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11 de outubro de 2020

Guimarães Rosa encontra Aracy

 




O sertão é do tamanho do mundo.   

 – João Guimarães Rosa (1908-1967).   

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A história de amor de João Guimarães Rosa e Aracy Moebius de Carvalho até parece uma história imaginada pela ficção – tanto que foi adaptada como roteiro para uma série de TV baseada nos fatos reais. Aracy e o escritor se conheceram às vésperas da Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, quando começaram a trabalhar juntos no consulado brasileiro em Hamburgo, e viveram juntos até a morte do escritor em 1967. Depois daquele encontro, Guimarães Rosa, com apoio de Aracy, publicaria livros de ficção que se tornariam um cânone da literatura brasileira. Ela, por sua vez, teria notável importância como funcionária do setor de vistos do consulado brasileiro, salvando muitas vidas ao ajudar judeus que fugiam da perseguição nazista a imigrarem para o Brasil e para outros países, driblando o regime nazista e as regras do governo de Getúlio Vargas que proibia a concessão a “semitas e outros indesejáveis”.

Conhecida no Brasil e no exterior com reverência pela designação “Anjo de Hamburgo”, depois do fim da guerra Aracy seria homenageada pelo Museu do Holocausto de Washington, nos EUA, e também receberia a honraria de ter seu nome destacado no Jardim dos Justos entre as Nações no Yad Vashem, o Memorial do Holocausto no Estado de Israel – um título reservado a um pequeno número de não judeus que se arriscaram para salvar judeus da perseguição nazista e que inclui apenas mais um brasileiro, o diplomata Luiz Martins de Souza Dantas, que atuava na França durante a Segunda Guerra. Filha de pai português e mãe alemã, Aracy viveu em São Paulo desde a infância, mas nasceu em Rio Negro, pequena cidade do Paraná onde sua família estava de passagem, em 1908, mesmo ano em que nasceu Guimarães Rosa em Minas Gerais.







Guimarães Rosa encontra Aracy: no alto e acima,
o casal em viagem à Itália, em 1950. Abaixo,
Aracy (à direita) e Guimarães Rosa (à esquerda)
com diplomatas na sede do consulado do Brasil
em Hamburgo, Alemanha. Também abaixo,
fotografias de Aracy no consulado de Hamburgo
e a capa da biografia de Aracy, publicada em 2011
e escrita por Mônica Raisa Schpun, e a capa e
contracapa de Ave, Palavra, livro com uma
miscelânea de textos que Guimarães Rosa
escreveu na época em que foi cônsul-adjunto
em Hamburgo, na Alemanha, durante a
Segunda Guerra Mundial





















Em 1930, aos 22 anos, Aracy Moebius de Carvalho se casou com o alemão Johann Eduard Ludwig Tess e teve um filho, Eduardo Carvalho Tess. O casamento enfrentou dificuldades e teve curta duração, chegando ao fim em menos de cinco anos. Em seguida, Aracy partiu para viver na Alemanha com o filho, a mãe e uma irmã, com a intenção de evitar o assédio e o preconceito que as mulheres separadas do marido sofriam no Brasil. Por sua fluência em português, inglês, francês e alemão, em pouco tempo ela conseguiu uma nomeação para trabalhar no consulado brasileiro em Hamburgo, onde atuava na chefia da seção de passaportes.



Temporada na Alemanha



Aracy também não foi a primeira esposa de Guimarães Rosa. Nascido em 1908 na pequena cidade mineira de Cordisburgo, ainda na infância Rosa foi morar com os avós em Belo Horizonte para continuar os estudos e mais tarde formou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Em 1930, seis meses antes da formatura, casou-se no dia em que completou 22 anos com uma vizinha que conhecia desde os tempos de infância, Lygia Cabral Penna, na época com apenas 16 anos. Depois de formado, Rosa perambulou a trabalho, como médico, com a esposa pelo interior de Minas Gerais. O casal teve duas filhas, das quais o próprio Rosa fez o parto: Vilma, que nasceu em 1931 em Itaguara; e Agnes, que nasceu em 1933 em Barbacena.



          






Guimarães Rosa encontra Aracy: acima,
o escritor fotografado por Eugênio Silva
para a revista O Cruzeiro durante a
viagem pelo sertão de Minas Gerais,
em maio de 1952, acompanhando um
grupo de vaqueiros que guiava cerca
de 300 bois e vacas por um percurso de 10
fazendas em 240 quilômetros, seguindo de
Três Marias a Araçaí (veja outras fotografias
das viagens de Guimarães Rosa pelo sertão em
Semióticas - Das Minas Gerais).


