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25 de junho de 2012

Michael Jackson em BH









Passou batido pela imprensa mineira da época, mas alguns ainda guardam na memória o encanto do show naquela noite em setembro de 1974, anunciado como “o mais sensacional show de rock do mundo”. O extinto “Jornal de Minas” foi o único veículo impresso de Belo Horizonte a registrar o show de Michael Jackson e seus irmãos Jackie, Tito, Marlon e Jermaine, que formavam The Jackson Five, e que naquela turnê brasileira contavam com o reforço de um sexto integrante, o estreante Steve Randall Jackson.

A manchete do “Jornal de Minas” do dia 19 de setembro 1974 estampava: “A mais nova explosão dos jovens irmãos”. Na foto em preto e branco, publicada pelo jornal sem identificação do fotógrafo, Michael, que morreu há exatos três anos, em 2009, aos 50 anos, vítima de uma overdose de medicamentos, aparece em primeiro plano, muito jovem, sorrindo, de boné e com uma das mãos na cintura, acompanhado por quatro dos irmãos, todos ostentando trajes da última moda e suas cabeleiras “black power”.











Michael Jackson em BH: no alto e
acima, Michael em 1974, época da turnê
internacional que passou por Belo Horizonte,
com os irmãos na formação original do
The Jackson Five, Jackie, Tito, Marlon e
Jermaine. Abaixo, a família reunida em casa,
na Califórnia, em 1971, em reportagem
publicada pela revista Life








 




A reportagem começa anunciando que “ouvir um disco do The Jackson Five é uma coisa, mas presenciar o grupo atuando em shows é algo inteiramente diferente”. De acordo com o “Jornal de Minas”, o que motivava tanta expectativa pela apresentação de Michael Jackson e seus irmãos no Estádio Independência, no bairro Horto, era o “sucesso estrondoso e quase inacreditável” do jovem e talentoso Michael, que tinha alcançado a soma de mais de um milhão de cópias vendidas dos singles “Ben” e “Music and Me”.

O “Jornal de Minas” também informava que The Jackson Five chegaria a BH com uma comitiva de 18 integrantes e seis toneladas de aparelhagem importada pela firma Koski-Ellis-Stein da Inglaterra. Mas todo o destaque da reportagem foi para a potência vocal do jovem Michael Jackson, então com 16 anos. “Ele está longe de ser o menino de voz fina dos primeiros discos e primeiros shows”, apontava o texto, que apresentava Michael como “um dos maiores artistas do cenário do rock”. 













Michael Jackson no álbum de família:
no alto, aos dois anos, em 1960, e 
aos 16, em foto de 1974. Abaixo, em
foto promocional para a turnê internacional
de 1974 com o Jackson Five; e nos

bastidores do show e no palco em
Los Angeles, também em 1974.
Também abaixo, o material
promocional do grupo para a turnê
internacional de 1974



















Naquela semana, rivalizando com o show de The Jackson Five, a capital mineira também assistiria a uma única apresentação do rock de Rita Lee, que recentemente havia se separado de Os Mutantes e seguia carreira solo com a banda Tutti Frutti, no Teatro Francisco Nunes, e do samba de Martinho da Vila e banda, que se apresentaram no Teatro Marília. Também houve uma apresentação de astros da Jovem Guarda no Parque da Gameleira, mas sem mobilizar a esperada multidão de fãs, já que o show não contou com a participação do trio principal Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa.



Ingressos a Cr$ 25,00



Para assistir ao show de The Jackson Five no Independência, o ingresso custava Cr$ 25,00. Quem assistiu ao show diz que foi uma apresentação impecável, mas que as arquibancadas e o gramado do estádio não ficaram lotados, talvez porque tenha sido um dia de chuvas em BH. Entre os fãs históricos que presenciaram a passagem de Michael Jackson e seus irmãos pela capital mineira estão o produtor cultural Wilson Miranda e os veteranos do jornalismo Neusa Costa e Afonso de Souza, que dizem se lembrar muito bem daquele dia e do show sensacional que assistiram à noite no Estádio Independência.









