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2 de julho de 2014

O primeiro Warhol on-line






As pessoas às vezes dizem que a maneira como as coisas
acontecem em filmes é irreal, mas na verdade é o modo
como as coisas acontecem na vida que é irreal.

–– Andy Warhol (1928-1987).  




Mais de três décadas depois de sua morte, em 1987, Andy Warhol, o Midas da Pop Art, pintor, fotógrafo, cineasta, artista multimídia, continua surpreendente. A cada ano surgem novidades e obras-primas no acervo do artista, algumas desconcertantes até mesmo para seus biógrafos e para os curadores de sua memorabilia. Entre as mais recentes, houve, em 2013, a surpresa de uma coleção de 300 belos desenhos inéditos do jovem Warhol  –  descoberta pelo curador alemão Daniel Blau nos arquivos da Andy Warhol Foundation, em Nova York. Agora, a última novidade são as experiências pioneiras de mister Warhol com a arte em computadores: uma série de obras criadas por ele em um Commodore Amiga 1000, o primeiro modelo lançado no mercado na década de 1980.

As primeiras obras digitais de Warhol, até então desconhecidas, foram recuperadas a partir de antigos disquetes do museu norte-americano que conserva seu espólio em sua terra-natal, Pittsburgh, Pensilvânia. Autenticada como criação original pelos especialistas e pesquisadores do Andy Warhol Museum of Art, a série conta com 12 trabalhos digitais feitos por Warhol – e, não por acaso, inclui os temas favoritos do artista: seus autorretratos, que anteciparam em muitas décadas a moda atual dos "selfies", retratos de Marilyn Monroe em policromia, recriações de obras-primas da história da arte, variações sobre imagens publicitárias das latas de sopa Campbell e das bananas da capa do LP do Velvet Underground e também manipulações sobre fotos da musa de Warhol na época, a atriz e cantora Debbie Harry, da banda Blondie.

Vista pelo público atual, que convive com todo o avanço da tecnologia dos equipamentos de imagem e da rapidez instantânea da internet, incluindo a popularização dos filtros e efeitos de intervenção e pós-produção do tipo Instagram, a série pode parecer corriqueira e até primitiva – mas ganha outro sentido quando se descobre que foi a primeira série que receberia o nome de arte digital, a primeira série de  pinturas e desenhos realizada diretamente em computadores. A história da descoberta desta façanha com os primeiros computadores começou em 2011, quando o nova-iorquino Cory Arcangel, pesquisador de arte e tecnologia, descobriu no Youtube um documentário de dois minutos em que o próprio Warhol, em 1985, experimentava em um computador a fusão de efeitos cromáticos sobre imagens de Debbie Harry (veja o documentário no final deste artigo).









O primeiro Warhol on-line: amostras
da arte pioneira de Andy Warhol
em um computador Commodore
Amiga 1000 em 1985. No alto, a
primeira imagem de Marilyn Monroe
colorizada em computador por Warhol.

Abaixo, o primeiro retrato de Debbie Harry
com intervenções digitais de Andy Warhol,
e Warhol em 1985 fotografado por
Susan Greenwood. Também abaixo,
Warhol e Debbie Harry durante a
apresentação para a imprensa e convidados
do recém-lançado Commodore Amiga 1000
no Lincoln Center de Nova York















O vídeo que Arcangel viu fez parte da campanha de marketing para o lançamento mundial do Amiga 1000 e está citado nas biografias de Warhol, mas sem nenhum destaque de importância por parte de seus biógrafos. Três décadas depois, graças à curiosidade de Cory Arcangel, se descobre que, mais que uma peça publicitária, o vídeo registra mais uma interface do gênio inventivo de Warhol – suas experiências estão, na verdade, no centro de desenvolvimento do que passaria nas décadas seguintes a ser chamado de arte digital, e Warhol, personalidade da Pop Art, surge agora como nome central na invenção de processos e ferramentas que dariam origem a vários softwares hoje populares e às mais avançadas técnicas do Photoshop.