As anotações de Rosa durante a travessia pelo
sertão com os vaqueiros seriam fundamentais
para a literatura que ele produziu nos anos
seguintes, incluindo Grande Sertão: Veredas
e Corpo de Baile, livros publicados em 1956,
e Tutaméia, publicado em 1967. Abaixo,
capa e contracapa do livro biográfico
Relembramentos, que a filha do escritor,
Vilma Guimarães Rosa, publicou
em 1986. Na capa, uma fotografia da autora
no colo de seu pai; na contracapa, Rosa e
a primeira esposa, Lygia, mãe de suas filhas
Vilma e Agnes, fotografados em 1930
durante a viagem de lua de mel







Em 1934, desiludido com a profissão, Guimarães Rosa seguiria com a família para o Rio de Janeiro, onde prestou concurso para o Itamaraty. Aprovado em segundo lugar, foi designado para sua primeira função no exterior no cargo de cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, mas viajou para a Europa sem a mulher e as filhas. Em 1938, em Hamburgo, o jovem diplomata conheceria e iria se apaixonar por Aracy, que seria sua segunda esposa. Rosa e Aracy permaneceram na Alemanha até 1942, quando o governo Vargas rompeu relações com Hitler e passou a apoiar as Forças Aliadas sob a liderança de Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética na guerra contra as Potências do Eixo representadas por Alemanha, Itália e Japão. O desfecho da temporada na Alemanha, durante a Segunda Guerra, foi dramático: o casal ficou por cem dias sob custódia do governo alemão, até ser libertado em troca de diplomatas da Alemanha que estavam presos no Brasil sob acusação de espionagem. 



Anjo de Hamburgo



Guimarães Rosa e Aracy se casaram oficialmente por procuração em 1947 na embaixada do México no Rio de Janeiro, porque não havia ainda o divórcio no Brasil. Depois, Rosa também prestaria serviço diplomático na Colômbia e na França, nas embaixadas brasileiras em Bogotá e em Paris. De volta ao Brasil, Rosa, incentivado por Aracy, se lançou em uma aventura pelo sertão de Minas Gerais que marcaria definitivamente sua vida e os livros que publicou. A viagem iria repetir uma excursão que o escritor fez a Minas Gerais em dezembro de 1945 e que resultou em anotações e observações fundamentais para a edição final de seu primeiro livro, “Sagarana”, publicado em 1946, reunindo nove contos com temas inspirados na vida rural e na cultura sertaneja.










Guimarães Rosa encontra Aracy:
  acima,
o escritor fotografado por Eugênio Silva
em 1952, durante a 
viagem pelo sertão de
Minas Gerais
, e no retrato com Aracy.

Abaixo, duas imagens da série fotográfica
que Maureen Bisilliat realizou na região
de Corinto, Minas Gerais, em 1966, inspirada
na literatura de Rosa e especialmente em
"Grande Sertão: Veredas". O livro, na
primeira edição, em 1956, abre com uma
dedicatória de Guimarães Rosa:

                                                A
                                                Aracy, minha mulher, Ara
                                                pertence este livro.













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A segunda excursão de Guimarães Rosa pelo Sertão de Minas Gerais durou de 10 a 28 de maio de 1952 e teve início com a partida do Rio de Janeiro para a fazenda da Sirga, propriedade de seu primo Francisco Moreira, próxima a Andrequicé, um lugarejo na região onde, anos depois, seria construída a usina hidrelétrica do Alto São Francisco, mais conhecida como represa de Três Marias. Três dias depois de chegar à fazenda da Sirga, Rosa seguiu viagem acompanhando um grupo de 18 vaqueiros. Nos dias seguintes, o grupo seria reduzido para oito vaqueiros, levando cerca de 300 cabeças de gado para atravessar um percurso de 240 quilômetros, passando por 10 fazendas e por diversos lugarejos até chegar a Araçaí, na região central de Minas Gerais, que era sua terra natal.

Próximo a Cordisburgo, cidade em que Rosa nasceu e etapa final da viagem, a comitiva encontra uma equipe de “O Cruzeiro”, com o fotógrafo Eugênio Silva e o repórter Álvares da Silva, que registram a aventura em uma fotorreportagem publicada pela revista. Durante a travessia com os vaqueiros, o escritor também se dedica a fazer diversas anotações em cadernetas que, a exemplo do que aconteceu com a versão final de “Sagarana”, seriam depois recriadas como referências fundamentais para os livros que publicou, entre eles “Corpo de Baile" (1956), “Primeiras Estórias” (1962), “Tutameia” (1967) e “Grande Sertão: Veredas” (1956). As cadernetas que registram a travessia com os vaqueiros foram transcritas pelo escritor em diários de viagem que ele intitulou Boiada”. Cadernetas e diários estão guardados em pastas no Arquivo Guimarães Rosa, atualmente no acervo gerenciado pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP).

De volta ao Rio de Janeiro e vivendo com Aracy, Rosa publicou seus livros e foi eleito em 1963 para a Academia Brasileira de Letras, mas adiou a cerimônia de posse por quatro anos por causa de um pressentimento que nunca foi esclarecido. Tomou posse somente em 1967 e morreu de ataque cardíaco três dias depois, em 19 de novembro, aos 59 anos, no ápice da carreira na literatura e no serviço diplomático. Aracy, a quem o escritor dedicou sua obra-prima “Grande Sertão: Veredas”, e que durante 30 anos foi leitora atenta, primeira revisora e incentivadora de suas criações literárias, não se casou novamente e morreria aos 102 anos, em 28 de fevereiro de 2011. Após a morte de Rosa, ela também teve papel importante no apoio a artistas e intelectuais perseguidos pela ditadura militar que tomou o poder no Brasil em 1964.





