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19 de outubro de 2022

Alice surrealista






E de que serve um livro", pensou Alice, "sem figuras nem diálogos?"

–– Lewis Carroll, “Alice no país das maravilhas”....





Desde suas primeiras edições em 1865, a obra-prima de Lewis Carroll “Alice no país das maravilhas” (“Alice in Wonderland”), e sua continuação publicada em 1871 “Alice através do espelho” (“Through the looking-glass and What Alice found there”), conseguiram conquistar leitores entusiasmados de todas as idades e capturar corações e mentes. Os dois livros, com Alice caindo na toca do coelho ou do outro lado do espelho, viajando por lugares estranhos, carregados de ironias e provocações, onde uma bebida pode fazer você encolher, um cogumelo pode fazer você crescer, onde flores, animais e cartas do baralho falam, e onde poucos têm coragem de resistir ao poder autoritário e insano, são constantemente tomados como referência e influência para adaptações, releituras e traduções intersemióticas, com conteúdos mais ou menos imprevisíveis, que vão das formas literárias tradicionais a versões para outras artes e mídias (veja também “Semióticas – Alice vai ao futuro”  e  “Semióticas – Alice volta ao futuro”).

A galeria dos que têm as aventuras de Alice como fonte de inspiração é quase infinita e permanece em alta, incluindo de Walt Disney e Salvador Dalí a muitos e muitos escritores e artistas de estilos e gêneros diversos, além de cineastas, estilistas de moda, designers, fotógrafos, grafiteiros e performers em geral. As aventuras da Alice de Lewis Carroll (o nome do autor é, na verdade, um anagrama do nome real da personagem, Alice Liddell, um pseudônimo que foi criado pelo matemático e pastor anglicano Charles Lutwidge Dodgson para assinar suas obras de literatura) tornaram-se, desde a origem, quase um sinônimo para “nonsense”, a expressão do estilo na literatura e nas artes que denota algo sem sentido, sem nexo, sem lógica ou sem coerência, como a verbalização de um “absurdo”, ainda que a lógica muito sofisticada de “Alice no país das maravilhas” e de “Alice através do espelho” contenha uma variedade de enigmas cognitivos e jogos de linguagem que estão bem longe dqualquer ausência de sentido.





Alice surrealista: no alto da página, Alice
na mesa do chá com o Chapeleiro Louco e
a Lebre Maluca, uma ilustração original de
John Tenniel de 1865 para o livro de Lewis Carroll.
Tenniel, um conhecido ilustrador e caricaturista da
época, foi contratado por Carroll para refazer seus
desenhos criados junto com o manuscrito.
Acima, a pequena Alice Pleasance Liddell
aos seis anos, em 1858, fotografada por
Lewis Carroll. Alice era uma das filhas de
Henry Liddell, reitor da Christ Church,
em Oxford, e Carroll ficou encantado quando
a conheceu, tanto que assinou o livro não com
seu nome original, Charles Lutwidge Dodgson,
mas com o pseudônimo que passou a adotar,
Lewis Carroll, um anagrama para Alice Liddell.

Abaixo, duas pinturas surrealistas de Max Ernst
inspiradas em "Alice no país das maravilhas" e em
"Alice através do espelho": "Alice" e "The stolen mirror"
(O espelho roubado), ambas de 1941. Max Ernst criou
diversas obras baseadas na literatura de Lewis Carroll
que fazem alusão direta a Alice no período entre
as décadas de 1930 e 1970 






  

Limites da lógica


Tal expressão nos limites da lógica, tão transgressora e tão próxima das fronteiras do fantástico e do onírico, representada com maestria pela literatura de Lewis Carrol, foi apropriada também com muita atenção pela geração de escritores e artistas do surrealismo. Seja atravessando o espelho ou quebrando as regras de Wonderland, Alice, e as galerias de personagens extraordinários que ela encontra, conseguiram atrair, de forma definitiva, o olhar fascinado dos surrealistas mais radicais. Todos, ou a maioria deles, perseguiram com curiosidade seus passos, revivendo as perplexidades e os questionamentos inconformados da menina diante do outro mundo sobrenatural que atrai e encanta.

O que Alice encontrou, depois que sua atenção é despertada pela visão incomum e muito estranha de um coelho branco com um relógio de bolso, foi um mundo subterrâneo mágico, uma realidade de fábula com criaturas aristocratas e enlouquecidas, frustradas com tudo e todos, a questionar a lógica e os hábitos mais tradicionais. Ao final do turbilhão de aventuras da primeira viagem, Alice desperta do que pode ter sido um sonho, mas embarca novamente para o mundo mágico ao atravessar o espelho e entrar em outro jogo absurdo apresentado em um imenso tabuleiro.

Hoje o que se percebe é que, na verdade, o enredo, as criaturas e a protagonista da história fizeram de Lewis Carroll um importante precursor do que viria a ser o surrealismo, atravessando as fronteiras do dadaísmo e dos demais movimentos de vanguarda dos primeiros tempos da arte moderna. O surrealismo, a seu modo, adotou Alice, apresentando ou promovendo sua atualidade para um público mais sofisticado e mais avançado no repertório do mundo das artes e da literatura. Com a aproximação, a curiosidade de Alice tornou-se um sinônimo para as investigações estéticas e existenciais em torno de surrealistas e dadaístas, assim como para os que vieram depois deles.











