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6 de outubro de 2025

Imagens do fim dos tempos

 





A política sempre será a rainha das artes 

porque dela dependem todas as outras. 

–– Aristóteles (384-322 a.C.).   

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Arquiteto nascido e formado no Chile, também fotógrafo, cineasta, artista visual e ativista das causas ambientais, Alfredo Jaar prefere definir a si próprio como um idealista e passageiro das utopias. No dia 26 de setembro, ele foi anunciado como vencedor de um dos prêmios internacionais de fotografia mais prestigiados da atualidade, o Prix Pictet, que na edição 2025 tem o tema Tempestade (Storm). O trabalho premiado de Jaar, para o qual ele escolheu o título “The End”, reúne uma sequência de 10 imagens em composição primorosa de cores deslumbrantes, lembrando telas em pinturas abstratas de artes plásticas, que registram uma tragédia ambiental: o lento desaparecimento de um imenso lago de água salgada em Utah, região oeste dos Estados Unidos com grandes desertos e cordilheiras de montanhas de pedra.

Esta é a 11ª edição do Prix Pictet, criado em 2008 pelo Grupo Pictet, com sede em Genebra, na Suíça, que premia a cada dois anos um trabalho autoral em fotografia, patrocinando exposições temáticas e eventos paralelos em diversos países. Sobre sua obra premiada, Alfredo Jaar declarou: “Meu objetivo nesta série de fotografias foi mostrar o destino trágico do grande lago de Utah e revelar sua extraordinária beleza e potencial. Apesar da terrível situação em que estamos, eu queria criar imagens de beleza e também de tristeza. Diante da magnitude desta tragédia, decidi imprimir estas imagens num formato pequeno, pouco espetacular, como uma espécie de sussurro visual, um lamento pelo nosso planeta moribundo.”






Imagens do fim dos tempos: a partir do alto
da página, a sequência do ensaio fotográfico
de Alfredo Jaar, intitulado “The End”, vencedor
da edição 2025 da premiação internacional de
fotografia Prix Pictet. As 10 imagens registram
o desaparecimento do
Grande Lago Salgado
(Great Salt Lake)
de Utah,
nos Estados Unidos

















Alfredo Jaar foi premiado depois de ser anunciado na lista de 12 finalistas selecionados por um júri independente formado por 350 especialistas nomeados em países da Europa, Ásia, África, Oriente Médio, Oceania, América do Norte e América do Sul. Três representantes brasileiros fazem parte do júri do Prix Pictet: Eder Chiodetto (Fotô Editorial), Thyago Nogueira (Instituto Moreira Salles) e Jochen Volz (Pinacoteca de São Paulo). Nas edições anteriores foram premiados Gauri Gill (temática do Humano); Sally Mann (Fogo); Joana Choumali (Esperança); Richard Mosse (Espaço); Valérie Belin (Transtorno); Michael Schmidt (Consumo); Luc Delahae (Potência); Mitch Epstein (Crescimento); Nadav Kander (Terra); e Benoit Aquin (Água).


Tragédia ambiental



O dossiê de imprensa fornecido pelo Prix Pictet registra que o Grande Lago Salgado (Great Salt Lake) de Utah, tema do ensaio fotográfico de Alfredo Jaar, representa um ecossistema fundamental no Hemisfério Ocidental, com suas dimensões de 4.400 quilômetros quadrados. A área, remanescente de um imenso lago pré-histórico com alta salinidade, concentra microorganismos que dão às águas uma rara coloração em tons de rosa. Com a exploração industrial e a extração excessiva de água, desde o final do século 19 e mais acelerada nas últimas décadas, o lago já perdeu cerca de 80% de sua área de superfície, gerando grande quantidade de poeira tóxica que polui o ar e o solo, além de elevar a salinidade do que resta da água a níveis mortais para animais e plantas. As previsões indicam que o lago deve desaparecer nos próximos anos, pois o desastre ambiental já ultrapassou o ponto de não retorno.













Nas entrevistas concedidas após o anúncio da premiação, Alfredo Jaar revelou que sua intenção inicial seria registrar os últimos remanescentes de vida animal na região, mas ele descobriu que a área do lago, que foi durante séculos uma das grandes rotas de aves migratórias do continente, agora é apenas natureza morta. A descoberta da situação de tragédia ambiental, com o desaparecimento irreversível do grande lago, foi descrita pelo fotógrafo: “O que costumava ser uma região próspera e fértil, para várias espécies de pássaros, agora é um cemitério com milhares de cadáveres ressecados em uma imensa planície de lama, poeira e veneno”.