Disquetes inacessíveis



Ao assistir ao vídeo no Youtube, Cory Arcangel quis saber o que fora feito do retrato de Debbie Harry. As investigações o levaram ao Andy Warhol Museum, onde a curadora Tina Kukielski informou que uma única cópia da imagem teria sido impressa por Warhol e estava há anos em exposição no próprio museu – mas ninguém sabia do destino das outras obras digitais produzidas nas tais experiências pioneiras de Warhol. Arcangel não desistiu e continuou a busca fazendo contato com outras instituições e com representantes da empresa que fabricou em 1985 o Commodore Amiga 1000 – e que iria à falência poucos anos depois, superada pela concorrência, especialmente pelo Macintosh da Apple, que chegou ao mercado no final de 1984. 








 
Com apoio de Tina Kukielski e da Universidade de Pittsburgh, Cory Arcangel montou uma equipe de investigação e, depois de meses de trabalho, descobriram que as obras digitais de Warhol estavam intactas, gravadas em disquetes flexíveis para armazenamento de dados, antigos e obsoletos, que haviam sido transferidos para o mesmo museu em 1994 e guardados em um depósito de acesso restrito. O trabalho seguinte foi um desafio mais minucioso e difícil: encontrar equipamentos compatíveis para “ler” e “imprimir” o conteúdo dos disquetes que até então estavam arquivados com o rótulo de “inacessíveis”.

O breve documentário disponível no YouTube, que registra a experiência pioneira de Warhol em 1985, é também uma aula sobre o processo criativo do artista. A sessão, apresentada para imprensa e convidados no Lincoln Center, em Nova York, começa com Warhol capturando através do computador imagens de Debbie Harry. Depois, manipula as imagens na tela, testando alguns dos comandos no teclado do equipamento. 










Warhol no computador: acima, Cory Arcangel
(de boné azul) à frente da equipe que resgatou
os antigos disquetes com os trabalhos que
Warhol realizou em 1985. Abaixo, os amigos
Warhol e Keith Haring na festa de aniversário
de nove anos de Sean Lennon, filho de
John e Yoko Onoem outubro de 1984.

Também abaixo, na mesma festa, Steve Jobs
apresenta a Sean Lennon um computador
produzido pela Macintosh, que foi o presente de
aniversário de Jobs para o garoto. Na sequência:
1) Yoko Ono com o filho Sean e amigos, entre eles
Keith Haring e Andy Warhol; 2) Warhol em 1985,
fotografado para a capa da revista promocional
que anunciou o lançamento do primeiro
computador pessoal (PC, Personal Computer)
chamado Commodore Amiga 1000;
e 3) Steve Jobs, co-fundador da Apple
Computer, com o equipamento que
apresentou a Warhol naniversário
de Sean Lennon em 1984










 


Manipulações de forma e de cor



Pelas imagens do documentário de 1985 é possível perceber que os resultados, visualizados na tela do computador, lembram bastante as estampas em serigrafias de estrelas como Marilyn e Elvis – com as variações que Warhol explorou quase ao infinito, desde a década de 1960, em suas experiências com permutações de cor. Com uma diferença: Warhol estava começando a experimentar com o computador o que nenhum outro artista havia feito antes.

A desenvoltura que Warhol demonstra, no vídeo, diante dos comandos do Commodore Amiga 1000, também deixa claro que o artista já havia adquirido uma certa “intimidade” com o equipamento. Aliás, o que se sabe é que o Commodore Amiga 1000 nem foi o primeiro computador que Warhol testou. Na biografia de Steve Jobs (lançada no Brasil pela Companhia das Letras), o autor, Walter Isaacson, descreve alguns dos encontros entre Warhol e o biografado e também a primeira vez que o artista interagiu com a novidade da tecnologia de computadores.