Alice surrealista: acima, uma página do manuscrito
original de Lewis Carroll com um de seus desenhos no
rascunho, depois refeitos por John Tenniel ("a lagarta")
para a primeira edição do livro em 1865.

Abaixo, 
duas pinturas surrealistas de Dorothea Tanning
inspiradas na 
Alice de Lewis Carroll: "Eine Kleine
N
achtmusik" (Um pouco de música noturna),
de 1943, em alusão aos diálogos de Alice
com as flores (o título da obra é uma referência
à célebre serenata de Mozart); e "Birthday"
(Aniversário), de 1942, com uma Alice adulta
vagando pelo corredor de portas no que supõe
ser um "desaniversário" 










O melhor da infância


A aproximação entre a Alice de Carroll e os surrealistas não é apenas uma possibilidade anacrônica, que se percebe somente na atualidade, ou evidenciada por analogias entre o País das Maravilhas e as criações históricas daqueles artistas: tal aproximação está presente desde o marco fundador do movimento, com as citações feitas por André Breton no primeiro “Manifesto do Surrealismo”, de 1924, no qual a principal liderança dos surrealistas valoriza, de forma nostálgica, um sentimento de admiração pelo lúdico do universo infantil que remete ao real maravilhoso que a criança Alice vai descobrindo em sua aventura no novo mundo.

Nas palavras do manifesto de Breton: “A maior parte dos exemplos que a literatura poderia me fornecer estão contaminados com coisas fúteis e vazias pela simples razão de serem dirigidas às crianças, que desde muito cedo são cortadas do maravilhoso (…). Por isso o espírito livre que ousa mergulhar no surrealismo revive, com exaltação, a melhor parte de sua infância”. Breton também destaca que das recordações da infância, repletas de encantos, vêm os sentimentos mais fecundos para a arte e para a literatura, e que talvez seja a infância o que mais se aproxima de uma vida verdadeira.






Alice surrealista: acima, Alice Liddell fotografada
em 1860 por Lewis Carroll. Abaixo, três versões
para a mesma passagem das aventuras de
Alice, quando ela enfrenta uma chuva de
cartas do baralho: a versão de John Tenniel,
publicada em 1971 em "Alice através do espelho";
uma colagem de 1930 de Max Ernst; e uma
pintura de 1955 de Piero Fornasetti







      




Experiências lúdicas e oníricas


André Breton retornaria outras vezes à literatura de Lewis Carrol e ao mundo de Alice, uma delas encontrando no País das Maravilhas (Wonderland) o argumento para caracterizar a qualidade das imagens pictóricas em geral, conforme ele reconhece em “Surrealismo e Pintura”, de 1928. No ensaio, ao se referir à obra cubista de Pablo Picasso, Breton ressalta que as imagens do mestre espanhol abordam um continente que nos levam diretamente a um “país das maravilhas”. São estas referências fundadoras, na origem do movimento, que incentivaram e levaram outros surrealistas a também buscarem experiências lúdicas e oníricas, não conformistas e libertárias, repletas de citações e referências à Alice criada por Lewis Carroll.

Alguns deles não ficaram apenas nas citações e partiram para paráfrases ou mesmo para recriações explícitas, tanto nos domínios da pintura e do desenho como na escultura, no teatro, no cinema, na fotografia, na prosa e na poesia. Entre os expoentes do surrealismo que têm criações na década de 1930 baseadas de forma explícita na Alice de Carroll estão Picasso, Salvador Dalí, Luis Buñuel, Louis Aragon, Antonin Artaud, Max Ernst, Marcel Duchamp, Maria Martins, Dorothea Tanning, Man Ray, Georges Bataille e outros. No período da Segunda Guerra, e mais ainda no pós-guerra, novas recriações e citações sobre Alice iriam se multiplicar para além dos círculos do surrealismo e do dadaísmo (veja também “Semióticas  –  Arte entre guerras”  e  “Semióticas  –  Arte segundo Duchamp”).















Alice surrealista: acima, Alice Liddell fotografada
aos 19 anos, em 1872, por Julia Margaret Cameron;
"Alicia, retrato de una niña", pintura de 1919 de
Joan Miró; e "Alice au pays des marveilles",
pintura de 1945 de Rene Magritte.

Abaixo, o cartaz original do lançamento em 1951
do filme de Walt Disney, que teve uma importante
participação não creditada de Salvador Dalí;
e "Lluvia de lágrimas", uma das 12 ilustrações
que Salvador Dalí fez em 1969 baseado em
"Alice no país das maravilhas", sendo uma
ilustração para cada capítulo. Alice é mostrada
no detalhe da menina pulando corda, um motivo
que aparece com muita frequência na obra
de Dalí desde a década de 1930, como em
Paisagem com garota ignorando corda,
pintura em óleo sobre tela de 1936 







              


A sedução de Alice sobre a primeira geração dos surrealistas também passou pelas telas do cinema. Desde os primeiros tempos do cinema mudo, foram várias versões para o livro de Lewis Carroll. Os filmes, seus personagens e as situações oníricas que eles experimentam ficaram marcados no imaginário coletivo e tiveram impacto sobre artistas e escritores. A primeira versão para o cinema, em 1903, teve direção de Cecil M. Hepwoeth, com 12 minutos de duração e figurinos fieis às ilustrações que John Tenniel fez para a primeira edição do livro. A segunda versão, que estreou em 1910, foi uma produção dos estúdios de Thomas Edison. Com roteiro e direção de Edwin S. Porter, teve 15 minutos de duração e truques de magia no estilo do francês Georges Méliès.