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Guimarães Rosa encontra Aracy: acima,
Aracy em fotografia de 1939 e o casal na
década de 1950. Abaixo, fac-símile de uma
reportagem de abril de 2008 publicada no
caderno "Ideias", do Jornal do Brasil, que
anunciava o centenário de Aracy e
reproduzia uma fotografia do álbum de
família com Rosa e Aracy em Berlim
em 1939. Também abaixo, uma fotografia de
divulgação da série O Anjo de Hamburgo
que terá Sophie Charlotte no papel de Aracy
e Rodrigo Lombardi como Guimarães Rosa











 

A história de Aracy está registrada no livro “Justa. Aracy de Carvalho e o resgate de judeus: Trocando a Alemanha nazista pelo Brasil”, biografia escrita pela historiadora brasileira Mônica Raisa Schpun, professora do Centro de Estudos sobre o Brasil na École des Hautes Études em Sciences Sociales, na França, e publicada pela editora Civilização Brasileira em agosto de 2011. A biografia teve os direitos adquiridos pela Rede Globo logo após a publicação e foi o argumento principal para o roteiro de “O Anjo de Hamburgo”, primeira série em inglês produzida pela Globo, em parceria com a Sony Pictures Television, ainda sem data anunciada para exibição, já que a produção foi suspensa devido à pandemia do novo coronavírus. Na série, com direção de Jayme Monjardim, Aracy será interpretada pela atriz Sophie Charlotte, com Rodrigo Lombardi no papel de Guimarães Rosa.

A temporada de Guimarães Rosa e Aracy no consulado brasileiro em Hamburgo e na atuação para salvamento de judeus ameaçados pelo regime nazista também está registrada em dois documentários: “Esse viver ninguém me tira”, filme de 2014 com roteiro de Alessandra Paiva e direção de Caco Ciocler, e “Outro Sertão”, filme de 2013 de Soraia Vilela e Adriana Jacobsen que venceu o prêmio especial do júri no 46° Festival de Brasília. As diretoras de “Outro Sertão” investigaram, durante uma década, os rastros e vestígios da história em arquivos na Alemanha, Brasil, Israel e Portugal, revelando documentos e testemunhos de sobreviventes do Holocausto, além da descoberta de uma entrevista até então inédita que Rosa concedeu à TV da Alemanha.










Guimarães Rosa encontra Aracy:
acima, o casal e sua família de gatos
no apartamento em que moravam, no
Rio de Janeiro, e Rosa em seu escritório
de trabalho, em fotografias de 1957.

Abaixo, os trailers dos documentários
Outro Sertão, de 2013, e Esse viver
ninguém me tira
, de 2014, e também:

1) Guimarães Rosa em colagem com as
capas das primeiras edições de seus livros;
2) Aracy em fotografia de 1939, na
época em que trabalhava em Hamburgo;
3) Rosa em frente ao Palácio do
Itamaraty no Rio de Janeiro, em 1964,
fotografado por David Drew Zingg; e
4) o ex-presidente Juscelino Kubitschek
com Rosa na cerimônia de posse do
escritor na Academia Brasileira de Letras,
em 16 de novembro de 1967; 5) cartas e
anotações
de Rosa no acervo do escritor,
no IEB/USP. Guimarães Rosa morreria três
dias depois da posse na ABL, aos 59 anos.
No final da página, Rosa e Aracy em
Hamburgo, em fotografia do final da
década de 1930, da época em
que se conheceram










A entrevista, concedida por Guimarães Rosa ao crítico literário Walter Höllerer, estava perdida nos arquivos da emissora alemã de TV e tem as únicas imagens conhecidas com um depoimento do escritor em movimento. Gravada em 1962, a entrevista nunca havia sido exibida porque o programa-piloto, planejado para apresentar escritores de vários países, não foi aprovado pela direção da TV e as gravações terminaram sendo enviadas para o acervo do Arquivo Radiofônico Central da Alemanha. A temporada em Hamburgo durante a Segunda Guerra também é o tema central dos fragmentos reunidos em “Ave, Palavra”, livro póstumo de Guimarães Rosa publicado em 1970 pela Nova Fronteira, com edição de Paulo Rónai que apresenta uma miscelânea de contos, memórias, trechos dos diários de Rosa, poemas e reflexões poéticas e filosóficas.



Vetado pelos herdeiros



Nas últimas décadas, chama a atenção o fato de terem sido completamente opostas as atitudes dos herdeiros de Rosa e de Aracy. Enquanto a biógrafa Mônica Schpun e os diretores dos documentários citados conseguiram autorização e apoio dos herdeiros de Aracy, do filho e de quatro netos, sem restrições para divulgação e publicação de informações pessoais e livre acesso a uma extensa documentação dos arquivos que foram doados ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, o posicionamento dos herdeiros do escritor é de veto irredutível. Suas duas filhas e herdeiras não autorizam a publicação de biografias, apresentam dificuldades e impedimentos para a publicação de sua correspondência ativa e passiva com outros escritores e com tradutores, e proibiram todas as iniciativas para a publicação de seus célebres diários – entre eles os cadernos que registram a longa temporada em Hamburgo, da época em que Rosa conheceu Aracy, mais os diários de Paris (escritos no final da década de 1940 e começo da década de 1950, quando Rosa atuou na embaixada brasileira) e suas anotações sobre viagens pela Europa e sobre as viagens pelos sertões de Minas Gerais.








