![]() |
A política sempre será a rainha das artes, porque dela dependem todas as outras. –– Aristóteles (384-322 a.C.). ............. |
Arquiteto nascido e formado no Chile, também fotógrafo, cineasta, artista visual e ativista das causas ambientais, Alfredo Jaar prefere definir a si próprio como um idealista e passageiro das utopias. No dia 26 de setembro, ele foi anunciado como vencedor de um dos prêmios internacionais de fotografia mais prestigiados da atualidade, o Prix Pictet, que na edição 2025 tem o tema Tempestade (Storm). O trabalho premiado de Jaar, para o qual ele escolheu o título “The End”, reúne uma sequência de 10 imagens em composição primorosa de cores deslumbrantes, lembrando telas em pinturas abstratas de artes plásticas, que registram uma tragédia ambiental: o lento desaparecimento de um imenso lago de água salgada em Utah, região oeste dos Estados Unidos com grandes desertos e cordilheiras de montanhas de pedra.
Esta é a 11ª edição do Prix Pictet, criado em 2008 pelo Grupo Pictet, com
sede em Genebra, na Suíça, que premia a cada dois anos um trabalho autoral em fotografia, patrocinando exposições temáticas e eventos
paralelos em diversos países. Sobre sua obra premiada, Alfredo Jaar
declarou: “Meu objetivo nesta série de fotografias foi mostrar o
destino trágico do grande lago de Utah e revelar sua extraordinária beleza
e potencial. Apesar da terrível situação em que estamos, eu queria
criar imagens de beleza e também de tristeza. Diante da magnitude
desta tragédia, decidi imprimir estas imagens num formato pequeno,
pouco espetacular, como uma espécie de sussurro visual, um lamento
pelo nosso planeta moribundo.”
![]() |
![]() |
Alfredo
Jaar foi premiado depois de ser anunciado na lista de 12 finalistas selecionados por um júri
independente formado por 350 especialistas nomeados em países da
Europa, Ásia, África, Oriente Médio, Oceania, América do Norte e
América do Sul. Três representantes brasileiros fazem parte do júri do Prix Pictet: Eder Chiodetto (Fotô
Editorial), Thyago Nogueira (Instituto Moreira Salles) e Jochen Volz
(Pinacoteca de São Paulo). Nas edições anteriores foram premiados
Gauri Gill (temática do Humano); Sally Mann (Fogo); Joana Choumali
(Esperança); Richard Mosse (Espaço); Valérie Belin (Transtorno);
Michael Schmidt (Consumo); Luc Delahae (Potência); Mitch Epstein
(Crescimento); Nadav Kander (Terra); e Benoit Aquin (Água).
Tragédia ambiental
O dossiê de imprensa fornecido pelo Prix Pictet registra que o Grande Lago Salgado (Great Salt Lake) de Utah, tema do ensaio fotográfico de Alfredo Jaar, representa um ecossistema fundamental no Hemisfério Ocidental, com suas dimensões de 4.400 quilômetros quadrados. A área, remanescente de um imenso lago pré-histórico com alta salinidade, concentra microorganismos que dão às águas uma rara coloração em tons de rosa. Com a exploração industrial e a extração excessiva de água, desde o final do século 19 e mais acelerada nas últimas décadas, o lago já perdeu cerca de 80% de sua área de superfície, gerando grande quantidade de poeira tóxica que polui o ar e o solo, além de elevar a salinidade do que resta da água a níveis mortais para animais e plantas. As previsões indicam que o lago deve desaparecer nos próximos anos, pois o desastre ambiental já ultrapassou o ponto de não retorno.
![]() |
![]() |
Nas entrevistas concedidas após o anúncio da premiação, Alfredo Jaar revelou que sua intenção inicial seria registrar os últimos remanescentes de vida animal na região, mas ele descobriu que a área do lago, que foi durante séculos uma das grandes rotas de aves migratórias do continente, agora é apenas natureza morta. A descoberta da situação de tragédia ambiental, com o desaparecimento irreversível do grande lago, foi descrita pelo fotógrafo: “O que costumava ser uma região próspera e fértil, para várias espécies de pássaros, agora é um cemitério com milhares de cadáveres ressecados em uma imensa planície de lama, poeira e veneno”.
Arte como ação política
Alfredo
Jaar é um veterano em trabalhos na interface entre arte e ação
política. Nascido
em
Santiago do
Chile em 1956, ele
viveu
a experiência do governo
sangrento do general Augusto
Pinochet,
o
ditador que
tomou o poder no Chile entre 1973 e 1990,
apoiado pelos Estados
Unidos e pelo Reino
Unido, e
testemunhou massacres terríveis quando
os
soldados da
ditadura viajavam
pelo
país para
torturar e assassinar
opositores
em
uma violenta
“caravana
da morte”. Jaar
escapou do
Chile em
1982, depois de terminar o
curso de arquitetura,
e
passou a morar em Nova York, com
dedicação ao trabalho com arte e fotografia.