A terceira versão, de 1915, com roteiro e direção de W. W. Young, tem uma hora de duração, em uma época em que os filmes raramente ultrapassavam 15 minutos., também com truques cênicos ao estilo de Méliès e com todo o elenco de atores usando máscaras, à exceção de Alice (Viola Savoy). Uma nova versão de Alice, a quarta desde o filme de 1903, foi realizada por Walt Disney e marca sua primeira investida no mundo do cinema, depois do sucesso com as tirinhas de jornais e as revistas em quadrinhos. "Alice", série de três curtas-metragens, foi lançada em 1923, com a pequena Alice (Virginia Davis) visitando os estúdios Disney em Hollywood (e não no País das Maravilhas) e contracenando com cenários e personagens de desenhos animados.


Truques e uso de máscaras


A quinta versão, lançada em 1928, foi um média-metragem, "Alice através do espelho", com direção de Walter Lang e 40 minutos de duração, sem legendas e sem os tradicionais quadros de textos do cinema mudo. Depois vieram as primeiras versões do cinema sonoro: a primeira, de 1931, com 55 minutos, teve direção de Bud Pollard, com Ruth Gilbert no papel de Alice; a segunda, de 1933, foi mais ambiciosa e macabra, em superprodução da Paramount Pictures, com roteiro de Joseph L. Mankiewicz, direção de Norman Z. McLeod e grande elenco de astros e estrelas, entre eles Gary Cooper, Cary Grant, Edna May Oliver, Charlotte Henry (no papel de Alice) e Edward Everett Horton. McLeod reproduz os melhores truques das versões anteriores e inclui sequências de stop-motion e de desenhos animados produzidas pelos estúdios de Max Fleischer, que na época estava transpondo de forma pioneira para o cinema personagens muito populares das histórias em quadrinhos como Betty Boop e Popeye.

O sucesso do filme de McLeod levou Walt Disney a adiar por duas décadas sua versão em longa-metragem, que somente seria lançada em 1951, no formato de animação em Technicolor, com uma luxuosa colaboração não creditada de Salvador Dalí. O longa produzido por Disney ainda enfrentaria problemas com a censura e um forte concorrente para exibição no mercado europeu: "Alice au pays des merveilles", superprodução em cores de França e Reino Unido, lançada em 1949 com direção de Dallas Bower e surpreendentes efeitos visuais, com Alice (Carol Marsh) e os atores contracenando com bonecos em animação stop-motion e com desenhos animados, em versão muito fiel ao "nonsense", ao humor e às sátiras sobre personalidades históricas da época em que o livro foi publicado.


  











Alice surrealista: no alto, a versão para o cinema
lançada em 1903, com Alice perseguida pelo
exército de cartas do baralho. Acima, duas cenas
do filme de 1915, com a atriz Viola Savoy.

Abaixo, Alice na versão de 1933, que foi a segunda
do cinema sonoro; e o cartaz original da Alice de 1949







      

As aproximações entre a Alice de Carroll e os surrealistas vão muito além das fronteiras do movimento originário da França, como comprova um marco historiográfico: no primeiro estudo publicado sobre o surrealismo na Inglaterra, em 1935, o historiador da arte David Gascoyne destacou que a arte surrealista nasceu de uma matriz inglesa pela literatura de Lewis Carroll. Dois anos depois, em 1937, uma exposição de vanguarda no Museu de Arte Moderna de Nova York celebrava obras-primas da arte no universo do fantástico, do dada e do surreal, incluindo dois desenhos originais de Lewis Carroll, o Gryphon e a Mock Turtle (a tartaruga falsa). Trata-se de uma homenagem ao criador de "Alice" e também é uma grande ironia descobrir que, na primeira exposição sobre os precursores do surrealismo, a arte de Lewis Carroll, que se considerava um desenhista apenas amador e limitado, tenha surgido ao lado de mestres aclamados pela tradição como Pieter Bruegel, Johann Fuseli e William Blake.


Palavras com imagens


A literatura e Lewis Carroll e sua arte como ilustrador e fotógrafo também aparecem reverenciadas em publicações que são consideradas como bíblias pela primeira geração surrealista, como destaca Georges Didi-Huberman em “A semelhança informe” (Editora Contraponto, 2015), tais como a revista “Documents” (que teve 15 números, com edição de Georges Bataille, entre 1929 e 1930) e a revista “L’Usage de la Parole” – que na edição de dezembro de 1939 apresentou em destaque três poemas de Carroll, publicados lado a lado com outros fragmentos de prosa e poesia escritos por expoentes das vanguardas como Gaston Bachelard, Paul Éluard e Marcel Duchamp, entre outros, como se o autor de “Alice no país das maravilhas” fosse, de fato, um dos militantes do surrealismo, e como se sua obra fosse uma sátira produzida em meados do século 20 sobre uma sociedade controlada por convenções inúteis e impostas pelas classes dominantes.