              







O grupo desceu no Aeroporto da Pampulha e ficou hospedado no Brasilton Palace Hotel, em Contagem”, recorda Miranda, enquanto Afonso de Souza diz que jovens e crianças formaram a maior parte da plateia do grupo no show do Independência. No palco, Michael Jackson e seus irmãos apresentaram os sucessos que naquela época tocavam muito no rádio e nas trilhas sonoras das novelas de TV, entre eles "I'll Be There", "I Want You Back" e "ABC", com as canções da carreira solo de Michael, como “Ben” e “Music and Me”, em destaque e repetidas no final do show. Michael, todos se lembram, foi um show à parte, apresentando os novos passos da dança que ele inventou e que imitavam os movimentos de um robô. Anos depois, seriam os passos de dança marcantes na carreira solo de Michael, incluindo o célebre "moonwalk", sua coreografia mais famosa, em que ele se movia para trás enquanto parecia caminhar para frente.

Como eram os tempos da ditadura militar, além do aparato policial ser ostensivamente reforçado, a apresentação em Belo Horizonte teve encerramento rigorosamente antes das dez da noite. A turnê brasileira do The Jackson Five também incluiu, além de Belo Horizonte, shows em São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Brasília. Houve um único registro gravado na passagem de Michael Jackson e seus irmãos pelo Brasil. A gravação foi feita pela extinta TV Tupi, mas as imagens foram perdidas num dos incêndios que destruíram os arquivos da emissora. Restaram menos de dois minutos, preservados no acervo da Cinemateca Brasileira.





















No final da década de 1970, com o lançamento do álbum “Off The Wall”, Michael Jackson inicia a fase adulta da carreira e arranca elogios unânimes da crítica ao combinar as tradições do Rhythm and Blues de décadas passadas com o estilo de sucessos da gravadora Motown e a novidade da Disco Music. Compositor e arranjador desde os primeiros tempos do The Jackson Five, Michael passou a investir na experimentação musical.

E também começou a ganhar uma exposição cada vez maior na mídia, que culminaria em 1982, com “Thriller”, até hoje o disco mais vendido do mundo, com cerca de 100 milhões de cópias. Com “Thriller”, curta-metragem de 15 minutos escrito e dirigido por Michael em parceria com o cineasta John Landis, também começou a era de videoclipes na MTV, emissora que acabara de despontar no cenário internacional.

Duas décadas depois da primeira turnê brasileira, já aclamado com os títulos de “rei do pop”, “recordista das premiações do Grammy”, “dono do disco mais vendido da história”, “inventor do videoclipe”, “maior entertainer vivo” e líder de campanhas humanitárias importantes como USA For África (quando se juntou a 44 celebridades para gravar a canção “We Are The World”, que arrecadou US$ 200 milhões), Michael Jackson passou a ser protagonista de polêmicas que envolviam cirurgias plásticas a que teria se submetido para buscar um “branqueamento” e uma série de escândalos fomentadas pela imprensa mais sensacionalista com denúncias nunca comprovadas de abusos e pedofilia.











Trajetória de Michael Jackson:
acima, cartaz promocional e fotografia no
lançamento do álbum de 1979 Off the Wall.
Abaixo, Michael em cena de Thriller (1983),
o lendário videoclipe escrito e dirigido
em parceria com o cineasta John Landis
e apontado como o primeiro e o mais
importante filme da era dos videoclipes; e
Michael Jackson no Brasil, durante as
gravações com o cineasta Spike Lee na
favela carioca e no Pelourinho, em Salvador 

 






Michael Jackson retornaria duas vezes ao Brasil, em outubro de 1993 e em fevereiro de 1996. Em 1993, realizou dois shows no Estádio do Morumbi, em São Paulo, como parte da turnê do álbum “Dangerous”. Na confusão entre fãs e imprensa em frente ao hotel em que o artista estava hospedado, a comitiva de Michael atropelou dois adolescentes. Um deles, de 15 anos, teve sua perna quebrada e recebeu no hospital a visita de seu ídolo.