O primeiro contato de Andy Warhol com um computador, segundo o relato de Isaacson, aconteceu no dia 9 de outubro de 1984, na festa de aniversário de nove anos de Sean, filho de John Lennon e Yoko Ono. Foi durante a reunião de amigos, no apartamento em que o casal morou, no famigerado edifício Dakota, em Nova York. Naquela noite, os diálogos entre Jobs e Warhol, de acordo com o biógrafo, foram tão breves quanto enigmáticos.

No meio das estrelas das artes e do cinema presentes no encontro, Jobs, co-fundador da Apple Computer, levou de presente para Sean um computador Macintosh. Warhol observa, no começo sem muita curiosidade, quando Jobs mostra a Sean como trabalhar com a máquina. Assim que o garoto se distrai com outros presentes, Warhol, incentivado pelo amigo e artista do grafite Keith Haring, toma seu lugar na frente do equipamento, enquanto Jobs tenta explicar como tudo funciona e como usar um mouse. 






















A arte pioneira de Warhol no
Commodore Amiga 1000: acima,
o artista em autorretratos e uma
de suas fixações, as latas de sopa
Campbell. Abaixo, suas primeiras
versões de testes no computador em
1985 para os retratos de Marilyn; e
para intervenções digitais em detalhes
de duas obras-primas do Renascimento:
O Nascimento de Vênus,
pintura de Sandro Boticelli, e
Raphael Madonna, $ 6,99,
a partir da Madonna Sistina
de Raphael Sanzio.

Também abaixo: 1) o equipamento
original usado por Warhol, em foto
promocional de 1985; 2) o documentário
que registra as primeiras experiências de
Warhol em computadores; 3) dois retratos
de Warhol feitos por Steve Woods que
permaneciam inéditos desde 1981;
e 4) o célebre retrato de Warhol feito
por Robert Mapplethorpe em 1983 






 






Walter Isaacson descreve a felicidade de Steve Jobs com o interesse que ele viu o equipamento despertar em Andy Warhol. Demorou um pouco, naquela noite, mas finalmente Warhol mostrou habilidade com a nova ferramenta e ficou ali, desenhando na tela, durante horas, como uma criança encantada com um brinquedo novo. Poucos meses depois, Warhol, artista profissional, atento aos desafios de sua época, fecharia contrato com os concorrentes de Jobs para a apresentação comercial do Commodore Amiga 1000 no Lincoln Center.


por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. O primeiro Warhol on-line. In: Blog Semióticas, 2 de julho de 2014. Disponível no link https://semioticas1.blogspot.com/2014/07/o-primeiro-warhol-on-line.html (acessado em .../.../…). 



Para uma visita virtual ao Andy Warhol Museum,   clique aqui.












Para comprar o box com os Diários de Andy Warhol,   clique aqui. 


Veja as gravações de Warhol com o Commodore Amica 1000:


                                                                    

































23 de janeiro de 2013

O primeiro Warhol









É uma notícia surpreendente: 300 desenhos inéditos de Andy Warhol foram descobertos pelo crítico de arte e curador alemão Daniel Blau. Apesar de serem os trabalhos mais antigos produzidos pelo Warhol, na época recém-formado em um curso de design, são desenhos sofisticados, que lembram o traço de mestres. À primeira vista, o observador poderia até pensar que se trata de estudos feitos por Matisse, ou quem sabe Picasso, Schiele, Klimt, Toulouse-Lautrec.

A coleção de desenhos – a maioria deles em grafite sobre papel, com 45,3 por 40,9cm e algum retoque de tinta ou aquarela – cobre a lacuna que existia sobre o período menos conhecido do trabalho do artista, que vai de seus primeiros trabalhos e sua formação numa escola técnica de desenho industrial em sua terra natal, Pittsburgh, até a primeira exposição individual que ele conseguiu realizar em Nova York, em meados da década de 1950.