Alice surrealista: acima, The old maids, pintura de
1947 de Leonora Carrington, com Alice representada
na figura alta vestindo azul, à esquerda; e retratos de
Alice em duas serigrafias de 1970 de Peter Blake.

Abaixo, Lewis Carroll em autorretrato de 1857
e o Coelho Branco na versão desenhada por
Ralph Steadman para uma série de serigrafias
sobre Alice criada em 1967. Desde a década de 1960,
a expressão "perseguindo o Coelho Branco" passou
a ser uma espécie de código usado para descrever o
uso de drogas alucinógenas, fazendo de Alice
uma garota propaganda involuntária para os
hábitos da geração hippie e da cultura psicodélica






Lewis Carroll também surge em destaque ao lado de mestres como Sigmund Freud, Marquês de Sade, Lautreamont, Rimbaud e Mallarmé em uma edição especial de “VVV”, a revista que foi uma obra de referência do surrealismo e teve circulação em Nova York com quatro números publicados entre 1942 e 1944. O entusiasmo com as recriações e referências à Alice de Carroll na arte e na literatura surrealista permaneceram nas décadas seguintes, com novos tributos e releituras pelas obras de Max Ernst, Dorothea Tanning, Leonora Carrington, Joan Miró, Marc Chagall, René Magritte, Duchamp e Dalí, entre muitos outros, prosseguindo com uma diversidade de artistas de outros estilos e áreas diversas até a atualidade, passando da estética, das artes plásticas e da forma literária tradicional para as questões comportamentais e semióticas, multimídia, antropológicas, sociológicas, diversionais e políticas.


Tradição e ruptura


Em 1951, há um importante destaque para o tema "Alice" com o lançamento da animação de Walt Disney em cinemas do mundo inteiro, o que trouxe novo impulso para a popularização da literatura de Lewis Carroll e para as aventuras da personagem. Resultado de uma polêmica parceria não-creditada entre Disney e Salvador Dalí (veja mais em “Semióticas  –  Alice volta ao futuro”), o filme de Disney recebeu elogios e críticas, ganhando novos sentidos a partir da década seguinte, quando entram em cena os movimentos da contracultura e o uso diversional de alucinógenos, acrescentando novas camadas de sentido às experiências que Carroll apresentava nas descobertas de Alice em seu mundo imaginário. Alice ganhou cores psicodélicas, passou a ser sinônimo de viagens alucinantes e embalou sucessos de estrelas do rock e da música pop, incluindo “White Rabbit”, do Jefferson Airplane, e “I’am the Walrus”, dos Beatles, entre muitos outros. Um observador atento até poderia supor que Alice se tornou uma avó para a geração hippie.

















Alice surrealista: acima, reprodução do manuscrito
original de Lewis Carroll e Cheshire Cat, pôster de
1967 de Joseph McHugh; o selo da gravadora
britânica Charisma, que estampava nos discos
de vinil o Chapeleiro Louco e outros personagens
de Alice e que lançou, entre 1969 e 1983, grandes
sucessos do rock e do pop, entre eles Genesis,
Malcom MacLaren, The Alan Parsons Project
e outros; e uma imagem da série "Alícia",
versão de 2010 de Xavier Collette.

Abaixo: 1) uma das versões de Alice criadas em
2019 por Alex Prancher em fotografias e filmagens
nas ruas de Los Angeles; 2) "Alice" na versão
de Yayoi Kusama, a artista plástica mais célebre
do Japão, que ilustrou uma edição recente do livro
pela Penguin Classics; 3) "Alice" na versão fotografada
debaixo d'água em 2014 pela russa Elena Kalis e lançada
como fotolivro, com sua filha Alexandra como modelo;
4) a versão "hype" criada por Tim Walker para o
Calendário Pìrelli 2018; 5) a soprano Zenaida Yanowsky
como Rainha de Copas na montagem de 2011
para Aventuras de Alice no país das maravilhas
pelo The Royal Ballet de Londres com direção
de Johan Persson e figurinos de Bob Crowley;
e 6) modelo de abertura da coleção primavera verão
de 2015 criada por Vivienne Westwood
em homenagem às aventuras de Alice















As citações e referências aos paradoxos, aos trocadilhos e aos jogos de linguagem de Alice também conquistaram um campo fértil em uma diversidade de estudos teóricos em áreas variadas, com destaque para referências importantes em obras como “As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas” (1966), de Michel Foucault; “A lógica do sentido” (1969), de Gilles Deleuze; e “Nonsense: aspectos da intertextualidade no folclore e na literatura” (1979), de Susan Stewart. Tudo isso e mais uma infinidade de teses acadêmicas e de abordagens científicas que tentam interpretar a obra literária de Lewis Carroll em suas confluências com a infância, com a pedagogia, com a psicologia, com as questões sociológicas e ideológicas mais plurais e polissêmicas.