Em 1996, Michael e o diretor Spike Lee vieram ao Brasil para gravar cenas para o videoclipe da música "They Don't Care About Us". No Rio de Janeiro, as equipes do cantor e do diretor tiveram que negociar com os traficantes para gravar cenas na favela. Também foram gravadas cenas no Pelourinho, em Salvador, Bahia, onde Michael e Spike Lee contaram com a participação do Olodum. As imagens de Michael Jackson usando a camisa do grupo, não por acaso, fizeram com que o Olodum ficasse conhecido nos quatro cantos do mundo.


por José Antônio Orlando.



Como citar:


ORLANDO, José Antônio. Michael Jackson em BH. In: _____. Blog Semióticas, 25 de junho de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/06/michael-jackson-em-bh.html (acessado em .../.../...).













13 de junho de 2012

Gostos da Belle Époque






Também tivemos a nossa Belle Époque, por sinal que feia como

sete dias de chuva. Começou com a República. Basta comparar a

iconografia imperial com a posterior, para ver a coisa inestética

que veio depois de D. Pedro II. Gravuras de Debret e Rugendas,

pintores régios, figuras de Angelo Agostini – cheias dos nossos usos,

costumes, tipos, ruas, casas, campos, estradas, árvores, céus e

alegorias – tudo isso foi substituído pelo duro documento fotográfico.

–– Pedro Nava, “Baú de Ossos” (1972).   

  

Não são poucos os historiadores que relacionam a criação da Coca-Cola com o início da Belle Époque. A bebida nasceu com a chegada da Revolução Industrial em Atlanta, Estados Unidos, inventada logo depois da Guerra de Secessão, na mesma época em que tem início a Belle Époque em Paris, França, até então considerada centro cultural do mundo. Em 1884, o farmacêutico John Pemberton (1831–1888) lançou a mistura alcoólica “Pemberton's French Wine Coca”, anunciada como bebida intelectual, vigorante do cérebro e tônica para os nervos, feita da mistura de folhas de coca, grãos de noz-de-cola e álcool.

O puritanismo religioso foi um impedimento ao sucesso comercial da primeira versão da bebida, mas Pemberton não desistiu: retirou o álcool da fórmula e passou meses no porão de sua casa em Atlanta adicionando ingredientes à água carbonada para chegar a um outro xarope. Em maio de 1886, a nova bebida começa a ser vendida e seu primeiro anúncio publicitário é publicado como Coca-Cola, nome dado por Frank Robinson, que utilizou a sua própria caligrafia para fazer o logotipo que sobrevive ainda hoje.











Imagens da Belle Époque:
a partir do alto da página, dois
dos primeiros anúncios publicitários
da Coca-Cola, impressos na década de
1890 em sofisticadas técnicas de policromia.

Acima, The Walkers (Bazille et Camille),
pintura impressionista de 1865 de Claude Monet;
e
Tempo de chuva na praça de Rådhuspladsen
em Copenhague, Dinamarca. Pintura em óleo sobre
tela de 1905 do dinamarquês Paul Gustave Fischer.

Abaixo,
a capa em 
policromia do catálogo ilustrado
Le Nouvelle Mode, editado em Paris no ano de
1900; Uma jovem lendo, pintura em óleo
sobre tela de 1898 de Ricardo López Cabrera;
e o ápice da ornamentação em O beijo, pintura
de 1908 de Gustav Klimt, uma obra carregada
de erotismo e de expressionismo
















Nos bares, o xarope do farmacêutico John Pemberton era apresentado em copos de vidro e misturado na hora de servir. Curioso é que os primeiros cartazes publicitários coloridos que anunciavam o produto faziam mais sucesso que a bebida e por isso passaram a ser distribuídos como brinde aos clientes que compravam o produto engarrafado para levar para casa ou seguir viagem. As primeiras garrafas vinham com tampas de rolha, mas a partir de 1900, foi adotada a novidade da “tampa coroa”.