Da extensa correspondência de Guimarães Rosa com seus amigos e familiares, apenas uma pequena seleção foi publicada no livro “Relembramentos: João Guimarães Rosa, meu pai”, de autoria da primogênita do escritor, Vilma Guimarães Rosa, que também escreveu e publicou oito livros de contos. “Relembramentos” teve a primeira edição em 1983 e foi relançado pela editora Nova Fronteira no ano 2000, trazendo um relato biográfico que nada acrescentou ao já dito sobre Rosa e amostras de fotografias dos álbuns de família, de algumas cartas do autor para seus parentes, de seus discursos e de entrevistas e palestras de Vilma sobre a obra e a personalidade do pai.

Além do perfil biográfico publicado por Vilma, uma exceção foi a publicação em 1972 de “Joãozito: A infância de João Guimarães Rosa”, livro escrito por Vicente Guimarães que teve uma reedição revista e ampliada publicada em 2006 pela Panda Books. O autor, que morreu em 1981 e conviveu com Rosa na infância e juventude, revela histórias sobre os tempos de criança e sobre os moradores de Cordisburgo que se tornaram personagens dos livros, incluindo a reprodução da correspondência que os dois trocaram durante anos. Os componentes autobiográficos no livro de Vicente Guimarães foram atenuantes para contrapor qualquer impedimento pelos herdeiros de Rosa, mas outros autores não tiveram a mesma sorte.

Em 2008, Vilma entrou com um processo judicial contra a publicação da biografia “Sinfonia Minas Gerais: A vida e a literatura de João Guimarães Rosa”, escrita por Alaor Barbosa e lançada pela LGE Editora. Além de ser contra a publicação da biografia não autorizada, Vilma acusava o autor de ter plagiado sua obra “Relembramentos”. O livro de Alaor Barbosa, também biógrafo de Monteiro Lobato e de outros escritores, foi recolhido em 2008 por uma determinação judicial e finalmente liberado em 2014, em uma decisão inédita em casos semelhantes. O autor, contudo, preferiu que sua versão para a biografia de Rosa não retornasse às livrarias.









Há notícias de outras biografias, teses e pesquisas acadêmicas sobre Guimarães Rosa e sua obra que também tiveram a publicação vetada pelos herdeiros, veto que também dificultou a publicação de livros que foram organizados por pesquisadores ligados a universidades apresentando a íntegra dos célebres diários do escritor e a correspondência em cartas que ele trocou durante anos com outros escritores e com seus tradutores para francês, inglês, alemão, espanhol, italiano. Também na publicação de livros com as correspondências, há exceções, três delas editadas em 2003 e uma em 2017. A correspondência trocada de 1958 a 1967 com Curt Meyer-Clason, tradutor de Rosa para o alemão, foi publicada em edição conjunta da Academia Brasileira de Letras (ABL), Editora UFMG e editora Nova Fronteira; a correspondência com Edoardo Bizzarri, tradutor da obra para o italiano, saiu em edição conjunta da Editora UFMG e editora Nova Fronteira; e a cartas para William Angel de Mello, tradutor de Rosa para o espanhol, tiveram edição conjunta pela Ateliê Editorial e Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes.

Em 2017 também teve publicação na Espanha, pelas Ediciones Universidad de Salamanca, o livro “João Guimarães Rosa: Un exiliado del linguage común”, apresentando uma seleção de cartas inéditas do escritor que pertencem ao acervo da Academia Brasileira de Letras. A publicação foi organizada por Ascensión Rivas Hernández e, além das cartas, inclui ensaios de Marco Lucchesi, atual presidente da ABL, e de outros pesquisadores do Brasil e da Espanha. Ainda aguardam publicação os diários de Rosa, outros textos inéditos e a maior parte das cartas, entre elas a correspondência com a norte-americana Harriet de Onís, tradutora das primeiras edições de “Grande Sertão” e “Sagarana” em inglês. Como tudo indica que ainda deverá permanecer o veto autoritário dos herdeiros à publicação de biografias de Guimarães Rosa e de documentos de seu acervo literário e biográfico, seus leitores e pesquisadores só podem esperar pela passagem do tempo sem ter pressa. Atualmente, o período determinado pelas leis que protegem os direitos autorais e a propriedade intelectual no Brasil tem validade até o dia 1° de janeiro seguinte aos 70 anos da morte do autor.


por José Antônio Orlando.


Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Guimarães Rosa encontra Aracy. In: Blog Semióticas, 11 de outubro de 2020. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2020/10/guimaraes-rosa-encontra-aracy.html (acessado em .../.../...).








Para comprar o livro Relembramentosclique aqui.



