Os investimentos em recriações e citações sobre as aventuras de Alice, que tiveram um capítulo central com a primeira geração dos surrealistas, prosseguem a pleno vapor na atualidade, com novos filmes, novas versões em diversas mídias, novas edições e novas adaptações da obra original que vão da versão estilizada criada por Yayoi Kusama, a artista plástica mais célebre do Japão, à inspiração declarada e várias citações na saga de cinema "Matrix", da dupla Lana e Lilly Wachowski, a coleções de alta costura das grifes mais célebre dos mundo da moda e até uma versão brasileira, "Alice dos Anjos", com Alice enfrentando um coronel tirano no sertão nordestino. Tudo indica que Alice e a literatura de Carroll seguirão sua viagem de descobertas em direção ao futuro próximo e distante – um percurso por certo imaginado pelo autor, que não por acaso registrou em imagens fotográficas, ainda nos primórdios da fotografia, os capítulos de uma incrível viagem existencial: a evolução biográfica, da primeira infância ao começo da idade adulta, dos quatro aos 18 anos, de Alice Pleasance Liddell, sua principal musa inspiradora.


por José Antônio Orlando.


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Alice surrealista. In: Blog Semióticas, 19 de outubro de 2022. Disponível em: https://semioticas1.blogspot.com/2022/10/alice-surrealista.html (acessado em .../.../…).


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Alice surrealista: acima, "Down the rabbit hole"
(Caindo no buraco do coelho), gravura em técnica
mista de Kristjana Williams. Abaixo, cenas de
"Alice", filme de 1988 de Jan Švankmajer; uma
versão de Alice que se passa no sertão do Nordeste
brasileiro, "Alice dos Anjos", com roteiro e direção de
Daniel Leite Almeida, com Alice enfrentando um
coronel tirano; e a montagem de "Wonder.land",
espetáculo musical para público adulto do
Royal National Theater de Londres, em 2015,
escrito por Moira Buffini, com direção de Rufus Norris,
música de Daman Albarn e cenografia de Rae Smith












19 de julho de 2011

Alice vai ao futuro

















Quando, em 1865, o matemático inglês apaixonado por jogos e enigmas e pioneiro da fotografia Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898), hoje conhecido pelo pseudônimo de Lewis Carroll, publicou o romance "Alice no País das Maravilhas", encontrou um sucesso inesperado e também muitos problemas. A começar pela primeira edição, de 2 mil exemplares, que mal saiu da gráfica, na época, e foi recolhida pelo ilustrador John Tenniel, sob a alegação de que a qualidade da impressão estava ruim.

Tenniel, patrocinador, destruiu a maioria dos livros. A edição seguinte, bancada pelo próprio professor Dodgson, esgotou em pouco tempo e rendeu ao autor um processo por ir contra os bons costumes e escrever um livro incompreensível. Depois vieram outras edições, mas os poucos exemplares que sobreviveram daquelas primeiras tiragens hoje são guardados a sete chaves. Em 1998, um deles foi leiloado por US$ 1,5 milhão. 

"Alice no País das Maravilhas" foi escrito pelo professor Dodgson com exatas 36 mil palavras, a pedido de Alice Pleasance Liddell, uma garotinha que na época tinha 10 anos e que era filha do reitor da escola onde Dodgson lecionava. O retrato de Alice Liddell, a fotografia mais conhecida feita pelo professor Dodgson (reproduzida acima), está completando 150 anos.







Alice vai ao futuro: acima e abaixo,
ilustrações da edição britânica da
década de 1960 que fez homenagem ao
centenário da primeira edição do clássico
Alice in WonderlandNa imagem do alto
da página, Alice, em tradução, desenhos e
projeto gráfico que o designer mineiro
Rafael Resende realizou a partir do texto
original e das ilustrações incluídas na primeira
edição do livro clássico de Lewis Carroll.

A partir do alto, Lewis Carroll, na verdade
Charles Lutwidge Dodgson, (o pseudônimo
"Lewis Carroll" era um anagrama para o nome
"Alice Liddell") em três autorretratos solitários e
em um passeio com sua amiga Louise, esposa do
escritor George MacDonald, e seus quatro filhos;
também acima, os irmãos Liddell, Alice, Lorina,
Harry (o irmão mais velho) e Edith, em fotografia
de 1860; e Alice Pleasance Liddell aos 8 anos,
em fotografia de Lewis Carroll datada
de julho de 1860








Charles Lutwidge Dodgson era amigo da família e se dizia perdidamente apaixonado pela inteligência de Alice, a quem fotografava com certa frequência. Durante um passeio de barco no rio Tâmisa, com Alice e outras crianças, o professor contou uma história engraçada e de puro nonsense sobre uma garotinha que segue um coelho e começa a viver uma aventura fantástica. Anos depois de sua morte, o professor Dodgson ganharia popularidade no mundo inteiro com seu pseudônimo: Lewis Carroll, autor de “Alice no País das Maravilhas”.



Nudez, jogos, ilusionismo



Apaixonado por magia, ilusionismo e todo tipo de jogos, Dodgson gostava de teatro e era frequentador de ópera. Nunca se casou, mas manteve uma relação amorosa por toda a vida com a atriz Ellen Terry, o que também escandalizava a sociedade de sua época. Algumas das acusações que se fazia ao professor Dodgson perduram até nossos dias – a mais cruel delas é que ele tinha um comportamento obsceno e pedófilo.