Desde
então, participou de exposições e instalações em vários países,
incluindo suas
obras em destaque nas
Bienais de Veneza (1986, 2007, 2009, 2013), de São Paulo (1987,
1989, 2010, 2021) e da Documenta de Kassel em 1987 e 2002.
![]() |
![]() |
![]() |
O Prix Pictet vem se somar a outras premiações internacionais importantes na trajetória de Jaar, entre elas o Prêmio de Arte de Hiroshima em 2018 e o Prêmio Hasselblad na Suécia em 2020. Em 2024, ele recebeu o Prêmio Albert Camus Mediterrâneo na Espanha e já em 2025 ele ganhou a Medalha Edward MacDowell em New Hampshire, Estados Unidos. Seu trabalho também está na coleção de grandes museus, como o MoMA e o Museu Guggenheim, em Nova York, o Centre Georges Pompidou em Paris e o Museu Reina Sofia de Madri, entre outros, além do Museu de Arte de São Paulo (MASP).
Nas
entrevistas incluídas no dossiê de imprensa do Prix Pictet, Alfredo
Jaar faz
questão de tomar posição nas questões de arte como ação
política. “Eu conheço o fascismo quando vejo”, ele diz, em
resposta a uma questão de Igor López, repórter do jornal El País,
afirmando que, com frequência, ao ler as notícias diárias, tem a impressão de que o
fim do mundo realmente se aproxima. Segundo
Jaar,
estamos
a bordo de um mundo novo e assustador – com notícias que, para ele, provocam lembranças
de experiências
traumáticas vividas no
Chile durante a
ditadura Pinochet.
![]() |
“Quando
consegui
escapar
daquele cenário de horror,
em
1982, e
quando a ditadura no Chile chegou ao fim, em
1990, nem
mesmo em meus sonhos mais loucos e
mais terríveis eu
esperava ver o mundo enfrentando o que está enfrentando agora”,
ele
reconhece.
“Temos as
mudanças climáticas no mundo todo e assistimos o
fascismo crescer
em
todos os lugares, na
metade da Europa, nos Estados Unidos, nos
países da
América Latina. Isso é um pesadelo que devemos combater. Não
podemos jamais
ficar indiferentes ao fascismo e às ideias que
pregam o ódio, o preconceito, a violência e a destruição”.
Desafios
para a civilização
Em
entrevista
a
Ellen Corry, da revista “Musée”, Alfredo Jaar defende que uma
das principais missões
da arte é levar o espectador a abandonar um olhar neutro e qualquer
indiferença. Para argumentar, ele cita o pensador marxista italiano
Antonio Gramsci, para quem viver significa tomar partido. “Se
deixarmos de ser parasitas e nos tornarmos participantes ativos, o
mundo será um lugar melhor. Temos que nos recuperar da falta de
humanidade que a sociedade contemporânea está passando; é
intolerável e inaceitável”, aponta. “Sou apenas um arquiteto que faz arte, mas sei que a grande arte tem esta característica de representar um grito
desesperado para que todos
nós nos
tornemos humanos novamente.”
![]() |
. . |
![]() |
. |
![]() |
Sobre sua conquista do Prix Pictet, Alfredo Jaar faz questão de colocar em primeiro plano que a política precisa ser o norte para toda e qualquer experiência com a arte. Ele cita como exemplo seu trabalho com “The End”, a série de fotos que registra o que provavelmente será o fim do Grande Lago Salgado (Great Salt Lake) de Utah, explicando que sua intenção, antes de tudo, foi alertar que a questão ecológica é sempre uma questão política. Na sua avaliação, a destruição e a perda do lago se tornou uma tragédia de magnitude incalculável, uma tragédia ambiental, econômica e humanitária, e um sinal de acontecimentos também assustadores que estão por vir no futuro próximo, afetando toda a experiência humana no planeta Terra.
“O
fim do Grande Lago de Utah é mais um sinal inequívoco
do
fracasso da civilização”, ele alerta, em
entrevista ao The Guardian, enquanto
reconhece que, nas últimas décadas, desde o século passado, o
fracasso junto
com a incapacidade de mudar tem
sido uma constante para
a
civilização contemporânea. “Reconheço
que sou
um idealista e um utópico, um
passageiro
das utopias.
Quero
mudar o mundo, mas
tenho fracassado o
tempo todo porque ainda
não
consegui mudá-lo. Eu não consegui mudar nem
a realidade
mais
próxima ao
meu redor, mas
ainda tenho esperança de que todos nós, juntos, talvez possamos
conseguir”, completa.
Para
Alfredo Jaar, artista visual
e
ativista que vem se consagrando como um dos mais premiados de nossa
época, a esperança é a última que morre.
por
José Antônio Orlando.
Como citar:
ORLANDO,
José Antônio. Imagens
do fim dos tempos.
In:
Blog Semióticas,
6
de outubro
de 2025. Disponível em:
https://semioticas1.blogspot.com/2025/10/imagens-do-fim-dos-tempos.html
(acesso
em .../.../…).
![]() |
Para uma visita ao site de Alfredo Jaar, clique aqui.
Para comprar o catálogo Alfredo Jaar: