910;
e uma vista da Praia de Copacabana em 1910





























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