A acusação vem da amizade que o professor mantinha com Alice e outras garotinhas, mas tudo não passava de suspeitas: nunca ficou provado nenhum delito contra ele. As amizades eram aprovadas pelas famílias e algumas também autorizaram Dodgson a fotografar as garotas. Mas ele temia que a divulgação das imagens pudesse causar problemas às famílias e às crianças, motivo pelo qual pediu em testamento que, após morte, todas as fotografias fossem destruídas ou devolvidas às crianças e a seus pais.

Algumas das fotos de Alice e das outras meninas, por sorte, sobreviveram e foram reunidas em 1995 no livro publicado por Carol Mavor, “Pleasures Taken - Performances of Sexuality and Loss in Victorian Photographs". Versão da tese acadêmica que a autora apresentou na Duke University, o livro apresenta um estudo sobre as fronteiras entre a arte e o obsceno a partir das primeiras fotografias produzidas na Inglaterra sob o reinado da austera e puritana Rainha Vitoria (1819-1901).

A partir da análise das fotografia de Dodgson e de outros fotógrafos pioneiros da segunda metade do século 19 (incluindo Julia Margaret Cameron, autora da foto que ilustra a capa do livro), Carol Mavor faz uma defesa veemente da arte e da personalidade do autor de “Alice no País das Maravilhas”, descrito como alguém muito à frente de seu tempo. O livro de Carol Mavor inclui uma seleção de imagens surpreendentes, como a foto da menina Evelyn Hatch, fotografada por Dodgson em 1878 totalmente nua.




















No alto, a capa da primeira edição do
livro de Carol Mavor. Acima, a pequena
Evelyn Hatch, que foi fotografada por
Lewis Carroll em 1878 totalmente nua.
Acima, ilustrações da edição britânica para
o centenário de Alice; e The Elopement,
de 1865, um dos vários estudos fotográficos
refeitos por Lewis Carroll durante décadas.

Abaixo, Alice Liddell (à direita) e suas
irmãs Edith e Lorina fotografadas por
Dodgson em 1858; e as irmãs Lorina, Edith
e Alice já adultas, em 1872, em fotografia
de Julia Margaret CameronTambém abaixo,
Alice fotografada por Dodgson em 1858 e
duas ilustrações criadas por John Tenniel
para publicação original de 1865 de
Alice no País das Maravilhas: o encontro
com Humpty Dumpty, personagem folclórico
de uma canção de ninar, descrito por Lewis Carroll
como um ovo gigante; e com Dodô, pássaro
gigante que não voava e habitava as Ilhas Maurício,
no Oceano Índico, sendo que a espécie foi dizimada
por marinheiros famintos no século 16


















As edições brasileiras já reuniram as obras completas de Lewis Carroll, à exceção de seus estudos de lógica e matemática e dos seus manuais manuscritos com instruções sobre passes de mágica e truques de ilusionismo – alguns dos quais se tornaram muito comuns no mundo inteiro, como a modelagem de um camundongo com um lenço para em seguida fazê-lo pular misteriosamente com a mão e as dobraduras para fazer chapéus e barquinhos de papel. 

Além de “Alice no País das Maravilhas” e “Alice no País do Espelho”, foram publicados no Brasil “Algumas Aventuras de Silvia e Bruno”, “Rimas no País das Maravilhas”, “A Caça ao Turpente” e “Obras Escolhidas”, coletânea de seus contos e histórias curtas. Outro livro, o mais polêmico de todos, foi publicado em 1997 pela editora 7 Letras: "Cartas às suas amiguinhas", que como indica o título reúne o conteúdo das cartas de Lewis Carroll às meninas com quem ele se relacionou. Nas cartas, o autor revela a mesma personalidade, tão ingênua quanto enigmática, que consagrou na literatura universal a presença de Alice.











Piadas e trocadilhos visuais
 

Traduzidas para mais de 50 línguas, as incríveis aventuras da garota que foi parar em um mundo inacreditável após cair na toca do coelho ganharam muitas versões e variantes pelo mundo afora. A mais recente, dirigida pelo cineasta norte-americano Tim Burton, entusiasta do fantástico e do sobrenatural, dividiu opiniões – exatamente como tem sido há décadas e décadas com o próprio livro de Lewis Carroll, que já provocou processos e acusações delirantes de pedofilia, má influência, elogio da loucura e outras blasfêmias.

O teor mais provocante das aventuras de Alice, contudo, perde-se inevitavelmente nas traduções. Muitos enigmas e situações ambíguas contidos no livro são quase que imperceptíveis para os leitores atuais, com suas tiradas filosóficas e por vezes absurdas, suas palavras-valise (“alicinações” é uma delas) e suas muitas referências cifradas, incluindo as piadas e os trocadilhos lógicos que só fazem sentido na língua inglesa. 


 




Nas livrarias e na cultura pop, quase 150 anos após a primeira edição do clássico de Lewis Carroll, viagens ao mundo dos sonhos, monstros, seres encantados, magia e poderes sobrenaturais – que por incrível que pareça provocaram a repulsa sobre Alice de muitos leitores e críticos mais puritanos no último século – nunca fizeram tanto sucesso, incluindo a saga milionária saída dos livros com as aventuras do bruxo adolescente Harry Potter, que descobre um outro mundo quando entra para uma escola de magia, e dos romances da saga "Crepúsculo", sobre a garota que cai em um mundo fantástico e delirante, povoado de criaturas surreais, quando descobre o amor por um vampiro.

