Trata-se de um autêntico resumo da ópera: uma seleção de imagens clássicas da melhor fotografia humanista feita em meados do século 20. A seleção foi produzida pela Peter Fetterman Gallery, de Santa Mônica, Califórnia, a partir do extenso acervo de um grupo de fotógrafos que há décadas permanece em destaque na lista dos nomes mais célebres na história da fotografia. A exposição, presencial e também apresentada no formato on-line, foi nomeada “Nouvelle Vague: fotografia francesa das décadas de 1950 e 1960”, oferecendo ao visitante um vislumbre fascinante sobre a fotografia do século 20 e homenageando, por meio da amostragem, o legado duradouro do movimento humanista que remodelou a cultura visual contemporânea a partir da Segunda Guerra Mundial.
Todos os integrantes do grupo são fotógrafos lendários: Henri Cartier-Bresson (1908-2004), Raymond Cauchetier (1920-2021), Edouard Boubat (1923-1999), Jean-Philippe Charbonnier (1921-2004), Robert Doisneau (1912-1994), Willy Ronis (1910-2009), Marc Riboud (1923-2016), Louis Stettner (1922-2016), Bruce Davidson (nascido em 1933), Georges Dambier (1925-2011), Herman Leonard (1923-2010) e quatro mulheres de grande importância no período, Sabine Weiss (1924-2021), Janine Niépce (1921-2007), Lilian Bassman (1917-2012) e Dorothy Bohm (1924-2023). Inspirados pelo movimento humanista francês que teve início na década de 1930, o grupo de fotógrafos criou um estilo distinto no cenário da fotografia e do fotojornalismo, unindo questões de realismo e de lirismo ao capturar imagens de momentos espontâneos e da intimidade de personagens anônimos na vida cotidiana, com notável sensibilidade e uma incomparável profundidade poética. Todas as fotos selecionadas têm como cenário a cidade de Paris.
Sutilezas da condição humana
Vem destas características, compartilhadas no trabalho de todos os fotógrafos da seleção, um certo olhar de empatia pelas sutilezas da condição humana – aspecto que justifica o termo “humanismo” associado ao estilo e ao movimento em questão, marcado desde a origem por valores fundamentais da dignidade, da compaixão e da autenticidade. As fotografias em exposição foram publicadas nos principais jornais e revistas da época, entre eles “Berliner Illustrirte Zeitung”, “Vu”, “Point de Vue”, “Regards”, “L’Espresso”, “Paris Match”, “Picture Post”, “Life”, “Look”, “Time”, “Vogue”, “Elle”, “Harper’s Bazaar”, “Le Monde Illustré” e “Plaisir de France” – no Brasil, também nas décadas de 1950 e 1960, ensaios fotográficos e fotorreportagens de fotógrafos nacionais e estrangeiros, muitas vezes em fotografias publicadas apenas com legendas, ou em fotolegendas, sem textos de reportagem, surgiam em destaque, estampados principalmente no “Jornal do Brasil” e nas revistas “O Cruzeiro”, “Realidade”, “Fatos & Fotos” e “Manchete”.

Outro veículo privilegiado para a publicação e circulação da produção fotográfica no período selecionado pela exposição, as décadas de 1950 e 1960, foi a edição cada vez mais frequente de fotolivros. Com seu surgimento a partir da década de 1920, e com o avanço nas técnicas de artes gráficas, que também trouxeram mais qualidade para a edição das revistas ilustradas, os fotolivros começaram a ganhar espaço e a representar uma evolução na experiência de livros ilustrados com fotografias. No fotolivro, fotografias ampliadas passaram a ocupar a quase totalidade das páginas, na maioria das vezes seguidas apenas de legendas ou de poucos textos descritivos, na forma de pequenos artigos ou de breves ensaios, com a edição muitas vezes dedicada à obra temática de um único fotógrafo.
A estética nostálgica
Na
atualidade,
quando
se completam 100 anos das primeiras edições de fotolivros, veículos
privilegiados que
tornaram mais conhecido o trabalho de vários fotógrafos da
exposição, a
maior parte das fotografias selecionadas permanece
continuamente reproduzida, na
imprensa, em sites e nas redes sociais da internet,
seja por sua
estética nostálgica ou
sua
importância documental, inspirando
gerações de fotógrafos
e artistas.
O cinema e o mundo da moda, que continuam a atrair a atenção do
grande público, também foram veículos que tornaram conhecidos o
nome de vários fotógrafos, não só nos registros de astros e
estrelas em eventos oficiais, mas também nos bastidores de filmagens
e nos
trabalhos
de produção que antecediam os grandes lançamentos e apresentações.
No grupo de fotógrafos selecionados, alguns tiveram uma relação mais orgânica com os bastidores da alta costura e com as cenas de filmagens. Sabine Weiss, Janine Niepce, Lilian Bassman e Dorothy Bohm, embora tenham se dedicado também ao fotojornalismo e a uma pauta temática extensa na cobertura de acontecimentos, que vão da crônica de notícias diárias aos retratos de personalidades da cultura e da política, surgem nas fotos em exposição em flagrantes relacionados aos desfiles de estações e ao trabalho dos célebres estilistas das grifes Chanel, Dior, Patou, Saint Laurent e outros. Nas ocasiões em que elas buscam a poética das ruas, os registros têm sempre detalhes que surpreendem e encontram um certo "punctum" da imagem fotográfica, aquele "algo mais" que eleva a fotografia do banal ao sublime, sobre o qual Roland Barthes escreveu um livro célebre e definitivo, "A Câmara Clara", de 1980.
Um Balzac da câmera
Nos
flagrantes de filmagens naquele
período,
o nome mais presente é Raymond Cauchetier, o fotógrafo que
acompanhou as primeiras filmagens de novatos
como Jean-Luc
Godard, François Truffaut, Jacques
Demy, no
que viria a ser um movimento dos
mais influentes no cinema,
a “Nouvelle Vague”, que não por acaso está no título da
exposição organizada pela Peter
Fetterman Gallery.
Nos
registros de Cauchetier, as primeiras cenas sob o comando de
estreantes no cinema não surgem como imagens feitas sob encomenda,
exclusivamente publicitárias, mas sim como testemunhos sobre métodos
herodoxos de jovens cineastas que
criaram obras-primas,
somente reconhecidas como tal anos depois.

Fotografia
no estilo humanista: acima,
Jardin
du Luxembourg
(Paris, 1956) e
La
2CV
(Paris, 1957), duas fotografias
de Sabine
Weiss.
Abaixo, Marche, mode,
fotografia
de 1948 de Willy
Ronis
No ensaio que apresenta a exposição, há indicações sobre os antecedentes que foram referência para a maioria dos fotógrafos selecionados. Tais referências estão localizadas principalmente na arte e no estilo de cinco fotógrafos: nos flagrantes que Eugène Atget (1857-1927) registrou em fotografias sobre as ruas desertas de Paris, que levou Berenice Abbott a chamá-lo de “um Balzac da câmera”; nas contribuições inovadoras da composição fotográfica, nos ângulos incomuns de câmera e no estilo provocador de nomes como os húngaros André Kertész (1894-1985) e Brassaï, pseudônimo de Gyula Halász (1899-1984); e nas concepções de composição da imagem fotográfica de dois fotógrafos, artistas e curadores em diversas modalidades de arte, Alfred Stieglitz (1864-1946), nascido nos EUA, e Edward Steichen (1879-1973), nascido em Luxemburgo.
A Família do Homem
Sobre
Edward
Steichen, pode-se dizer que ele surge como referência para os fotógrafos
selecionados e também como antecedente no formato adotado pela
presente exposição, uma vez que todos os fotógrafos da
seleção também
estiveram
presentes
em “A Família do Homem” (The Family Man), uma monumental
exposição que
tornou-se um acontecimento histórico. A
exposição que marcou época teve curadoria de Steichen, na época
diretor do departamento de fotografia do MoMA,
foi
realizada
em 1955 e
depois editada no formato fotolivro, reunindo
503 fotografias de 273
fotógrafos
(sendo
40 fotógrafas) de
68
países. O Brasil esteve representado por Pierre Verger, nascido na
França e naturalizado brasileiro.
“A Família do Homem”, modelo para todas as grandes exposições de fotografia realizadas desde então, foi apresentada primeiro no MoMA, em Nova York, e em seguida em museus de outros países, no decorrer de uma década, sempre com recordes de público, totalizando mais de 10 milhões de visitantes. Alguns historiadores da arte consideram que a fotografia humanista, e de forma especial o acervo reunido com “A Família do Homem”, foram fundamentais para elevar a fotografia ao patamar de arte colecionável e peça valorizada no acervo dos grandes museus.
Steichen,
em
sua autobiografia (“Uma vida na fotografia”, publicada
em
1963),
declarou
sobre o sucesso do projeto monumental do qual ele foi idealizador e curador:
“As pessoas na plateia olhavam para as fotos, e as pessoas nas
fotos olhavam de volta para elas. Elas se reconheciam.” Lembrando as palavras de seu mestre Edward
Steichen e a metáfora poética da fotografia como espelho, Sabine
Weiss escreveu,
em
um artigo autobiográfico
para
uma
retrospectiva sobre sua obra autoral no Museu do Louvre, na década de 1990, que todas as fotografias, e a fotografia humanista de modo particular, são
lembretes para ninguém esquecer que nossas vidas são tão breves e tão passageiras.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
ORLANDO, José Antônio. Fotografia no estilo humanista. In: Blog Semióticas, 30 de setembro de 2025. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2025/09/fotografia-no-estilo-humanista.html (acesso em .../.../…).
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