Arte como ação política



Alfredo Jaar é um veterano em trabalhos na interface entre arte e ação política. Nascido em Santiago do Chile em 1956, ele viveu a experiência do governo sangrento do general Augusto Pinochet, o ditador que tomou o poder no Chile entre 1973 e 1990, apoiado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, e testemunhou massacres terríveis quando os soldados da ditadura viajavam pelo país para torturar e assassinar opositores em uma violenta caravana da morte”. Jaar escapou do Chile em 1982, depois de terminar o curso de arquitetura, e passou a morar em Nova York, com dedicação ao trabalho com arte e fotografia. Desde então, participou de exposições e instalações em vários países, incluindo suas obras em destaque nas Bienais de Veneza (1986, 2007, 2009, 2013), de São Paulo (1987, 1989, 2010, 2021) e da Documenta de Kassel em 1987 e 2002.




















O Prix Pictet vem se somar a outras premiações internacionais importantes na trajetória de Jaar, entre elas o Prêmio de Arte de Hiroshima em 2018 e o Prêmio Hasselblad na Suécia em 2020. Em 2024, ele recebeu o Prêmio Albert Camus Mediterrâneo na Espanha e já em 2025 ele ganhou a Medalha Edward MacDowell em New Hampshire, Estados Unidos. Seu trabalho também está na coleção de grandes museus, como o MoMA e o Museu Guggenheim, em Nova York, o Centre Georges Pompidou em Paris e o Museu Reina Sofia de Madri, entre outros, além do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Nas entrevistas incluídas no dossiê de imprensa do Prix Pictet, Alfredo Jaar faz questão de tomar posição nas questões de arte como ação política. “Eu conheço o fascismo quando vejo”, ele diz, em resposta a uma questão de Igor López, repórter do jornal El País, afirmando que, com frequência, ao ler as notícias diárias, tem a impressão de que o fim do mundo realmente se aproxima. Segundo Jaar, estamos a bordo de um mundo novo e assustador – com notícias que, para ele, provocam lembranças de experiências traumáticas vividas no Chile durante a ditadura Pinochet.







Imagens do fim dos tempos: a partir do alto
da página, a sequência do ensaio fotográfico
de Alfredo Jaar, “The End”, vencedor do
Prix Pictet 2025. Abaixo, Alfredo Jaar em
fotografia de Andrea Rego Barros.

Também nas imagens abaixo, 1) Alfredo Jaar
participando de sua instalação que teve inspiração
na obra do dramaturgo Samuel Beckett, com o título
I Can’t Go On, I’ll Go On” (Eu não posso continuar,
eu vou continuar), apresentada em 2019 no
Festival de Arte de Edimburgo; 2) imagem da 
instalação
“Estudios sobre la felicidad 1974-1981”, apresentada
em 2024 no Museo Nacional de Belas Artes, no Chile,
reunindo fotografias do jovem Alfredo Jaar, que tinha
17 anos em 1973, na época em que o golpe de estado
do general Pinochet destruiu o Chile; 3) 
a instalação
“Um milhão de passaportes alemães”, criada em 1995
e reeditada em 2023 para apresentação em Munique,
Alemanha; 4) fotografia de "The end of the world",
intalação apresentada em Berlim, Alemanha,
no primeiro semestre de 2025; 
e 5) as palavras
extraídas da obra do filósofo Antonio Gramsci
e apresentadas por Alfredo Jaar
na instalação em Roma, em 2018.


No final da página, “Um logotipo para a América”,
instalação com telas e painéis de lâmpadas apresentada
na Times Square, em Nova York, depois de ter sido
selecionada pelo Fundo de Arte Pública da Cidade
de Nova York. A instalação foi criada em 1987
e reeditada em 2014 e no começo de 2025



















“Quando consegui escapar daquele cenário de horror, em 1982, e quando a ditadura no Chile chegou ao fim, em 1990, nem mesmo em meus sonhos mais loucos e mais terríveis eu esperava ver o mundo enfrentando o que está enfrentando agora”, ele reconhece. “Temos as mudanças climáticas no mundo todo e assistimos o fascismo crescer em todos os lugares, na metade da Europa, nos Estados Unidos, nos países da América Latina. Isso é um pesadelo que devemos combater. Não podemos jamais ficar indiferentes ao fascismo e às ideias que pregam o ódio, o preconceito, a violência e a destruição”.