Enquanto a Coca-Cola ganhava o mundo, florescia a partir da França a Belle Époque – com sua pluralidade de tendências filosóficas, científicas e sociais, incluindo o aparecimento das vanguardas nas artes, na literatura, na música e na arquitetura, reforçada com as reformas urbanas em Paris e nas capitais da Europa, irradiando seus reflexos nas cidades de outros continentes. Favorecida por um longo período de paz internacional que só seria interrompido em 1914, quando explodiria a Primeira Guerra Mundial, é a época das ostentações e das grandes invenções: eletricidade, telégrafo, telefone, cinema, estradas de ferro, automóveis, aviões. A história da arte também classifica este período, do final do século 19 até o final dos anos 1920, como época da Art Nouveau, com obras de arte e objetos industriais criados para destacar uma exuberância decorativa de curvas assimétricas, formas botânicas e motivos florais.














Paris no final do século 19: no alto,
cartaz original criado por Alphonse Mucha,
o maior nome da Art Nouveau, para a peça
“A Dama das Camélias", de Alexandre Dumas,
estrelada por Sarah Bernhardt, em litografia colorida
de 1896. Também acima, pintura anônima que retrata
o Port St. Denis; e duas fotografias anônimas,
a primeira com data de 1880, mostrando a
Avenue des Champs-Élysées, e a segunda de
1900, mostrando a clientela do Café de La Paix.

Abaixo, Robert De Niro com Dominique Sanda
fotografados por Eva Sereny nas filmagens de
"Novecento", filme de 1976 de Bernardo Bertolucci
que apresenta uma retrospectiva da história desde a
Belle Époque na Itália, em 1900, até a Segunda Guerra.
Também abaixo, o momento histórico em que o brasileiro
Alberto Santos Dumont voa sobre Paris na manhã
do dia 19 de outubro de 1901 e provoca uma grande
comoção na multidão que vai às ruas








 



Coca-Cola nos grotões



No Brasil, é comum situar a Belle Époque entre 1889, com o fim do Império e a Proclamação da República, e 1922, ano de realização da Semana de Arte Moderna de São Paulo, mas há pesquisadores que defendem a extensão do período até a Revolução de 1930, que por sua vez encerra a primeira fase da República. Por aqui, entretanto, a associação entre a Belle Époque e a popularização da Coca-Cola sempre gerou controvérsias, visto que o início da comercialização da bebida importada dos EUA só acontece a partir dos anos 1930, ainda assim restrita ao público de maior poder aquisitivo.

Somente mais tarde, no contexto da Segunda Guerra, sob pressão do governo do presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, e com a instalação das primeiras bases militares norte-americanas no Norte e no Nordeste do Brasil, é que o comércio de Coca-Cola passou a ser cada vez mais frequente. Em 1941, Getúlio Vargas autoriza a inauguração da primeira fábrica de Coca-Cola em solo brasileiro, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Dois anos depois, iria ao ar, pela Rádio Nacional, “Um Milhão de Melodias”, o primeiro programa a ser patrocinado pela Coca-Cola no Brasil.









Cenas da Belle Époque no Brasil:
Getúlio Vargas em 1911, anos antes de
chegar à Presidência da República, ao lado
de sua esposa, dona Darci. Também acima,
Getúlio Vargas ao centro, com seus fieis 
seguidores, durante a curta estadia em
Itararé (SP) em seu caminho para a
tomada do poder no Rio de Janeiro,
depois do êxito das tropas militares
na linha de frente. Abaixo, o encontro
entre os presidentes Getúlio Vargas e
Franklin Roosevelt na base aérea
norte-americana instalada em
Natal (RN), em 28 de janeiro de 1943











Cinco décadas antes disso, quando a industrialização do produto mais identificado com a invasão norte-americana em todo o mundo ainda dava seus primeiros passos, com as investidas do farmacêutico John Pemberton em Atlanta, as instituições brasileiras explodiam em reviravoltas provocadas por dois eventos de impacto. São divisores de águas no Brasil, na segunda metade do século 19, a Lei Áurea de 13 de maio de 1888, que extinguiu a escravidão (assinada por Dona Isabel, princesa imperial, que estava na regência, durante viagem do imperador Dom Pedro 2° ao exterior), e o levante militar em 15 de novembro de 1989, que pôs fim à soberania do imperador e proclamou a República.