12 de maio de 2019

O brinquedo nazista








Os jogos infantis são impregnados de comportamentos
miméticos que não se limitam de modo algum à imitação
de pessoas. A criança não brinca apenas de ser comerciante
ou professor, mas também de ser moinho de vento e trem.
A questão importante, contudo, é saber qual a utilidade
para a criança desse adestramento da atitude mimética.

–– Walter Benjamin, 1928.    



No senso comum está, muitas vezes, a ideia de que tanto jogos, brinquedos e brincadeiras, como as etiquetas do antigo comportamento em geral eram muito melhores que os de hoje em dia, seja esta ideia um modo melancólico de utopia nostálgica ou mesmo um argumento para criticar e contrapor, em nossos dias, a onipresença cotidiana de objetos eletrônicos e virtuais, videogames e telemáticas de formatos e definições variadas, computadores, celulares e seus similares. A percepção do senso comum também confirma que jogos e brinquedos formam uma parte importante da nossa identidade na trajetória de nossas vidas individuais e coletivas, assim como fazem e sempre fizeram parte de todas as culturas em todas as épocas. Mas o que as maneiras de brincar dizem sobre uma sociedade?

A questão foi objeto de investigação filosófica e histórica por pensadores e pesquisadores das mais diversas áreas e nacionalidades, de Sigmund Freud e Ludwig Wittgenstein a Johan Huizinga, de Jean Piaget e Roger Caillois a Umberto Eco, de Maria Montessori e Joffre Dumazedier a Ellen Key, de Lev Vygotsky e Melanie Klein a Roland Barthes, de Walter Benjamin a Paulo Freire e Tizuko Kishimoto, entre outros. Na Antiguidade Clássica, Aristóteles já destacava o valor do jogo por sua autossuficiência, nos livros de sua “Arte Retórica” (publicados em texto integral no Brasil pela Editora Edipro), e interrogava sobre sua causa final em variáveis como luta e disputa, derrota e vitória, para concluir que, em toda circunstância, são as formas do prazer pelo próprio jogo o que procuram aqueles que jogam. Sobre as reflexões pioneiras de Aristóteles talvez seja também importante lembrar que, em grego, há uma revelação etimológica sobre as relações que se estabelecem entre infância, jogos e brincadeiras: todos os vocábulos referentes às atividades lúdicas estão ligados à palavra criança (“pais”, paidí“paidós”) e o verbo paizeim, que se traduz por “brincar”, também pode ser traduzido literalmente por “hora de brincar” ou “agir como criança”.










O brinquedo nazista: no alto, boneca produzida
pela tradicional empresa Käthe Kruse, que adotou
na década de 1930 uniformes militares nazistas
ou da Juventude Hitlerista para sua extensa linha
de bonecas e bonecos. Acima, a capa do livro de
André Postert e a reconstituição pelo autor de
um quarto de criança de classe média
na Alemanha da década de 1930.

Abaixo, as peças originais do jogo de
tabuleiro A Corrida da Vitória da Suástica
(Der siegeslauf des hakenkreuzes), lançado
quando Hitler tomou o poder em 1934.
Todas as imagens desta página fazem parte
do acervo reunido por André Postert












No último século, Walter Benjamin, vivendo na Alemanha em tempos sombrios que testemunhavam o avanço rumo ao poder e à destruição do nazismo, também deixou pesquisas e escritos reveladores sobre a prática de jogos como repetição e sobre as formas alegóricas de brincar. No ensaio “Brinquedos e jogos”, publicado em 1928 com o subtítulo “Observações marginais sobre uma obra monumental” (publicado no Brasil em “Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação”, livro da Editora 34), Benjamin ressalta a polissemia da palavra “jogos” – na língua alemã, “spiel” (no singular) ou “spiele” (no plural) é um substantivo que pode ser traduzido tanto por “jogos” como por “brincadeiras”. “Spieler” se traduz por jogador; “spielerisch”, por brincalhão; assim como “spielen”, o verbo relacionado ao termo, tem, entre outros significados, “brincar”, “jogar” ou “representar”.



Ideologia bélica e macabra



No duplo sentido, em alemão, da palavra “spiele” e da prática de jogos e brincadeiras, Benjamin faz referências sobre as maneiras de brincar e sobre as fantasias e percepções construídas na brincadeira, nas lutas e na destruição dos brinquedos, nos objetos e na imaginação que marcam a vida cotidiana estampada no singular e no plural. “A essência do brincar não é um ‘fazer como se’, mas um ‘fazer sempre de novo’, transformar a experiência mais comovente em hábito”, alerta Benjamin, para concluir que “o hábito entra na vida como brincadeira, e nele, mesmo que em formas mais enrijecidas, sobrevive até o final um restinho da brincadeira”. Se é verdade, como questiona Benjamin, que para cada um existe uma imagem em cuja contemplação o mundo inteiro submerge, para quantas pessoas essa imagem não se levanta de uma velha caixa de brinquedos? 