A Alice imaginada por Lewis Carroll teve dezenas de versões no cinema, no decorrer do século 20, e permanece como presença marcante adaptada para mídias diversas e formatos diversos, incluindo histórias em quadrinhos, teatro, TV, videogames e também no mundo da moda, como é o caso do célebre editorial fotografado por Annie Leibovitz para a revista "Vogue" em 2003, com estilistas do primeiro time no papel de personagens do livro apresentando criações de figurinos de alta costura para a Alice interpretada pela modelo Natalia Vodianova. 

Nos últimos anos, a publicidade em torno da superprodução para o filme de Tim Burton sobre "Alice no País das Maravilhas" (fotos abaixo) impulsionou e continua impulsionando o lançamento de novas edições e novas versões do clássico da literatura fantástica assinado por Lewis Carroll. Entre os muitos lançamentos, algumas edições são dignas de nota, entre elas a versão do artista plástico Luiz Zerbini (editora Cosac Naify), com ilustrações autorais feitas com maquetes de cartas de baralho de diversos países.

Também merecem destaque, entre vários outros, o mineiro de Belo Horizonte Rafael Resende, com “Alice" (editado pela 2 Pontos Wide Business); outro mineiro de Juiz de Fora, Arlindo Daibert (1952-1993), com uma sequência espelhada nomeada como Alice no País das Maravilhas" produzida com ilustrações de grafite e lápis de cor sobre papel, atualmente no acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; o espanhol Iban Barrenetxea, premiado em 2010 pela Sociedade Lewis Carroll do Reino Unido por sua coleção de aquarelas baseadas na história original e publicadas em uma edição de "Alice" pela editoria Anaya (Espanha); e a uruguaia Verónica Leite, com “Uma história para Alice” (Editora Melhoramentos), autores de trabalhos surpreendentes que dialogam com o original de Lewis Carroll e estendem as fronteiras da história que todos sabemos de cor e salteado.






























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Alice vai ao futuro: acima, Tim Burton 
durante as filmagens de Alice (2010), que teve
a atriz australiana Mia Wasikowska no papel
principal. Abaixo, Alice, a Lebre Maluca e o
Chapeleiro Louco em uma das ilustrações
do espanhol Iban Barrenetxea, que foi
premiado em 2010 pela Sociedade
Lewis Carroll do Reino Unido; e uma das
sequências de Alice: Madness Returns,
videogame criado em 2001 pelo designer
American James McGee, que transformou
em uma saga de horror a história original.

Também abaixo, Fiona Fullerton em cena de
Alice no país das maravilhas, superprodução
britânica para o cinema de 1972 com direção
de William Sterling; a primeira versão para
cinema de Alice, no curta de 1903 com
roteiro e direção de Cecil Hepworth e
Percy Stow; e uma releitura para Alice
com a modelo Natalia Vodianova no
editorial fotografado por Annie Leibovitz
para a revista Vogue em 2003, que também
teve como modelos, entre outros, os estilistas
Stephen Jones (Chapeleiro Louco), Christian
Lacroix (Lebre Maluca), Jean-Paul Gaultier
(Gato de Cheshire) e Tom Ford (Coelho Branco)
































Escrita, ilustrada e apresentada em belo projeto gráfico – cheio de inovações inteligentes e saborosas – pela premiada autora e ilustradora de livros infantis Verónica Leite, a edição de "Uma História para Alice" tem surpresas inteligentes para leitores de todas as idades que atualizam as incontáveis ironias e alegorias com palavras e números inventadas por Lewis Carroll. 



Antes e depois da viagem



Autora de "El Mandado del Tatú" e "Un Misterio para el Topo", premiados no Uruguai, seu país de origem, Verónica Leite investe no contexto histórico da Inglaterra da era vitoriana, em que foi criado o texto mais célebre de Lewis Carroll, e aposta principalmente na inteligência do leitor, acrescentando um "antes" e um "depois" à narrativa sobre a "viagem" delirante de Alice.






Acima, Alice Pleasance Liddell aos 6 anos,
 em 1858, em fotografia de Lewis Carroll.
Abaixo, Alice no País das Maravilhas
na versão do artista plástico brasileiro
Luiz Zerbini, que em 2010 lançou em livro
sua tradução do clássico de Lewis Carroll
com ilustrações autorais feitas de maquetes
de cartas de baralho de diversos países.

Também abaixo, uma sequência de
quatro ilustrações em grafite e lápis de
cor sobre papel criadas em 1979 pelo
artista Arlindo Daibert, nomeada como
Alice no País das Maravilhas, atualmente
no acervo do Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro (MAM/RJ); e a ilustração
da capa de Uma História para Alice
da escritora e ilustradora uruguaia
Verónica Leite com humor e enigmas
cifrados para crianças e adultos






















O livro-álbum de Verónica Leite, que traz enigmas visuais para o leitor adulto, por certo vai encantar os pequenos ao brincar com forma e conteúdo para contextualizar a origem da história: o passeio de barco no rio Tâmisa do professor Dodgson com a pequena Alice Liddell, sua preferida, na época com 10 anos, e suas duas irmãs, Edith e Lory. Verónica reconstitui a cena, diálogos, trajeto, até que a pequena Alice convence o professor a escrever aquela história mirabolante de números, cálculos, sonhos e seres inacreditáveis. À viagem de Dodgson e de Alice pelo mundo da lógica e da matemática, a nova versão de Verónica Leite acrescenta citações sofisticadas e bem-humoradas.

