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30 de setembro de 2025

Fotografia no estilo humanista

 
 



Faço fotografias para registrar o acaso mais efêmero,

para manter uma imagem de algo que vai desaparecer,

gestos, atitudes, objetos que são lembretes de nossas

vidas tão breves. A câmera encontra cada um deles e

os registra no momento em que eles desaparecem.

–– Sabine Weiss.  


Trata-se de um autêntico resumo da ópera: uma seleção de imagens clássicas da melhor fotografia humanista feita em meados do século 20. A seleção foi produzida pela Peter Fetterman Gallery, de Santa Mônica, Califórnia, a partir do extenso acervo de um grupo de fotógrafos que há décadas permanece em destaque na lista dos nomes célebres na história da fotografia. A exposição, presencial e também apresentada no formato on-line, foi nomeada “Nouvelle Vague: fotografia francesa das décadas de 1950 e 1960”, oferecendo um vislumbre fascinante sobre a fotografia do século 20 e homenageando, por meio da amostragem, o legado duradouro do movimento humanista que remodelou a cultura visual contemporânea depois da Segunda Guerra Mundial.

No grupo, todos são fotógrafos lendários: Henri Cartier-Bresson (1908-2004), Raymond Cauchetier (1920-2021), Edouard Boubat (1923-1999), Jean-Philippe Charbonnier (1921-2004), Robert Doisneau (1912-1994), Willy Ronis (1910-2009), Marc Riboud (1923-2016), Louis Stettner (1922-2016), Bruce Davidson (nascido em 1933), Georges Dambier (1925-2011), Herman Leonard (1923-2010) e quatro mulheres de grande importância no período, Sabine Weiss (1924-2021), Janine Niépce (1921-2007), Lilian Bassman (1917-2012) e Dorothy Bohm (1924-2023). Inspirados pelo movimento humanista francês que teve início na década de 1930, o grupo criou um estilo distinto no cenário do fotojornalismo, unindo questões de realismo e de lirismo ao capturar imagens de momentos espontâneos e da intimidade de personagens anônimos na vida cotidiana, com notável sensibilidade e uma incomparável profundidade poética. Todas as fotos selecionadas para a exposição têm como cenário a cidade de Paris.








Fotografia no estilo humanista: no alto da página
e acima, Duas meninas em Maubert
(Paris, 1952)
A noiva na Igreja de Saint Roch
(Paris, 1952),
fotografias de
Edouard Boubat. Também acima,
Babás puxando carrinhos de bebê durante
um passeio no parque, na manhã de domingo
,
fotografia de 1960 de Bruce Davidson.

Abaixo, fotografias de Raymond Cauchetier
durante as filmagens de
Jules et Jim, filme de
1962 de
François Truffaut, com Jeanne Moreau,
Oskar Werner, Henri Serre, Truffaut e equipe na cena
da corrida na ponte; e um flagrante descontraído
nas filmagens com Truffaut e Jeanne Moreau.

Todas as fotografias nesta postagem fazem parte
do catálogo da exposição
Nouvelle Vague,
exceto quando houver indicação na legenda










Sutilezas da condição humana


Vem destas características, compartilhadas no trabalho de todos os fotógrafos da seleção, um certo olhar de empatia pelas sutilezas da condição humana – aspecto que justifica o termo “humanismo” associado ao estilo e ao movimento em questão, marcado desde a origem por valores fundamentais da dignidade, da compaixão e da autenticidade. As fotografias em exposição foram publicadas nos principais jornais e revistas da época, entre eles “Berliner Illustrirte Zeitung”, “Vu”, “Point de Vue”, “Regards”, “L’Espresso”, “Paris Match”, “Picture Post”, “Life”, “Look”, “Time”, Vogue”, “Elle”, Harper’s Bazaar”, “Le Monde Illustré” e “Plaisir de France” – no Brasil, também nas décadas de 1950 e 1960, ensaios fotográficos e fotorreportagens de fotógrafos nacionais e estrangeiros, muitas vezes em fotografias publicadas apenas com legendas, ou em fotolegendas, sem textos de reportagem, surgiam em destaque, estampados principalmente no “Jornal do Brasil” e nas revistas “O Cruzeiro”, “Realidade”, “Fatos & Fotos” e “Manchete”.