Desafios para a civilização



Em entrevista a Ellen Corry, da revista “Musée”, Alfredo Jaar defende que uma das principais missões da arte é levar o espectador a abandonar um olhar neutro e qualquer indiferença. Para argumentar, ele cita o pensador marxista italiano Antonio Gramsci, para quem viver significa tomar partido. “Se deixarmos de ser parasitas e nos tornarmos participantes ativos, o mundo será um lugar melhor. Temos que nos recuperar da falta de humanidade que a sociedade contemporânea está passando; é intolerável e inaceitável”, aponta. “Sou apenas um arquiteto que faz arte, mas sei que a grande arte tem esta característica de representar um grito desesperado para que todos nós nos tornemos humanos novamente.”







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Sobre sua conquista do Prix Pictet, Alfredo Jaar faz questão de colocar em primeiro plano que a política precisa ser o norte para toda e qualquer experiência com a arte. Ele cita como exemplo seu trabalho com “The End”, a série de fotos que registra o que provavelmente será o fim do Grande Lago Salgado (Great Salt Lake) de Utah, explicando que sua intenção, antes de tudo, foi alertar que a questão ecológica é sempre uma questão política. Na sua avaliação, a destruição e a perda do lago se tornou uma tragédia de magnitude incalculável, uma tragédia ambiental, econômica e humanitária, e um sinal de acontecimentos também assustadores que estão por vir no futuro próximo, afetando toda a experiência humana no planeta Terra.

“O fim do Grande Lago de Utah é mais um sinal inequívoco do fracasso da civilização”, ele alerta, em entrevista ao The Guardian, enquanto reconhece que, nas últimas décadas, desde o século passado, o fracasso junto com a incapacidade de mudar tem sido uma constante para a civilização contemporânea. “Reconheço que sou um idealista e um utópico, um passageiro das utopias. Quero mudar o mundo, mas tenho fracassado o tempo todo porque ainda não consegui mudá-lo. Eu não consegui mudar nem a realidade mais próxima ao meu redor, mas ainda tenho esperança de que todos nós, juntos, talvez possamos conseguir”, completa. Para Alfredo Jaar, artista visual e ativista que vem se consagrando como um dos mais premiados de nossa época, a esperança é a última que morre.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Imagens do fim dos tempos. In: Blog Semióticas, 6 de outubro de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/10/imagens-do-fim-dos-tempos.html (acesso em .../.../…).










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Para comprar o catálogo Alfredo Jaar: 
Hasselblad Award, clique aqui. 




















10 de janeiro de 2025

Fotografia em paraísos tropicais





Uma fotografia é um segredo de um segredo.

Quanto mais ela te fala, menos você sabe.

–– Diane Arbus.   
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As fronteiras instáveis e fluidas entre alta cultura e cultura popular – ou entre a arte erudita e o kitsch, o brega, o cafona, no sentido de separar o que seja de bom gosto do que seja considerado vulgar, duvidoso, sem refinamento, de mau gosto ou de qualidade inferior – surgem diluídas e misturadas em uma mostra que, pela primeira vez, reuniu um acervo de 200 obras de 83 artistas latino-americanos de destaque nascidos no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Guatemala, México, Peru e Venezuela. Todas as obras têm em comum o suporte fotográfico com alguma forma de intervenção de pós-produção ou de colagem e abrangem um período histórico de um século, da primeira década do século 20 às duas primeiras décadas do século 21.

IntituladosLes paradis latins: étoiles sud-américaines" (Os paraísos latinos: estrelas sul-americanas), a exposição e o fotolivro que registra o acervo foram organizados pela Fundação Bemberg de Toulouse, França, tendo como referência a valiosa coleção de raridades garimpadas desde a década de 1960 pelo casal de colecionadores Leticia e Stanislas Poniatowiski  ela nascida na Argentina e ele descendente de uma família da nobreza da Polônia que migrou para o México no começo do século 20. A coleção reúne, na maioria de suas peças, retratos de pessoas anônimas e também de celebridades, de artistas ou de figuras de importância histórica. Anunciada como “celebração de um século de fotografia latino-americana”, a exposição também poderia ser definida como inventário de um século de imagens de resistência à violência e ao preconceito, pois reúne obras de diferentes períodos e lugares que enfrentaram a censura e o silenciamento provocados por imposição de falsos paladinos da moral e dos “bons costumes” ou de governos autoritários.











Fotografia em paraísos tropicais: no alto, 22h35,
da série fotográfica
Das 22h às 23h, México, 1985,
intervenção sobre fotografia e fotocópia
de
Agustín Martinez Castro.