O período identificado como Belle Époque, no Brasil, vai coincidir com um movimento demográfico de grandes proporções, com a chegada das grandes levas de imigrantes ao território nacional. É também a época em que a imensa população de escravos recém-libertados e seus descendentes passam a ocupar as periferias das cidades, enquanto as classes mais abastadas se estabelecem nos centros urbanos. São os antigos senhores de escravos que também vão firmar a novidade do consumo de produtos industrializados, a grande maioria importada das capitais da Europa.












Gostos da Belle Époque: acima, Dom Pedro 2°
fotografado por Marc Ferrez em 1885, no Paço
de São Cristóvão, Rio de Janeiro. No alto,
Família Imperial no exílio, reunida no
Castelo d’Eu, Normandia, França, em 1918,
fotografada por P. Gavelle. Em primeiro plano,
partir da esquerda: Dona Maria Francisca
(em pé) e Dona Elisabeth Dobrzenky de
Dobrzenicz (sentada), tendo ao colo Dom João
Maria; a seu lado, Dona Isabel, futura Condessa
de Paris, e Dom Pedro Gastão, ambos em pé.
Sentados, Conde d’Eu e Princesa Isabel,
seguidos de Dona Pia Maria, em pé, Dom Luís,
sentado, Dom Luís Gastão e Dom Pedro Henrique,
Príncipe do Grão-Pará, ambos em pé. No
segundo plano, da esquerda para a direita,
em pé, Dom Pedro de Alcântara, Dom Antônio
e Dona Maria Pia. Na segunda imagem,
Princesa Isabel e Conde d’Eu fotografados
por P. Gavelle em 1919.

Abaixo, imagem rara dos arquivos
do Museu Imperial de Petrópolis
apresenta um desfile de carruagens e uma
batalha de flores na avenida principal, no
Carnaval, em fevereiro de 1888. Também
abaixo, fotografia de Augusto Malta que
registra a Rua do Ouvidor, no centro do
Rio de Janeiro, por volta de 1900;
e a recém-inaugurada Avenida Central,
em 1909, no centro do Rio de Janeiro,
em fotografia de Marc Ferrez mostrando
à esquerda a Praça Floriano Peixoto e o
Teatro Municipal, e à direita, a Escola
Nacional de Belas Artes











.











Marcada pelas grandes invenções, capitaneadas pela proliferação de imagens da fotografia, do cinema, de jornais e revistas e muitos anúncios publicitários, a Belle Époque, também no Brasil, vai testemunhar um “embelezamento” dos hábitos da vida cotidiana, com a entrada do design sofisticado nos objetos utilitários, nas vestimentas e nos detalhes rebuscados na arquitetura e na fachada das casas. A República, recém-instalada, almejava inaugurar uma nova era no país e, por conta disso, tentou minimizar tudo o que lembrava o Império e o passado da colonização portuguesa. 



Arquitetura e 'embranquecimento'
 


Dentre estas novas metas, alardeadas como progresso pelos republicanos que chegaram ao poder, se destaca a legislação que oficialmente procurava o “embranquecimento” do povo brasileiro, marginalizando os negros recém-libertados e incentivando a recepção de povos imigrantes, nomeados nos documentos com as características de “brancos e letrados”. A vida cultural nas capitais também buscava novo rumo, com a tentativa de importar novos hábitos de consumo na ilusão de ganhar alguma aproximação das culturas francesa e italiana. 

Com a chegada das populações de imigrantes, a maioria vinda dos países europeus, a arquitetura e o urbanismo têm um salto qualitativo considerável nos primeiros tempos da República, especialmente no final do século 19 e na primeira década do século 20: é dessa época a popularização de novidades como os automóveis que passam a ocupar as paisagens urbanas e também a fundação de Belo Horizonte, primeira cidade planejada no Brasil, com os amplos espaços livres das praças e dos largos das igrejas e da Estação Ferroviária, suas amplas e extensas avenidas em traçado geométrico e prédios suntuosos que abrigavam a administração pública e a modernidade dos teatros e dos cinemas.