O mais novo “tesouro” de Andy Warhol foi descoberto quase por acaso. De passagem por Nova York, em 2011, Daniel Blau visitou uma exposição na Andy Warhol Foundation for the Visual Arts e soube, através de um dos coordenadores da instituição, Vincent Fremont, que os trabalhos de inventário e catalogação do que Warhol produziu ainda não estavam concluídos, mesmo depois de tantos anos da morte do artista. Fremont, que foi um dos secretários pessoais de Warhol, revelou a Daniel Blau que ainda há um grande número de obras não avaliadas, além de várias séries de gravuras e outros projetos que ficaram inacabados. O galerista alemão, ávido por novidades, programou uma nova temporada em Nova York para investigar os inéditos no espólio de Warhol.






















Andy Warhol aos 21 anos, fotografado
no supermercado em Nova York, em 1950,
quando ainda assinava Andrew Warhola.
A ironia fica por conta da fixação explícita
de Warhol pelas garrafas de Coca-Cola,
pelas caixas de sabão Brillo pelas
latas de sopas Campbell's que, anos
depois, seriam reproduzidas em suas
célebres gravuras e pinturas.

Abaixo, três autorretratos retocados pelo
artista em 1956. Todas as imagens foram
extraídas do catálogo da exposição
From Silverpoint to Silver Screenque
reúne a coleção de desenhos que o jovem
Warhol fez na década de 1950, antes
da fama, e que permaneciam inéditos








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O garimpo não poderia ter resultado mais inesperado: entre os arquivos trancados por mais de 20 anos na sede da fundação, em Nova York, estavam os desenhos, cuidadosamente organizados em envelopes lacrados desde 1990, mas erroneamente etiquetados como “sem valor comercial”. Daniel Blau, que foi quem descobriu e identificou o tesouro, recebeu carta-branca da direção da Andy Warhol Foundation e não perdeu tempo nem dinheiro: organizou a publicação dos desenhos em um catálogo de luxo de 280 páginas e apresentou os originais inéditos na exposição “From Silverpoint to Silver Screen”, aberta ao público desde o último final de semana no Louisiana Museum of Modern Art, em Copenhagem, Dinamarca (veja no final desta página os links para o catálogo da exposição e para uma visita virtual ao museu).



Trabalhos sob encomenda



Warhol é uma lenda e ele próprio amava propagar as mistificações sobre sua biografia e sua trajetória. Filho de imigrantes tchecos, estudou desenho técnico e industrial no Carnegie Institute of Technology de Pittsburgh e, em 1949, aos 21 anos, recém-formado, resolve dar um passo arriscado: decide trocar Pittsburgh por Nova York, com a cara e a coragem. Mas, como ele gostava de repetir, sua sorte brilhou depois de um breve período de dificuldades. Ainda naquele ano de 1949, recebeu a primeira encomenda de uma ilustração para a “Glamour”, uma das revistas que representavam para o designer recém-formado todas as qualidades da sofisticação.











Uma certa aura de misticismo paira sobre esta primeira encomenda. Klaus Honnef, um dos biógrafos de Warhol, diz que o aspirante a artista teve a inspiração em um sonho e, em seguida, procurou a editora de arte da "Glamour" para mostrar um portfólio com seus melhores trabalhos. Aguardou na sala de espera o dia todo e só foi atendido no final da tarde. A editora, Tina Fredericks, olhou alguns dos desenhos, fez elogios, mas lamentou que nenhum deles servisse: ela precisava, com urgência, de ilustrações sobre sapatos. Na manhã seguinte, Warhol reapareceu muito cedo na redação com mais de 50 desenhos, ilustrações e aquarelas de sapatos, de todas as formas, cores, perspectivas. Foi imediatamente aceito. Uma das ilustrações foi publicada naquela semana e outras encomendas viriam, para as edições seguintes.