Acima,
As mãos de Pita Amor (México, 1950),
pintura sobre fotografia de
Simón Flechine;
Buenos Aires Tango Clube, Santiago do Chile,
intervenção de 2012 com tinta e lápis de cor sobre
fotografia de 1982 de
Leonora Vicuña;
e Tango (De a dos), fotografia em gelatina
de prata em preto e branco da série
Tango (Chile, 1988), de
Paz Errázuriz.

Também abaixo,
Entre os olhos, o deserto,
intervenção multimídia de 2001 do brasileiro
Miguel Rio Branco sobre fotografias de 1997;
e
Afife Baloyan, Tijuana, México, 1973, fotografia
e intervenção de contraste de
José Luis Venegas.
As imagens reproduzidas nesta postagem fazem
parte do catálogo da exposição















O caráter subversivo


A figura feminina é uma presença marcante em todas as imagens fotográficas reunidas pela curadoria, sem nenhuma exceção. Ou talvez a feminilidade, mais até do que a figura feminina, principalmente a feminilidade em seu caráter mais subversivo e provocativo diante da norma dominante e da censura que por tanto tempo tentou silenciar ou esconder na penumbra
as dançarinas de tango, de samba, de salsa e de bolero, vedetes e coristas de cabarés ou de teatros, incluindo a importância incontornável de travestis e transgêneros, artistas marginais e ativistas da ação política na vida cotidiana que movimentou e movimenta a revolução social, a identidade cultural e a diversidade sexual no intervalo de décadas.

A apresentação das imagens, em sua maioria com predomínio de cores
fortes e contrastantes
em destaque, com videntes intenções de apelo melodramático e toques de exagero ou de ingenuidade, também são traços comuns entre as obras selecionadas. Em muitos casos, as cores foram acrescentadas com pincel e tinta ou canetas e lápis coloridos sobre as estampas impressas em preto e branco, uma estratégia recorrente que desde os primórdios da fotografia levou muitos artistas a pintarem ou retocaram a mão os retratos registrados pelas câmeras.









Fotografia em paraísos tropicais: no alto,
imagem sem título
, fotografia realçada com
tinta, obra de
Gerardo Bastón (México,1990).

Abaixo,
Nahui Olin (México, 1921), fotografia
impressa em gravura de
Gustavo F. Silva com
pintura em técnica mista de
Nahui Olin
(pseudônimo de Carmen Mondragón).

Também abaixo, colagem com costura e
técnica mista sobre fotografias de 2019
de Carla Rippey (México); colagem de 1975
com fotografia e técnica mista do brasileiro
Luiz Alphonsus, intitulada Crepúsculo Tropical;
e
um retrato de Magnólia em Juchitán
(México, 1987) por
Graciela Iturbide




              
     







Na extensa galeria da diversidade, em que algum charme das celebridades e muitas extravagâncias anônimas se misturam, marcadas pelo requinte discreto ou pelo excesso mais provocante, cada uma das amostras dos “paraísos latinos” selecionadas para o acervo também diluem as fronteiras que separam a fotografia das outras artes visuais, em estratégias de aproximação com o desenho e a pintura, com as artes gráficas, as variações da gravura, as fotonovelas, as técnicas dos cartazes e da publicidade, ou as técnicas mistas de colagens, de recortes, de montagens e de sobreposições de imagens. Algumas das obras vão remeter os olhares mais atentos às experiências estéticas mais radicais dos mestres dos movimentos de vanguarda da arte moderna no começo do século 20, ainda que a maioria delas tenha sido produzida a partir da década de 1960, sob forte influência das experiências da Pop Art e da arte contemporânea.





Fotografia em paraísos tropicais: no alto,
Autorretrato como Rrose Sélavy
(Colômbia, 1980),
de
Álvaro Barríos. Rrose Sélavy era um personagem
fictício, alter-ego do mestre dadaísta
Marcel Duchamp.

Acima, uma corista anônima na Argentina, 1960,
em fotografia de
George Friedman. Abaixo,
Transformista (Peru, 1990), da fotógrafa
Flavia Gandolfo; e dois retratos da vedete
Amapola Devodier (México, 1955), com
intervenções de
Simón Flechine











A intensidade da cor


No ensaio que apresenta a exposição e o fotolivro, o curador e historiador Alexis Fabry (também autor de “Urbes Mutantes 1941-2012”, catálogo sobre a fotografia latino-americana publicado na Espanha em 2013) destaca que na maior parte dos países da América Latina a intensidade da cor e do carnaval são, muitas vezes, inseparáveis da tragédia. “A proximidade entre a festa e o trágico, assim como o atrito e a permeabilidade entre a alta e a baixa cultura, são questões muito características da arte latino-americana”, reconhece.