Fotografia no estilo humanista: no alto,
J
ardin des Tuileries em duas fotografias
de 1953 de
Dorothy Bohm. Abaixo,
duas fotografias de
Georges Dambier,
Suzy Parker, Etole leopard (Paris, 1952) e
Sophie Litvak, Avenue Messine (Paris, 1953)











Outro veículo privilegiado para a publicação e circulação da produção fotográfica no período selecionado pela exposição, as décadas de 1950 e 1960, foi a edição cada vez mais frequente de fotolivros. Com seu surgimento a partir da década de 1920, e com o avanço nas técnicas de artes gráficas, que também trouxeram mais qualidade para a edição das revistas ilustradas, os fotolivros começaram a ganhar espaço e a representar uma evolução na experiência de livros ilustrados com fotografias. No fotolivro, fotografias ampliadas passaram a ocupar a quase totalidade das páginas, na maioria das vezes seguidas apenas de legendas ou de poucos textos descritivos, na forma de pequenos artigos ou de breves ensaios, com a edição muitas vezes dedicada à obra temática de um único fotógrafo.


A estética nostálgica


Na atualidade, quando se completam 100 anos das primeiras edições de fotolivros, veículos privilegiados que tornaram mais conhecido o trabalho de vários fotógrafos da exposição, a maior parte das fotografias selecionadas permanece continuamente reproduzida, na imprensa, em sites e nas redes sociais da internet, seja por sua estética nostálgica ou sua importância documental, inspirando gerações de fotógrafos e artistas. O cinema e o mundo da moda, que continuam a atrair a atenção do grande público, também foram veículos que tornaram conhecidos o nome de vários fotógrafos, não só nos registros de astros e estrelas em eventos oficiais, mas também nos bastidores de filmagens e nos trabalhos de produção que antecediam os grandes lançamentos e apresentações.








Fotografia no estilo humanista: no alto e
acima, duas fotografias de Raymond Cauchetier
nas filmagens de
“Acossado”, filme de 1959 de
J
ean-Luc Godard; na primeira, Godard dirige
Jean Seberg; na segunda, uma cena do beijo
de
Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg.

Abaixo, duas fotos de
Robert Doisneau,
Le Baiser Blotto
(Paris, 1950) e
Le Manege de Mr. Barre (Paris, 1955)









No grupo de fotógrafos selecionados, alguns tiveram uma relação mais orgânica com os bastidores da alta costura e com as cenas de filmagens. Sabine Weiss, Janine Niepce, Lilian Bassman e Dorothy Bohm, embora tenham se dedicado também ao fotojornalismo e a uma pauta temática extensa na cobertura de acontecimentos, que vão da crônica de notícias diárias aos retratos de personalidades da cultura e da política, surgem nas fotos em exposição em flagrantes relacionados aos desfiles de estações e ao trabalho dos célebres estilistas das grifes Chanel, Dior, Patou, Saint Laurent e outros. Nas ocasiões em que elas buscam a poética das ruas, os registros têm sempre detalhes que surpreendem e encontram um certo "punctum" da imagem fotográfica, aquele "algo mais" que eleva a fotografia do banal ao sublime, sobre o qual Roland Barthes escreveu um livro célebre e definitivo, "A Câmara Clara", de 1980.









Fotografia no estilo humanista: no alto
e acima, Cais Malaquais (Paris, 1953) e
Os amantes da Bastilha (Paris, 1957),
duas fotografias de
Willy Ronis.