Parece até um trocadilho, bem ao gosto do principal expoente da Pop Art: “Glamour” foi sua porta de entrada no mundo das revistas e da publicidade. Naquele momento, o jovem artista abandonaria o nome de batismo, Andrew Warhola, e passou a assinar Andy Warhol, começando uma intensa produção de ilustrações sob encomenda para agências de publicidade e para revistas de prestígio como “Vogue”, “Look”, “Life”, “The New Yorker”, “Harper's Bazaar”. Cartazes, anúncios, pôsteres, capas de revista, de disco, de livros, ilustrações para crônicas e reportagens, layouts para embalagens, projetos de desenhos industriais para sapatos, cintos e acessórios, cosméticos, perfumaria – Warhol produzia tudo, com brilho, mas sua assinatura raramente aparecia nestes trabalhos.













Mesmo sem nenhum reconhecimento fora das agências e das redações das revistas, Warhol não para. Neste começo de carreira, durante o dia ele cumpre a maratona infinita de trabalhos sob encomenda. Mas, para compensar, à noite, em seu apartamento minúsculo – quase sempre compartilhado com amigos e com amigos de amigos para dividir os custos de aluguel – ele se dedicava à arte: aos desenhos sobre os mais variados temas e estudos para aquarela, aperfeiçoando o traço ao tentar reproduzir detalhes das imagens de famosos e de anônimos estampadas em jornais e revistas.


Ilustrador de revista


A quase totalidade dos trabalhos desta primeira fase do artista somente agora foram descobertos e revelam um outro Warhol: extremamente poético e inventivo no minimalismo do traço, ao contrário de seus trabalhos que criaram a tradição da Pop Art, nos quais ele investiria nas décadas seguintes, com a repetição à exaustão das gravuras apropriadas da publicidade e do cinema para experiências com policromia e sobreposições – em técnicas híbridas que fizeram dele uma celebridade internacional e um capítulo em destaque na História da Arte.













Separar a “arte-arte” dos trabalhos para publicidade e sob encomenda é uma prática que ele iria adotar durante toda a sua trajetória, desde estes primeiros tempos. Mesmo depois, nas décadas seguintes, no auge do sucesso, quando sua presença e assinatura funcionavam como grife em lances geniais de marketing e autopromoção, Warhol sempre manteria esta distinção: uma coisa era a arte, seu empenho nas experiências formais e de expressão em diversos suportes, artes plásticas, fotografia, cinema; outra coisa eram os trabalhos que ele produzia sob encomenda.

Como a maior parte de seus trabalhos nesta primeira fase foram publicados ou veiculados sem assinatura, se conhece muito pouco sobre este acervo e sobre o estilo adotado pelo primeiro Warhol – o que reforça a importância da coleção inédita descoberta por Daniel Blau. Entre biógrafos e historiadores, o mais frequente é marcar a trajetória da obra de Warhol a partir dos trabalhos reunidos em sua primeira exposição, em 1952, na Hugo Gallery de Nova York – com 50 desenhos baseados nos escritos de Truman Capote.





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Dos seus trabalhos publicados na imprensa, nesta época, sabe-se que a maioria são ilustrações de sapatos, não por acaso tema de sua segunda exposição individual, “Golden Shoes”, apresentada em Nova York com prêmios e distinções em 1956, na Madison Avenue. “From Silverpoint to Silver Screen”, a coleção de desenhos inéditos descoberta por Daniel Blau, estende a trajetória aos primeiros trabalhos e lança luzes sobre a evolução da técnica e as principais influências do jovem Warhol, especialmente Toulouse-Lautrec e outros mestres da Belle Époque.

São muitos estudos anatômicos do torso masculino, retratos de mulheres (quase sempre inspirados em senhoras da alta sociedade que frequentavam as colunas sociais), rostos de crianças e cupidos barrocos, mãos em muitos ângulos e variações de perspectivas, beijos de jovens casais, estrelas de cinema, pessoas anônimas a dançar. Na imensa maioria dos desenhos, o elemento humano é o centro da atenção, com raras exceções, quase sempre dedicadas a um dos fetiches diletos de mister Warhol: sapatos.