Gostos da Belle Époque: acima,
cenas de Belo Horizonte no início
do século 20, a primeira cidade
planejada do Brasil com suas
amplas avenidas em traçado
geométrico e prédios suntuosos
que abrigavam a modernidade dos
cinemas. Abaixo, registros em
fotografias anônimas sobre as
reformas urbanísticas no
Rio de Janeiro, com a demolição
dos cortiços e a abertura de
amplas praças e avenidas,
seguindo o modelo francês de
arquitetura e urbanismo 


 






Outro marco arquitetônico na Belle Époque brasileira foi a grande reforma urbanística no Rio de Janeiro, então Capital Federal, com a demolição dos cortiços e antigos casarios no centro da cidade e a abertura das amplas avenidas, empreendidas pelos projetos de Pereira Passos e Rodrigues Alves. As reformas e as novas construções fundadas no estilo em voga na França e em outros países da Europa também chegaram a São Paulo, como apontam dois estudos inspirados sobre a arquitetura e a iconografia da Belle Époque paulistana, há décadas considerados itens de colecionares, que retornaram às livrarias em lançamentos da Companhia Editora Nacional.



Cenários de 1900



Em “São Paulo: Belle Époque” e “Memória e Tempo das Igrejas de São Paulo”, os belos traços da artista plástica Diana Dorothéa Danon transformam detalhes arquitetônicos e fachadas remanescentes de igrejas, mosteiros, palacetes, estações e antigos casarões em desenhos, aquarelas e poemas. O trabalho da artista encontra nas novas edições apoio em textos referenciais de dois especialistas: o jornalista Leonardo Arroyo e o arquiteto e urbanista Benedito Lima de Toledo. Formada em pintura pela Escola de Belas Artes de São Paulo, em 1959, Diana Danon, que em 2012 completa 83 anos, está em boa companhia.







Leonardo Arroyo, que foi colaborador dos jornais “A Notícia” e “Folha da Manhã”, venceu o Prêmio Jabuti em 1985 com o livro “A Cultura Popular em Grande Sertão: Veredas” – enquanto Benedito Lima de Toledo, professor titular de História da Arquitetura na USP, publicou uma série de livros sobre urbanismo e arquitetura, entre eles “São Paulo: Três Cidades em um Século” e “Álbum Iconográfico da Avenida Paulista”. Nos ensaios que produziram para acompanhar as dezenas de ilustrações e os fragmentos poéticos de Diana Danon, Arroyo e Toledo abordam o contexto das construções do século 16 ao século 20, que têm como pano de fundo a riqueza oriunda do café.

Produzidos a partir da década de 1960, imagens e poemas de Diana Danon resgatam em detalhes a beleza de edificações que estavam espalhadas por Higienópolis, Campos Elíseos, Santa Cecília e Bela Vista – mas que não resistiram ao tempo e à especulação imobiliária. “A cidade surpreendia seus próprios moradores”, destaca a artista na breve apresentação aos livros, situando as transformações que a riqueza fácil e desmedida vinda das fazendas e do comércio do café provocava de forma ininterrupta nos belos cenários da cidade antiga. 












A Belle Époque resgatada nos traços
de Diana Danon: no alto, desenho
que retrata a casa onde morou a
Marquesa de Santos, seguido do
Monumento à Independência,
localizado no parque em São Paulo
que também abriga o Museu do
Ipiranga. Também acima, e abaixo,
detalhes da fachada do Teatro Municipal
da capital de São Paulo








Sem saber que um monstro estava sendo gerado, com patética ingenuidade galardoavam-na com o dístico: a cidade que mais cresce no mundo! Quanto bonde não foi marcado com essa frase que o paulistano sempre leu como uma lisonja e não como uma uma advertência... Quanto prefeito, governador, quanto político não repetiu a frase com inconsequência de novo-rico, deixando a cidade entregue ao seu crescimento desordenado”, aponta Diana Danon.