Outra questão a que o curador faz referência são as limitações provocadas pela carência de recursos financeiros e materiais, uma dificuldade sempre presente para artistas
da América Latina. Tais limitações historicamente levaram e ainda levam muitos artistas à estratégia de recorrerem a suportes alternativos, como o uso de diversos tipos de papel e de fotocópias, que são meios mais baratos e de fácil acesso, que permitiram a produção e a divulgação de diversas obras, algumas delas selecionadas para a exposição e o fotolivro.



















Fotografia em paraísos tropicais: a partir do alto,
três imagens da fotógrafa Grete Stern, nascida na
Alemanha e radicada na Argentina desde 1935:
Autorretrato
(1950), com a fotógrafa refletida
em uma montagem fotográfica sobre o espelho;
“Sueño nº 28: Amor sin ilusión”, obra de 1951;
e um Autorretrato de 1943.

Também acima, La Madre de Dios
(Guatemala, 1974), fotografia e colagem em
técnica mista do brasileiro Ayrton de Magalhães;
e
Serviço de luxo (México, 1987), intervenção
em técnica mista sobre fotografia e fotocópia
de
Felipe Ehrenberg.

Abaixo,
duas obras de 1982 do artista da Argentina
Facundo de Zuviría
Estampas de Buenos Aires
,
autorretrato e colagem
em cartaz com técnica mista;
e
Evita, San Telmo, cartaz e fotografia de rua
em cópia Cibachrome; e dois registros da
exposição na Fundação Bemberg

















Ao justificar os critérios historiográficos e estéticos da curadoria, Alexis Fabry também ressalta que, enquanto nos países da Europa e nos Estados Unidos a Pop Art se concentra em comentários de metalinguagem sobre a sociedade de consumo, na maior parte dos países da América Latina a influência da Pop Art estabelece um diálogo imprevisível com o artesanato e com a arte ingênua das festas populares. Na perspectiva do Brasil, tal diálogo se estabelece principalmente com o que a cultura erudita costuma nomear como vulgar, como brega e como cafona – termos carregados de preconceito desde a origem linguística: “vulgar” é uma definição para o grosseiro e o obsceno porque tem origem popular, acessível a todos, enquanto “brega” seria o gênero do exagero dramático, ingênuo ou mal feito, e “cafona”, equivalente ao italiano “cafone” (camponês, periférico, rude, estúpido), identifica o que as elites descartam e classificam como imitações grosseiras ou fora de moda.







Resposta original e popular


Vale acrescentar, sobre o acervo reunido com a chancela de “paraísos latinos”, que alguns dos adjetivos pejorativos citados como juízos de valor – vulgar, brega, ridículo ou cafona – são termos que, traduzidos em outras línguas, encontram sinônimos ou correlatos na complexidade de conceitos como o kitsch” ou o “camp”, foram amplamente discutidos e problematizados durante todo o século 20 por teóricos da cultura como o alemão Theodor Adorno ou a norte-americana Susan Sontag. Em outras palavras, são termos que, antes de carregarem definições apressadas, elitistas e muito preconceituosas, como mau gosto, como exagero ou como falso e artificial, deveriam ou poderiam ser caracterizados como uma resposta original e popular à cultura de massa e aos processos de industrialização, seja nos chamados países do Primeiro Mundo ou nos países periféricos do Sul Global. 

Sobre a questão, Susan Sontag escreveu um ensaio tão breve como definitivo, Notes on Camp”, reunindo 58 notas muito esclarecedoras e abrindo a argumentação com uma dedicatória ao escritor inglês Oscar Wilde, que escreveu “deveríamos todos ser uma obra de arte ou vestir uma obra de arte”. O ensaio de Sontag, publicado em dezembro de 1964 na revista de política e cultura “Partisan Review” e posteriormente incluído entre os ensaios que a autora escolheu para publicação no livro de 1966 “Contra a interpretação” (editado no Brasil pela Companhia das Letras), foi responsável por apresentar a autora a um público mais amplo e ela própria o considerava uma espécie de "marco zero" em seu prestígio como intelectual voltada para as questões sociais.