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O brinquedo nazista: no alto, fotografia de
álbum de família na Alemanha da década de 1930.
Acima, bonecos produzidos pela Käthe Kruse:
à esquerda, folheto com anúncio do lançamento
Friedebald Puppe, boneco com mecanismo para
erguer o braço para a saudação a Hitler e que
esgotou rapidamente no mercado pela demanda
de exportações no começo da Segunda Guerra;
à direita, soldadinho de feltro, também
produzido pela Käthe Kruse, com enchimento
de algodão e uniforme militar completo.

Abaixo, bonecos em metal para a
coleção Mini-Nazis, que eram vendidos
separadamente; e fotografia de álbum de família
com meninos em 1938 estreando os presentes
de jogos de guerra sob a árvore de Natal













O questionamento filosófico e nostálgico identificado por Walter Benjamin em 1928 parece ter sido tomado literalmente como fio condutor pelo historiador André Postert, que desde 2014 atua como pesquisador associado do Instituto Hannah Arendt na cidade alemã de Dresden. Postert investigou durante anos, em arquivos e bibliotecas da Alemanha, os registros mais variados sobre os jogos infantis e as velhas caixas de brinquedos. Os resultados das pesquisas agora estão reunidos no livro “Kinderspiel, Glücksspiel, Kriegsspiel: Große Geschichte in kleinen Dingen 1900-1945” (em tradução livre, Jogo infantil, jogo de sorte, jogo de guerra, Grande História em pequenas coisas 1900-1945”), lançamento da Editora DTV em alemão e outras línguas (veja o link para leitura dos primeiros capítulos no final deste artigo).

Limitando sua investigação à primeira metade do século 20, Postert descreve práticas e objetos muitas vezes macabros que foram extremamente populares: de bonecas e bonecos em seus uniformes militares a carrinhos e miniaturas de aviões, tanques e submarinos, réplicas de armas, jogos de tabuleiro, cartas de baralhos, cartelas de sorteios, dados, livros infantis e fichas impressas e ilustradas, brinquedos com algum teor erótico, peças de xadrez ou uma variedade de peças para montar. Os itens do inventário que Postert organizou surpreendem porque comprovam os indicativos explícitos de uma profunda e intensa propaganda para a ideologia bélica, violenta e antissemita. Como agravante, no perfil da grande maioria dos brinquedos e dos jogos com estratégias de batalha, na época das duas guerras mundiais, todos com muitas estampas de armas, suásticas, escudos e outros símbolos nazistas, os apelos para crianças e adultos eram sempre anunciados em destaque como “educativos”.










O brinquedo nazista: no alto, miniaturas de
tanque de guerra, sucesso de vendas no
começo da década de 1940. Acima, pai e
filho brincam com miniatura de submarino
em fotografia promocional de 1941.

Abaixo, os tabuleiros e peças de
Juden raus! (Fora judeus!), lançado
em 1936 pela Günther & Co. com o rótulo de
um jogo para toda a família” e no qual o
vencedor era o jogador que primeiro conseguisse
recolher” seis judeus antes dos outros. Também
abaixo, outro jogo de tabuleiro de conteúdo
antissemita, Sakampf, em que os jogadores
disputavam pelo título de ser o primeiro a
destruir a democracia na Alemanha












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Suásticas no tabuleiro



Na apresentação a seu inventário, André Postert destaca que jogos e brinquedos são reveladores sobre o comportamento de uma sociedade: eles representam o “zeitgest”, o “espírito da época” ou o sinal dos tempos. Segundo Postert, jogos, brinquedos e brincadeiras podem ser bons indicadores sobre o passado no tempo presente porque retratam a história em todos os seus aspectos, incluindo aqueles que em sua época não foram compreendidos, ou porque foram ignorados ou porque foram mascarados com sérias intenções ideológicas: tanto aspectos referentes às questões de tecnologia e economia como as implicações sobre política, educação, comportamento, racismo, fanatismo, religião, injustiça, crimes e guerras. “Alguns jogos e brinquedos são apenas uma moda passageira”, aponta Postert, “enquanto outros às vezes experimentam um renascimento inesperado depois de décadas. Acredito que isso acontece porque jogos e brinquedos não apenas escrevem a história, mas também refletem a história”.

A chegada de Adolf Hitler ao poder e à ditadura nazista na Alemanha abrange o período que vai de 1933 até o fim da Segunda Guerra, 1945, mas desde o começo do século 20 os jogos e brinquedos com orientação bélica e racista já ocupavam o mercado e as linhas de produção da poderosa indústria alemã. O auge para tal indústria antecede a Segunda Guerra e termina por alcançar os índices recordes de maior produção global para a Alemanha nas décadas de 1920 e 1930. Sob o controle de Hitler e do Partido Nazista (NSDAP), a Alemanha foi transformada em um estado totalitário fascista em que a vontade do Führer (líder) estava acima das leis e controlava todos os aspectos da vida dos cidadãos. Na Alemanha Nazista, também chamada de Terceiro Reich, a indústria de brinquedos foi transformada em mais uma engrenagem de sua gigantesca máquina de propaganda.