Além do lirismo dos versos e das imagens pesquisadas e retratadas por Diana Danon, os textos de Benedito Toledo e Leonardo Arroyo situam o desenvolvimento desordenado da metrópole no final do século 19 e começo do século 20. Nos ensaios historiográficos, o que se coloca frente a frente é o antigo patrimônio da metrópole e o crescimento tentacular fundado na riqueza descompromissada e na importação desvairada de modismos estrangeiros, sem nenhum planejamento ou plano diretor sobre o urbanismo que pudesse conter os excessos dos interesses predatórios, que surgem mascarados com o discurso otimista em nome do progresso.










Cenários do passado paulistano:
o Viaduto Santa Ifigênia, construído
em 1913, auge da Belle Époque,
na ilustração de Diana Danon
datada de 1972; e a fachada principal
do Mosteiro da Imaculada Conceição
da Luz, localizado na avenida Tiradentes
e inaugurado em 1774. Abaixo, um
antigo sobrado da Avenida Paulista e
Diana Danon em ação, em 2011, aos
81 anos, desenhando um sobrado do
bairro do Brás. Também abaixo, a
fachada do Museu do Ipiranga
 e o conjunto hospitalar da Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia,
com seus tijolinhos aparentes,
construído no final do século 19







 

O estilo afrancesado



Tanto em “São Paulo: Belle Époque” como em “Memória e Tempo das Igrejas de São Paulo”, as belas imagens, a maioria em preto e branco, e os textos breves resgatam a pujança de uma época que ficou no passado, deixando um mínimo de edificações para o tempo presente. Entre detalhes da reconstituição iconográfica de Diana Danon, que participou de mais de 50 mostras individuais e coletivas de artes plásticas entre 1959 e 2008, o leitor encontra relatos de curiosidades e estudos detalhados sobre traços arquitetônicos e construções específicas.

Enquanto os desenhos e as aquarelas primam pela qualidade em minúcias, os textos de Toledo e Arroyo envolvem quiproquós sobre a população de imigrantes e a prática disseminada pela burguesia paulistana em importar hábitos e modismos da Europa, a odisseia da subida da Serra do Mar, o ecletismo dos novos bairros, o cotidiano dos trabalhadores estrangeiros e a presença fundamental dos “capomastri”, os arquitetos aptos para a execução e finalização de qualquer que fosse o projeto. Em meio às questões de urbanismo e arquitetura, Diana Danon transforma a pesquisa de campo em poesia:


A igreja em reforma
estava escura.
Atrás de mim, a senhora
vendia velas.
Algumas num canto ardiam
silenciosas.







Enquanto registra referências poéticas ao trabalho de desenho que investiu nos cenários pesquisados, Diana Danon também estabelece juízos de valor com rigor de avaliação científica, apontando que havia os “bolos de noiva”, de ornamentação prolixa e de gosto duvidoso, que por sua vez conviviam com outras construções. Pela originalidade de concepção e execução, muitas delas, destaca Diana Danon, poderiam figurar ao lado das melhores expressões europeias das edificações na Belle Époque.

Os ensaios de Toledo e Arroyo confirmam as intuições e as breves avaliações de Diana Danon, destacando que em algumas regiões da maior cidade do território nacional, como a Avenida Paulista, o ambiente era mais propício ao “gosto francês”. “As imensas residências, cada uma com um estilo diverso, constituíam impressionante documento de ecletismo. Neoclássico, toscano, florentino, egípcio, neorromano, Art Nouveau, todos os estilos e pretensos estilos ali estavam enfileirados”, aponta Toledo.

A conclusão para os dois estudos não deixa de ser melancólica, ainda que soe como um alerta para a importância do planejamento urbano e da preservação do patrimônio cultural, estético, artístico, documental, científico, social ou ecológico, como forma de não repetir os erros irreversíveis cometidos num passado nem tão distante. O patrimônio investigado, a partir da observação nostálgica dos traços arquitetônicos da Belle Époque que restaram como monumentos isolados, também representa uma lição da história para o presente e o futuro, a demonstrar que a industrialização e as maquinarias, colocadas em movimento em nome de um pretenso progresso a qualquer custo, nem sempre são garantia de avanços acertados ou de melhorias na qualidade de vida.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Gostos da Belle Époque. In: Blog Semióticas, 13 de junho de 2012. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2012/06/gostos-da-belle-epoque.html (acessado em .../.../…).



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