Bem no espírito da narrativa original, a autora investe em detalhes à margem das páginas: à Rainha Vitória, símbolo do moralismo extremado da época em que viveram Alice Liddell e o professor Dodgson, e a grandes escritores dos domínios do fantástico e do mundo maravilhoso dos sonhos que vieram antes e depois dele, entre eles Shakespeare, Swift, Freud, Borges, mais The Beatles (que adaptaram a história de Alice e Dodgson em “I Am the Walrus”) e os mestres surrealistas Dalí, Chagall, André Breton, Magritte e Paul Klee. Um deleite inteligente – para cativar leitores de todas as idades.








O chapeleiro é louco e a lebre é maluca


Outra edição de “Alice”, produzida em Belo Horizonte por Rafael Resende, não é menos surpreendente e inteligente. Para comemorar seu aniversário de 10 anos, a 2 Pontos Wide Business lançou o livro em belíssimo projeto gráfico, desenvolvido pelo próprio Rafael Resende, que também traduziu o texto original e elaborou uma série de sofisticadas ilustrações (imagem abaixo).

Rafael, que trabalha como ilustrador, conta que o livro teve origem como projeto de graduação em Design Gráfico na UEMG. "Foi um presente esta proposta para editar o livro", comemora. Além da dedicação profissional às ilustrações, ele também trabalha como fotógrafo de eventos, incluindo aniversários, casamentos e formaturas. Uma amostra do trabalho de Rafael Resende está disponível em seu site (clique aqui).






Traduzida para o português, a "Alice" de Rafael Resende é fiel ao extremo ao original em inglês, repleta de trocadilhos e ironias sutis. A pesquisa de Rafael também avançou pela biografia de Lewis Carroll e da garota Alice Liddell, investigando sutilezas que virariam a inspiração do escritor para inventar a incrível personagem que segue um coelho branco e descobre um mundo onírico com estranhas criaturas depois de cair num buraco.

Perfeccionista, o designer de Belo Horizonte pesquisou a linguagem figurada do livro original de Lewis Carroll para representar expressões ligadas à cultura popular da época vitoriana. Na versão de "Alice" segundo Rafael Resende, personagens como o Chapeleiro Louco e a Lebre Maluca ganham sentidos insuspeitados e muitas vezes surpreendentes. Um deles: antigamente, na Inglaterra, os chapeleiros usavam mercúrio na confecção de chapéus e muitos deles sofriam de demência pelo contato excessivo com o produto. Enlouqueciam. 











Alice vai ao futuro: no alto, uma cena de
"Alice" (Néco z Alenky), premiado filme de 1988
do diretor checo Jan Svankmajer, versão em tom
surrealista para o livro de Lewis Carroll. Acima e
abaixo, "Alice" na versão Disney, que na verdade
foi o primeiro projeto para um filme de
longa-metragem dos estúdios criados por
Walt Disney, ainda na década de 1920, mas
o projeto só seria concluído e lançado nos
cinemas em 1951, com uma colaboração
polêmica e não creditada de Salvador Dalí












Já a Lebre Maluca vem da sabedoria de um dito popular daqueles tempos, "louco como uma lebre de março": as lebres que habitam os campos e bosques do Reino Unido costumam procriar neste mês e, por conta do cio, ficam completamente descontroladas, em estado de euforia, à beira da loucura. Entre outras histórias saborosas que dialogam com o original de Lewis Carroll, Rafael Resende lembra, na entrevista, do filme que Walt Disney fez baseado nas aventuras da garotinha no país das maravilhas. Ele diz que sempre gostou muito do visual da versão Disney e que ele é uma inspiração inevitável porque faz parte do imaginário coletivo.

Lançado somente em 1951, “Alice” foi, na verdade, o primeiro projeto de Walt Disney, mas demorou décadas para ser concluído. A versão final, que teve problemas com a censura no Pós-Guerra, incluiu a colaboração não creditada e polêmica de Salvador Dalí, que terminou com o rompimento entre Disney e o artista espanhol e sobre a qual há muitas versões e rara documentação (sobre a parceria entre Disney e Dalí, veja também Semióticas: Alice volta ao futuro). Mesmo não estando entre os maiores sucessos comerciais dos estúdios Disney, “Alice” tem qualidades que sobreviveram ao tempo e continua encantando crianças e adultos de todas as idades. Tal e qual o estranho livro das aventuras de Alice Pleasance Liddell escrito por um certo professor Dodgson.


por José Antônio Orlando. 


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. Alice vai ao futuro. In: Blog Semióticas, 19 de julho de 2011. Disponível no link http://semioticas1.blogspot.com/2011/07/alice-vai-ao-futuro.html (acessado em .../.../...).



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