O brinquedo nazista: no alto, página do
catálogo de 1936 de miniaturas militares
da Hausser, uma das maiores fabricantes de
brinquedos da Alemanha na década de 1930.
Acima, o tabuleiro original de Guetto,
jogo que tem como tema a vida cotidiana no
campo de concentração de Theresienstadt
e que foi criado por um artista judeu,
Oswald Pöck, sequestrado em Viena, na
Áustria, em novembro de 1941, para ser
executado em Theresienstadt. Pöck
sobreviveu durante anos no cativeiro e
morreu em setembro de 1944, assassinado
no campo de concentração de Auschwitz.

Abaixo, a caixa original e uma seleção
de fichas de outro campeão de vendas,
o jogo de tabuleiro Weltkrieges Spiel
(Jogo da Segunda Guerra Mundial)












Enquanto os grandes fabricantes de brinquedos abraçavam as bandeiras do Terceiro Reich, em suas causas bélicas e racistas de perseguição e assassinato de judeus e outros grupos considerados indesejáveis, Joseph Goebbels, o todo poderoso ministro da Propaganda, atuava para lançar mão de todos os recursos para controle da opinião pública alemã, censurando e também assassinando qualquer oposição na cena política, nas escolas e na cultura em geral, promovendo determinadas formas de expressão artística favoráveis aos planos nazistas e fascistas e proibindo qualquer questionamento. Postert destaca que a indústria de brinquedos aceitou todas as formas de controle sem nenhuma resistência e que o próprio Hitler, assim como Goebbels, ia publicamente a mercados, a empresas e a grandes lojas de departamentos no Natal e em datas cívicas para promover, em ações direcionadas de publicidade, certos jogos e brinquedos, distribuindo presentes na presença da imprensa e de grandes plateias em situações planejadas nos mínimos detalhes. A mensagem era direta: “nós amamos as crianças e as crianças nos amam”.



A propaganda explícita



Entre as grandes empresas que comandavam a produção industrial, listadas no inventário de Postert, há muitos casos que impressionam pelo conteúdo bélico e racista dos jogos e brinquedos, de propaganda do estado totalitário, e pelos altos volumes de vendas que tais itens alcançaram. Entre eles está o marco representado pela empresa Käthe Kruse, que adotou uniformes militares nazistas ou da Juventude Hitlerista para sua extensa linha de bonecas e bonecos, ou o macabro “Juden raus!” (Fora judeus!), lançado em 1936 pela Günther & Co. com o rótulo de “um jogo para toda a família”. Na estratégia do “Juden raus!”, jogadores assumem nas peças do tabuleiro o papel de policiais e, ao ritmo de lances de dados, podem invadir propriedades, confiscar bens, prender famílias inteiras de judeus e fazer deportação de sequestrados para os campos de concentração. O vencedor era o jogador que conseguisse “recolher” seis judeus antes dos outros.












O brinquedo nazista: a partir do alto,
Hitler ao lado de um de seus comandantes
de alta patente recebem crianças em foto
promocional distribuída à imprensa no Natal
de 1939. Acima, o ministro da Propaganda
do Terceiro Reich, Joseph Goebbels, leva
as filhas Hilde e Helga (à esquerda) para
uma visita às lojas de brinquedos no Natal de
1938. Também acima, Wehrschach Tak-Tik,
uma variação para o tradicional jogo de xadrez,
tendo peças em azul e vermelho com tanques,
aviões e militares de várias patentes no lugar
de peões, cavalos, bispos, torres e, substituindo
rei e rainha, uma águia (símbolo nazista da
superioridade racial e da invencibilidade,
colocada acima da cruz suástica porque
sempre estava “acima de tudo”).

Abaixo, foto promocional da linha de bonecos
bonecas em uniformes militares em 1938
um anúncio da Associação de Fabricantes
Alemães de Estanho que comemora
o fim da “corrida pacifista”









A iniciação macabra aos rituais, à ideologia e às instituições do Terceiro Reich prossegue em muitos outros jogos e brinquedos investigados no livro de Postert. Havia também uma variedade de coleções de papéis de cartas, cartilhas didáticas e baralhos completos com retratos dos principais chefes do regime nazista, de Hitler a Goebbels, Göring, Himmler e outros comandantes militares, além de miniaturas de veículos reconstruídos em detalhes com bonecos representando personagens reais em seus uniformes militares oficiais. Hitler, com seu motorista e sua limusine preta, figuram como recordistas de vendas.

Outro campeão de vendas “para toda a família” foi o jogo “A Corrida da Vitória da Suástica” (Der siegeslauf des hakenkreuzes), uma peça de propaganda explícita lançada quando Hitler tomou o poder, em 1934. No jogo, as peças com suásticas eram movidas pelos jogadores de um campo a outro do tabuleiro, cada campo indicando momentos históricos do partido nazista desde sua fundação. O jogador que, depois de vários lances, pudesse ultrapassar os obstáculos dos opositores para chegar ao campo final, indicando 1934, vencia a batalha e destruía a democracia alemã.

O extenso acervo de jogos de tabuleiro e de brinquedos reunidos por Postert também representa um arsenal de doutrinação e de destruição, já que, na prática dos jogos e brincadeiras, principalmente as crianças, mas também os jogadores de todas as idades, aprendiam, reforçavam e espalhavam a ideologia fascista do regime com requintes de propaganda racista, militar e política, incluindo a preparação social para a guerra e seus crimes em massa, seus genocídios. Entre os documentos que impressionam pelas formas explícitas de violência que propagam, Postert reproduz trechos de um comunicado público de 1933 da Associação de Fabricantes Alemães de Estanho que é revelador pelos termos que comemora: “Acabou-se com a corrida pacifista estúpida das sociedades da paz e das ligas femininas contra todos os brinquedos militares”.












O brinquedo nazista: no alto, Hitler
estampado na caixa de Führer Quartett,
jogo de cartas lançado em 1934 com o
esquadrão completo do primeiro time das
forças policiais e militares do Terceiro Reich.
Acima, flautas com estampas de suásticas
que também foram usadas em tambores,
apitos, pequenos pianos mecânicos e outros
instrumentos musicais para crianças.

Abaixo, dois exemplares de bonecos que
representam judeus como seres diabólicos
em coleções de fantoches e de marionetes
anunciados pelos fabricantes como
brinquedos para toda a família”









A banalidade do mal



Macabro e fúnebre, o saldo criminoso e assustador do genocídio nazista gerou um cenário traumático que levou, no pós-guerra, pensadores como Hannah Arendt a chamar atenção para o que seria a “banalidade do mal”. Em 1961, depois de 15 anos do final da Segunda Guerra Mundial, Arendt, filósofa alemã de origem judaica que embarcou para os Estados Unidos fugindo do nazismo, é enviada pela revista “The New Yorker” para acompanhar o julgamento, em Israel, de Adolf Eichmann, tenente-coronel da Alemanha Nazista e um dos principais mentores do Holocausto, que havia sido localizado e preso em 1960 em Buenos Aires, Argentina. Com base nos relatos que escreveu para a revista norte-americana, Arendt publica em 1963 o livro “Eichmann em Jerusalém”, que tem por subtítulo “Um relato sobre a banalidade do mal” (editado no Brasil pela Companhia das Letras).

Arendt ressalta, considerando as estratégias nazistas que resultaram no assassinato em massa de cerca de seis milhões de judeus e outras etnias durante a Segunda Guerra, que o acusado naquele julgamento não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio e que ele alegava ter feito o que fez porque acreditava ser aquele o seu dever, cumprindo ordens superiores sem questionar. Envolvido em polêmicas e muitas controvérsias, o julgamento, que terminou com Eichmann condenado à morte por enforcamento em 1962, fornece argumentos importantes para que Arendt reconheça, na banalidade do mal, uma ameaça constante para todas as sociedades democráticas, abordando o problema por uma perspectiva política e não moral ou religiosa.













O brinquedo nazista: no alto, o jogo de
salão Atenção, o inimigo está escutando!
(Achtung, Feind hört mit!), lançado em
1940 para promover o filme de propaganda
nazista de mesmo título com roteiro e
direção de Arthur Maria Rabenalt. Acima,
uma foto promocional distribuída pelo
Terceiro Reich nas lojas, às vésperas do
Natal de 1933, para anunciar que o
Führer” iria distribuir presentes para
filhos de pais desempregados e desejava
a todos os alemães um feliz Natal.

Abaixo, miniaturas de blindados militares
fabricados na década de 1930 em metal e
com detalhes cromados. Também abaixo,
Guerra Aéreajogo de tabuleiro fabricado
na Alemanha no início da década de 1940
e que após a Segunda Guerra se tornaria
ainda mais popular em vários países
com o nome de Batalha Naval.
Nas últimas imagens, abaixo,
meninos brincam com miniaturas de
soldados e de veículos de guerra em
fotografia da década de 1930 em um
orfanato na cidade alemã de Potsdam;
e o cartaz para os cinemas brasileiros
de O Tambor (Die Blechtrommel),
filme alegórico sobre um personagem
que vive a infância no período da ascenção
do nazismo, realizado em 1979 por
Volker Schlöndorff com roteiro adaptado
do livro homônimo publicado em 1959
por Günter GrassPrêmio Nobel de
Literatura de 1999







O mal, segundo Hannah Arendt, é um fenômeno político e histórico porque se manifesta apenas onde encontra espaço institucional – e sempre como resultado de uma escolha política: sua banalização corresponde ao vazio de pensamento que transforma a violência homicida em mero cumprimento de metas e organogramas burocráticos. Como a história comprova, a banalidade do mal sempre permanece à espreita, à procura da oportunidade  para se instalar, e até mesmo objetos e práticas na aparência triviais e do senso comum, como jogos, brinquedos e brincadeiras, podem ser instrumentos para espalhar e multiplicar, de forma monstruosa, o perigo de sua contaminação de ódio e violência. 


por José Antônio Orlando.




Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O brinquedo nazista. In: _____. Blog Semióticas, 12 de maio de 2019. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2019/05/o-brinquedo-nazista.html  (acessado em .../.../...).



Para ler os primeiros capítulos do livro de André Postert,  clique aqui.










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