Abaixo,
Albervilliers, (Paris, 1949) e
Atravessando o Sena, mãe e filho (Paris, 1950),
duas fotografias de
Louis Strettner










Um Balzac da câmera


Nos flagrantes de filmagens naquele período, o nome mais presente é Raymond Cauchetier, o fotógrafo que acompanhou as primeiras filmagens de novatos como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Demy, no que viria a ser um movimento dos mais influentes no cinema, a “Nouvelle Vague”, que não por acaso está no título da exposição organizada pela Peter Fetterman Gallery. Nos registros de Cauchetier, as primeiras cenas sob o comando de estreantes no cinema não surgem como imagens feitas sob encomenda, exclusivamente publicitárias, mas sim como testemunhos sobre métodos herodoxos de jovens cineastas que criaram obras-primas, somente reconhecidas como tal anos depois.








Fotografia no estilo humanista: acima,
Jardin du Luxembourg
(Paris, 1956) e
La 2CV (Paris, 1957), duas fotografias
de
Sabine Weiss. Abaixo, Marche, mode,
fotografia de 1948 de
Willy Ronis






No ensaio que apresenta a exposição, indicações sobre os antecedentes que foram referência para a maioria dos fotógrafos selecionados. Tais referências estão localizadas principalmente na arte e no estilo de cinco fotógrafos: nos flagrantes que Eugène Atget (1857-1927) registrou em fotografias sobre as ruas desertas de Paris, que levou Berenice Abbott a chamá-lo de “um Balzac da câmera”; nas contribuições inovadoras da composição fotográfica, nos ângulos incomuns de câmera e no estilo provocador de nomes como os húngaros André Kertész (1894-1985) e Brassaï, pseudônimo de Gyula Halász (1899-1984); e nas concepções de composição da imagem fotográfica de dois fotógrafos, artistas e curadores em diversas modalidades de arte, Alfred Stieglitz (1864-1946), nascido nos EUA, e Edward Steichen (1879-1973), nascido em Luxemburgo.


A Família do Homem


Sobre Edward Steichen, pode-se dizer que ele surge como referência para os fotógrafos selecionados e também como antecedente no formato adotado pela presente exposição, uma vez que todos os fotógrafos da seleção também estiveram presentes em “A Família do Homem” (The Family Man), uma monumental exposição que tornou-se um acontecimento histórico. A exposição que marcou época teve curadoria de Steichen, na época diretor do departamento de fotografia do MoMA, foi realizada em 1955 e depois editada no formato fotolivro, reunindo 503 fotografias de 273 fotógrafos (sendo 40 fotógrafas) de 68 países. O Brasil esteve representado por Pierre Verger, nascido na França e naturalizado brasileiro.








Fotografia no estilo humanista: no alto
e acima,
L'Élégante et les Colonnes Morris
(
Paris, 1950) e Bal champêtre à la cité universitaire
de Paris
(1962), duas fotografias de Janine Niépce.
Abaixo, uma imagem da coleção outono/inverno da
Maison Dior
em 1958, fotografia de Sabine Weiss.

No final da página, a capa e duas páginas
do fotolivro de 1955 A Família do Homem,
que reuniu o acervo da exposição
organizada por 
Edward Steichen






“A Família do Homem”, modelo para todas as grandes exposições de fotografia realizadas desde então, foi apresentada primeiro no MoMA, em Nova York, e em seguida em museus de outros países, no decorrer de uma década, sempre com recordes de público, totalizando mais de 10 milhões de visitantes. Alguns historiadores da arte consideram que a fotografia humanista, e de forma especial o acervo reunido com “A Família do Homem”, foram fundamentais para elevar a fotografia ao patamar de arte valorizada no acervo dos grandes museus.