  






Moda, fetiche, sapatos


O fetiche e sua mística: na infância o pequeno Andrew Warhola, tímido e de saúde frágil, era um leitor apaixonado de histórias em quadrinhos – especialmente “Dick Tracy” e “Superman” – e passava horas a copiar das revistas os sapatos de seus heróis. Mais tarde, adolescente, substituiria os heróis pelas colagens com sapatos e rostos recortados das estrelas de cinema.

Seu primeiro trabalho publicado, em 1949, também foi uma ilustração de sapatos. Mais: seu primeiro projeto de um produto industrial foi para uma fábrica de sapatos e a maioria dos catálogos sobre a arte de Warhol costuma abrir a cronologia de suas telas e serigrafias com as imagens de sapatos. Com frequência, são duas as imagens (de sapatos) apontadas como inaugurais da trajetória do artista: “À la Recherche du Shoe Perdu” (A procura do sapato perdido), aquarela negociada em 1955 para ilustrar a capa do livro de Ralph Pomeroy, e “Judy Garland” (1956), colagem em forma de bota dourada, cravejada de arabescos, com técnicas de litografia e bico de pena.











Desenhos inéditos de Andy Warhol da década
de 1950: 
abaixo, Two male heads face to face
(Duas cabeças 
masculinas face a face),
desenho em grafite sobre 
papel de 1952;
Two heads (Duas cabeças), desenho em

esferográfica preta sobre papel de 1953
Excited male torso (Torso masculino
excitado), 
desenho a caneta de 1957












  

Na apresentação ao catálogo que reúne a íntegra dos desenhos inéditos, Daniel Blau enumera alguns aspectos técnicos que a nova coleção acrescenta à obra de Warhol e reconstitui a surpresa e a alegria que experimentou ao constatar que a coleção era rigorosamente inédita, descrevendo o passo a passo que o levou à descoberta.

"Toda a coleção estava esquecida em um envelope de papel e eu, realmente, não entendo como até agora estes desenhos incríveis não haviam sido descobertos em nenhuma triagem”, confessa. “Desde a morte de Warhol, em 1987, muitas equipes de especialistas catalogaram mais de uma vez o acervo, mapearam o paradeiro das principais obras, dispersas em museus e coleções particulares no mundo inteiro, mas ainda assim um tesouro como este estava escondido, esquecido há tantos anos num labirinto de armários, gavetas e depósitos fechados que Warhol gostava de manter em segredo”.











Warhol, o artista profissional, Warhol e suas mistificações, Warhol e suas surpresas. A nova coleção de desenhos confirma a complexidade de sua obra, sem nenhuma dúvida o ponto mais alto da Pop Art, com uma influência que continua perdurando, tanto na arte quanto na publicidade, na TV, nos videoclipes, no cinema, na internet, no desenho industrial. Para o público em geral, acostumado a associar o nome de Andy Warhol às imagens fauvistas do rosto de Marilyn e de outras estrelas, às simpáticas latas de sopa Campbell ou às bananas psicodélicas criadas para ilustrar os discos do Velvet Underground, pode ser difícil identificar o traço do artista nos desenhos minimalistas da coleção descoberta por Daniel Blau.

Contudo, estes primeiros desenhos do artista quando jovem também sinalizam claramente um confronto: ao contrário da tendência da maioria e dos grandes artistas em evidência naquela época, entre eles Jackson Pollock, Willem de Kooning, Mark Rothko – todos adeptos e militantes ferrenhos do Expressionismo Abstrato – o jovem Warhol aposta no retorno à figuração e às imagens recortadas da mídia, publicidade, imprensa, cinema. Estava na contramão, em um movimento que poucos arriscariam naquele momento. Warhol bancou a aposta e se posicionou na origem de um novo capítulo na História da Arte.


por José Antônio Orlando.



Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O primeiro Warhol. In: ____. Blog Semióticas, 23 de janeiro de 2013. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2013/01/o-primeiro-warhol.html (acessado em .../.../…).












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