Entre outras, a nota de número 55 nas análises de Sontag é especialmente esclarecedora. Ela traz uma advertência para o leitor: “O gosto Camp é, acima de tudo, uma forma de prazer, de apreciação  não de julgamento. O Camp é generoso. Quer divertir. Só aparentemente é maldoso, cínico. (Ou, se é cínico, não é um cinismo impiedoso, mas doce.) O gosto Camp não propõe que é de mau gosto ser sério; não zomba de quem consegue ser seriamente dramático. Ele descobre o sucesso em certos intensos fracassos”. Seguindo o raciocínio que Sontag apresenta, o “camp” (ou o “kitsch”, ou o “brega”, ou o “cafona”), em suas mais diversas variantes, surge como um produto ou uma obra de uma estética especial que consegue a proeza de imitar para ironizar, e tornar ridículo, tudo o que seja previamente identificado para consumo exclusivo das elites e das classes dominantes. Tal enfrentamento faz dele um estilo para obras e artistas que podem adquirir uma importância fundamental para refletir as causas sociais.


por José Antônio Orlando.

Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fotografia em paraísos tropicais. In: Blog Semióticas, 10 de janeiro de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/01/fotografia-em-paraisos-tropicais.html (acessado em .../.../…).


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Fotógrafos e a
rtistas em Les Paradis Latins”:

 

Luiz Alphonsus (Brasil), Édgar Álvarez (Colômbia), Yolanda Andrade (México), Constantino Arias (Cuba), Aristides Ariza (Colômbia), Éver Astudillo (Colômbia), Pepe Avilés (Equador), Daniel Barraco (Argentina), Álvaro Barrios (Colômbia), Gerardo Bastón (México), Juan Enrique Bedoya (Peru), Ricardo Bezerra (Chile), Bandi Binder (Argentina), Joaquín Blez (Cuba), Hugo Brehme (México), Jorge Cáceres (Chile), Johanna Calle (Colômbia), Carlos Caputto (Argentina), Anselmo Carrera (Peru), Daniel Chauche (Guatemala), María Eugenia Chellet (México), Gilberto Chen (México), Cif (México), Raúl Corrales (Cuba), Armando Cristeto (México), Ayrton de Magalhães (Brasil), Gertrudis de Moses (Chile), Facundo de Zuviría (Argentina), Hector Delgado (Peru), Hernan Díaz (Colômbia), Wilson Díaz (Colômbia), Felipe Ehrenberg (México), Paz Errázuriz (Chile), Gustavo F. Silva e Nahui Olin (México), Simón Flechine (México), George Friedman (Argentina), Flavia Gandolfo (Peru), Andrés Garay (México), Kattia García Fayat (Cuba), Antonio Garduño (México), Pedro Juan Guttiérrez (Cuba), Maria Eugenia Haya (Cuba), Annemarie Heinrich (Argentina), Armando Herrera (México), Terry Holiday (México), Graciela Iturbide (México), Maripaz Jaramillo (Colômbia), Agustin Jiménez (México), Alejandro Kuropatwa (Argentina), Melitta Lang (Argentina), Fabrizio León Diez (México), Sandra Llano-Mejía (Colômbia), Marcos López (Argentina), Rogelio López Marin (Cuba), Sergio Marras (Chile), Agustin Martínez Castro (México), Daniel Merle ( Argentina), Jorge Maria Múnera (Colômbia), Juan Ocón (México), Martin Ortiz (México), Pablo Ortiz Monasterio (México), Adolfo Patiño (México), Valle Polifoto (Colômbia), Juan Ponce Guadián (México), Santiago Rebolledo (Colômbia), Miguel Rio Branco (Brasil), Carla Rippey (México), Manuel Jesus Serrano (Equador), José Sigala (Venezuela), Francisco Smythe (Chile), Guadalupe Sobarzo (México), Grete Stern (Argentina), Rubén Torres Llorca (Cuba), José Trinidad Romero (México), Sergio Trujillo (Colômbia), Jorge Vall (Venezuela), Manolo Vellojín (Colômbia), José Luis Venegas (México), Leonora Vicuña (Chile) e Rogelio Villarreal (México).





 





Fotografia em paraísos tropicais: no alto,
flagrante da exposição na Fundação Bemberg,
em fotografia de
Frederic Scheiber.

Acima, a partir do alto:
1) Colagens, Caderno 2
(Colômbia, 1980), recortes e arte em técnica
mista, criação de
Éver Astudillo;
2) Cristina Molina 
(México, 1970), colagem
com intervenções a caneta e lápis
de cor por
Juan Ponce Guadián;
e
3) Monumento ao Marques de Sade
(Chile, 1947), colagem e montagem com
fotografias por
Jorge Cáceres



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