Steichen, em sua autobiografia (“Uma vida na fotografia”, publicada em 1963), declarou sobre o sucesso de “A Família do Homem”, o projeto monumental do qual ele foi idealizador e curador: “As pessoas na plateia olhavam para as fotos, e as pessoas nas fotos olhavam de volta para elas. Elas se reconheciam.” Lembrando as palavras de seu mestre Edward Steichen e a metáfora poética da fotografia como espelho, Sabine Weiss escreveu, em um artigo autobiográfico para uma retrospectiva sobre sua obra autoral no Museu do Louvre, na década de 1990, que todas as fotografias, e a fotografia humanista de modo particular, são lembretes para ressaltar nossa condição de semelhantes na grande família dos seres humanos e para ninguém esquecer que nossas vidas são tão breves e tão passageiras.

por José Antônio Orlando.

Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Fotografia no estilo humanista. In: Blog Semióticas, 30 de setembro de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/09/fotografia-no-estilo-humanista.html (acesso em .../.../…).

 

Para uma visita virtual à exposição da  Peter Fetterman Gallery,  clique aqui. 




Para comprar o livro de Roland Barthes  A Câmara Clara,  clique aqui.







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24 de janeiro de 2024

Picasso na fotografia





A arte não tem passado nem futuro.

Tudo o que eu já fiz foi para o presente.

Pablo Picasso (1881-1973).  

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Pablo Picasso é homenageado em um dos mais importantes eventos mundiais de fotografia, o PhotoEspanha, festival anual com sede em Madri. A exposição de abertura do festival, instalada nas galerias do Fernán Gómez Centro Cultural de La Villa, reuniu um grande acervo de retratos de Picasso – talvez o nome mais importante e mais prestigiado da arte no último século, o artista que atravessou todos os estilos e todos os movimentos da Arte Moderna e se mantém como referência e influência marcante da Arte Contemporânea.

A homenagem, nomeada “Picasso na foto”, marca os 50 anos da morte do artista e traz uma seleção de imagens de suas últimas décadas de vida. Os retratos em exposição, que vêm dos arquivos do Museu Picasso de Barcelona e de coleções particulares, abordam os processos criativos e o tempo de lazer do artista – com os dois aspectos constantemente sobrepostos. São imagens que, em sua maioria, foram registradas por nomes que têm um peso incomparável na história da fotografia e do fotojornalismo, compartilhando as galerias da exposição com retratos do artista feitos por amigos e em família.

Entre os fotojornalistas que fizeram retratos de Picasso estão os maiorais do primeiro time como David Douglas Duncan, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau, Brassai, Man Ray, David Seymour, Lucien Clergue, Willy Rizzo Lee Miller e Cecil Beaton, entre muitos outros. A exposição, que também inclui uma seleção de fotografias que Brigitte Baer reuniu no Catálogo Raisonné de gravuras e litografias de Picasso, depois da temporada no PhotoEspanha segue uma agenda itinerante por outros museus e galerias de diversos países, com curadoria de Emmanuel Guigon, que desde 2016 assumiu o cargo de diretor do Museu Picasso de Barcelona.






      



Exposição Picasso na Fotografia: no alto, Picasso

em foto de sua esposa Jacqueline. Acima, intervenção

de Picasso em foto do álbum de família em que ele

está à mesa com Édouard Pignon, Anna Maria Torra

e Madeleine Lacourière em outubro de 1958.


Também acima, Emmanuel Guigon, diretor do Museu

Picasso de Barcelona e curador da exposição aberta

no Festival PhotoEspanha, diante de um dos célebres

retratos de Picasso, feito por Robert Doisneau em 1952.

Abaixo, Picasso no Hôtel Vast Horizon, em Mougins,

fotografo por Lee Miller em 1937; com o amigo

Gustau Gili Esteve no ateliê de Notre-Dame-de-Vie,

em abril de 1969; e no encontro com outro mestre,

Joan Miró
, fotografados por
Jacqueline Picasso

no ateliê em Mougins, em 1967










              




Um diário fotográfico


O acervo de retratos de Picasso no PhotoEspanha destaca especialmente os períodos de convívio do artista com três grandes fotógrafos que fizeram inúmeras visitas à intimidade de Picasso com a família e trabalhando no ateliê em Mougins, na Côte d’Azur, Sul da França, às margens do Mar Mediterrâneo. São eles o francês Lucien Clergue (1934-2014), que fez um diário fotográfico dos dias compartilhados com Picasso ao longo dos anos; o norte-americano David Douglas Duncan (1916-2018), que travou amizade com Picasso desde que se conheceram em 1956, no convívio muito próximo que se estendeu até 1962, quando Duncan publicou um célebre fotolivro sobre a intimidade do artista e seus processos criativos; e Robert Capa (1913-1954), que representa um capítulo à parte na trajetória de Picasso.

Não há como negar que os grandes fotógrafos têm papel importante na criação do mito de Picasso, mas o papel de Robert Capa foi decisivo. Os primeiros contatos entre o artista mais lendário da Arte Moderna e o mais importante fotógrafo de guerras aconteceram na década de 1930, quando Capa e sua companheira, a alemã Gerda Taro, registravam os combates da Guerra Civil Espanhola e os movimentos de resistência contra a repressão imposta pelo general Francisco Franco. Capa, que fundaria a célebre Agência Magnum em 1947, junto com Henri Cartier-Bresson, David Seymour e George Rodger, fez os contatos para a promoção de uma das obras mais importantes de Picasso, “Guernica”: foi por interferência de Capa que David Seymour fotografou Picasso em 1937 diante de sua obra monumental, assim que ela foi pintada, logo após o bombardeio genocida das tropas e aviões franquistas contra a vila espanhola.








Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

entre amigos, em foto de 1959 de Lucien Clergue,

ensaiando músicas com Paco Muñoz e o antiquário

Affrentranger em sua loja em Arles, na França;

e proseando com um motorista de táxi no

aeroporto de Nice, em foto de Lucien Clergue.


Abaixo, um visitante da exposição observa

um retrato de Picasso feito na casa do

artista em Vallouris, França, em 1952, por

Robert Doisneau; e Picasso e Jacqueline

dançando no ateliê da casa em que

viviam em Cannes, no verão de 1957,

em fotografia de David Douglas Duncan













Contador de histórias


Robert Capa e Cartier-Bresson também fotografaram por diversas vezes Picasso em seu quarto, no apartamento em que morava em Paris, na Rue des Grands-Augustins, e a todo vapor no ambiente de trabalho, durante a Segunda Guerra, e todos os biógrafos são unânimes em reconhecer que Capa, Cartier-Bresson e outros grandes fotógrafos ajudaram a disseminar imagens que popularizaram Pablo Picasso como um artista contador de histórias épicas, politizado e irreverente, viril, sedutor e bem-humorado, brincalhão, fumante de charuto, de bem com a vida e dândi, rudemente bonito, que se casou diversas vezes, teve quatro filhos com três mulheres e conquistou incontáveis e belas amantes – tudo contribuindo para a construção da narrativa histórica que levaria Picasso à prosperidade que outros artistas da época nunca alcançaram.

Durante e depois da Segunda Guerra, Capa compartilhava a intimidade de Picasso, e em 1948 passou uma temporada de férias no Mediterrâneo com Picasso e sua esposa da época, Françoise Gilot. Na temporada na praia com Picasso em família, Capa fazia testes com fotografias em filmes coloridos, uma novidade que ainda não estava disponível no mercado, e registrou retratos que estão entre os mais memoráveis na trajetória de Picasso, como o passeio de sombrinha na praia, com o artista descalço acompanhando sua musa (veja mais em Semióticas –Robert Capa em cores).









Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

no ateliê da casa em Cannes, em julho de 1957,

em fotografia de David Douglas Duncan;

e o criador diante da criatura, Guernica,

em fotografia de 1937 de David Seymour.

Abaixo, Picasso na intimidade de seu

apartamento na Rue des Grands-Augustins,

em Paris, em fotografia de 1944 de

Henri Cartier-Bresson;
e Picasso no

Hotel Vaste Horizon
em Mougins,
Côte d’Azur,

em fotografia de 1937 de sua musa Dora Maar











As musas do artista


As relações de Picasso com as mulheres sempre transparecem em sua obra: todas as musas, sejam amantes, namoradas ou esposas, foram registradas em pinturas, desenhos, esculturas (veja também Semióticas – Picasso em preto e branco). É como se cada uma delas houvesse inspirado uma certa obra-prima, algumas celebrizadas em obras radicais, outras com diversas variantes para o mesmo perfil. Entre todas, talvez nenhuma tenha a importância de sua mais famosa amante, Henriette Theodora Markovitch (1907–1997), mais conhecida pelo pseudônimo de Dora Maar. Intelectual, fotógrafa, poeta e pintora, Dora Maar era francesa descendente de croatas e viveu a infância e a juventude na Argentina. Sua influência foi tão importante para Picasso que foi ela quem ajudou o artista a planejar e pintar “Guernica”, entre outras obras-primas.

Dora e Picasso ficaram juntos por 10 anos, no período em que ele oficialmente esteve casado com Olga Khoklova e depois com Marie-Thérèse Walter, que tinha 17 anos quando se conheceram. Depois do término com Picasso, Dora Maar continuou a pintar, fotografar, escrever, afastada dos amigos e trabalhando em uma rotina de reclusão, mas permaneceu sem reconhecimento até sua morte, em 1997, aos 89 anos. Em 1999, finalmente foi organizada a primeira grande retrospectiva de seu trabalho, em Paris, e sua obra, inédita e surpreendente, aos poucos começou a ser valorizada.

Do primeiro casamento de Picasso, em 1918, com Olga Khoklova, bailarina nascida na Ucrânia, nasceu, em 1921, Paulo Picasso, seu primeiro filho. Em 1927, Picasso conhece Marie-Thérèse Walter, com quem teve em 1935 outra filha, Maya Picasso. A lista de musas, namoradas e amantes continuou a ganhar acréscimos, mas teve uma pausa em 1943, quando começa seu relacionamento com Françoise Gilot, que seria mãe de seus filhos Claude, nascido em 1947, e Paloma, nascida em 1949. O último casamento viria em 1961, com Jacqueline Roque, com quem Picasso viveu durante duas décadas, no período em que experimentou novas técnicas, novos materiais e novos suportes para sua arte, de 1953 até sua morte, em 8 de abril de 1973, aos 91 anos.







  


Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

com sua primeira esposa, Olga Khoklova, no ano

em que se casaram, 1918. Abaixo, um desenho de

Picasso para registrar um encontro na intimidade

entre amigos em Paris, 1919: a partir da esquerda,

Jean Cocteau, Olga, Eric Satie e Clive Bell.


Abaixo, Picasso com mulheres importantes

em sua trajetória: com Marie-Thérèse Walter;

com os retratos de Dora Maar (em fotografia

de Brassaï em 1939); com Dora Maar e amigos

no ateliê em Mougins (a partir da esquerda,

Ady, Marie e Paul Cuttoli, Man Ray, Picasso

e Dora Maar), fotografados por Man Ray;

Dora Maar e Picasso
na Côte d’Azur, em 1937,

fotografados por Eileen Agar; Picasso com

Jacqueline, fotografados em 1950 por Man Ray;

e Picasso com Françoise Gilot e Javier Vilato,

seu sobrinho, em foto de 1948 de Robert Capa

















    




As formas apaixonadas


A lista extensa de musas e amantes de Picasso também inclui, entre as mais conhecidas, Fernande Olivier (com quem ele viveu de 1904 a 1912), Marcele Humbert (de 1912 a 1917), Lee Miller (de 1943 a 1945), Geneviéve Laporte (de 1944 a 1953) e Sylvette David (de 1954 a 1955), entre outras. O artista despertava a paixão de suas musas, e cada rompimento foi doloroso, porque ao que se sabe nenhuma delas nunca aceitou o fim do relacionamento. Os amores de Picasso e sua relação intensa com tantas musas e amantes não provocou grandes escândalos na época, mas têm gerado alguma polêmica nos últimos anos. A mais recente aconteceu em 2021, no embalo da publicidade internacional do movimento “Me Too”, contra o assédio sexual, quando professoras de história da arte e seus alunos fizeram um protesto no Museu Pablo Picasso de Barcelona, com a intenção de denunciar os relacionamentos abusivos do artista, mas sem grande repercussão.

Outras denúncias sobre comportamento abusivo na trajetória do artista e sua dominação “animalesca” sobre as mulheres com quem se relacionava são descritos por sua neta, Marina Picasso (filha de Paulo e neta de Olga Khoklova), no livro “Meu Avô, Pablo Picasso”, que desde o lançamento em 2001 foi um best-seller internacional. Marina, uma das privilegiadas herdeiras de Picasso, nasceu em 1950, em Cannes, e teve um irmão, Pablo, que cometeu suicídio aos 24 anos – segundo ela, por culpa e negligência do avô, que nunca quis dividir sua herança bilionária em vida e nunca se preocupou em dedicar sua atenção para os filhos e os netos.











Exposição Picasso na Fotografia: acima, Picasso

com os filhos Claude e Paloma, no verão de 1951,

em foto de Edward Quinn; Picasso com sua filha

Maya, fotografados em 1944 por Marie-Thérèse Walter;

e Picasso com Claude em 1954, assistindo a uma

tourada em Vallouris, França, em fotografia de Jean Meunier.

Maya morreu em 2022, aos 87 anos; e Claude Picasso

morreu em 2023, aos 76 anos.


Abaixo, Picasso na praia, em Cannes, 1965,

em fotografia de Lucien Clergue; e no ateliê,

em 1955, fotografado por Edward Quinn. No final

da página, a capa do livro de Marina Picasso,

que foi lançado em 2001, e dois retratos de

Picasso por Robert Capa: na praia, em 1948,

e fumando, na casa de Vallauris, em 1949




                 



      



Contradições bilionárias


No livro, Marina Picasso relata: “Minha avó Olga, humilhada, manchada, degradada por tantas traições, acabou sua vida paralisada, sem que meu avô fosse uma única vez vê-la no seu leito de angústia e de desolação. No entanto, ela tinha abandonado tudo por ele: o seu país, a carreira, os sonhos, o seu orgulho”. Olga nunca aceitou o divórcio de Picasso e, oficialmente, permaneceu casada com ele até morrer, em 1955. Criador de uma obra extensa e das mais valiosas entre todos os acervos do mundo da arte, Picasso morreu sem deixar testamento. Seus bens e obras foram divididos entre os quatro filhos em 1974, por um acordo judicial.

Em todos os sentidos, a nova exposição confirma que Picasso é um caso único. Ele trabalhou intensamente na arte, da infância à velhice, e deixou uma quantidade impressionante de obras surpreendentes, mas a amostragem das fotos que registra sua trajetória revela algo mais do que o artista em ação, em seu ateliê ou nas pausas em momentos de lazer: são imagens que traduzem a vida e as contradições de Picasso em pequenos fragmentos. Sua importância para a arte e a cultura do século 20 é inquestionável, assim como sua interminável paixão pela criação. Apesar disso, Picasso é um artista que divide opiniões e sua reputação muitas vezes precede a sua arte. Talvez por estes detalhes a exposição de sua presença marcante em décadas da história da fotografia traz mais perguntas do que respostas, mas não há como negar que sua relação com a câmera foi, antes de tudo, um veículo – uma estratégia para perpetuar sua própria autoimagem cuidadosamente construída, tão grandiosa quanto mítica.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Picasso na fotografia. In: Blog Semióticas, 24 de janeiro de 2024. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2024/01/picasso-na-fotografia.html (acessado em .../.../…).


 
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